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Análise da historiografia brasileira sobre a classe operária: uma perspectiva cultural

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Academic year: 2021

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Análise da historiografia brasileira sobre a classe operária: uma perspectiva cultural

Igor Guedes Ramos * André Luiz Joanilho **

Resumo: Por volta da década de 1970, os historiadores brasileiros passaram a se dedicar ao

estudo da formação da classe operária nacional. Até então, os escritos a respeito deste tema eram produzidos por sociólogos, cientistas políticos ou, ainda, militantes políticos. Essa “tardia dedicação” e as posteriores polêmicas a respeito das interpretações podem ser explicadas pelas condições da produção historiográfica, isto é; as condições socioculturais da sociedade brasileira, o “lugar” da produção historiográfica (ou acadêmica) nesta sociedade e as relações internas do “lugar” desta produção. Destarte, a produção historiográfica se apresenta como produção cultural, que transforma materiais brutos (memória) em materiais culturais (história), atribuindo sentido e cientificidade; de acordo com um “lugar” sociocultural e temporal, uma “prática” e uma “escrita”.

Palavras-chave: Historiografia – Produção acadêmica – Classe operária.

Abstract: About 1970’s decade, Brazilian historians passed to be dedicated to the study of the

national worker class formation. Until then, the written about of this theme were produced by sociologists, political scientists or, yet, political militant. This “tardy dedication” and the posterior polemics about the interpretations can be explained by terms of the historiographical production, that is; the sociocultural terms of Brazilian society, the “place” of the (or academic) in this society and the “place” internal relations of this production. Like this, historiographical production introduces as cultural production, which transforms rude materials (memory) in cultural materials (history), attributing sense and rationality; in agreement with a sociocultural and temporary “place”, a “practice” and a “writing”.

Key-words: Historiography – Academic production – Working class

* Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina, na linha de pesquisa Culturas,

Representações e Religiosidade, orientando do Prof. Dr. André Luiz Joanilho, bolsista CAPES.

** Pós-Doutor em História, docente do departamento de História do Centro de Letras e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Londrina.

Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

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A formação da classe operária brasileira tem seu início por volta de 1890, quando ocorre um surto de desenvolvimento industrial principalmente nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, simultaneamente surgem os primeiros escritos a seu respeito, produzidos, em geral, por seus próprios membros. Contudo, a maioria dos estudos de caráter acadêmico, a respeito da formação da classe operária brasileira, são produzidos a partir da década de 1960, quando sociólogos e cientistas políticos adotaram a classe operária como objeto de estudos.

Entre os historiadores essa “adoção” é ainda mais tardia, ocorrendo apenas na década de 1970. Apesar disso, a partir deste momento, muitas pesquisas historiográficas foram empreendidas, muitos textos foram produzidos e muitas controvérsias surgiram devido às distintas formas de interpretação da classe operária e às mudanças teórico-metodológicas.

Para compreendermos a introdução tardia da classe operária como objeto de estudo da produção acadêmica ou, ainda, as controvérsias entre as distintas interpretações historiográficas; é preciso verificar o “lugar” na estrutura sociocultural de onde os historiadores – ou acadêmicos em geral – falam, ou seja, o “lugar” que permite, modela, legitima e consome suas falas:

Antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela. Esta instituição se inscreve num complexo que lhe permite um tipo de produção e lhe proíbe outros. Tal é a dupla função do lugar. Ele torna possíveis certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns. Mas torna outras impossíveis; exclui do discurso aquilo que é sua condição num momento dado; representa o papel de uma censura com relação aos postulados presentes (sociais, econômicos, políticos) na análise. Sem dúvida, esta combinação entre permissão e interdição é o ponto cego da pesquisa histórica e a razão pela qual ela não é compatível com qualquer coisa.1

Destarte, o “lugar” sociocultural da produção historiográfica – ou da produção acadêmica em geral – é a matriz de uma “prática” e de uma “escrita”.

