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05.1 Maxixe TINHORÃO, J. Ramos. Pequena História Da Música Popular. São Paulo. Art Editora, 1986-PDF

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O maxixe

O maxixe

O aparecimento do maxixe, inicialmente como dança,^ O aparecimento do maxixe, inicialmente como dança,^  por

 por volta volta de de 1871870, 0, marca marca o o advento advento da da prprimimeireira a ggrarannddee.-.-»» contribuição das camadas populares do Rio de Janeiro à< contribuição das camadas populares do Rio de Janeiro à< música do Brasil.

música do Brasil.  Nascido

 Nascido da da maneira maneira livre livre de de dançadançar r os os gêneros gêneros dede música em voga na época — principalmente a polca, a música em voga na época — principalmente a polca, a

schottisch

schottisch  e a ma  e a mazurca —zurca — , , o maxixe o maxixe jjejjesusultou ltou do esforçodo esforço

dos músicos de choro em adaptar o ritmo das músicas à dos músicos de choro em adaptar o ritmo das músicas à tendência aos volteios e requebros de corpo com que mes tendência aos volteios e requebros de corpo com que mes tiços, negros e brancos do povo teimavam em complicar tiços, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das danças de salãoj

os passos das danças de salãoj  Nes

 Nesse se sentido, sentido, o o mamaxixetrxixetrepreepresentosentou u a a versão versão nacionacio nalizada da polca importada da Europa pela classe média nalizada da polca importada da Europa pela classe média na primeira metade do século XIX,le afirmou a presença na primeira metade do século XIX,le afirmou a presença de novas camadas populares surgidas com o incremento de novas camadas populares surgidas com o incremento do trabalho livre (a importação de escravos fora proibida do trabalho livre (a importação de escravos fora proibida em 1850), coincidindo com o surto comercial e industrial em 1850), coincidindo com o surto comercial e industrial resultante da aplicação de antigos capitais negreiros e de resultante da aplicação de antigos capitais negreiros e de

novas rendas provenientes da cultura do café. novas rendas provenientes da cultura do café.

De fato, quando a polca surgiu em 1845 apresentada De fato, quando a polca surgiu em 1845 apresentada  pela

 pela primprimeira eira vez vez no no TeatrTeatro o São São Pedro, Pedro, do do Rio Rio de de JaneiroJaneiro  —

 — o o que que desde desde logo inlogo indicava dicava o o nível nível social social mais mais ou ou menosmenos elevado do público a que se dirigia —,(ainda não se po elevado do público a que se dirigia —,(ainda não se po dería falar na existência de povo nas cidades brasileiras, dería falar na existência de povo nas cidades brasileiras, no

no sentsentido ido moderno moderno da da papalavlav rara^O^O s s trabatrabalhadolhadores res livres livres '' nas chamadas profissões mecânicas (artífices e artesãos)^ nas chamadas profissões mecânicas (artífices e artesãos)^ eram muito poucos, e o grosso da camada mais baixa da eram muito poucos, e o grosso da camada mais baixa da  população

 população era era formadformada a por por pretos pretos escravos escravos que que cultivacultiva vam a música no estágio primitivo dos batuques e dos vam a música no estágio primitivo dos batuques e dos lundus de terreiro. Assim, é compreensível que o novo lundus de terreiro. Assim, é compreensível que o novo ritmo

ritmo da polcada polca, c, criariado do na na EurEuropa opa por por exigexigência ência ccTTaas s "pri-‘"pri-‘

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meiras gerações urbanas, filhas da Revolução Industrial,

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íTenha servido inicialmente, no Brasil, à expansão da classe

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média, sujeita à sensaboria de contradanças e gavotas, tão

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  o que comunicava aos dançarinos uma vivaci

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dade inédita, tão coerente com o momento de euforia eco

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nômica! destinado a culminar no

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superávit 

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  da balança co

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merciar brasileira a partir de 1860. Essa vivacidade de

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ritmo — que por si só já denunciava uma explosão de

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individualidade absolutamente nova — vinha sendo anun

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ciada desde o início do século XIX pelas quadrilhas2.

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Como o próprio nome indica, porém, a quadrilha, de ori

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gem inglesa, ainda na categoria das contradanças

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(country

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danses),

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coreograficamente em

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quatro dançarinos. A polca, ao contrário, vinha reforçar

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a intimidade proporcionada pela valsa, que já era dança

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de par unido, mas trazia contribuição nova na substitui

de par unido, mas trazia contribuição nova na substitui

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ção dos volteios

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do, estacando obliquamente para a esquerda, o pé direito

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avançando até ele, que logo deslizava outra vez para adian

avançando até ele, que logo deslizava outra vez para adian

te, permitindo ao dançarino de polca levantar o pé direito,

te, permitindo ao dançarino de polca levantar o pé direito,

antes de recomeçar a série de três passos novamente com

antes de recomeçar a série de três passos novamente com

o pé esquerdo 3.

o pé esquerdo 3.

O sucesso da polca foi tamanho que o escritor Macha

O sucesso da polca foi tamanho que o escritor Macha

do de Assis — cujos romances, contos e crônicas tiram

do de Assis — cujos romances, contos e crônicas tiram

seus temas da vida carioca da segunda metade do século

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 passado

 passado —

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suas obras: em crônicas de 1878, 1887 e 1894, nos roman

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ces

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 Ressurreição

 Ressurreição

  (de 1872),

  (de 1872),

 Memóri

 Memórias

as póstumas

póstumas de

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Cubas

Cubas

  (de 1881) e

  (de 1881) e

Quincas Borba

Quincas Borba

  (de 1891), e em dois

  (de 1891), e em dois

contos. Em um destes, intitulado “Um homem célebre”, do

contos. Em um destes, intitulado “Um homem célebre”, do

volume

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Várias histórias

Várias histórias

, de 1896, Machado de Assis con

, de 1896, Machado de Assis con

ta o drama de um compositor chamado Pestana, que tei

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mava obstinadamente a sorte como autor erudito, mas só

mava obstinadamente a sorte como autor erudito, mas só

conseguia sucesso com suas músicas transformadas em

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 polca

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Nesse conto,

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novidade da nova dança. Após escrever que a polca

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bula comigo

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, publicada vinte dias antes, já era

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5

59

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(4)

conhecida em toda a cidade, Machado faz o seu personagem conhecida em toda a cidade, Machado faz o seu personagem Pestana tocá-la ao piano num sarau na casa da viúva Ca Pestana tocá-la ao piano num sarau na casa da viúva Ca margo, na Rua do Areai (atual Moncorvo Filho, no Rio margo, na Rua do Areai (atual Moncorvo Filho, no Rio de Janeiro), e comenta que, logo aos primeiros compassos, de Janeiro), e comenta que, logo aos primeiros compassos, correra pela sala “uma alegria nova”, entrando os pares correra pela sala “uma alegria nova”, entrando os pares “a saracotear a polca da moda”. E ainda mais: ao sair tarde “a saracotear a polca da moda”. E ainda mais: ao sair tarde da noite da casa da viúva Camargo, dobrando a esquina da noite da casa da viúva Camargo, dobrando a esquina da Rua Formosa (hoje General Caldwell), Pestana ouviria da Rua Formosa (hoje General Caldwell), Pestana ouviria  por

 por aquelas aquelas imediações imediações da da Cidade Cidade Nova Nova sair sair ““ de de uma uma momo desta, à

desta, à diredireita”ita” , , ““ as as notas da componotas da composiçãsição do dia, o do dia, sopradasopradass em clarineta”. Com essa simples frase, Machado de Assis em clarineta”. Com essa simples frase, Machado de Assis  —

