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A GEOMETRIA ESCOLAR EM PORTUGAL E NO BRASIL: POSSIBILIDADES DE UM ESTUDO COMPARATIVO

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A GEOMETRIA ESCOLAR EM PORTUGAL E NO BRASIL:

POSSIBILIDADES DE UM ESTUDO COMPARATIVO

Maria Célia Leme da Silva GHEMAT/UNIBAN – SP mcelialeme@gmail.com

Palavras-chave: geometria escolar, estudo histórico comparativo, história da educação matemática.

INTRODUÇÃO

O presente artigo intenta discutir, apontar e analisar possibilidades, maneiras de realizar um estudo histórico comparativo, considerando a experiência vivenciada na investigação que teve como objetivo estudar a trajetória do ensino de geometria no Brasil e em Portugal, durante o Movimento da Matemática Moderna (MMM). O estudo em questão foi desenvolvido no âmbito do Projeto de Cooperação Internacional CAPES/GRICES, intitulado “A Matemática moderna nas escolas do Brasil e de Portugal: estudos históricos comparativos”, realizados no ano de 2006.

Movimento da Matemática Moderna – foi como se tornou conhecida a proposta de mudança curricular no ensino da matemática da educação básica, discutido ao longo da década de 1950 e que teve suas ações de implantação e divulgação no decorrer das décadas de 1960-70. Movimento de âmbito internacional, com a participação de profissionais de diferentes áreas, entre eles, matemáticos, educadores, pedagogos, psicólogos, professores e com diversas ações de elaboração, implantação e divulgação das propostas do MMM. Nos EUA, destaca-se a formação de grupos de estudo para produção de textos didáticos, entre eles, o School Mathematics Study Group (SMSG), criado em 1958, com financiamento da National Science Foundation (NSF) e que teve seus materiais traduzidos para 15 línguas diferentes (D´AMBROSIO, 1987). Na Europa, o Seminário de Royaumont, promovido pela Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), na França, em 1959, contou com a presença de representantes de dezoito países e é considerado uma referência para o início da reforma curricular na Europa.

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O ENSINO DE GEOMETRIA NO CENÁRIO INTERNACIONAL

O Movimento da Matemática Moderna visa promover mudanças significativas no currículo de geometria. A frase “Abaixo Euclides!” pronunciada por Dieudonné1 no Seminário de Royaumont torna-se emblemática no Movimento. Muitas são as interpretações desta frase em diferentes países, e conseqüentemente mais de uma proposta é apresentada para o ensino de geometria de modo a encontrar aquela que melhor responda aos objetivos do MMM. Entretanto, o consenso, se assim pudermos chamar, é que não se pode mais permanecer com a Geometria de Euclides2, com os seus axiomas e da forma como vinha sendo ensinada, é preciso, romper com a tradição escolar do ensino da Geometria de Euclides.

No Seminário de Royaumont, duas perspectivas diferentes são evidenciadas. A primeira perspectiva para o ensino de geometria, defendida por Dieudonné, trata-se de um programa de geometria totalmente baseado nos vetores e espaços vetorias. Dois princípios sustentam a proposta: o primeiro é que só podemos desenvolver uma teoria matemática de forma axiomática quando os estudantes já estejam familiarizados com as questões nas quais a teoria se aplica, o que significa, trabalhar certo tempo sobre uma base experimental, fazendo constantemente apelo a intuição. O segundo princípio é que ao introduzir a dedução lógica, devemos sempre apresentá-la com uma honestidade rigorosa, ou seja, sem dissimular as lacunas e problemas de raciocínio (OECE, 1961a, p. 40). A segunda perspectiva, proposta pelo professor Botsch, defende uma concepção dinâmica para o ensino da geometria e propõe o estudo das transformações geométricas, baseada na teoria dos grupos.

