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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

Relatório final PIBIC

Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Ramos

EDUARDO GUTIERREZ DE SOUSA

PROCEDIMENTOS CRIATIVOS NA OBRA DE DIMITRIS PAPAIOANNOU: POSSÍVEIS POÉTICAS DO ABSURDO REVISITADAS

SÃO PAULO 2019

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2 “Albert Camus escreveu O mito de Sísifo buscando lidar com as situações humanas irracionais, a condição humana, a condição do homem moderno, relacionando-a com o mito de Sísifo [...] qual o sentido da vida se você não dá o salto de fé; se, irremediavelmente, você não passa a acreditar em algo divino? [...] Como extrair alegria do interminável confronto com a matéria, de nossa própria materialidade? Em outras palavras, como o absoluto conhecimento de nossa própria mortalidade pode ser misturada com o nosso desejo sincero e vislumbrar algo que seja eterno e espiritual? Como jogamos com isso?”

Dimitris Papaioannou1

Introdução

A presente proposta de pesquisa refere-se à obra do artista grego Dimitris Papaioannou, especificamente seus três últimos trabalhos: Primal Matter (2012), Still

Life (2014) e The Great Tamer (2017). Autonomeando-se como diretor, coreógrafo e

performer, o artista trabalha com uma fusão de elementos de diversas linguagens, como o teatro físico, a dança, a performance, as artes visuais e a ambiência sonora. O formato dessas apresentações se dá conjuntamente com outros performers em espaços teatrais, convencionais ou alternativos. Além do fato do próprio artista mencionar a continuidade entre os seus trabalhos em entrevista em vídeo, percebem-se elementos de “lugares-comuns” nesta trilogia que compõem um arcabouço de poéticas desenvolvidas e “afinadas” ao longo dos anos de sucessivos trabalhos. De formação clássica, na Escola de Belas-Artes de Atenas, Papaioannou envereda pela profunda experimentação de uma arte híbrida, valendo-se de pressupostos de análise complexos, condizentes com o espírito da arte contemporânea.

Meu contato inicial com a obra do artista deu-se em 2016, quando apresentou seu espetáculo Still Life na 3ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MIT-SP).

1 Albert Camus wrote “The Myth of Sisifus”, trying to deal with irracionable

human situations, the human condition, the modern man condition, relating it to the myth of Sisifus [...] what is the meaning of life if you don’t give in to the leap of faith, if you don’t start irrationably believing in something divine? [...] How to take the joy from the endless confrontation with matter, with our material self? In other words, how does the absolute knowledge of our material self and our mortality can be combined with our absolute true wish and dream for something that is eternal and spiritual? How do we play? (PAPAIOANNOU et al. The origins of “Still Life”. Disponível em: <http://vimeo.com/155312868>. Acesso em 30/06/2019).

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Na ocasião, tive a oportunidade de estar presente em um encontro com o próprio artista e seu público após a apresentação, prática comum da Mostra. O espetáculo me gerou uma espécie de catarse: daí decorre certo mérito afetivo para a escolha do objeto de pesquisa. No debate, Papaioannou explicitou alguns de seus procedimentos criativos, o que também me mobilizou enquanto estudante, pesquisador e criador teatral, identificando-me tanto no que se referia às formas de criação cênica e propostas de trabalho em ensaios, bem como a temática mitológica e filosófica acerca do mito de Sísifo (diga-se enquanto mito, propriamente dito, e tema filosófico pós-moderno) que também é uma abordagem bastante cara para mim. Desde então, propus-me a pesquisar sobre sua obra e deparei-me com entrevistas gravadas e disponibilizadas na internet, assim como compactos em vídeo de outros trabalhos – alguns na integra ou quase que na sua totalidade, como é o caso de Primal Matter, obra anterior, cujo conteúdo se apresenta de maneira completa ainda que se encontre editada em dezessete minutos. Também viajei à Paris na ocasião para assistir The Great Tamer, obra posterior e seu mais recente trabalho.