 — que que situava situava sempre sempre suas suas histórias histórias na na área área das das elites elites ouou da alta classe média da época — queria dizer que a popu da alta classe média da época — queria dizer que a popu laridade da polca estava alcançando as classes mais baixas, laridade da polca estava alcançando as classes mais baixas, sopradas nas clarinetas que indicavam a presença dos mú sopradas nas clarinetas que indicavam a presença dos mú

sicos populares denominados

sicos populares denominados chorões.chorões.  Na

 Na verdade, verdade, seria seria exatamente exatamente dessa ddessa descida escida das das polcpolcas’as’ dos

dos pianos pianos dos dos salões salões parpara a a a música música à à basbase^e^ de flauta, violão e oficlide, que iria nascer a novidade do de flauta, violão e oficlide, que iria nascer a novidade do maxixe, após vinte anos de progressiva amoldagem daquele maxixe, após vinte anos de progressiva amoldagem daquele gênero de música da dança estrangeira a certas constâncias gênero de música da dança estrangeira a certas constâncias do ritmo brasileiro. Esse curioso processo de sincretismo^ do ritmo brasileiro. Esse curioso processo de sincretismo^ realizado ignoradamente ao longo da evolução cultural das realizado ignoradamente ao longo da evolução cultural das camadas mais baixks da população do Rio de Janeiro, na camadas mais baixks da população do Rio de Janeiro, na segunda metade dcj século XIX, está ligado à história do segunda metade dcj século XIX, está ligado à história do choro carioca, e só; pode ser compreendido com o conheci choro carioca, e só; pode ser compreendido com o conheci mento das suas particularidades.

mento das suas particularidades.

 _ 

 _ 

Os

Os grupgrupos os de de , , músicos músicos conheconhecidocidos s comocomo <£fjorõe^}<£fjorõe^} por por seu estilo de tocarj na base de um solo acompanhado dê' seu estilo de tocarj na base de um solo acompanhado dê' contracanto e modulações, eram de certa maneira os herdei contracanto e modulações, eram de certa maneira os herdei ros do que se chamara nos fins do século XVII e início ros do que se chamara nos fins do século XVII e início do século XIX de

do século XIX de música de senzala.música de senzala. Essa música, ou ritmo Essa música, ou ritmo de senzala, era a música instrumental produzida pelas pe de senzala, era a música instrumental produzida pelas pe quenas bandas fonpadas nas fazendas por negros escravos, quenas bandas fonpadas nas fazendas por negros escravos, com benepUcito dos senhores, ou nas cidades pela chama com benepUcito dos senhores, ou nas cidades pela chama da

da música de_haroúrDS,música de_haroúrDS,  a cargo de músicos escravos ou  a cargo de músicos escravos ou livres, também especialistas em raspar barbas e aplicar livres, também especialistas em raspar barbas e aplicar ventosas *. Esses conjuntos,jcom o fim do predomínio da ventosas *. Esses conjuntos,jcom o fim do predomínio da

*

* Sobre Sobre bandbandas as de fazendas e de fazendas e música de música de barbeirobarbeiros, ver s, ver o o livro dlivro doo autor

autor  Música  Música populapopular r  —— de índios, negros e mestiços,de índios, negros e mestiços,  Editora Vo  Editora Vo zes Limitada, Petrópolis. RJ, 1972.

zes Limitada, Petrópolis. RJ, 1972.

60 60

(5)

vida rural na área do Rio de Janeiro, por volta de meados do século passado, iam transmitir seu estilo aos grupos de  brancos e mestiços da baixa classe média urbana (pequenos funcionários públicos, músicos de bandas militares e buro cratas), que se encarregavam de animar as festas nas casas onde não chegava o piano distintivo de um status  social mais elevado

Quando <esses conjuntos de choro eram chamados a tocar em casas de família respeitáveis  (embora modestas), as polcas, valsas e mazurcas ainda soavam com uma certa contenção, muito próxima da execução que tinham à vista das partituras, nos salões onde imperavam os pianos. Se,  porém, o mesmo grupo tocava em bailes de algum clube  popular ou em casas de porta e janela de gente mais hete

rogênea da Cidade Nova (o bairro carioca surgido após o aterramento dos antigos alagadiços vizinhos do canal do Mangue, por volta de 1860), aí a interpretação tinha que 7 ser diferente. O bairro da Cidade Nova, situado na paró quia de Santana, era, pelo recenseamento de 1872, o mais  populoso da cidade, com seus vinte e seis mil quinhentos e

noventa e dois habitantes, e revelava uma particularidade: vinte e dois mil novecentos e trinta e um desses habitantes, a quase totalidade, se declarava fluminense, o que expli cava muita coisa. Como a decadência da cultura do café no vale do Paraíba estava no auge, isso queria dizer que o excedente de mão-de-obra era atraído pelo centro urbano mais importante, que era o da corte, e sua chegada corres  pondia ao período de formação de uma Cidade Nova, pobre

e fedorenta, nascida dos mangais. E tanto isso era verdade que, nessa população, nada menos de três mil oitocentos e trinta e seis pessoas eram de cor preta, sendo mil qua trocentos e quarenta africanos livres e mil trezentos e noventa e seis ainda escravos, empregados por seus senho res em serrarias, em construções e em fundições de metais.

A mestiçagem que logo se estabeleceu nesse núcleo de  populã^õ'''ufbãriã*^)obre também poderia ser claramente

explicada pelos dados colhidos nesse primeiro censo nacio nal de 1872: na área da Cidade Nova havia oito mil e dez  portugueses, o que indicava a presença de imigrantes re

centes, levados logicamente a morar ao lado dos negros  pela comodidade dos aluguéis.

A promiscuidade que daí resultaria ia explicar em 61

(6)

 pouco mais de vinte anos o aparecimento de uma área do Rio de Janeiro perfeitamente diferenciada e portadora de características de comportamento social e de cultura pró  prias, entre as quais se incluiría um gênero de música e de

dança em tudo e por tudo original.

A primeira criação foi a da dança. Tão presos ainda ao ritmo dos batuques que os negros cultivariam ali, em terrenos baldios, ao lado dos lundus dançados com umbi-gadas por mestiços e brancos, a gente da Cidade Nova seria levada a adaptar o miudinho dos sapateados daquelas dan ças de roda à rígida marcação dos três passos básicos da  polca. Ora, esse sapateado, acompanhado de negaças, de

tiradas de corpo para o lado, e de volteios com os braços erguidos, ajudava — no caso das mulheres — a acentuar o tremor de quadris que se estendia por alguns segundos, como uma espécie de provocação de fêmea, e de repente se desarmava num movimento mais amplo de requebrado 4.

Quando a novidade da dança de par permitiu o enla-çamento dos corpos, a tendência dos bailarinos foi a de estilizar esses movimentos, através da criação de uma série de passos mais tarde conhecidos por nomes como cobrinha,  parafuso, balão caindo e corta capim, todos bastante ex  pressivos para darem idéia de quão coleante, remexido,  balouçante e ágil de pés viría a ser o maxixe.

De fato, quando o viajante português João Chagas visita o Rio de Janeiro dos últimos anos do século XIX,  já pode assim descrever em seu livro  De Bond  — alguns

aspectos da civilização brasileira  um maxixe dançado em um dos clubes carnavalescos da cidade (e que, aliás, lhe aparecera como o “enlace impudico de dois corpos”):

\ y 

,5^ “ Os pares enlaçam-se pelas pernas e pelos braços,

*_’ ~apóiam-se pela testa num quanto possível gracioso movi mento de marrar e, assim unidos, dão a um tempo três  passos para diante e três para trás, com lentidão. Súbito, circunvoluteiam, guardando sempre o mesmo abraço, e, nesse rápido movimento, dobram os corpos para a frente e para trás, tanto quanto o permite a solidez dos seus rins; tornam a dobrar-se, e, sempre lentamente, três passos à frente, três passos atrás, vão avançando e retrocedendo, como a quererem possuir-se” 5.