A “prática” historiografia transforma, obedecendo a um código específico, a “matéria-prima” (elementos naturais) em “produto normatizado” (elementos culturais), isto é; transforma os arquivos, as curiosidades, as coleções, a memória, etc. em história. Ainda, a “prática” historiográfica é como uma “prática do desvio”, ou seja, é a tentativa do historiador de “preencher” as lacunas dos modelos anteriores, de analisar as especificidades que as

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interpretações anteriores não dão conta. Esse “desvio” se apóia no “lugar” da produção historiográfica, nas condições socioculturais contemporâneas à produção 2.

A “escrita” historiográfica, por sua vez, busca preencher as lacunas da pesquisa, dar uma inteligibilidade aos recortes documentais, proporciona uma inversão do tempo da “prática”; pois, o tempo da pesquisa vai do presente para o passado, o tempo do discurso vai do passado para o presente:

Quer participe (ou não) de uma temática do progresso, faça drenagem das longas durações ou conte uma seqüência de ‘episteme’, enfim, qualquer que seja o seu conteúdo, a historiografia trabalha para encontrar um presente que é o término de um percurso, mais ou menos longo, na trajetória cronológica (a história de um século, de um período ou de uma série de ciclos). O presente, postulado do discurso, torna-se a renda da operação escrituraria: o lugar de produção do texto se transforma em lugar produzido pelo texto. 3

A escrita historiográfica é um discurso de sentido, possuí uma cronologia que, por um lado, demarca uma “origem” e, por outro lado, visa o presente permitindo que a atualidade exista no tempo. Destarte, o discurso historiográfico, ao representar o passado, significa o presente e projeta o futuro, tecendo um sentido para a história. Como exemplo, levando em consideração sua grande influência na produção acadêmica brasileira a partir da década de 1960, a concepção marxista produz um determinado sentido à história, com caráter positivo, que estabelece o progresso irremediável da produção e, conseqüentemente, da consciência humana. Na perspectiva de Cornelius Castoriadis, o sentido da história no marxismo é explicado da seguinte forma:

Existe uma dialética da história que faz com que os pontos de vista sucessivos das diversas épocas, classes, sociedades, mantenham entre si uma relação definida (mesmo se muito complexa). Eles obedecem a uma ordem, formam um sistema que se desdobra no tempo, de maneira que o que vem depois ultrapassa (suprime conservando) o que estava antes. O presente compreende o passado (como momento ‘superado’) e por isso pode compreendê-lo melhor do que esse passado se compreendia a si mesmo. Essa dialética é, em sua essência, a dialética hegeliana; o que era para Hegel o movimento do logos, torna-se em Marx o desenvolvimento das forças produtivas e a sucessão de classes sociais que marca suas etapas não tem, em relação a isto, nenhuma importância. [...] esta dialética é a dialética da aparição sucessiva de diversas classes na história, ela não é mais, necessariamente, infinita de direito; ora, a análise histórica mostra que ela pode e deve completar-se com o aparecimento da ‘última classe’, o proletariado. 4

2 Cf. Ibid., p. 77-80.

3 Ibid., p. 97-98.

4 CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982,

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É de acordo com esta perspectiva, que analisamos a produção (ou a não produção) acadêmica nacional, dedicada ao estudo da formação da classe operária brasileira, que somente ganha volume em meados da década de 1960. Pois, até a década de 1920, a produção a respeito dos movimentos operários era de autoria de militantes anarquistas como, por exemplo, Everardo Dias, Edgar Rodrigues, Edgard Leuenroth, Gigi Damiani; com conteúdo apologético à parcela organizada do trabalhador urbano. Após a fundação do Partido Comunista em 1922, a produção passa a ser em maioria de militantes do partido, que consideram a classe operária brasileira pré-partido inconsciente, tendo como referência o modelo ideal de classe operária da concepção marxista 5.