Assim, em meio a muita coleta de material – em vídeo ou presencialmente, em apresentações de espetáculos ou em encontros com o autor – e pesquisas sobre análises de espetáculos – tema delicado aos pesquisadores teatrais devido ao caráter “efêmero” dessa arte e às precárias formas de registro – propus-me investigar a trilogia desse inventivo artista das artes da cena em âmbito acadêmico. Tal investigação sustentou-se por meio da análise de obras existentes (via memória descritiva da experiência ou via observação de registros) à luz de materiais técnicos e teóricos (“acumulados” em minha trajetória acadêmica e àqueles a serem pesquisados) e, ainda, pela proposição de um experimento prático com um grupo de estudantes de teatro e performance, também vinculados à Universidade. Atualmente, a pesquisa prática se faz mais do que necessária aos estudos das artes cênicas; assim como, também, auxiliou inextrincavelmente a investigação dos procedimentos criativos das obras de Dimitris Papaioannou, objeto dessa pesquisa.

Objetivos

 Investigar os elementos que constituem a poética cênica dos trabalhos mais recentes do artista Dimitris Papaioannou por meio de registros em

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vídeo e de anotações resultantes da memória das apresentações, catalogando-os.

 Replicar os procedimentos criativos da obra do artista em questão ao longo de ensaios com estudantes de teatro, de maneira a tentar imitar alguns deles elaborando-se cenas teatrais.

 Desenvolver procedimentos análogos aos da prática do artista com o grupo, visando à confecção de cenas originais, inspiradas na poética de Papaioannou.

 Elaborar uma dramaturgia por meio de procedimentos de criação artística.

 Apresentar um experimento cênico “homenagem”, confluindo as “cenas de imitação” (à moda dos autores do período Clássico e Renascentista) com as “cenas originais”, a partir da dramaturgia previamente elaborada. A esse experimento cênico deu-se o nome “Não preste atenção em quem está atrás da cortina”.

 Proporcionar uma redação sobre o caminho da pesquisa – catalogações, referências teóricas e cadernos de ensaio – além de certo registro audiovisual disponibilizado também como material.

Metodologia

De maneira a tentar resgatar a experiência teatral, cinco vídeos foram primordiais para a confecção do trabalho: dois deles referem-se às peças Primal Matter e Still Life – as quais configuram a maior parte da extração, analise e reconfiguração (dramatúrgica); o making of de Still Life – entrevista do artista sobre sua obra e sua poética; e os trailers das duas últimas montagens de Papaioannou – The Great Tamer e

Seit Sie (em conjunto com o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch). Todos esses vídeos

(e mais alguns outros) encontram-se disponíveis na pagina Vimeo do próprio artista grego2, podendo-se conferir o link direto dos mesmos na seção Referências. Além desse material audiovisual, contou-se com certo resgate de memória da experiência pessoal de assistir Still Life (seguida de entrevista coletiva com o artista) e The Great Tamer. O

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contraste entre a memória e o material audiovisual disponibilizado online significou, para essa pesquisa, a elaboração de uma espécie de “catálogo” das obras analisadas até então focando nas imagens capturadas detalhar dois aspectos: (i) “o que se passa aqui”, e (ii) “que leituras oferecem”. E, assim, após reconstitui-las imageticamente, elaborar sequências de treinamento físico e criativo nos ensaios que levassem aos jogos de cena existentes na poética dos espetáculos originais de Papaioannou.

Originalmente, esse processo criativo contaria com um grupo de jovens estudantes de teatro; no entanto, por incompatibilidades entre os horários de ensaio, optou-se pela realização de uma performance solo – fato também peculiar às obras de Dimitris Papaioannou que quase sempre encontra-se como performer dos próprios trabalhos, como em Primal Matter e Still Life.