(7)

Diante de tal maneira de dançar, qual/o comporta mento que se poderia esperar dos músicos de cfiorôj sendo eles também naturalmente inclinados a esses transborda-mentos de dengo, de malícia e de lascívia, tão próximos estavam dessa gente pela origem? Claro que só podia ser ; a transformação progressiva da execução das polcas no) sentido daqueles “movimentos amplos, acentuações exage radas, desenhos melódicos ondulantes e ritmos quebrados” que Luciano Gallet encontraria nos maxixes, ao lhes fazer -a -análise music-al 6.

Isso, aliás, concorda com o que escreveu Renato de Almeida em sua História da música brasileira, quando de

fine o maxixe como “uma adaptação de elementos que sei fixaram num tipo novo, com uma coreografia cheia de l

movimentos requebrados e violentos, muitos deles empres- í tados ao batuque e ao lundu”. Como concorda também i

com a observação de Mário de Andrade, em meio ao estu- 1

do “Cândido Inácio da Silva e o lundu”, no qual escreve que os próprios lundus cantados, como o Chô Araúna

(aliás, chamado de tango nas partituras), se transformaram em verdadeiros maxixes pela década de 1880 7.

Transformada a polca em maxixe, via lundu dançado"] e cantado, através de uma estilização musical efetuada pe los músicos dos conjuntosjde choro, para atender ao gosto  bizarro dos dançarinos das camadas populares da Cidade  Nova, a descoberta do novo gênero de dança ia chegar ao conhecimento das demais classes soçiajs do Rio de Janeiro da segunda metade So sécuIo^XlX quase simultaneamente com sua criação. E os veículos para a tomada de conheci

mento da nova dança do povo pelas classes mais elevadas seriam os bailes das sociedades carnavalescas e os quadros de canto e dança do teatro de revista.

Os clubes carnavalescos — mais tarde chamados de grandes sociedades, pelo aparato Com que patrocinavam desfiles de carros alegóricos no terceiro dia de carnaval — constituíam ainda, conforme anotou com precisão no fim

do século XIX o viajante português João Chagas, “espécie de associações de recreio fundadas por indivíduos do co mércio, para dançarem durante o ano e saírem aparato-samente nos dias épicos do Entrudo”.

O que o autor português não chegou a dizer é que tais clubes começaram a surgir vinte e poucos anos antes, 63

(8)

<>

quando a ampliação da vida urbana carioca forçou o rela xamento do rígido esquema de vida patriarcal, a ponto de  permitir aos homens a criação de formas de diversão fora do âmbito da família. jNuma época de tantos preconceitos, em que até nas aulas de dança treinavam homens com homens (a primeira escola de danças com moças é de 1877)^ esses “indivíduos do comércio”, que representavam a nova burguesia citadina, trataram de arranjar as coisas de molde aãfastar^doiTseus clubes as esposas e as filhas. Assim, ao mesmo tempo em que, na Rua da Vala (hoje Uruguaiana, no Rio), o empresário francês Joseph Arnaud criava num galpão o Alcazar Lyrique, trazendo francesas  parà dançarem e cantarem o chamado gênero alegre, aque

les senhores respeitáveis do comércio marcavam reuniões

 fh* noturnas para tratar de carnaval e de política (os clubes tiveram papel saliente na campanha da Abolição), mas faziam-nas terminar sempre em jantares, danças e bebedei ras com as amantes,  francesas  e mulheres livres em geral.

Dessa forma, tão logo esses J^onestos^chefes de famí lia tomaram conhecimento de que, para os lados da Cidade  Nova, negros, mestiços e brancos das últimas camadas cultivavam Aima dança que lhes permitia empernar as mu lheres com Toda a liberdade, não é de estranhar que tives sem procurado logo seguir-lhes literalmente os passosiiOra, como os bailes desses clubes eram animados por bandas, e não por pequenos conjuntos de flauta, violão, cavaquinho e oficlide, como nos choros, é possível que o maxixe — ainda mal estruturado como música —Atenha ganho aí uma

7/ segunda versão mais estilizada^ dando razão então ao

^ Maestro Guerra Peixe, quando nota que “ os músicos de  banda tendiam a adaptar com relevo a baixaria  do violão nas introduções dos tangos, salientando-a com os instru mentos de tessitura grave (trombone, bombardino, tuba), a ponto de caber por alguns momentos aos instrumentos restantes uma significação secundária na estrutura do tre cho musical” 8.

* ' O fato é que, nos bailes do povo, ao som dos choros, e nos bailes das sociedades carnavalescas, ao som das ban das, 0  maxixe ganhou uma tal popularidade como estilo

de dança livre e exótica, que' passòü a interessar à primei ra geração de revistógrafos do teatro carioca como número de atração e comicidade para 0  público de classe média*

v <v

v v

(9)

O problema inicial foi que o maxixe estava tão inti-^

mamente ligado às suas origens negras e mestiças da Cidade

.

 Nova e ao seu cultivo suspeito por

homens do comércio

  e >\

mulheres de vida airada, nos clubes carnavalescos, que a )

simples enunciação do nome

maxixe

  feria a sensibilidade^

feminina como um desrespeito.

O próprio nome de

maxixq

  que a dança tomara pela

década de 187(Tefa usado ao tempo para tudo quanto

fosse coisa julgada de última categoria. Talvez até porque

o maxixe, fruto comestível de uma planta rasteira, fosse

comum nas chácaras de quintal dos antigos mangues da

Cidade Nova, onde nasceu a dança, e também não tivesse

lá grande valor. O certo é que, quando em 1884 um grupo

de apaixonados por corridas de cavalos fundou nos antigos

alagadiços da Vila Guarani, na praia Formosa, o Prado

Guarani, a má qualidade dos animais inscritos, e das pró

 prias pistas e arquibancadas, levou o povo a apelidá-lo

1

imediatamente de

maxixe

 9.

O escritor Machado de Assis, tão pródigo de cenas

de danças em seus romances, contos e crônicas (como se

viu por suas várias referências às polcas), refletia, aliás,

o seu horror de colaborador do

 Jornal das Famílias

ao

termo grosseiro, não se referindo ao maxixe uma única

vez em toda a sua obra. E, no entanto, por curiosa coin

cidência, é enquanto Machado de Assis completa a sua

 primeira fase literária publicando contos no

 Jornal das Famílias,

  de 1864 a 1878, que o maxixe também se forma

e surge, decisivamente, como uma legítima criação de uma

cultura popular — que o escritor sempre ignorou.

É muito compreensível, pois, que para ele ser aprovei

tado no teatro — mesmo com as desculpas do pitoresco e

da condescendência para com tais

coisas do povo

  — os

autores de peças tivessem que usar de certos cuidados. O

 primeiro a dançar um maxixe no teatro, para um público

de nível médio, foi ao que tudo indica o ator Vasques.

Filho de uma viúva com um homem casado, que o reco

nheceu no registro, em 1842, Francisco Correia Vasques

fora obrigado a trabalhar com doze anos como empregado

subalterno da alfândega do Rio de Janeiro, e imediatamen

te entrou em contato com o teatro, levado por seu irmão

Martinho Vasques, que trabalhava com João Caestano.