É na década de 1920 que a produção acadêmica brasileira adquiriu maior contorno institucional e força pública. Este processo está associado, por um lado, à fundação da Universidade do Rio de Janeiro, em 1920 (transformada em 1937 em Universidade Federal); e a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934; ambas criadas com o intuito de formar a elite dirigente e cultural do país. E, por outro lado, na tentativa da intelectualidade brasileira em alcançar uma posição dominante perante o restante da sociedade, para isto; foi construído um discurso e uma prática que visava formar um campo acadêmico autônomo, hermético, homólogo ao campo político e que serviria de auxiliar ao Estado brasileiro. Neste sentido, os intelectuais apropriaram-se de concepções e problemáticas gerais, presentes entre diversos outros grupos socioculturais – como, por exemplo, a construção da nação e a organização social – e as elaboraram dentro do campo intelectual – por meio do positivismo, do darwinismo social, realismo, etc. – constituindo um saber que somente os próprios detinham a legitimidade de utilizar 6.

Esses intelectuais – herdeiros do pensamento positivista e formadores da ideologia do Estado Novo – “só pensam o proletariado do ângulo da construção da nacionalidade e, por aí, constatam sua imaturidade e inconsistência” 7; o “povo” brasileiro não tem forma, opinião ou vontade; deve ser guiado e moldado pela elite cultural brasileira. Tal pensamento emerge no discurso de diversos intelectuais do período como, por exemplo, de Francisco José de Oliveira Vianna:

5 PAOLI, Maria Célia; SADER, Eder; TELLES, Vera da Silva. Pensando a classe operária: Os trabalhadores

sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, São Paulo, n. 6, set. 1983, p. 132-135. & BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: Trajetória e tendências. In FREITAS, M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 146-148.

6 Cf. PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990, p. 19-57. 7 PAOLI, op. cit., p. 133.

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A realização de um grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite, de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele peleja.8

De Ignacio Manoel Azevedo do Amaral:

É preciso que sobre elas [as massas] se exerça a ação deflagradora da inteligência e da vontade de domínio que só se encontram como elementos do psiquismo das minorias [intelectuais].9

Ou, ainda, de Plínio Salgado:

Não podemos de maneira nenhuma cortejar a massa popular. Ela é o monstro inconsciente e estúpido [...] O povo já se escravizou, de há muito, aos seus exploradores. Não devemos bajular o escravo e sim salvá-lo do cativeiro, não com agrados, mas com a imposição de novas formas de mentalidade.10

Sendo o “povo” um “monstro inconsciente”, “estúpido”, escravizado, incapaz de elaborar e realizar um ideal coletivo, tarefa somente possível a uma minoria culta; não é de se estranhar, por exemplo, a ausência de estudos sobre os movimentos anarquistas das décadas de 1900 e 1910 nessa produção. Esses intelectuais, em geral, desconsideram a existência de uma classe operária brasileira organizada ou a importância dos movimentos sociais levados a cabo por esta.

Segundo Sergio Miceli 11 e Paulo Sergio Pinheiro 12, essa postura da elite intelectual brasileira, se explica por seus membros serem provenientes das classes dominantes do país. Entretanto, segundo Daniel Pécaut 13, apesar de algumas identificações ocasionais, esses intelectuais possuíam grande autonomia em relação aos outros grupos socioculturais, como assinala o discurso de Vianna:

A classe agrícola, a classe industrial, a classe comercial, a classe operária [...] vivem em estado de semiconsciência dos seus próprios direitos e dos seus próprios interesses, e de absoluta inconsciência da sua própria força. São classes dissociadas, de tipo amorfo e inorgânico.14

8 VIANNA, 1922 apud PÉCAUT, op. cit., p. 29. 9 AMARAL, 1930 apud PÉCAUT, loc. cit. 10 SALGADO, 1930 apud PÉCAUT, op. cit., p. 48.

11 Cf. MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo – Rio de Janeiro:

Difel, 1979, p. passim.

12 Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Trabalho industrial no Brasil: Uma revisão. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 14,

p. 119-131, out.-nov.-dez. 1975.

13 Cf. PÉCAUT, op. cit., passim.

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Destarte, os intelectuais da primeira metade do século XX – “detentores do conhecimento a respeito da realidade social e do progresso no Brasil” – se colocam em uma posição superior ao restante da sociedade e como auxiliares do Estado brasileiro. E é por meio deste Estado – autoritário e organizador – que eles vão transformar o “povo” em nação 15.