Então, a metodologia dessa pesquisa consistiu em um mecanismo triangular: assistir e analisar as obras de Papaioannou, reelaborar seus procedimentos de criação e sintetizá-las em uma dramaturgia e, por fim, praticá-los dentro da sala de ensaio. Essa “mímesis” de uma obra pré-concebida anteriormente teve seu respaldo na antiga prática dos períodos Clássico e da Renascença, no qual aprendizes imitavam as obras de artistas consagrados, ou com a finalidade de estudo e aprendizagem ou para render-lhes uma espécie de “homenagem”: de algum modo essa, pesquisa atendeu a estes dois intuitos. Dessa maneira, estabeleceu-se um processo criativo com vínculos referenciais à obra de Dimitris Papaioannou, como disparadores poéticos, e vislumbrando a confecção de um experimento espetacular inédito – “Não preste atenção em quem está atrás da cortina” – que tem trânsito com as obras originais do artista grego, nesse mecanismo de “ir e voltar”, “antropofagizar” e “reinventar”.

Resultados finais

Apresentaremos, a seguir, alguns dos resultados obtidos pela pesquisa, como por exemplo, aquilo que denominamos “catalogação”, a partir da obra de Dimitris Papaioannou, ou melhor, traçando alguns paralelos e similaridades entre a poética desse artista (ao menos de seus trabalhos mais recentes, foco principal da pesquisa). Assim, exercitamos mais uma “recolha” de materiais e elementos do que pretendemos catalogar aquele artista.

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1. Prólogos: mediação entre artista e público

Nos trabalhos mais recentes de Papaioannou pudemos observar um recurso de cena que consiste em “aguardar” o público e “recebe-los”. Notamos isso em Primal

Matter, onde o próprio diretor/performer encontra-se sozinho em cena enquanto o

público entra na sala para tomar seus lugares. Parece denotar certa ansiedade em sua expressão, o que nos faz deduzir que se trate apenas de uma “persona”, ou de um “mascaramento”, ou seja, de um revestir-se de algum estado ficcional para compor uma alteridade que não a do próprio Dimitris Papaioannou (esboçaremos uma possibilidade de resposta a isso na seção Análise). Então, o artista apaga a “luz de serviço” – aquela que recebe o público – para dar início à performance.

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Papaioannou recebe seu público em Still Life de maneira análoga, mas dessa vez, sentado em uma cadeira. Assim que o público se encontra acomodado e soa o terceiro sinal, indicando o início da performance, um funcionário da cenotécnica ou o próprio diretor de palco adentra o espaço, atravessa o proscênio e retira a cadeira em que Papaioannou encontrava-se sentado: como num truque de mágica, o diretor/performer, tão afeito aos truques ilusionistas, revela que não estava realmente sentado na cadeira, apoiando seu corpo no assento mas, sim, em um estado físico o qual imitava alguém sentado, tornando a cadeira um elemento desnecessário a sua posição inicial no prólogo desse espetáculo.

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Por fim, de uma maneira análoga porém diferente, em The Great Tamer, não vemos Papaioannou recebendo seu público; aliás, nesta performance não o vemos em nenhum momento pois ele limita-se à direção/coreografia do espetáculo, não atuando como performer. No entanto, seu prólogo se instaura: vemos um homem, um dos performers do grupo de Papaioannou, em pé, em uma posição um tanto quanto não-natural, pois encontra-se numa lateral e não de frente para o público (algo como 45º em relação ao eixo “normal” do palco). No momento em que praticamente todo o público já adentrou seus lugares na plateia e a performance se iniciará, outro performer, nu, entra em cena e deita-se no meio do espaço cênico. Então, o primeiro performer, em trajes formais, preto3, começa a se deslocar pelo proscênio: assim como em Still Life há um efeito surpresa: nos surpreendemos por descobrir que seus sapatos encontravam-se “pregados” no palco, com raízes de planta saindo dele, como se ele próprio fosse uma planta, arraigada àquele “solo”, e sai de cena “andando” com as mãos ou exercitando a chamada “parada-de-mão”.