Revelador, desde cedo, de espantosa veia cômica, e de uma

65

(10)

grande capacidade de imitação de pessoas, o Vasques — como era conhecido — não deixou de perceber o valor caricatural de uma dança que, por seus requebros e con-torsões, lhe permitiría tirar um grande efeito cômico no  palco. Assim, quando em 17 de abril de 1883 Francisco

Correia Vasques realizou no Teatro Santana um espe táculo em seu benefício, incluiu uma cena cômica de sua autoria intitulada “Aí, caradura!”, cuja maior atração eram trechos cantados e dançados de maxixe.

O personagem Caradura, que Vasques apresentava como um fenômeno social novo, dando, aliás, a palavra como criada pelos capadócios (que eram os desocupados das camadas mais baixas da época), era por ele mesmo definido como o tipo que “tira partido de tudo e sabe levar

a água aq_sgi^moinho”.

V n; Q(cafádurà^figura típica do desocupado de uma

estru-\ tura econômícõ-social urbana incapaz de aproveitar ple namente a força de trabalho posta à sua disposição, era

 / * /  “o rapaz fino e de boa educação” que, “ quer na alta, quer

na baixa sociedade, aproveita todas as situações e não deixa  passar camarão por malha”. O caradura não pagava o

alfaiate, não perdia festas de aniversário, e era especialista em levantar brindes. E eis como, após traçar-lhe cuidado samente a personalidade com ditos engraçados, o ator

Vasques focaliza o caradura saudando o dono da casa “numa reunião de segunda ordem”, e acrescenta: “Isto é saudado com uma gargalhada geral, e quando começa a flauta, o violão e o cavaquinho, não há moça que não queira dançar com ele”.

Esboçando esse ambiente típico de uma festa de famí lia da camada popular (como indica a presença do con  junto de choro, com sua clássica combinação de flauta,

violão e cavaquinho), Vasques imagina o dono da casa aproximando o caradura da “moça mais sacudida da roda”,  para provocá-lo com um desafio às suas reconhecidas qua

lidades de malandro dançarino: “— Vamos, Seu Manduca, não me seja mole; eu quero ver isso de maxixe!”

Com essa frase denotadora da novidade — “eu quero ver isso de maxixe” — estava armada, pois, a situação para o Vasques mostrar ao público dos teatros, pela primeira vez, com todas as letras, a dança que estaria a essa altura espicaçando a curiosidade da classe média carioca.

(11)

E de fato, após indicar no roteiro que a orquestra

devia atacar uma

££jca-ldngo

  (o que desde logo mostravaV

como o maxixe se aísfarçava também com esse nome),

o _  j

ator Vasques começava a dançar. E depois de algumas

evoluções, evidentemente para dar uma idéia da variedade

de passos da nova dança, passava a cantar, sempre imitan

do com exagero o estilo popular:

“No maxixe requebrado

 Nada perde o maganão!

Ou aperta a pobre moça,

Ou lhe arruma beliscão!” 10

 Na verdade, a dança do maxixe já devia ter sido apre

sentada no palco muitas vezes pelo próprio Vasques ou

 por outros atores, embora sem a indicação expressa dç

nome e sem o seu enquadramento no meio social devido,

como fazia então com o seu “Aí, caradura!”

E a prova disso seria ainda o próprio Vasques quem

a daria, ao comentar um acidente ocorrido durante uma

representação teatral ocorrida em dezembro de 1883. Em

uma de suas crônicas de fins de dezembro daquele ano,

no jornal

Gazeta da Tarde

, do Rio de Janeiro, Vasques

contava que, durante a encenação da peça natalina

Cabana de Belém

, em um dos teatros da cidade, a atriz que fazia

 papel de anjo “despencou-se das bambolinas” e caiu no

 porão, quebrando braços e pernas. E concluía:

“Quem perdeu com o desastre foi o público, que vai

ficar por muito tempo privado de ver a

Cabana de Belém

e o grande maxixe bem dançado pelo João Minhoca. Tem

 paciência, Batista, para outra vez não deixes os anjos caí

rem assim com tanta facilidade” 11.

Além dessas provas, se tomarmos como certo que o

verbo

quebrar 

 esteve sempre associado à idéia da dança do

maxixe, pela freqüência com que seria empregado como

 palavra de estímulo aos dançarinos, e pela própria natu

reza dos passos, que obrigavam a quebrar os quadris, cabe

ría ainda ao ator Vasques a primazia na apresentação do

novo estilo de dança no teatro. É que em sua paródia à

ópera

Orjeu no inferno

, representada pela primeira vez no

s

(12)

Teatro Fênix Dramática, a 31 de outubro de 1868, sob o título de Orfeu na roça, Francisco Correia Vasques pre  para para o final cômico um  fado  ao som de violão, gui tarra, adufos e pandeiros, e faz os atores dançarem can tando:

“Quebra, quebra bem quebrado O fadinho brasileiro.

 Numa roda deste fado, Tudo fica prisioneiro.

(Manuel João)

Eu sou homem muito sério, Estas coisas não atiço,

Mas ouvindo o violão, Caio logo no serviço.

(Coro)

Quebra, quebra, etc. etc. (dançam)” 12.

Estava aí, pois, com trinta e seis anos de antecedên cia, o aproveitamento da idéia de quebrar de quadris que, na revista Cá e lá, dc 1904, o ator Marzulo e a atriz Pepa Delgado cantariam e dançariam no quadro intitulado “O maxixe aristocrático”, repisando o estribilho:

“Quebra, quebra, quebra E requebra,

Vamos de gosto quebrar Vamos de gosto quebrai:”.

Quanto ao fato de o ator Vasques ter-se referido no Orfeu na roça  a um  fadinho,  não afasta a hipótese: fado, aí, nada tem a ver com o fado português, mas dava apenas nome a uma maneira particular de tocar os gêneros popu lares aparentados com o lundu. Tal como já registrara o comediógrafo Martins Pena em sua peça O  juiz de paz na roça,  de 1842, ao fazer dizer o jüiz na última cena: "— Senhor escrivão, ou toque, ou dê a viola a algum dos senhores. Um fado bem rasgadinho.. . bem choradinh o..

(13)

“Se me dás que comê Se me dás que bebê, Se me pagas as casas,

Vou morar com você” 13.

Tal exemplo, por sinal, vem muito a propósito para revelaria pouca importância que se dava aos nomes dos gêneros de dança, até bem dentro do século atual. Assim como um fadinho podia ser um lundu^J—aliás chamado por Martins Pena de tirana, para indicar que deveria ser dan çado por vários personagens, em clima de encontrões e confusão (o juiz estimulava os dançarinos dizendo “— Assim, meu povo! Esquenta, esquenta!. . . enquanto ou tro personagem gritava “— A ferve nta !.. . ”) —, a polca-tango pedida pelo Vasques para acompanhar a dança do

maxixe podería ser tanto uma polca quanto um lundu ama-xixado, pois ambos eram muitas vezes chamados também simplesmente de tango.

Realmente, essa Jmprecisão na designação de músicas S qu^não viessem já estruturadas da Eúropa (como ã'*valsa, a quadrilha, a mazurca, a schottisch  ou a própria polca) > estava destinada a permitir que a palavra tango  servisse durante muito tempo para encobrir — embora sem exclu sividade — o tipo de música que mais se adaptava à dança  J  do maxixe.