Se Royaumont é um marco nas discussões do MMM na Europa, podemos considerar a Primeira Conferência Inter-Americana sobre Educação Matemática (CIAEM), realizada na Colômbia, em 1961, como o marco correspondente na América. Neste encontro, Howard Fehr é convidado a debater acerca da Reforma do Ensino da Geometria e aponta duas tendências. A primeira baseada na modificação dos axiomas de Euclides proposta por George David Birkhoff e adaptada por Edwin Moise nos textos experimentais utilizados nos Estados Unidos. A segunda baseada em Felix Klein propõe o desenvolvimento do ensino da geometria pelo grupo das transformações (FEHR, 1961, p. 7-8). Fehr ainda ressalta, em seu discurso, a necessidade de idéias

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novas e audazes no ensino de geometria que nos libertem de Euclides, tese já defendida por Dieudonné em Royaumont. Para finalizar propõe um programa de ensino de geometria:

antes de ingressar na escola secundária, aos 11 anos ou mais, as crianças já devem ter adquirido uma grande quantidade de idéias matemáticas, todas elas de natureza física. Aproveitando esses conhecimentos e utilizando métodos de laboratório, o aluno pode adquirir e empregar toda a informação contida nos elementos de Euclides sobre Geometria plana e do espaço... Entre os 14 e 15 anos o aluno encontrará trabalho dedutivo adicional em Álgebra ao estudar novos sistemas numéricos e a estrutura algébrica. Aos 15 e 16 anos deverá ser capaz de combinar a Álgebra com a Geometria, em um estudo de geometria plana afim.” (FEHR, 1961, p. 15-16)

Dando continuidade às discussões iniciadas em Royaumont, a OECE organiza uma sessão de trabalho de 21 de agosto a 19 de setembro de 1960, na Iugoslávia, Seminário Dubrovnik e que tem seus resultados publicados no livro “Un programme moderne de mathématiques pour l´enseignement secondaire”, em 1963. Esta obra é traduzida pelo professor Jacy Monteiro3 e publicado no Brasil pelo GEEM4, em 1965 com o título “Um programa moderno de matemática para o ensino secundário”.

Se, no Encontro de Royaumont e no I CIAEM são apresentadas e debatidas perspectivas teóricas para o ensino de geometria, em Dubrovnik, a preocupação é em como as idéias propostas anteriormente podem ser concretizadas no currículo escolar, ou seja, quais conteúdos devem ser destacados, quais os enfoques, quais as metodologias mais pertinentes para a proposta, chegando inclusive, a sugerir atividades para serem realizadas com os alunos.

Para o ensino de geometria relativo ao primeiro ciclo, as orientações são estabelecidas considerando três princípios:

1. não empregar uma terminologia difícil e prematura. A linguagem matemática correta será empregada no seu devido tempo. Definir as palavras novas no contexto em que são empregadas;

2. um modelo material (favorecendo a observação e a experiência) é a base a partir da qual pode-se desenvolver a abstração matemática.... A matemática é abstrata e se refere às relações entre coisas abstratas. Para o jovem, contudo, uma experiência concreta, rica e variada é uma etapa necessária à abstração;

3. é essencial que o aluno aprenda a pensar de uma maneira criadora e intuitiva. Com teste fim, deve ser dado ao aluno a ocasião para formular

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problemas e expor suas soluções. Naturalmente ele errará muito e dará soluções não válidas. (OECE, 1965, p. 67-69)

Além dos princípios, do elenco de conteúdos5 a serem desenvolvidos no programa moderno de matemática, a obra exemplifica como tais conteúdos devem ser desenvolvidos na sala de aula, ao apresentar sugestões de atividades. De modo geral, pode-se dizer que a grande maioria das atividades propostas para o ensino de geometria faz uso de materiais concretos, como varetas, varas metálicas, discos circulares de cartão, recipientes com formas de objetos geométricos, dobraduras. Predominam situações em que o aluno é levado a observar e identificar propriedades características a partir do material concreto e tirar conclusões, em outras palavras, realizar uma investigação experimental.

A ênfase na manipulação concreta é tal que as conclusões sugerem um espaço particular para o desenvolvimento da nova proposta:

Os métodos preconizados exigem muito material e lugar para guardá-los. O uso cada vez mais freqüente, em certas regiões, de colocar uma sala unicamente à disposição das aulas de matemática, deve ser imitado. Primeiro, todo o material está ao alcance, o que é prático; segundo, os alunos têm acesso fácil aos aparelhos interessantes para a matemática, a qualquer momento; em terceiro lugar, existem inúmeras ocasiões para mostrar modelos matemáticos, gráficos, planos, informações, etc, que fazem da sala um lugar estimulante e atraente para se trabalhar. (OECE, 1965, p. 98)

Observa-se ainda que a geometria proposta em Dubrovnik é desenvolvida, no 1º ciclo, por meio das transformações geométricas. Na verdade, reafirma a defesa de Dieudonné em trabalhar numa base experimental com os alunos, de forma intuitiva, antes de apresentar uma teoria axiomática, a ser realizada somente no 2º ciclo.