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Podemos traçar, aqui, um paralelo com Primal Matter, em que Papaioannou veste-se também num traje bastante formal, preto, em contraponto ao outro performer que se encontra nu por todo o espetáculo.

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2. Matéria

A formação acadêmica de Dimitris Papaioannou remonta à Escola de Atenas de Belas Artes. Assim, não é de se admirar como o artista preza a utilização de materiais diversos em suas produções. Em entrevista sobre a peça Still Life, Papaioannou tenta resumir aquela performance pela questão “como lidar com a matéria”: “O show, propriamente, é uma série de paisagens de pessoas tentando lidar com peso e leveza.”4

.

Logo, nota-se uma vasta gama de materiais com que este artista lida.

A própria história de origem da performance art, da performatividade e do teatro performativo remonta a esse lugar híbrido entre as artes da cena e as artes visuais ou plásticas. Curiosamente, Papaioannou refere-se aos seus trabalhos mais recentes à maneira com que artistas visuais descrevem os materiais utilizados, como por exemplo, “óleo sobre tela” ou “giz sobre madeira” etc. No website do artista, encontramos como subtítulo de Primal Matter o seguinte – uma peça para dois performers homens5 –

enquanto que para Still Life – uma peça para sete performers6 – e, por fim, para The Great Tamer – uma peça para dez performers7.

Dentre alguns dos materiais que Papaioannou utiliza, temos a madeira – um dos materiais mais tradicionais não apenas da história do teatro mas da história humana. Em

4

“The show itself is a series of landscapes of people trying to deal with wheight and lightnes”. (PAPAIOANNOU et al. The origins of Still Life. Disponível em: <http://vimeo.com/155312868>. Acesso em 30/06/2019).

5 “A piece for two male performers”.

(<http://www.dimitrispapaioannou.com/en/profile/26-productions/primal-matter/51-primal-matter>)

6

“A piece for seven performers”. (<http://www.dimitrispapaioannou.com/en/current/still-life>) 7 “A piece for ten performers”. (<http://www.dimitrispapaioannou.com/en/current/the-great-tamer>)

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10 Primal Matter, vemos como o artista manipula esse material, ora “sofrendo” com seu

peso, ora oferecendo a mais leve sensação possível.

A madeira passa a ser matéria primordial para a estética do artista na obra The

Great Tamer, em que se constrói um palco elevado, sobre o piso da sala de espetáculos.

Essa camada elevada de um palco extra oferece o recurso de se utilizar alçapões e permitir o transito dos performers e técnicos sob o espaço de cena (saídas e entradas), bem como a própria utilização em cena, seja como alteração de relevo ou de cor e textura.

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Assim, “peso e leveza”, como Papaioannou refere-se à elaboração de Still Life, revela-se um motivo constante, tanto de seu trabalho anterior – Primal Matter – como do posterior – The Great Tamer – ainda que, por ventura, ele possa mudar de material utilizado. Temos, por exemplo, neste último espetáculo, a cena de um lençol sendo movido pelo simples derrubar de uma chapa de madeira que cria um bolsão de ar que o suspende; de maneira análoga, em Still Life, um enorme saco plástico transparente, preso ao urdimento do teatro, fica pairando por sobre as cabeças dos performers enquanto vai se enchendo com gelo seco (CO2), material mais denso do que o ar. Em certo momento, tal fumaça cessa e esse material volta a ganhar a leveza novamente quando um dos performers tenta manipulá-lo com uma pá. A auto-referência a esse plástico retorna no trabalho posterior (The Great Tamer) ao vermos um dos performers brincando de assoprar um material plástico ao longo da cena.

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3. Corporalidades escultóricas

A imagem que conclui o tópico anterior refere-se a um grupo de performers mulheres assoprando o corpo de um performer homem. Assim como o assoprar da sacola, vemos essa interação entre a matéria ar, transportada pelo sopro das performers, sensibilizando o corpo nu do performer, que reage a essa condição de manipulação da matéria.