Para começar, o próprio nome maxixe, devido à sua r  origem popular de última categoria, estava, como se viu, s

de tal maneira ligado à noção de coisas reles e imoral, que a sua indicação ostensiva implicava necessariamente no E ainda fazia constar logo depois, como indicação ao diretor da peça, entre parênteses: “ (Um dos atores toca a tirana na viola; os outros batem palmas e caquinhos, e os mais dançam)”.

Se a ordem, pois, era tocar uma tirana, o  que o juiz de paz pedia com “um fado bem rasgadinho.. . bem cho-radinh o. . . ” era uma interpretação bem brasileira, bem influenciada já pelo lundu e pelo seu sincopado. E é isso, aliás, o que parece indicar o próprio estribilho da tirana, com que os personagens de O juiz de paz na roça terminam a cena cantando:

V>

(14)

desagrado e no veto dos compradores de partituras para . piano, que eram gente da classe média para cima.

Ainda antes de o ator Vasques ter ousado pronunciar o nome proibido no teatro, o cronista França Júnior, em uma de suas crônicas em O Globo Ilustrado, do Rio de

Janeiro, publicadas de 1881 a 1882, aponta o nome maxi-\   xe  como gíria, sinônimo^iè^orròifodó e chinfrim, e signifi- •

cando baile em “habitação modesta” 14.

Assim, nada mais explicável que, depois de ter sido  polca-tango na cena cômica “Aí, caradural”, de Francisco

Correia Vasques, o maxixe (já transformado em canção ou cançoneta de teatro) tenha voltado ao palco em 1885 com o nome de tango, com que seria consagrado.

Esse tango  — que não passava de um lundu definiti vamente amaxixado — chamava-se  Araúna,  tinha como autor o músico e ator Xisto Bahia, e era o mesmo que Mário de Andrade recolhería folclorizado no nordeste em 1929 com o nome de Chô Araúna, e do qual dizia (sem indicar documento) ter tido “vida intensa e mesmo histó rica entre os negros de 1871 a 1880, no Rio de Janeiro” 15.

A revista de teatro lançadora desse tango Araúna  fora a intitulada Cocota,  de autoria dos maranhenses Artur Azevedo e Moreira Sampaio, e estreada no Teatro Santa na a 6 de março de 1885. Nessa revista, um dos atores  — que provavelmente dançava o maxixe  Araúna  disfarça

do de tango — erá nada mais nada menos do que o Vasques.

O fato é que o agrado do  Araúna  (no caso valorizado  pela letra,, que permitia fixá-lo na memória como canção) ia lançar/Artur Azevedo como pioneiro do maxixe can-tadcp Na verdade, apesar de o maxixe voltar ao teatro duas vezes em 1866 como número da peça  Mulher-homem (a  primeira vez a 15 de janeiro sob a forma do tango Bilontra da Cidade Nova, a segunda a 15 de fevereiro, com o qua dro mudado para “ Um maxixe da Cidade Nova” 16), seria com o tango As laranjas da Sabina,  de Artur Azevedo, na^  peça República, de 1890, que o novo gênero de música po-H  pular voltaria a se transformar num sucesso do momento 17,rTrJ 

QEssa primazia de Artur Azevedo como introdutor de finitivo do maxixe no teatro de revista foi reconhecida pela  própria compositora pioneira de tangos  Chiquinha

Gon-70          f      c          i          à          í          l      z

(15)

zagajem depoimento prestado à folclorista e estudiosa de música popular Marisa Lira, embora sem poder precisar a peça (e que vimos ter sido a Cocota) 18.

O fato é que, depois do sucesso nacional de  As laran^  jas da Sabina,  o maxixe ia iniciar uma longa carreira de  pelo menos quarenta anos nos palcos, como quadro obri

gatório das revistas da Praça Tiradentes, no Rio de Janei-^, ro, fazendo a fama de artistas como a mulatinha Júlia Martins, Maria Lino e, já a partir da década de 20, de Araci Cortes, a mulher que criaria a legenda de charme e de malícia em quase trinta anos de atividade ininterrupta no teatro musicado.

Até 1892, quando na peça Tintim por tintim  a atriz espanhola Pepa Ruiz aparecería vestida de baiana cantan do um tango  intitulado  Mungunzá, os maxixes ainda não haviam sido estilizados por compositores de maior pre—; tensão. Eles eram incluídos nos quadros das cenas cômicas e revistas — como se viu nos casos do “Aí, Caradura!” , do ator Vasques, e no  Araúna,  da revista  República — aproveitando  polcas-tangos e lundus ou tangos  populares,  provavelmente anônimos.

A partir de 1897, porém, quando na revista  Zizinha  Maxixe, cfe Machado Careca, a compositora Chiquinha Gonzaga lançou o seu tango brasileiro Gaúcho,  apontan do-o, gratuitamente, como “dança do corta-jaca,,, os maes tros de teatro e compositores semi-eruditos sentiram que era chegado o momento de aproveitar as particularidades do maxixe na criação de um gênero novo de música popu lar, capaz de interessar os milhares de compradores de  partituras para piano de todo o Brasil.

O primeiro comjpqsitor a e s t ilizar o ritmo do maxixe,/ sintetizado pelos conjuntos de choro a partir da polca e dol lundu, foi o pianista Erjjçgto Nazareth. Filho de uma famí-' lia da baixa classe média doTtlcTde Janeiro, ele se apre sentava — juntamente com Chiquinha Gonzaga — como uma das pessoas mais indicadas a transportar para o piano o novo estrlo de interpretação que os chorões populares lhe entregavam pronto. Ernesto Nazareth nascera em 1863 no morro do Nheco, depois morro do Pinto, no limite extremo da Cidade Nova, e sua primeira produção, aos ca torze anos, a polca-lundu Você bem sabe, indicava já em

(16)

1877 a atenção com que o aluno de piano ouvia em seu  bairro a música produzida pelos conjuntos de choro. Tanto assim que, ao compor em 1879 apolca Cruz, perigo!  e, em 1893, a polca-lundu Cayub"inhãT (contemporãneà do tango  Brejeiro,  o primeiro a levar essa designação na sua obra),

essas músicas já soariam quase tão amaxixadas quanto a £ série de tangos com que, a partir da composição  Nenê, de

1895, o compositor ia inundar sem interrupção o comércio de partituras de música popular. Entretanto, uma exage rada preocupação em requintar suas composições, apelan do para o virtuosismo pianístico na falta de maior cultura musical (a idéia de mandá-lo estudar na Europa, aos vinte anos, fracassou por falta de dinheiro), ia fazer com que Ernesto Nazareth jamais conseguisse ser um compositor de maxixes inteiramente populares. Nesse sentido, a idéia de mascarar o aproveitamento do maxixe com o nome de tango  ia mesmo constituir, no caso especial de Ernesto Na zareth, uma verdade imprevista ^Embora muitos composi tores da época, como a própria Chiquinha Gonzaga, tives sem chamado seus maxixes de tango, para garantir a cir culação das suas partituras nas casas de família, os tangos de Nazareth seriam na verdade os únicos que mereceríam esse nome, como distintivo de uma criação particular 19^J Aliás, foi talvez a incompreensão desse fato que levou Mário de Andrade a cunhar a célebre definição do maxixe, na qual o dá como gênero proveniente “da fusão da haba-nera, pela rítmica, e da polca, .pela andadura, com adapta ção da sincopa afro -lusita na'^) Embora Mário de Andra de tivesse ressalvado argutamente (como sempre) que “Ernesto Nazareth não é representativo do maxixe, que nem Eduardo Souto, Sinhô, Donga e o próprio Marcelo

Tupinambá”, seu erro foi não ter atentado para este dado„, fundamental: quem sofreu influência da habanera cubana ( não foi a “dança urbana genuinamente brasileira” e, sim, o compositor Ernesto Nazareth.

