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CENAS DE ATENÇÃO CONJUNTA: UMA ANÁLISE SOBRE O FOCO DO OLHAR

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CENAS DE ATENÇÃO CONJUNTA: UMA ANÁLISE SOBRE O FOCO DO OLHAR

José Moacir Soares da Costa Filho – PIBIC/UFPB/CNPq Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante – UFPB/CNPq 0 Introdução

Uma das perspectivas acerca dos estudos sobre aquisição de linguagem é a que se baseia no funcionamento multimodal da língua (McNeill, 1985), tomando gesto e fala como um conjunto indissociável. Dentro da multimodalidade em aquisição da linguagem estudos atuais se propõem a verificar aspectos variados, como prosódia, qualidade de voz, gesto de apontar, olhar compartilhado e atenção conjunta. Assim como os demais aspectos, olhar e atenção conjunta ganham relevância no processo de aquisição da linguagem na medida em que contribuem para as primeiras trocas comunicativas entre mãe e bebê ( CAVALCANTE, 2009).

Desde meados da década de 80, a Literatura em Aquisição de Linguagem tem se dedicado aos estudos referentes aos aspectos multimodais – como o gesto, o olhar e a atenção conjunta, mas atribuindo a estes aspectos um caráter pré-linguístico, ou seja, que estão presentes antes de o bebê adquirir linguagem.

Um dos estudiosos que tem discutido a multimodalidade em Aquisição de Linguagem é Bruner (1983) que se baseia na premissa de que desde o nascimento as crianças participam de trocas comunicativas com os adultos que as cercam através dos aspectos multimodais, uma vez que ainda não possuem domínio pleno das estruturas lingüísticas. Desse modo, o autor destaca a importância do olhar dentro das primeiras interações mãe-bebê e traz o conceito de “joint attention” ou atenção conjunta como um jogo triangular que põe em cena mãe, bebê e um objeto qualquer.

Tomasello (2003) também trabalha na perspectiva exposta acima. Para ele, a emergência da atenção conjunta está associada à compreensão, pelo bebê, dos outros como agentes intencionais, que segundo o autor se dá por volta dos nove meses. Em sua definição para a atenção conjunta, Tomasello (op. Cit.) enfatiza que estes episódios se constroem quando mãe e bebê prestam atenção a um mesmo objeto e ainda à atenção que cada um direciona ao objeto foco da cena de atenção conjunta.

Além dos autores já citados, outros também têm estudado as marcas da multimodalidade presentes na aquisição da linguagem. Akthar, Dunham e Dunham (1991), por exemplo, expõem que as mães utilizam-se dos comportamentos não-verbais de seus bebês, como gestos e direção do olhar, para manter a atenção conjunta em um determinado evento durante as interações.

Com isso, tomamos como base as considerações acerca do olhar e da atenção conjunta já expostas e buscamos observar a atenção conjunta como um processo em construção dentro do desenvolvimento lingüístico dos bebês. Neste intuito, analisamos dados gravados em vídeo nos quais mãe e bebê interagem em contexto naturalístico e procuramos verificar de que forma(s) a atenção conjunta se constrói nestes episódios e possibilita as trocas comunicativas entre a díade. Tal diversidade justifica-se não só devido ao fato de que conforme o bebê se desenvolve ele passa a assumir o papel daquele que traz o objeto que se tornará foco da atenção conjunta para o contexto da interação, antes assumido apenas pelo adulto; mas também através das variadas posições em que o objeto encontra-se inserido na interação.

No presente trabalho, temos como objetivo analisar os objetos (foco) acerca do quais os episódios de atenção conjunta se constroem. Ao verificar o objeto foco da atenção conjunta buscamos compreender a relação estabelecida entre este e a díade.

1. A construção da atenção conjunta

Como argumenta Bruner (op. Cit.), desde o nascimento as crianças participam de trocas comunicativas. Entretanto, como já vem sendo estudado por vários teóricos da linha de aquisição da linguagem, a atenção conjunta é um processo que ganha relevância quando os infantes encontram-se na faixa etária de nove a doze meses, pois – muito embora bebês de cinco meses já sejam capazes de “acompanhar o olhar dos outros” (TOMASELLO, op. Cit., p.92), seguindo com os olhos objetos em

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movimento – é nesta faixa etária que os bebês começam a manifestar aptidão para desempenhar tais atividades. Para o autor, isso ocorre porque nesta idade as crianças “começam a entender as outras pessoas como agentes intencionais iguais a elas próprias” (TOMASELLO, op. Cit., p.94), ou seja, como sujeitos e, com isso, passam a dirigir a atenção para objetos terceiros.