Assim, a poética de Papaioannou parece nos convidar a ver como o ser humano pode lidar com essas matérias, seja a pura interação entre ser-humano e matéria – as pedras, o acrílico, as fitas adesivas e o plástico em Still Life – seja a interação entre ser humano com outro ser humano – o dueto de performers em Primal Matter ou os “corpos-falsos” em The Great Tamer – seja ainda uma mistura desses dois, como por

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exemplo, as cenas com a “parede” ou aquela em que carregam uma mesa, ambas de Still

Life. Vários desses elementos quando manipulados em cena também geram certa

sonoridade, lembrando que o som também é matéria por se tratar de propagação de uma onda mecânica pelo espaço.

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17 Resultados parciais

Nesta seção, registraremos a dramaturgia de “Não preste atenção na pessoa atrás da cortina” elaborada a partir das cenas originais de Papaioannou. Para tanto, por se tratar de uma dramaturgia visual, de teatro físico / performativo, utilizaremos algumas imagens registradas dos processos de ensaio além da descrição verbal, escrita. Por serem imagens recolhidas por meio dos ensaios do processo criativo, poderá notar-se diferença na vestimenta que o performer utiliza; no entanto, o figurino-base, com paletó cinza, camisa verde e sapatos pretos foi a escolha adotada ao final. Também ressaltamos que tais imagens não comportam a complexidade da encenação como um todo por não conterem toda a maquinaria teatral de rotundas, pernas e iluminação cênica. Assim, vale mais como um vislumbre dramatúrgico do que a encenação completa em seus mínimos detalhes. Daí a opção por colocarmos esta parte do trabalho nesta seção de resultados parciais, além de que ainda é passível de algumas modificações. A performance conta com uma segunda pessoa, além do próprio performer, responsável pela operação técnica da iluminação cênica, bem como certa contrarregragem e cenotecnia. Para tanto, optou-se por nomear essa optou-segunda pessoa de “performer”, assim como o performer “atuador” e, assim, temos como subtítulo do nosso experimento cênico “peça para 2 performers a Dimitris Papaioannou”.

Quanto a exibição pública da performance, que se daria no mês de agosto de 2019, infelizmente precisou ser adiada por conta da reserva prévia da apresentação da Escola de Arte Dramática da ECA – USP (EAD), que, ao invés de apresentar seu trabalho semestral ao final do semestre anterior, optou por realizá-lo no mês de agosto. Em sequência, após esse evento, as salas se encontrariam reservadas para o “SPA”, evento tradicional do PPGAC a ser realizado em setembro. Logo, optamos por apresentar ao final da semana de realização do 27º SIICUSP, entre os dias 3 – 6 de outubro de 2019.

Também utilizaremos o espaço desta seção para explicitar alguns dos mecanismos da pesquisa, como já explicado nas seções anteriores, de rearticulação a partir da obra original até seu desenvolvimento e reinvenção. Para tanto, nos valemos de citações e imagens da obra original de Dimitris Papaioannou para poder explicitar alguns desses procedimentos.

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18 Não preste atenção em quem está atrás da cortina

(peça para 2 performers a Dimitris Papaioannou)

Prólogo

O público é recebido pelo performer sentado numa cadeira. Aparentemente sentado, como o icônico início de Still Life8.

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A cadeira a ser retirada será solicitada pelo próprio performer para que alguém do público vá até lá e a retire. Depois de agradecê-la, sai para o fundo do palco e apaga as luzes de serviço da sala de espetáculos para iniciarmos a performance.9

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20 Cena 1

O performer retorna do fundo da cena, próximo às cortinas (rotundas parciais), e atravessa toda a extensão do palco até o proscênio repetindo o procedimento de Still Life (como na imagem a seguir).

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Ao chegar na boca-de-cena, “pesca” um balde com brita (pedra de canteiro de obra). Despeja seu conteúdo na região do proscênio, em movimentação estilizada – dança com pedras.