 Na verdade, ao contrário do que aconteceu com a  polca, cuja influência foi duradoura e marcante, a haba

nera constituiu sempre um fenômeno musical episódico na área popular, e jamais dominou “fortemente aqui na segun da metade do século XIX”, como afirmou Mário de Andra de em sua Pequena história da música  21. A documentação 72

(17)

reunida para a história dos chorões e, principalmente, o

levantamento do seu repertório tão rico em gêneros da

época (valsas, mazurcas,

schottisches

, quadrilhas e polcas)

nunca revelaram a existência de habaneras. lá na obra de

Ernesto Nazareth, pelo contrário, essa forma de música

 / 

 popular urbana de Cuba, quase contemporânea do maxixe

 \ 

carioca, aparece repetidas vezes, e em duas delas até ex- |

 pressamente indicada: no

Tango-habanera,

  deixado em

manuscrito inédito e sem data (Coleção Eulina Nazareth),

e no

tango brasileiro Plangente,

  em cuja partitura, editada

 por Eduardo Souto & Cia., no início da década de 20,

consta a indicação “ com estilo de habanera” 22.

O interessante, aliás, é que o próprio Mário de An

drade concorda de maneira implícita com essa conclusão

ao escrever — analisando a obra de Ernesto Nazareth —

que, embora ela revele processos e lugares-comuns encon- •-)

tráveis entre compositores de maxixes, “por vezes também

essa obra se encontra paredes-meias com a habanera, que

nem no pedal de dominante do

 Reboliço,

  e na terceira par

te do

 Digo”.

  Ao que acrescenta: “Então o

Pairando,

  desque

executado mais molengo, se torna havanera legítima” 23.

Tudo somado, a conclusão é de que, na realidade, não

houve uma criação, mas duas, crjações i^ima popular — a

do maxixe surgido aos poucos, na área dos músicos cho

rões, como síntese de uma forma de acompanhar um estilo

de dança espevitada — e outra semi-erudita — a do^tango

de Ernesto Nazareth, composto para piano com requintes

de virtuosismo técnico, e possivelmente influenciado pela

habaneraj sempre mais aproveitada pelos músicos eruditos

do que o maxixe nacional24.

A prova maior, porém, poderia ser dada com as dife

renças de impacto popular conseguidas pelos tangos de

Ernesto Nazareth e de Chiquinha Gonzaga, a pianista su

 jeita como seu contemporâneo às mesmas influências decor

rentes da iniciação na teoria musical. Enquanto Ernesto

 Nazareth figurou sempre como um compositor de posição

singular, situado pela natureza dos seus trabalhos entre a

música popular e a erudita,^hiquinha Gonzaga — obri

gada por necessidade a tocar em bailes populares ao lado

de chorões como Calado, Silveira, Viriato e Luisinho —

tornaria os seus tangos muito mais aceitos pelo povojicomo

(18)

aconteceu com o maxixe disfarçado de dança do corta-jaca

 j intitulado

Gaúçhp,

  de 1897, ou o tango

 Não se impres- \ sione,

 feito especialmente para a revista

Forrobodó,

 de Luís

' Péixòío e Carlos Bittencourt — que por sinal focalizava

um baile na Cidade Nova.

 Na verdade, como logo se verificaria, essa diferença

ia ficar marcada pelo fato de os tangos de Nazareth se

transformarem em peças exclusivas de piano, para serem

ouvidas, enquanto os tangos de Chiquinha Gonzaga, mais

 próximos da sua origem popular, receberíam letras que

todos cantavam (“É tão bom como cocada / É melhor

que o pão-de-ló / Forrobodó de massada / Gostoso como

ele só”), passando a integrar o repertório dos conjuntos de

dança que, no início do século atual, iam permitir ao ma

xixe transformar-sê numa atração mundial.

Realmente, se£â maneira exagerada de dançar polcas,

schottisches,

  mazurcas e lundus levou progressivamente os

compositores da segunda metade do século XIX à desco

 berta de um gênero musical novcíí essa criação do

tango

(na realidade o maxixe emancipado) ia permitir uma se

gunda contriBuíçao popular: a Fixação da dança do maxixe

com estilo reconhecível e características próprias.

A dança denominada

maxixe,

  da mesma forma que

a música e canção nascidas por sua sugestão, estruturou-se

ao longo de muitos anos, à maneira que os freqüentadores

dos . bailes das classes mais baixas estilizavam e incorpo

ravam ao estilo de dança de salão os passos, volteios, re

quebros e negaças dos batuques e danças de roda ainda

não desaparecidos na época. Dessa forma, constituindo uma

criação coletiva e necessariamente anônima, quando a dan

ça do maxixe começou a ser mostrada às geniais camadas

da sociedade, no início da década de j 880/ através do

teatro de revista, ela já estava estruturada, e possuía, in

clusive, cultores famosos.

Segundo o escritor militar Umberto Peregrino, em seu

livro

Vocação de Euclides da Cunha,

  descrevendo a vida

dos alunos da antiga Escola Militar da Praia Vermelha,

 baseado nas

 Reminiscências

  do General Alfredo Monteiro,

um desses grandes dançarinos de maxixe, por volta de

1886, era o cadete Reis, apelidado de

 Reis M axixe25.

A

fama de dançarinos de maxixe como esse cadete Reis, ou

74

(19)

como a de um freqüentador da sociedade carnavalesca Estudantes de Heidelberg, de quem um carioca octogenário deu notícia ao Maestro Vila-Lobos, na década de 30, foi responsável, aliás, pelas várias tentativas de descobrir um criador determinado para a dança do maxixe26.

A dança considerada ainda imoral e obscena comé-^ çava apenas, na realidade, a iniciar a sua investida para a\ 

conquista de camadas mais altas da sociedade, partindo j dos “incandescentes bailes do Paraíso,  onde se reuniam o)

 baixo meretrício e a capadoçagem do tempo” — segundo relato do desenhista Raul Pederneiras à folclorista Marisa Lira — até chegar aos bailes de carnaval. E, de fato, além de ser cultivado regularmente nos bailes das sociedades carnavalescas, como descreveu o escritor português João Chagas em 1897, o maxixe ia descer das cenas das revis

tas.para a própria platéia dos teatros, por volta dessa mes ma época, na primeira grande tentativa de nacionalizar e animar os bailes de máscaras carnavalescos. Assim foi que,  já em 1895, o Teatro Fênix Dramática anunciava para seus  bailes de carnaval das noites de 23, 24, 25 e 26 de fevereiro a presença de “trezentas esplêndidas mulatas maxixeiras”, especialmente contratadas para animar o baile com “a maior de todas as bandas que se pode imaginar”, sob a regência do Maestro Anacleto de Medeiros, depois famoso :omo organizador da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro27.

Claro está que, mesmo nesse primeiro contato com gente capaz de pagar 1 mil-réis para brincar nos salões, o maxixe ainda estaria longe de envolver as pessoas de boa consideração, mas elas certamente estavam assistindo a

tudo do alto dos camarotes, que custavam o preço bastante elevado para a época de 8$000 (oito mil-réis). E a prova foi que, sempre muito bem trabalhada pelo teatro de re vista, cada vez mais assíduo no aproveitamento dos atra tivos dos maxixes incendiários,  não seriam precisos mais de dez anos para a dança do maxixe começar “a invadir as salas do Rio”, segundo noticiaria um jornal em 1905. Realmente, o que essa notícia da gradual aceitação do maxixe pelas famílias da classe média fazia era nada mais nada menos do que confirmar a previsão feita um ano antes

na revista Cá e lá,  estreada em março de 1904, e na qual 75

(20)

a dupla de atores Pepa Delgado e Marzulo dançava c

tando o

 Maxixe aristocrático,

  do maestro de teatro J

 Nunes, que dizia:

“Ela

O

  maxixe aristocrático

Ei-lo que desbancará

Valsas, polcas e quadrilhas

Quantas outras danças há!