Retomando a definição dada por Bruner (op. Cit.) para o termo atenção conjunta, temos que a cena de atenção conjunta se forma com a mãe (ou adulto), o bebê e um objeto qualquer. Todavia, dois outros processos estão inseridos na noção de atenção conjunta. O primeiro deles é o chamado face a face, que como define Cavalcante (1994) são situações nas quais mãe e bebê interagem olhando um para o outro e que podem ser seguidas por troca de sorrisos, produções vocais, movimentos faciais, etc. O segundo, definido como olhar compartilhado, é o momento em que o adulto e o infante compartilham do mesmo foco do olhar. Desse modo, o face a face e o olhar compartilhado integram-se na formação do episódio de atenção conjunta, o que podemos perceber através da definição atribuída ao termo por Tomasello (op. Cit, p. 135) “interações sociais nas quais a criança e o adulto prestam conjuntamente atenção a uma terceira coisa, e à atenção um do outro à terceira coisa, por um período razoável”.

A atenção conjunta, como expõe Tomasello (op. Cit.) divide-se em três principais tipos: a atenção de verificação, a atenção de acompanhamento e a atenção direta.

Considerando os diferentes olhares da criança e como estes olhares estão inseridos no episódio de atenção conjunta e os resultados de uma pesquisa realizada por Carpenter, Nagell e Tomasello (1998), o autor chama de atenção conjunta de verificação aquela em que a criança apenas verifica o olhar do adulto dentro da cena. Esse tipo de atenção conjunta verifica-se geralmente entre os nove e os dozes meses de idade. Na atenção de acompanhamento, entretanto, a criança já possui pleno entendimento da atenção e acompanha o olhar do adulto. Segundo os resultados da pesquisa citada acima, o período de onze aos quatorze meses de idade é a faixa etária na qual este tipo de atenção conjunta costuma ocorrer. Já no terceiro tipo de atenção, compreendido geralmente entre os treze e os quinze meses, a atenção direta, é o bebê quem busca o olhar do adulto para o objeto externo, ou seja, caracteriza-se como o ‘eu’ que traz o outro para a interação.

2. Sobre o foco da atenção conjunta

As definições apresentadas por Tomasello (op. Cit.) e por Bruner (op. Cit.) enfatizam a importância do objeto foco da atenção conjunta para a construção deste processo como um todo. Considerando que em nossos estudos trabalhamos como dados gravados em vídeo1 de mãe e bebê em contexto o mais naturalístico possível, percebemos que a câmera filmadora, por diversas vezes, ocupa o lugar de objeto foco da atenção conjunta e, portanto, tem sua relevância intensificada dentro do processo da atividade conjunta.

A câmera como foco

A partir de uma análise quantitativa dos dados que possuímos, constatamos que os episódios de atenção conjunta que têm a câmera como foco não ocorrem desde os primeiros meses de vida do bebê. Acreditamos que a emergência de cenas com esta característica dá-se por volta do período no qual acontece o que Tomasello (op. Cit.) chama de revolução dos nove meses. Segundo o autor, neste período – nove a doze meses – intensificam-se as cenas de atenção conjunta devido ao fato de o infante adquirir a noção dos agentes intencionais.

1 Referimo-nos aos dados que integram o corpus do LAFE – Laboratório de Aquisição da Fala e da Escrita. Laboratório este do qual fazemos parte e que se encontra sob coordenação das professoras Dra. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante (Coordenadora) e Dra. Evangelina M. B. de Faria (Vice-coordenadora). O LAFE é vinculado à Pós-Graduação em Letras e ao DLCV/UFPB e também mantém vínculos com o NELFE – Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita – da UFPE, além de pesquisadores associados como a profa. Dra. Ester M. Scarpa (UNICAMP).

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O fragmento a seguir é um exemplo de atenção conjunta tendo como foco do olhar a câmera filmadora.

Fragmento 1

Mãe e bebê (8 m e 8 d) estão sentados no chão da sala

MÃE BEBÊ

1 É. Diga mais, qui foi pra Itamaracá, tumô banhu de Uh! Uh! (olha para a riu, tumô vinhu du portu, tumô sorveti. Diga mai, câmera)

conti issu tudu. (olha para o bebê)

2 Rompeu anu acordada. Num foi? Num foi? olha para a mãe

(olha para o bebê)

3 (aponta para a câmera olhando para o bebê) olha para a mãe e, com

Diga pra Mari. Ó ali Mari! o apontar desta, olha

(Olha para a câmera) para a câmera.