Pode-se dizer que o consenso presente nos encontros internacionais que preconizam o MMM é que a velha e conhecida Geometria de Euclides não responde mais aos objetivos propostos para o ensino da matemática. Na proposta modernizadora, se faz necessário mudar conteúdos e metodologia para o ensino de geometria e debate-se qual debate-será a geometria mais adequada aos novos propósitos. Em relação aos conteúdos, temos diversas possibilidades: transformações geométricas, novos axiomas baseados nos números reais ou ainda vetores e espaços vetoriais. Na metodologia, a proposta é iniciar por uma geometria experimental antes de realizar a axiomatização e formalização, na qual o uso de materiais concretos ganha destaque especial.

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Em síntese, o programa moderno de matemática no que diz respeito ao ensino de geometria propõe mudanças significativas na prática pedagógica, como alterar conceitos, até então arraigados ao cotidiano escolar e introduzir novos métodos de ensino. Enfim, uma proposta bastante desafiadora para a época.

COMO NO BRASIL E EM PORTUGAL A PRODUÇÃO DIDÁTICA APROPRIA-SE DO IDEÁRIO DO MMM PARA O ENSINO DE GEOMETRIA?

Antes de tratar especificamente do ensino de geometria, se faz necessária uma breve discussão de como se dão as primeiras ações de implementação das mudanças propostas pelo MMM no Brasil e em Portugal. Pode-se dizer que tanto no Brasil como em Portugal, o início do MMM, no que diz respeito às práticas pedagógicas das aulas de matemática da educação básica, é praticamente o mesmo, final do ano de 1963 e início de 1964. Em Portugal, no ano de 1963 é nomeada, pelo Ministro da Educação, uma Comissão de estudos para a modernização do ensino da Matemática, presidida por José Sebastião e Silva, que tem a incumbência de elaborar o material didático a ser experimentado, em caráter preliminar, no 6º. ano liceal6, nas turmas-piloto, a partir do ano letivo de 1963-64. No Brasil, o primeiro livro didático publicado com a abordagem moderna é escrito por Osvaldo Sangiorgi, no ano de 1963, pela Companhia Editora Nacional, para ser utilizado no ano letivo de 1964, destinado a 1ª. série do ginásio7.

As ações iniciais para a implementação do MMM em Portugal e no Brasil já nos revelam que, mesmo tratando-se um Movimento internacional, com objetivos gerais a serem atingidos por todos, a forma de apropriação é distinta, se faz necessário levar em consideração a cultura específica de cada país de modo a entender como o ideário do MMM chega as escolas. Para os objetivos desta comunicação, cabe a pergunta: E em relação ao ensino de geometria? Como Brasil e Portugal se posicionam frente às recomendações dosencontros internacionais?

A comparação feita das primeiras ações do MMM no Brasil e em Portugal é problemática pois em relação ao ensino de geometria o material produzido é direcionado para alunos diferenciados tanto no diz respeito à idade, como ao público-alvo. Assim, caberá parametrizar as comparações pelos ciclos de escolaridade: o 1º ciclo, dos 11 aos 14 anos e o 2º ciclo, dos 15 aos 17 anos. Nesta comunicação nos atemos ao 1º ciclo.

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Podemos dizer que no Brasil, a proposta modernizadora para o ensino de matemática é introduzida pela coleção de livros didáticos de Osvaldo Sangiorgi, e tem seu 1º volume publicado no ano de 1964. Os demais são publicados ano a ano, completando a coleção para o 1º ciclo, no 4º volume, em 1967. O ensino de geometria, nesta altura, é desenvolvido a partir da 3ª série ginasial (alunos de 13 anos) e é a obra de 1966 que inaugura o ensino de geometria segundo a abordagem moderna. Na apresentação da obra, Sangiorgi destaca as novidades:

Meu caro estudante:

Neste livro – terceiro da série do ensino moderno da Matemática no Ginásio – você entrará em contato com uma porção de coisas novas. (...) Finalmente, vem o “bom-bocado” do livro: o estudo da Geometria. Agora, não será mais preciso que você decore enfadonhos teoremas e mais teoremas, contra o que, erradamente, alguns colegas mais adiantados costumavam “preveni-lo.” (Sangiorgi, 1969)