 Ele

 Nas salas de um pólo ao outro

Quem em dançar bem capriche,

Dentro em pouco dengoso,

Só dançará o maxixe!

Os dois

Mexe, mexe, mexe

e remexe

De prazer vamos dançar!

Quebra, quebra, quebra

e requebra

Vamos de gosto quebrar

Vamos de gosto quebrar 

 Ela

 Nobres, plebeus e burgueses,

Caso é verem-no dançar!

Tudo acabará em breve

Por, com fúria, maxixar!

 Ele

Pois o próprio Padre Santo

Sabendo do gozo que tem,

Virá de Roma ao Brasil

Dançar maxixe também!

76

(21)

Os dois

Mexe, mexe, mexe

e remexe

De prazer Vamos dançar!

Ai, sim, dançar!” 28

Essa letra do

 Maxixe aristocrático

, aliás, seria de fato

 profética em mais de um ponto: além de acertar quando

dizia que “ nobres, plebeus e burgueses, / caso é verem-no

dançar / tudo acabará em breve / por, com fúria, maxixar”

(o que já acontecia, àquela época), previa ainda a aceita

ção da dança “nas salas de um pólo ao outro” (e o maxixe

seria logo sucesso na Europa) e, finalmente, a curiosidade

do papa (o que ia se confirmar com Pio X, como adiante

se verá).

 Na verdade, desde 1901, a gravadora E. Berliner

Gra-mophone — que começava a fazer as bandas militares dos

 países europeus gravarem gêneros de música popular de

todas as partes do mundo — já se interessara pelo

tango

 brasileiro, lançando còm seu disco número 40 1921 a

polca-amaxixada O

bico do papagaio

  (gravação do Regimento

de Guardas de Berlim), embora indicando o gênero da

música como tango, e errando na impressão do título, que

saiu

 Rico do papagaio *.

O advento do maxixe como dança da moda, por sinal,

ia ser facilitado por um fenômeno ligado, na Europa, à

euforia urbana provocada pelas possibilidades da explora

ção industrial imperialista das matérias-primas roubadas de

 países da Ásia e da África.

 Na verdade, a Revolução Industrial, acelerada nos

últimos anos do século XIX pela multiplicidade das inven

ções mecânicas e pela expansão da rede de energia elétri

ca, aumentara de tal maneira em quantidade e variedade

a produção de bens, que o mercado capitalista começava

a transbordar das fronteiras européias. Essa expansão —

conseguida à custa da dominação dos países de economia

 pré-industrial — se traduzia, no plano internacional, pela

conquista de núcleos coloniais (Alemanha e França reu

* O autor possui este disco em sua coleção.

(22)

niam-se em 1906 na Espanha para decidir quem ficava

com o ferro e o manganês do Marrocos), e, no plano na-*)

cional, por uma dinamização do ritmo de vida das cidades,4

caracterizado por um aumento de circulação de riquezasv

e de mobilidade social. Para as camadas urbanas das gran*-'

des capitais — de que Paris constituía o padrão e o sím

 bolo — essa possibilidade da conquista de uma variedade

cada vez maior de bens produzidos pela Industria conduziu

 psicologicamente a um/choque com todos os padrões cien

tíficos, culturais, estéticSs e morais até então estabelecidos^

ao mesmo tempo em que criava uma grande&eceptividade

 para tudo quanto era novo e exóticç) Assim, em meio a

essa perspectiva otimista, que valería para a vida desse

 período a denominação de Belle Époque, os físicos ingleses

Ernest Rutherford e Frederick Soddy se encarregariam de

destruir em 1903 o conceito da estabilidade da matéria com

a teoria da desintegração; o pintor Picasso faria o mesmo

com as imagens acadêmicas, como quem quebra um espe

lho (nesse mesmo ano de 1903 nascia o cubismo); Freud

o imitava reduzindo a psicologia a cacos, para o jogo de

armar da psicanálise, e, finalmente, Stravinski se

prepára-va para quebrar a unidade tonal da harmonia clássica,

através da politonalidade dissonante como o ruído das

novas máquinas.

Entre a gente das camadas médias, geradas nas cida

des pela divisão do trabalho industrial — este, portanto,

desvinculado dos velhos conceitos de comportamento, de

estética e moral —, essa quebra de padrões estabelecidos

equivalia a uma completa disponibilidade pessoal, no mes

mo momento em que as novas possibilidades de vida ge

ravam necessidades sociais inéditas. E eis como se explica

que, no plano das diversões, as músicas e as danças criadas

ao influxo do choque da cultura musical européia com

ritmos primitivos (como era o caso do maxixe, no Brasil,

e do

 jazz,

  nos Estados Unidos) estivessem destinadas a

obter naquelas camadas o mesmo sucesso que alcançaram

os romances cheios de exotismo de Pierre Loti na litera

tura, e o vício do ópio no campo dos costumes, ambos tra

duzindo o impacto da imaginação e do desejo de gozo

europeu, ao contato com os

mistérios

e a

decadência

do

Oriente.

(23)

novi-dades importadas diariamente para consumo da curiosida

de parisiense, uma dupla de dançarinas francesas pudesse

apresentar no Teatro Marigny, nos Champs-Élysées, em

1906, o

maxixe brasileiro

, antecipando de dois anos a apre

sentação da dança pelos próprios brasileiros na Europa,

o que seria feito em fins de 1908 em Portugal pelo

can-çonetista Geraldo Magalhães e sua

 partenaire

  Nina29.

Essas apresentações públicas da dança do maxixe, por

sinal, vinham na realidade aproveitar a voga do ritmo do

maxixe lançado na Europa através da novidade dos discos.

De fato, um ano antes da apresentação das dançarinas

francesas de maxixe brasileiro no Teatro Marigny, a músi

ca já era dançada nos salões parisienses. Segundo o

memo-rialista Paul Léautaud em seu

 Journal Littéraire

  (Mercure

de France, Paris, volume I, 1893-1906, edição de 1950),

depois de um jantar, na noite de domingo 12 de novembro

de 1905, na casa de Mme Dehaynin, a filha da anfitrioa,

‘‘acompanhada por sua mãe ao piano”, dançou para os

convidados “alguns

cake-walk 

,

 La matchiche,

  etc.” A com

 posição ao som da qual a filha de Mme Dehaynin dançara

era intitulada exatamente

 La matchiche

, de autoria do

compositor francês Charles Borel Clerck, e que alcançava

 por aquela época grande sucesso não apenas na Europa,

mas mesmo no Brasil, onde chegara reproduzida em disco

Odeon, chegando a animar outros compositores europeus

a tentarem o gênero, como prova o lançamento posterior

do maxixe

 La matchichinette

 (disco Odeon número 40 776,

selo vermelho, no Brasil). A identificação desse primeiro

maxixe dançado em salões de Paris foi possível porque

Léautaud, amante de pormenores aparentemente insignifi

cantes, teve a feliz idéia de reproduzir de memória alguns

de seus versos. Embora omitindo um dos versos e mudan

do algumas palavras de outros, o memorialista lembrava

ter a menina dançado ao som das palavras:

“Cest la dansc nouvelle

/

 Mademoiselle

/

On Vappelle la m a tc h ic h e

C

que só podia ser, na realidade, a quadrinha da música dt

Borel Clerck “

Cest la chanson nouvelle

/

 Mademoiselle , C’est la chanson qui esguiche

/

Cest la matchiche

” 30.