Como vemos através do turno 1, a cena se inicia com o bebê olhando em direção à câmera, enquanto a mãe olha para o bebê. O fato de o bebê ter direcionado o olhar para câmera deve-se, provavelmente, ao pedido feito pelo adulto “Diga mais, qui foi pra Itamaracá [...] Diga mai, conti issu tudu”. O bebê, após o turno da mãe dirige então seu olhar a um possível interlocutor, que é o pesquisador que está com a filmadora em mãos. A mãe, por sua vez, percebe que o bebê dirigiu o olhar para câmera, fazendo de interlocutor quem está filmando, e continua a pedir que o bebê fale (turno 2). Mãe e bebê, então, se olham em “face a face”; em seguida, como percebemos no turno 3, a mãe direciona o olhar do bebê para a câmera e incentiva o bebê a dialogar com o pesquisador que está realizando a filmagem, tanto verbalmente: “Diga pra Mari. Ó ali Mari!”, quanto através do gesto de apontar. Com a interferência do gesto e da fala da mãe no turno 3, o bebê que, no momento da indagação: “Num foi? Num foi?” (turno 2), tinha dirigido o olhar para a mãe, volta a olhar para a câmera, que neste momento também é observado pela mãe, construindo a atenção conjunta.

Percebemos, dessa maneira, que o episódio descrito une dois tipos de atenção conjunta, a atenção de verificação (quando o bebê apenas observa a câmera) e a atenção de acompanhamento (quando a mãe dirige o olhar do bebê para o objeto). Notamos também uma possível relação entre a ocorrência da atividade conjunta e o entendimento pelo bebê do desejo da mãe que ele contasse a um interlocutor os fatos a serem relembrados durante o intervalo. A cena, portanto, construiu-se em volta da câmera devido à interferência da mãe que transformou o pesquisador em interlocutor para a criança. Vejamos agora mais um fragmento que destaca a câmera como objeto foco da atenção conjunta.

Fragmento 2

Mãe e bebê (12 m e 29 d) na sala. Mãe sentada na cadeira e bebê de pé.

MÃE BEBÊ

1 É, tia ta filmandu, Vitória. Venha pra cá!

(olha para bebê e depois para a câmera) Ah, ah!

(olha para a câmera) 2 É, nenê. É?

(olha para a câmera) aproxima-se da mãe,

em seguida, olha para a câmera

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Mais uma vez destacamos a um exemplo de atenção de acompanhamento, já que a mãe motiva o bebê a direcionar seu olhar para o objeto através da fala no turno 1: “É, tia ta filmandu, Vitória. Venha pra cá!”. Entretanto, nesse intervalo a mãe utiliza-se do objeto (a câmera) para atrair a criança, que está saindo do espaço filmado, de volta à sala. Tal fato pode indicar um interesse da mãe em chamar a criança à cena de atenção conjunta em volta da câmera filmadora. No que diz respeito ao bebê, percebemos que ele responde positivamente à intenção da mãe, uma vez que olha para a câmera e retorna ao espaço filmado.

O espelho como foco

Durante o levantamento de dados para nossos estudos acerca da atenção conjunta, encontramos em algumas cenas um espelho. Também este objeto aparece como um interessante foco de atividade conjunta e enfatiza a questão da imagem da díade e do reconhecimento pelo bebê de si mesmo através do reflexo do espelho. Podemos ainda associar a experiência de ver-se e reconhecer-se no espelho com a noção de subjetividade trabalhada por Benveniste (1958) quando ele se refere à “consciência”, pois, como veremos no fragmento a seguir, a experiência do bebê com o espelho assegura uma espécie de consciência de si mesmo.

Fragmento 3

Mãe e bebê (14 m e 8 d) sentados no chão da sala com alguns brinquedos em volta. A mãe traz à cena um celular de brinquedo que tem um pequeno espelho no lugar do flip.

MÃE BEBÊ

1 (Dá o telefone ao bebê)

Tomi, ligui aí pra eli, ligui. (pega o telefone)

(coloca o telefone no ouvido)

2 É, ligui aí pra eli, ligui. Alô, Vitinhu! Aô:

(olha para o bebê) (olha para a mãe)

3 É, diga assim: Vitinhu, venha pra casa, mamai tá chamando. Diga a eli, diga.