De maneira geral, no que diz respeito ao ensino de geometria, Osvaldo Sangiorgi não abandona a Geometria de Euclides, acrescenta aos seus axiomas os postulados da medida, aproximando-se da proposta utilizada nos textos experimentais produzidos nos Estados Unidos. Há ainda uma mudança significativa na metodologia do ensino de geometria nos livros didáticos modernos de Sangiorgi, que passam a enfatizar o processo de exploração intuitiva pelo aluno e salienta a importância de que ele encontre sua maneira própria de realizar as demonstrações, ao invés de decorar demonstrações prontas. Entretanto, as demonstrações estão presentes e baseiam-se na Geometria de Euclides. A proposta da Geometria das transformações é apresentada no apêndice do livro, de maneira breve e sintética. E em Portugal? O que se faz no mesmo período e no mesmo ciclo?

No período de 1963 a 1967, em Portugal, a experiência desenvolvida com as turmas-piloto (alunos de 16 e 17 anos) é bem avaliada e o número de turmas amplia a cada ano. Entretanto, nas séries iniciais do secundário, ao que tudo indica, o processo de mudança curricular se dá de maneira distinta, não há trabalho experimental com alunos e professores previamente selecionados. Em relação aos livros didáticos, nesse período ainda vigora o regime do livro único, que compreende o período de 1945 a 1973 (Almeida, 2007). Especificamente, para o ensino de geometria, nos primeiros anos do curso secundário, há um autor que se destaca na aprovação dos compêndios de geometria nos concursos para o livro único: António do Nascimento Palma Fernandes.

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Mesmo sem termos realizado um levantamento dos manuais didáticos aprovados para o 1º ciclo em Portugal, durante o regime de livro único, encontramos dois exemplares do manual “Elementos de Geometria” de autoria de Palma Fernandes. O primeiro deles, é destinado aos 4º, 5º, e 6º anos dos Liceus (alunos de 14 a 16 anos), data de 1947 e está na 3ª edição e o segundo destinado ao 2º ciclo dos liceus (alunos de 13 a 15 anos) em que na contra-capa apresenta a rubrica de Livro único e a referência “Aprovado oficialmente como livro único (D.o do G.o n.o 92, II Série, de 13 de Abril de 1962)”. Ou seja, como a periodicidade de vigência do livro único era de 5 anos, pode-se dizer que enquanto no Brasil, Osvaldo Sangiorgi publica, em 1966, em sua coleção “Matemática Curso Moderno”, uma proposta bastante diferenciada para o ensino de geometria em relação a sua coleção anterior, em Portugal, as mudanças, vindas pelo MMM para as séries iniciais parecem demorar mais. O livro “Elementos de Geometria” de Paula de Fernandes, de 1962, que usamos na comparação, é destinado aos alunos do 3º, 4º e 5º ano dos Liceus (alunos de 13 a 15 anos), ou seja, o início do ensino de geometria, no Brasil e em Portugal, se dá na mesma idade, 13 anos. Entretanto, o livro de Palma Fernandes não faz menção nenhuma às mudanças decorrentes do MMM, pelo contrário, traz na apresentação da obra, a seguinte nota:

Nota importante

Os teoremas, corolários e problemas cujos enunciados estão impressos em tipo mais forte são os indicados como obrigatórios pela circular no. 2026 da Direção-Geral do Ensino Liceal, de 14 de Março de 1956. (Fernandes, 1964, p.8)

Ou seja, a presença obra permanece em acordo com a legislação vigente. Fora isso, para cada ano, antes de iniciar os conteúdos, Fernandes apresenta o Programa estabelecido pela legislação. Outro fator importante é que os conteúdos desenvolvidos são bastante próximos, em ambos os países é desenvolvida a geometria plana, tanto para os 3º e 4º anos do Liceu, que corresponde no Brasil, como para as 3ª e 4ª série ginasial (ambos alunos de 13 e 14 anos).

