Mais do que a falta de recursos, urge erradicar a dependência continuada
Nas análises sobre a pobreza e exclusão, pobres e excluídos não são, frequentemente, tidos em consideração. São abordados como “objectos” e não como verdadeiros sujeitos. Mas, afinal, quem são os pobres? São aqueles que debatendo-se com a privação e a falta de recursos, vivem na dependência. Mais do que a falta de recursos, é a dependência continuada que urge erradicar.
O contrário da dependência é a autonomia. Os pobres não têm somente direito à assistência, mas sobretudo direito a serem homens e mulheres como tal considerados. Os indivíduos ainda que pobres, são cidadãos.
A cidadania implica a total autonomia na condução da vida própria, sempre num dado contexto social. A disposição de recursos aliada a essa vontade, serve a realização de um projecto de vida em sociedade com plena dignidade pessoal.
Os pobres em luta pela cidadania têm que ser capazes de quebrar as cadeias da sua dependência. Apoiados nas instituições que a eles se dedicam
Definindo a pobreza pela dependência, há que proceder à avaliação das instituições que nascem e se desenvolvem à sua volta, por mais louváveis que sejam e se apresentem
A sociedade solidária é incompatível com fortes ventos de neoliberalismo que sopram em todas as direcções.
consequência de sucessivos insucessos que levam as pessoas a becos sem saída, não sendo possível resolver o problema se, simultaneamente, são aplicadas políticas contraditórias. É a situação estrutural sócio-económica que produz a pobreza e a exclusão. Mas é a mesma situação estrutural que, para se perpetuar, tenta minimizar os efeitos perversos do seu funcionamento.
Quando se salienta a luta pela cidadania, quer-se relevar o despertar da consciência de que, mais que o direito a uma sobrevivência – ou em simultâneo – importa afirmar o direito a viver com dignidade em sociedade. A busca de dignidade começa por ser tarefa de cada um e realiza-se mediante a integração social.
A uma lógica assistencial deve opor-se uma lógica de integração, por só a pessoa integrada sabe e pode enfrentar os problemas. O sucesso das acções empreendidas pelas instituições, deve medir-se pelo número de pessoas que deixam de ter necessidade de um apoio directo e se tornam autónomas quanto aos meios de subsistência. A lógica da integração é a única que põe em acção dinamismos que vão ao encontro da multicausalidade da pobreza.
Definindo a pobreza pela dependência, há que proceder á avaliação das instituições que nascem e se desenvolvem à sua volta, por mais louváveis que sejam esse apresentem.
A sociedade solidária é incompatível com os fortes ventos de neoliberalismo que sopram em todas as direcções. A luta a favor de uma autonomia é, na verdade, muito desigual no quadro do neoliberalismo. Domina nele a lei do mercado, que não é mais do que a lei do mais forte, privado do sentimento de humanidade. De fora ficam os menos munidos de capitais com valor nesse mercado e os desprotegidos.
Quando aqueles que vivem em privação adquirirem uma consciência da sua dignidade pessoal, quando assumirem, como tarefa própria, a luta pela cidadania e entenderem essa cidadania como plena participação social e política assente na autonomia, as instituições sociais perdem a sua feição habitual de amortecedores de tensões e de conflitos e passam a ter o carácter instrumental que lhes cabe de ajudarem cada um a ser pessoa solidária com outras pessoas.
postura, manter-se-ão ao longo do tempo, mas ao preço de conservarem largos segmentos da população desintegrados da sociedade, constituindo para ela peso e ameaça.
O problema da pobreza e da exclusão, se exige um forte investimento nas pessoas, requer igualmente acções globais que envolvam as políticas económicas, a escola e a família.
Os pobres, devidamente apoiados, devem pôr-se em busca da cidadania, para si e como acção sua, em vez de esperarem que alguns busquem a cidadania para os pobres, enquanto acção de outros.
Extractos de : “O pobre em luta pela cidadania” de António Teixeira Fernandes. ) Debates PR, Coimbra 1998
Algumas linhas de politicas de combate à pobreza
Os grupos desfavorecidos são-no não apenas porque estão em desvantagem por possuírem menores capacidades, mas também porque as oportunidades que lhes oferecem, tendem a ser igualmente desvantajosas.