Este quadro sofre mudanças por volta de 1950, quando surgem estudos sobre o processo de modernização da sociedade brasileira:

A preocupação com a modernidade cedo se transformou, para parte dos pensadores, em uma preocupação com as forças sociais emergentes na rápida industrialização brasileira, isto é, com os grupos e classes que pudessem transformar as bases sociais e políticas do país. A presença operária propunha-se como uma destas forças, sendo, a um só tempo, decisiva e subalterna. 16

Com o golpe de 1964, a liderança do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a consistência política da classe operária é novamente questionada pelos intelectuais:

Pode-se perceber o que declaradamente está em jogo: a crítica aos esquemas do PCB e à cultura política neles baseada. Entretanto, distingui-se também uma volta às concepções de 1930: embora a maioria das análises se situe numa perspectiva marxista, resultam em diagnósticos negativos, com as classes sociais sempre sobressaindo por suas deficiências e o povo, por sua inconsistência política. 17

Este período, também é marcado pelo surgimento do marxismo universitário, que emerge com a constituição de um grupo denominado “Seminário de Marx”, em 1957. Este grupo era formado por auxiliares de ensino e estudantes da Universidade de São Paulo como, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni, Franciso Correia Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Juarez Brandão Lopes; que se dedicaram ao estudo e ao debate de autores marxistas. Cardoso e Ianni, pioneiramente, introduzem cursos sobre Marx na USP. Apesar da inovação teórica, este grupo mantém o rigor científico – característico do meio acadêmico uspiano – em oposição à “militância política” dos intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) 18.

Nesta atmosfera sociocultural surge a primeira produção de caráter acadêmico, a respeito da formação da classe operária brasileira como, por exemplo, o artigo

15 Cf. PÉCAUT, op. cit., p. 19-57. 16 PAOLI, op. cit., p. 134. 17 PÉCAUT, op. cit., p. 231.

18 Cf. SORJ, Bernardo. A construção intelectual do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,

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Situação e composição social do proletariado brasileiro (1961) 19 de Fernando Henrique Cardoso; fundamentado em modelos teóricos idealizados de classe operária e de desenvolvimento capitalista, assinala o baixo desenvolvimento industrial do país como responsável pela inconsciência política e desorganização sindical da classe operária, no período da Primeira República. Outro exemplo é o livro Sindicato e Estado (1966) 20 de Azis Simão; que assinala a classe operária pré-30 como independente ideologicamente e capaz de produzir ações coletivas eficientes, dentro dos limites de suas condições materiais; mas era impotente politicamente perante o processo de racionalização dos conflitos trabalhistas, iniciado na Primeira República e acelerado no pós-30 21.

Em linhas gerais, essa produção detém suas análises a respeito da formação da classe operária brasileira, por um lado, no modelo de desenvolvimento capitalista nacional e nas características do Estado brasileiro; e, por outro lado, na origem rural da classe operária e suas formas “pré-políticas” de organização. Logo, a classe operária é representada por estes acadêmicos como:

[...] trabalhadores heterogêneos que passam por um processo de mudança de vida abrupto, tomam consciência de si como indivíduos em mobilidade e tiveram a má sorte de se formarem como classe no interior de uma estrutura sindical tutelada pelo Estado.22

Influenciados pelas “sínteses sociológicas” e pela produção dos “brasilianistas” – como, por exemplo, Michael Hall e Sheldon Leslie Maram – que contribuíram para organização de arquivos e a introdução de procedimentos de pesquisa que são de praxe no ofício de historiador; os historiadores brasileiros produzem os seus primeiros textos sobre a formação da classe operária brasileira 23.

Entre esses, fazemos referência à obra Trabalho urbano e conflito social (1976) 24 de Boris Fausto. Por um lado, o autor incorpora as influências dos “brasilianistas” como, por exemplo, a fundamentação em ampla pesquisa documental, praticada no Arquivo do Estado de São Paulo, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, na Biblioteca Nacional e

19 CARDOSO, Fernando Henrique. Situação e composição social do proletariado brasileiro. Sociologie du

Travail. n. 4, 1961.