(olha para o bebê)

(Pausa de 6 segundos)

(olha para o telefone e vê o espelhinho)

4 (olha para o bebê) Nenê:

(risos) É o nenê? Quem é essi nenê? Solta beiju pra essi (olha e aponta para o

nenê. espelho)

Um beiju pru nenê. (dá o telefone a mãe)

5 (pega o telefone e olha para o espelho) Deixa eu ver. Agora tô vendu mamai.

6 (devolve o telefone para o bebê) pega o telefone. Olha

e aponta para o espelho I agora? Beiju pra eli.

A cena de atenção conjunta que destacamos no fragmento 3 tem como foco um pequeno espelho que, caso não tivéssemos observado cuidadosamente o objeto (celular de brinquedo) em um momento posterior à filmagem, não teríamos reconhecido. Percebemos através da construção da cena que não há por parte da mãe o interesse em mostrar o espelho ao bebê. O objeto foi trazido à cena pela

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mãe apenas como um celular de brinquedo, como vemos nos turnos 1, 2 e 3. No entanto, espontaneamente, o espelho (como parte integrante do objeto) tornou-se foco da atenção da díade. Fato que se destaca a partir do turno 4.

Podemos dizer que há duas cenas de atenção conjunta no fragmento descrito. A primeira tem como foco o brinquedo na função de um telefone, como é reforçado pela mãe nos três primeiros turnos. Há também a presença do enunciado lingüístico culturalmente atribuído ao contexto de uso do telefone (turno 2): “Alô”. A criança, por sua vez, recorta o enunciado da mãe: “Aô” e faz o gesto de colocar o telefone no ouvido enquanto simula a conversa.

O segundo momento em que há atenção conjunta vem após a curta pausa em que a díade permanece em silêncio. O bebê, ao manusear o telefone, percebe que no lugar do flip está um pequeno espelho e vê-se neste espelho. Sobre este fato destacamos a importância do reconhecimento de si através do espelho e também do uso do apontar que Cavalcante (1994) chama de apontar convencional, com o dedo indicador em direção a um objeto, associado à produção vocal do bebê no turno 4: “Nenê”. O gesto destacado, de acordo com a classificação de Kendon (2000) trata-se de um gesto emblemático, ou seja, um gesto simbólico construído culturalmente. A mãe, por sua vez, passa a compartilhar com o bebê o foco da atenção conjunta quando percebe que ele descobriu o espelho (turno 4). A partir deste momento, a mãe incentiva o bebê a olhar-se no espelho: “É o nenê? Quem é essi nenê? Solta beiju pra essi nenê”, enquanto ambos tomam o espelho como foco do olhar.

No próximo fragmento que destacaremos os vários ângulos pelos quais a atenção se constrói e pelos vários olhares da mãe e do bebê.

Fragmento 4

Mãe em pé com o bebê (10 m e 17 d) no colo, em frente ao espelho preso à porta do guarda-roupa.

MÃE BEBÊ

1 Você tem qui vim disfarçada di guarda-roupa, (risos) olha para a câmera qui ela já sabi qui tá sendu filmada...

(olha para a câmera)

2 Ela olhandu pelu ispelhu. olha para a câmera

(olha para o bebê e para a câmera, através do espelho) pelo espelho e intercala o olhar para a câmera

diretamente e através do espelho

O episódio de atenção conjunta desenvolvido no trecho acima nos permite verificar a cena de atenção conjunta, por acontecer em frente ao espelho, assumiu o papel de objeto externo na interação. Tal fato se deve, em primeiro lugar, à posição da díade (em frente ao espelho) e do pesquisador que realizava a filmagem (atrás da díade, visto de frente apenas pelo reflexo do espelho) no espaço filmado. Também a mãe no turno 1, ao dialogar com o pesquisador: “você tem qui vim disfarçada di guarda-roupa (risos), qui ela já sabi qui tá sendu filmada...”, desperta na criança a curiosidade de enxergar a câmera, que já vinha sendo observada por ela (a criança), através do espelho. Desse modo, a mãe também toma a câmera como foco do olhar e constrói o primeiro momento da atenção conjunta. A segunda parte da cena de atenção conjunta se dá quando o bebê descobre o espelho, e, assim como a mãe, passa a ver pelo espelho a sua imagem, a imagem da mãe e a imagem da câmera (que há pouco ele estava observando diretamente). No que diz respeito à câmera, percebemos que o bebê passa a olhar o objeto através do espelho. Para nós adultos ou para crianças que já possuem a compreensão do que é o espelho, essa seria uma situação natural na qual vemos refletida uma imagem que sabemos ser real por já termo-na visto. Já para o bebê, o espelho refletindo o objeto da primeira cena de atenção conjunta (a câmera) é uma noção nova que se torna foco de sua atenção. Com isso, a cena de atenção conjunta acaba se reconstruindo através da imagem refletida e assumindo a estrutura de uma segunda cena, como se neste fragmento houvesse uma atenção conjunta dentro de outra.