O livro de Palma Fernandes desenvolve a geometria de Euclides de maneira tradicional, não há alterações nos axiomas, nem há apresentação de transformações geométricas, segue em ligação estreita o programa aprovado em 1956. Entretanto, é preciso salientar um capítulo introdutório do livro, denominado Conjuntos. Esse tema não está presente no programa oficial, e é considerado um conteúdo novo proposto pelo

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MMM, com o objetivo de que a matemática deva utilizar a linguagem moderna, que é a da teoria dos conjuntos. Numa primeira análise, esse parece ser o único vestígio do MMM presente na obra, nos demais temas, predomina o ensino da geometria de Euclides de uma maneira formal, com a apresentação e desenvolvimento de teoremas e mais teoremas, com sua dedução lógica.

Diante do aqui exposto, algumas questões são postas. Portugal e Brasil encontram-se numa fase de implementação das propostas modernizadoras do ensino de matemática, entretanto muitas são as diferenças identificadas, em relação ao ensino de geometria. Quais as razões que justificariam essa diferenciação?

A primeira explicação para as mudanças do ensino de geometria no Brasil e em Portugal acontecerem em momentos distintos por ser de como os diferentes autores que são considerados referências em manuais didáticos apropriam-se do MMM. Paula Fernandes, não está presente na Comissão que irá desenvolver o material a ser experimentado nas turmas-piloto. Fora isso, Sebastião e Silva – que é a liderança nesse momento para a implementação da proposta modernizadora – tece severas críticas à prática pedagógica das aulas de matemática, em particular, sobre os exercícios:

Mas, visto que o objetivo fundamental é modernizar e melhorar o ensino (grifo do autor), pede-se a todos os leitores o obséquio de colaborarem nesta tarefa, fazendo uma crítica construtiva do que se encontra aqui exposto. O nosso ensino encontra-se viciado até à medula pelo sistema de exercícios em série – geralmente artificiosos, mecanizantes e massacrantes (como as contas no ensino primário) – com os quais se procura averiguar indiretamente (grifo do autor) se o aluno assimilou bem a matéria. É no sentido de combater este vício que devem convergir, em grande parte, os esforços de todos os professores do ensino liceal. (Silva, 1964, p. 165-166).

Claro está que não há menção a nenhuma obra particular, porém Palma Fernandes é um dos autores que tem muitos livros publicados específicos de exercícios de matemática para os diferentes graus de ensino. Tudo indica que Palma Fernandes não é um defensor das idéias propostas pelo MMM e não chega a produzir livros com essa abordagem. Já Osvaldo Sangiorgi esteve nos EUA no início dos anos 1960 fazendo cursos de verão e toma contato com os grupos de estudos norte-americanos que produziam e experimentavam materiais didáticos elaborados segundo a proposta do MMM e ao retornar ao Brasil passa a ser o grande divulgador e defensor do Movimento.

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Neste sentido, é importante considerar a circulação dos autores. Sangiorgi traz em sua obra características de como o MMM se desenvolve nos EUA, certamente a opção por manter a geometria de Euclides com a inclusão dos axiomas de medidas e deixar a geometria das transformações para o apêndice tem uma ligação com o material didático produzido nos diferentes grupos de estudo com os quais mantem contato nos EUA. Em Portugal, quem faz a contato com os debates internacionais acerca do MMM é Sebastião e Silva e alguns professores dos Liceus que chegam a participar de congressos e seminários internacionais, porém Palma Fernandes não se encontra entre eles.

A possibilidade de comparar um mesmo momento através de duas realidades distintas nos ajuda a compreender melhor questões particulares de cada cultura. Valente ao discutir a importância da história comparativa que:

Há que ser reconhecida que a produção histórica carrega uma tradição de ser produzida nacionalmente. Os estudos históricos comparativos colocam a questão do trânsito entre países, entre culturas, permitindo que determinados problemas sejam compreendidos para além do que poderiam ser os seus determinantes regionais. (Valente, 2006, p.5)

Ainda estabelecendo comparações sobre o ensino de geometria nos primeiros anos do ensino secundário, daremos um salto no tempo para o início da década de 1970, momento em que o MMM ganha expansão tanto no Brasil como em Portugal. Agora, a produção didática com as novas propostas do MMM prolifera e, eventualmente, livros didáticos que se destacaram nos anos de 1960, não se sustentam na década seguinte, outros autores se apresentam, e podemos dizer que temos um segundo momento do MMM, o da consolidação das propostas.