20 SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo: Editora Ática, 1981. 21 Cf. PAOLI, op. cit., p. 137-143. & BATALHA, op. cit., p. 148-150. 22 PAOLI, op. cit., p. 141.

23 Cf. BATALHA, op. cit., p. 150-152.

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no Arquivo Edgard Leuenroth. Por outro lado, ao declarar a inserção de sua obra na trilha dos estudos anteriores 25, verbaliza suas referências teóricas, a saber; o marxismo uspiano.

Na obra, Fausto dedica sua atenção as grandes organizações sociais de dominação e resistência, a saber; o Estado e os sindicatos. Como sendo os lugares legítimos de luta política e transformação da sociedade. Indicando que o Brasil, no início do século XX, possuía um baixo desenvolvimento industrial, uma vez que a base da economia residia na agro-exportação; e um Estado repressor, que não fornecia vias institucionais de representação política à classe operária. Taís fatos, somados a imigração de mão-de-obra de países com características semelhantes como, por exemplo, Itália; favoreceu a proliferação da ideologia anarco-sindicalista entre os trabalhadores. O movimento operário, embebido da ideologia anarco-sindicalista, reivindicava a destruição do Estado e não reconhecia a luta política como legítima, desta forma; excluindo a possibilidade de uma reforma ou revolução nos moldes marxista-leninistas.

A orientação da vanguarda anarquista teve assim um peso que não pode ser ignorado ao longo da história do movimento operário do período e na conjuntura de 1917-1920. Aí se atualizam as debilidades de uma teoria, às quais se poderiam acrescentar as oscilações entre uma estratégia insurrecional utópica e a mera identificação com as lutas espontâneas [...].26

A temática deste estudo não é estranha à temática existente entre os intelectuais desde a década 1960. Pois, assinala os germens do baixo desenvolvimento industrial, do Estado autoritário e da inconsciência da classe operária no Brasil. Esta perspectiva carrega uma função para classe operária e um sentido de história, a saber; a classe operária, no momento que estiver devidamente organizada politicamente, transformará as relações sociais atuais, criando uma sociedade mais livre e igualitária.

Na década de 1980, o debate historiográfico, a respeito da classe operária, cresce muito em produção e em perspectivas teóricas. Para isto, alguns fatores foram importantes, tais como; o aumento de programas de pós-graduação em todo o país, com o conseqüente aumento de dissertações sobre a classe operária; diminuição da repressão política, ampliando as liberdades civis; e as greves dos metalúrgicos do ABC paulista do final da década de 1970, que trazem de volta à cena as manifestações operárias, dotadas de

25 Cf. Ibid., p. 9.

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espontaneidade, criatividade e formas de ação externas ao sindicato, que não podem ser apropriadas ou substituídas por este, politizando todos os locais e os meios de resistência 27.

Estes fatores possibilitaram a apropriação de outros modelos teóricos como, por exemplo; os estudos de Edward P. Thompson, sobre a formação da classe operária inglesa, pensando-a como uma categoria que se define ao longo do processo histórico, pela experiência, não podendo ser pensada de acordo com um modelo estático; e de Michel Foucault, sobre as múltiplas instâncias que o poder atinge na sociedade. Assim, podemos imaginar que o caráter político da resistência operária pode ser encontrado nas fábricas, nas vilas operárias, nos momentos de lazer, etc.; e não somente nas grandes organizações de luta; sindicato e partido.

A obra Do cabaré ao lar (1986) 28 de Luzia Margareth Rago, desvia do modelo anterior; pois, trata as especificidades que a historiografia da década de 1970 não dá conta de explicar. Em linhas gerais, a autora entende os primeiros anos do movimento operário brasileiro, a partir das relações de dominação e resistência existentes no cotidiano do trabalhador e, principalmente, na luta do trabalho contra o capital no interior da fábrica.