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Temos, portanto: 1) a primeira atenção conjunta que se constrói em volta da câmera (vista pela mãe através do espelho e pelo bebê através de um olhar direto); 2) a segunda atenção conjunta que se constrói em volta do espelho, visto que mãe e bebê olham para o espelho com o intuito de ver a câmera, compartilhando-o como foco; 3) sob influência da segunda cena, percebemos um terceiro episódio de atenção conjunta, que se desenvolve tomando o reflexo da imagem da díade em situação de atenção conjunta como o objeto foco do olhar. Em outras palavras, no terceiro momento a própria cena de atenção conjunta se torna objeto foco para permitir outra cena.

Através do episódio mostrado no fragmento 4, verificamos que a depender do objeto foco na atenção conjunta, este processo pode ser construído sob os vários olhares da díade, o que possibilita a execução de vários episódios de atenção conjunta dentro de um só contexto. Deve-se, além disso, o espelho ser visto como um objeto que, inserido à interação da díade, pode possibilitar cenas peculiares devido à projeção da imagem por este objeto.

Considerações finais

Através das discussões e análises expostas ao longo deste trabalho, constatamos a grande relevância que os episódios de atenção conjunta têm no processo de aquisição de linguagem. Tais episódios auxiliam na comunicação dos bebês, que ainda não dominam plenamente as estruturas lingüísticas, com os adultos a sua volta.

Vimos com os fragmentos trazidos que as cenas de atenção conjunta também podem ser vistas como um mecanismo que o bebê e a mãe utilizam para atingirem objetivos. Nas cenas com a câmera na posição de foco da atenção conjunta, verificamos que este objeto pode ocupar o lugar de foco espontaneamente ou segundo a vontade da mãe (como foi visto no fragmento 2). Já nas cenas que tomam o espelho como objeto da atenção conjunta, podemos notar que a presença deste objeto possibilita, além da interação entre a díade, a compreensão pelo bebê de si mesmo através do espelho, reconhecendo sua imagem, e, ainda reconhecendo o contexto e a cena de atenção conjunta.

Após verificarmos a influência do objeto na cena de atenção conjunta, torna-se possível considerar que determinados objetos trazidos à cena são capazes de demonstrar quanto o infante já entende de si e do outro, do olhar e da atenção de si e do outro, bem como das ações do outro. Acreditamos que não seria possível, entretanto, a ocorrência de uma cena de atenção conjunta como a descrita no fragmento 3 com um bebê que não possuísse habilidades lingüísticas, motoras e perceptivas referentes à idade que a criança do fragmento discutido tinha quando a cena foi registrada.

Por fim, consideramos muito importante a observação da cena de atenção conjunta através do lugar do objeto foco, pois estando o olhar da díade voltado para este objeto, pode estar nele variadas interpretações sobre a função que exerce em cada episódio e, assim, a relevância das cenas para a interação mãe-bebê.

Referências

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BRUNER, Jerome. Childs Talk. Oxford University Press, 1983.

CAVALCANTE, Marianne Carvalho Bezerra. O gesto de apontar como processo de co-construção na interação mãe-criança. Dissertação de Mestrado/UFPE. Recife, 1994.

________. Rotinas interativas mãe-bebê: constituindo gêneros do discurso. Revista Investigações Lingüística e Teoria Literária. N.º Especial em homenagem a Luiz Antônio Marcuschi. Vol 21, n.º 2, 2008 – Lingüística. Ed. da UFPE, Recife – PE. (a sair)

MCNEILL, D. Introduction (1985). In: McNeill, D. (ed.) Language and Gesture. Cambrige University Press, Cambridge, UK, 2000.

TOMASELLO, Michael. Origens Culturais da Aquisição do Conhecimento Humano. Tradução: Cláudia Berliner. Martins Fontes – São Paulo: 2003.

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