Chamamos a análise duas novas coleções de livros didáticos de matemática no Brasil e uma coleção em Portugal. A razão pela escolha de tais coleções é que ambas incorporam uma das propostas defendidas pelo MMM quanto ao ensino de geometria: o ensino das transformações geométricas.

No Brasil, no início da década de 1970, é publicada a coleção Curso Moderno de Matemática para o Ensino de 1º grau8 da coleção GRUEMA de autoria de Anna Averbuch, Franca Cohen Gottlieb, Lucília Bechara Sanches e Manhúcia Perelberg Liberman sob a supervisão de Jacy Monteiro. Nessa obra, as transformações

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geométricas são incorporadas ao rol de conteúdos relacionados ao ensino de geometria, sem, contudo deixar de lado a geometria de Euclides. A obra apresenta claramente uma abordagem metodológica que convida os alunos a participar e apresenta atividades diversas sobre as transformações. Uma primeira análise evidencia que a inclusão dessa nova abordagem não é considerada no desenvolvimento da geometria axiomática, não apresenta relações com o ensino de geometria, fica a impressão de ser um tema a mais a ser trabalhado. Uma outra coleção, ainda no Brasil, publicada pela UFBa – Centro de Ensino de Ciências da Bahia (CECIBA), também apresenta a matemática moderna. Segundo LEME DA SILVA e CAMARGO (prelo):

O volume II foi escrito em 1968 e o volume III em 1969, por Martha, Eliana, Norma, Eunice e Neide sob orientação de Catunda. Nos conteúdos dos três volumes que foram publicados pelo CECIBA, constam à inserção da teoria dos conjuntos, das estruturas, lógica e geometria pelas transformações geométricas, ou seja, conteúdo proposto pelo Movimento da Matemática Moderna.

Nessa coleção, está presente a inclusão da proposta das transformações geométricas, porém a maneira como ela é tratada distingue-se da utilizada pelo GRUEMA. Na coleção do CECIBA, a geometria é desenvolvida pelas transformações geométricas, não se trata de uma complementação, as transformações são apresentadas e incorporadas ao desenvolvimento da geometria, são utilizadas como ferramenta na demonstração dos teoremas.

E em Portugal? As transformações geométricas ganham espaço nos livros didáticos? A resposta é sim, num momento posterior aquele inicial.

Encontramos uma coleção de livros didáticos “Compêndio de Matemática” de autoria de António de Almeida Costa e Alfredo Osório dos Anjos, sem data de publicação, em que no seu II volume, encontramos as transformações geométricas. Na contra-capa, lê-se: “Compêndio impresso ao abrigo do Decreto-lei no. 47 587 de 10-3-967. No prefácio, o anúncio da modernização:

Se o processo de modernização do ensino da Matemática se estende a todos os seus ramos, no estudo da geometria “o rompimento com os moldes tradicionais é definitivo”.

Deseja-se que “a uma geometria inerte suceda uma ciência dinâmica que, nesta primeira fase, ganhe vida no uso dos instrumentos e, uma vez ou outra, use processos dedutivos. A chegada ao conceito de vetor é a base desse dinamismo; as transformações geométricas são a sua filosofia própria”. (COSTA e ANJOS, s/d)

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Uma análise inicial indica que as transformações são realmente incorporadas ao ensino de geometria, são tratadas junto ao ensino de geometria, porém de maneira distinta das duas abordagens encontradas no Brasil. Uma vez mais, estamos diante de apropriações distintas acerca de uma mesma proposta para o ensino de geometria, o das transformações geométricas. Novas questões são colocadas para compreender as particularidades de cada uma delas. Será uma coincidência a proposta para o ensino de geometria incluindo transformações geométricas ser incorporada aos livros didáticos num momento posterior ao inicial? Quais elementos estão em jogo para a produção de diferentes apropriações acerca de uma mesma proposta de ensino de geometria? Alguns desses livros ganham destaque e tornam-se referência para o ensino de geometria da época? Quais os motivos que justificam a aceitação ou não da proposta modernizadora do ensino de geometria?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como dissemos na introdução, o presente trabalho está em fase de desenvolvimento. As considerações aqui levantadas sobre os livros didáticos são bastante iniciais. Trata-se de uma investigação que caminha em paralelo, procurando estudar a trajetória do ensino de geometria no Brasil e em Portugal em tempo do MMM. No Brasil, duas dissertações de mestrado estão sendo desenvolvidas para analisar cada uma das duas coleções que introduziram o estudo das transformações geométricas no Brasil, sob nossa orientação. Em Portugal, pretendemos realizar um estudo similar, em conjunto e paralelo, de modo a compreender o significado dado por cada uma dessas coleções em relação ao ensino de geometria. Há ainda a necessidade de ampliar essa investigação para o 2º ciclo do secundário, em que as orientações são diferenciadas.