Segundo' o poeta e escritor Onestaldo de Pennafort

que colhera a informação sobre a apresentação do maxixe

em 1906, em Paris, através da citação de artigo de um

francês, Henri Cuzzorí, no

Paris Illustré,

  ao realizar

pesqui-1

(24)

sas para sua biografia do pianista e autor de valsas Mário Penaforte31, as dançarinas se chamavam mademoiselles  Rieuse e Nichette, e uma fotografia as mostra num flagrante da dança: uma curvada para trás, com roupa de espanhola, a outra enlaçando-a, no papel de cavalheiro, vestida com uma fantasia misto de traje de gaúcho e chapéu de vaquei ro nordestino.

As franceèas, provavelmente artistas de vaudeville, de viam ter aprendido a dança durante uma daquelas tournées de companhias de operetas francesas em que, depois do espetáculo, a juventude dourada do Rio de Janeiro con duzia as artistas estrangeiras para ceias boêmias, após as quais era quase certa a execução dos movimentos do ma

xixe no sentido horizontal.

De qualquer forma, o maxixe, embora necessariamen te desfigurado, fazia a sua primeira aparição internacional, em Paris, antes mesmo de conseguir, no Brasil, quem lhe disciplinasse os passos para o advento final como dança ) de salão. Esse momento, porém, não tardaria a chegar, e  \ 

o responsável pel^stili^ação^seria o dentista baiano Antô- v nio Lopes de Amorim Diniz, o  Duc^e.

 Naquele mesmo ano de 1$CT6 em que as dançarinas Rieuse e Nichette mostravam o maxixe em Paris, o maior sucesso do carnaval brasileiro fora o tango-chula de Arqui-medes de Oliveira e Bastos Tigre Vem cá mulata, que outra coisa não era do que um maxixe vindo de 1902, a acredi tar no cronista Luís Edmundo em seu livro O  Rio de ja neiro do meu tempo 32. v

O fato, porém, é que, apesar de todos esses sinais de  popularidade, as resistências ao maxixe continuavam, e o  próprio T/em.cámulata  estava destinado a provocar um

escândalo no mundo'oficial, em 1907, como a querer mos trar que era mais fácil a nova dança ser aceita como mais uma novidade da era industrial, na Europa, do que vencer no Brasil as barreiras do preconceito elitista-patriarcal.

Desde o fim do século passado as bandas militares costumavam emprestar seu concurso aos bailes das socie dades carnavalescas, o que se explicava por serem as únicas orquestras  organizadas com músicos de camadas populares, e cuja colaboração se tornava possível pelas boas relações entre os figurões das grandes sociedades  e as altas patentes das corporações militares. Assim, não é de se estranhar  80

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que durante as retretas nas praças, ou mesmo internamente, nas corporações, as bandas entremeassem os dobrados mi litares com as vaTsas e pòlcás do momento. Se também tocavam maxixes nos bailes das sociedades carnavalescas, havia, porém, uma autocensura que afastava a possibili dade de incluir uma música do gênero maxixe em festas oficiais ou perante autoridades. Pois foi exatamente uma quebra desse protocolo que levou o Marechal Hermes da Fonseca, ministro da Guerra do governo Afonso Pena, a  baixar uma portaria expressamente destinada a proibir a

execução do maxixe por bandas militares. O fato que de terminou a medida aconteceu quando das manobras do Exército, realizadas com a presença de árbitros militares estrangeiros em setembro de 1907. Deu-se que o então Mi nistro Marechal Hermes da Fonseca, como ardoroso entu siasta do militarismo alemão (seria o responsável pela compra dos fuzis Mauser 1908 para a infantaria, e material '7 Krupp, de tiro rápido, para a artilharia do Exército), tinha sugerido convidar o ministro alemão Barão von Reichau  para assistir às manobras em Santa Cruz, no Rio de Janei

ro. A comissão de oficiais alemães aceitou o convite, e, após várias demonstrações bélicas, quando chegou a vez de mostrar ao barão prussiano as virtudes das bandas mi litares, von Reichau — que parecia bem informado dos últimos sucessos do carnaval carioca — pediu, nada mais,

nada menos, que a banda tocasse o Vem cá mulata.

Atendido com uma alegria poucas vezes igualada pelo  pessoal da banda, a execução do coleante maxixe pela  banda do Exército deu o que falar, e foi essa repercussão do fato que levou o Marechal Hermes da Fonseca a tomar a providência de proibir a futura execução do gênero de dança popular carioca pelas bandas militares. Ao fazê-lo,  porém, não podia avaliar o marechal que, menos de cinco

anos depois, voltaria a ser envolvido em outro escândalo  público por causa da música popular. Só que, já então  presidente da República, ia figurar no novo episódio não como a autoridade que proibia ò maxixe, mas como a que  permitia sua execução no próprio Palácio do Governo, durante uma festa em que sua esposa, Dona Nair de Tefé (a ex-caricaturista Rian), rompeu afinal com os precon ceitos tocando o Corta-jaca  de Chiquinha Gonzaga ao violão.

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O maxixe era, pois, o assunto do momento nesses 1  primeiros anos do século XX, quando o baiano Antônio,.

Lopes de Amorim Diniz, com menos de vinte e cinco anos, tendo perdido no jogo todo o dinheiro que trouxera de Salvador, ao abandonar a profissão para tentar a vida no Rio, conseguiu a representação de um produto farmacêu tico, e partiu para Paris.

O ex-dentista Lopes Amorim, conhecido por  Duque  — provavelmente devido ao ar de nobreza e ao apuro no vestir que o distinguia —, começou imediatamente a fre-qüentar as casas noturnas de Paris, onde o tango argen tino principiava a fazer furor. Havia pouca gente capaz de dançar bem o tango, e ainda menos de ensiná-lo naque le momento, na Europa. E, assim, quando a representação

farmacêutica revelou o seu fracasso, Duque aproveitou uma antiga vocação para a dança (ele chegou a pensar em estu dar balé clássico, mas a família protestara) e abriu no número 5 da Cité Pigalle, em Paris, um curso onde passou a ensinar tango argentino e, logo, “le vrai tango brésilien”.

O verdadeiro tango argentino, em que Duque iniciaria) os franceses, era nada mais do que o maxixe carioca, devi damente estilizado com base na marcação de passos, como os do próprio tango argentino e outras danças de salão, que jamais poderiam ser dançadas na área da classe média e das elites da mesma forma espontânea e criativa com que o povo o fazia. A contribuição da dança da Cidade No va à então cidade-luz, entretanto, ficaria ainda assim perfei-tamente marcada na novidade do debruçar do cavalheiro sobre a dama, e na série de passos para os lados, com os rostos colados, e que tanto iam contribuir no bas-fond  de Paris para o aparecimento da chamada dança de apache, depois reexportada como criação típica das camadas po  pulares da capital da França.

Em pouco tempo o nome de Monsieur Duque se tor nou conhecido em Paris não apenas como professor das novas danças, mas como bailarino cobiçado como par pelas grandes vedetas do teatro do início do século. No Chez Ci ro^, Duque dança então com a bailarina grega Crysis em  julho de 1909, e seu sucesso é tal que, em setembro, volta a aprèsentar-se com ela no Magic City na Valsa do beijo e no Tango brasileiro,  este escondendo sob essa designação o tango Gaúcho, ou seja, a dança do corta-jaca de

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