[Os operários] [...] desenvolvem intensa atividade de crítica da cultura e das instituições e formulam todo um projeto de mudança social que engloba os pequenos territórios da vida cotidiana. Propõem múltiplas formas de resistência política, que investem contra as relações de poder onde quer que se constituam: na fábrica, na escola, na família, no bairro, na rua. Desvendando os inúmeros e sofisticados mecanismos tecnológicos do exercício da dominação burguesa. 29

A ênfase não está mais nas grandes estruturas de dominação e resistências (Estado, partido e sindicato), mas numa esfera micropolítica, como sendo um local legítimo de luta e possível de efetuar uma mudança que levaria a uma sociedade mais justa e igualitária.

Este e outros trabalhos, da década de 1980, dão voz às representações libertárias do início do século no Brasil. Esse desvio surge, em parte, da apropriação de teorias produzidas por pensadores estrangeiros, mas esta apropriação só pôde ocorrer por meio da constituição de uma outra representação de história e de classe operaria entre os acadêmicos brasileiros na década de 1980.

A possibilidade de transformação social não é mais determinada por uma estrutura social e organização política da classe operária, mas por condições históricas que

27 Cf. PAOLI, op. cit., passim.

28 RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 29 Ibid., p. 14.

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não podem ser previamente deduzidas por meio de um modelo teórico hermético. Entretanto, ainda existe a possibilidade de transformação da sociedade atual e da constituição de uma sociedade mais igualitária; ainda, que seja por outras vias.

Surge também, na perspectiva da década de 1980, a noção de resgate, isto é; o resgate das categorias libertárias como forma de identificar os germens revolucionários da classe operária brasileira do final da década de 1970:

Impressionados [, nós, os intelectuais] pelas demonstrações desses sinais de vida própria dos dominados [nas greves de 1978], muitos de nós nos voltamos para a interrogação do seu significado e de sua gestação. Vivemos todo um movimento intelectual de revisão histórica, buscando as raízes do presente, invisíveis nas formas passadas de representação do social.30

Existe aí um sentido de história, que nasce no movimento anarquista no início do século XX, passa pelas greves do ABC paulista do final da década de 1970 e, provavelmente, termina na futura revolução operária. Com a história resgatada; o presente foi explicado e identificado; e o futuro projetado.

Esta perspectiva de análise historiográfica permite pensar a historiografia como produção cultural, que transforma materiais brutos (memória) em materiais culturais (história), atribuindo sentido e cientificidade; de acordo com um “lugar” sociocultural e temporal, uma “prática” e uma “escrita”. Segundo Michel de Certeau 31, a consciência do “lugar” de onde se fala e de onde se faz história evita torná-la lenda ou impertinente a sociedade; um dizer sem “lugar” é o princípio do discurso ideológico, exclui a teoria e a crítica ao social. A consciência do “lugar” permite à historiografia a consciência de si e da sociedade. Não pensar a história como uma “prática” que transforma o natural em cultural, de acordo com regras e técnicas próprias do tempo e do “lugar” de onde fala o historiador (produtor), é colocar a produção historiografia ao lado da lenda, do romance, já que; só é científica a operação que transforma o presente; por meio da transformação dos elementos naturais em culturais, ou seja, das fontes em história.

30 PAOLI, op. cit., p. 130.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: Trajetória e tendências. In FREITAS, M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2003.

CARDOSO, Fernando Henrique. Situação e composição social do proletariado brasileiro.

Sociologie du Travail. n. 4, 1961.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

CERTAU, M. A escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2002. FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1976. MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo – Rio de Janeiro: Difel, 1979.

PAOLI, Maria Célia; SADER, Eder; TELLES, Vera da Silva. Pensando a classe operária: Os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, São Paulo, n. 6, p. 129-149, set. 1983.

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Trabalho industrial no Brasil: Uma revisão. Estudos Cebrap, São Paulo, n. 14, p. 119-131, out.-nov.-dez. 1975.

SORJ, Bernardo. A construção intelectual do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo: Editora Ática, 1981.

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