Um elemento a ressaltar nesse processo de investigação é a produção simultânea da pesquisa desenvolvida no Brasil e em Portugal. Não se trata de realizar estudos separados e num momento posterior tentar estabelecer comparações. A forma como o projeto vem sendo desenvolvido e a ausência de pesquisas anteriormente realizadas sobre a temática em ambos os países permitem que o processo seja construído com o uso das fontes encontradas lá e cá. Certamente, as análises, as interpretações seriam distintas se nos restringíssemos a um único local. Valente (2006) destaca como sentido

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maior das investigações históricos-comparativas, “o desafio de pensar em investigações que trabalhem sem limitantes locais, regionais, com a idéia de descontinuidade”.

1

Jean Dieudonné pertence ao grupo de matemáticos franceses, intitulado Nicolas Bourbaki, fundado em 1934, com a proposta de escrever uma nova obra sobre Análise Matemática. Esta proposta inicialmente modesta, com o passar do tempo ganha dimensão monumental, e tem como objetivo organizar a Matemática como um todo. A visão de Matemática expressa pelos Bourbaki, considera a Matemática como um edifício dotado de uma profunda unidade, sustentada pela teoria dos conjuntos e hierarquizada em termos de estruturas abstratas, entre elas, algébricas e topológicas. (Pour la Science, 2000, p. 32).

2

O termo Geometria de Euclides é usada no contexto geometria baseada sobre os axiomas dos elementos de Euclides e Geometria Euclidiana é usada como estudo das propriedades do espaço euclidiano. (OECE, 1965, p. 151)

3

Luiz Henrique Jacy Monteiro (1921-1975) foi professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.Quando Jean Dieudonné visitou o Brasil em 1946, para dar curso de “Álgebra moderna” e “Grupos de Galois”, Jacy Monteiro exerceu a função de auxiliar de ensino daquele curso. (DUARTE, 2007, p. 314). Participou ativamente das atividades do GEEM, desde sua criação, ministrando cursos, publicando livros-textos, sendo inclusive responsável pelo Departamento de Publicações do GEEM (DUARTE, 2007, p. 325)

4

GEEM – Grupo de Estudos de Educação Matemática, criado em 1961, em São Paulo, foi o grupo de maior repercussão, na divulgação do MMM no Brasil.

5

A lista de assuntos estudados em geometria (para alunos de 11 a 14 anos) é: vetores, adição, subtração, multiplicação por um escalar; ângulo; simetria, transformações estudadas de um ponto de vista físico e intuitivo para a pesquisa das propriedades das figuras, as transformações serão efetuadas por meio de: a) papel dobrado; b) reflexão; c) rotação, d) translação, e) recorte, f) pontos espaçados regularmente sobre circunferências e os polígonos regulares; transformações algébricas simples, representações gráficas simples em álgebra, idéias fundamentais incluídas no conceito de área, de volume, teorema de Pitágoras e suas extensões; propriedades não métricas da reta e do plano e introdução a notação de conjuntos; semelhança e leis associadas nas áreas e volumes; trigonometria: seno, cosseno, tangente e suas aplicações e emprego de curtas “demonstrações lógicas” para justificar algumas propriedades geométricas vistas anteriormente numa base intuitiva (OECE, 1965, p. 69-70)

6

Alunos de 16 anos de idade. Corresponde ao 2º.Colegial do atual Ensino Médio brasileiro.

7

Alunos de 11 anos de idade. Corresponde ao 6º. Ano do atual Ensino Fundamental brasileiro.

8

Em 1971, é aprovada LDB 5691/71 – Lei de Diretrizes e Bases na Educação, que altera o sistema educacional brasileiro. A nova estrutura é composta de 11 anos de escolaridade, sendo que os primeiros 8 anos correspondem ao 1o grau e os outros 3, ao 2o grau.

BIBLIOGRAFIA

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