Diferentes categorias são diferentemente afectadas pela escassez de oportunidades e pela limitação das capacidades. Os processos de inserção são duplos: incluem, por um lado, uma vertente de integração do sistema, através da qual se geram as oportunidades e, por outro lado, uma outra de promoção da participação das pessoas, exigindo o desenvolvimento das suas capacidades.
É portanto necessário desenvolver políticas específicas de combate à exclusão social. Tais políticas deverão obedecer a critérios, como:
- A focalização. Melhores sistemas de pensões, saúde, de educação, de formação etc, deverão ser complementados com medidas correctivas, desenhadas especificamente para as pessoas em situação de exclusão, como as de RMI, educação especial educação profissional de segunda oportunidade(….);
- A multidimensionalidade. Uma abordagem que toque coerentemente todos os aspectos relevantes da vida, que vão da educação e qualificação para oecesso a um emprego, à oferta ou criação desse emprego, à formação durante a vida profissional, à protecção social, ao acesso a equipamentos sociais e de saúde, à habitação, à cultura, à auto-estima, ao lazer, à pertença a uma comunidade. A falha em qualquer destas dimensões pode comprometer todo o processo.
- A integração. É necessário construir sistemas de respostas articuladas e coordenadas, de modo a evitar sobreposições, inconsistências e dissonâncias que podem comprometer os processos de inserção social.
- A organização dos parceiros em rede. Uma intervenção capaz de integrar as políticas no plano local, tem que assentar numa organização da colaboração dos parceiros – serviços do estado, autarquias, parceiros sociais, organizações de solidariedade, associações locais – segundo a lógica de funcionamento em rede. Com contribuições baseadas nos recursos de cada um e participações em igualdade de estatuto.
- Inovação. Tais redes de parceria deverão ser as primeiras promotoras de atitudes de abertura à inovação, nas maneiras de organizar o trabalho, utilizar novas tecnologias, experimentar respostas a necessidades, estímulo à imaginação e capacidade criativa. Uma inovação controlada passa pela adopção de práticas sistemáticas de planeamento e de avaliação e processos e resultados.
- A acessibilidade. As políticas de combate à exclusão devem ser acessíveis e transparentes. Devem assentar em organizações próximas das populações visadas e desenhadas de modo a facultar-lhes o acesso.
- Contratualização. Para alem de acessíveis, devem ser baseadas na confiança mútua, na afirmação do carácter socialmente construído da pobreza e da exclusão e na contratualização de relações, como meio privilegiado de promoção da participação.
- A continuidade. Muitas das políticas de combate à exclusão promovendo a inserção
profissional assentam em projectos limitados temporalmente e de finalidades restringidas. Ora, essas políticas devem ganhar em estabilidade e regularidade.
- A paciência e a persistência. A estabilidade é uma condição básica para a existência de uma atitude marcada pela paciência e pela persistência. Os processos de integração não são lineares nem rápidos. A ausência de qualificações pessoais, relacionais e profissionais vendáveis no mercado ou utilizáveis nas instituições, criam laços que amarram as pessoas a disposições que as inibem. A pertença a comunidades pobres reforça estes laços.
- A articulação com o desenvolvimento. O combate á exclusão social implica a satisfação de um conjunto de necessidades e o fornecimento de um conjunto de serviços que dependem de processos de desenvolvimento local de que esse ccmbate é, simultaneamente, um elemento e uma condição.
Um passo positivo no sentido do aprofundamento daquelas políticas e de reforço dos seus efeitos seria, por exemplo, a integração das medidas em curso e outras a criar, num plano nacional de combate à pobreza e à exclusão, intermimisterial e envolvendo todos os sectores da sociedade, capaz, por isso, de definir objectivos comuns, mobilizar recursos para um processo que pode representar, de facto, um elemento central de um projecto político amplamente partilhado para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Adaptado da comunicação de Luís Capucha: “Nós e eles cá dentro” Coimbra, 1998 – Debates PR