Cena 2

Retorna pela esquerda-baixa carregando no lombo uma chapa de compensado de madeira10 de 10mm, lateralmente; triangula com o público. Chegando ao centro do palco, gira 90º e deixa a chapa escorrer por suas costas, até ficar elevada. Então, em jogo de cumplicidade com o público, ameaça deixa-la cair; no entanto, por questões físicas simples, sua queda não promove nenhum grave impacto, sequer ruído.

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23 Cena 3

Por debaixo da cortina branca ao fundo do palco, desenrola-se outro pano branco, cortado nas mesmas dimensões da que está pendurada verticalmente (como se se criasse uma ilusão de continuidade do material). Ao desenrolar-se, como num tapete, continua a rolar o piso até o proscênio. Vemos que, agora, porta uma mochila.

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Com a chapa de madeira, recolhe as pedras, empurrando-as como se utilizasse uma grande vassoura. Faz que vai soltar a chapa para recolher a brita, mas percebe que a chapa irá tombar sobre ele. Após certo jogo cômico, deixa a placa de madeira cair sobre ele. Entre a madeira e as pedras, tenta recolhê-las e guardar em sua mochila. Desvencilha-se da placa de madeira e empreende uma pequena e lenta travessia, da boca-de-cena até o fundo do palco (em direção oposta a que já vimos anteriormente). “Sísifo carrega pedras em uma mochila às suas costas”. Segue em direção à luz que ofusca o entorno e vemos sua silhueta. Essa luz frontal remete ao imenso refletor que vemos por detrás da “nuvem” em Still Life.

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25 Cena 4

O performer retorna, dessa vez, tentando manter uma sacola plástica no ar, assoprando-a11. Frustra-se diversas e repetidas vezes, triangulando com a plateia, como que num jogo.

Tem uma ideia e saca um cigarro do bolso: o acende. Solta a fumaça dentro da sacola, como no jogo anterior e espera alguma reação. Novamente frustrado, retira uma capa de chuva plástica, transparente e tenta desamassá-la. Veste a capa plástica enquanto bafora a fumaça dentro da roupa.

A seguir, retorna com uma máscara de gás e uma máquina de fumaça teatral (gelo seco) e busca deixar a fumaça adentrar sua roupa12. O excesso de fumaça que empesteia não apenas a roupa mas, também, o espaço de cena13 é tanto que o performer decide por tirar a roupa original (seu figurino, paletó, calças, sapatos etc.) e sai lateralmente, onde toma um rápido banho de mangueira14.

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Inspirado em The Great Tamer (ver imagem da página 29).

12 Essa vestimenta da capa e máscara, buscam gerar certo estranhamento hostil. Tem como referência o

traje de astronauta de The Great Tamer (ver imagem da página 30).

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Como a fumaça que invade a “nuvem” em Still Life (ver a 2ª imagem da página 12).

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30 Cena 5

Após o banho de mangueira, fecha a porta lateral do teatro, retorna ao palco, pega o tecido branco (o mesmo que fora desenrolado na cena 3) e se enxuga. Porém, trata-se de um truque: não é exatamente o mesmo pano; ele contém um desenho15. Vai estendê-lo no cavalete e retorna para vestir suas roupas novamente. Acontece que algo “novo” está ali na pilha de roupas – um bambu. Empreende toda uma sequência buscando equilibrar o bambu no ombro, como se fizessem parte da mesma matéria.

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Como o truque dos pés que estão desenhados na toalha que Papaioannou usa para limpar o outro performer (ver a imagem na página seguinte).

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Após equilibrar o bambu enquanto livra-se do relógio e dos sapatos, deposita-o no proscênio, em contraponto ao cavalete, madeira manufaturada.

Cena 6

Traz uma mesa branca por detrás da cortina branca. Ela contém alguns alimentos e seus suportes. Pede ajuda a iluminadora para carregá-la; quer descer o palco e pede ajuda a duas pessoas da plateia; coloca um dos pés da mesa por sobre a cabeça16 e a deixa na plateia.

Finale

Trazem cadeiras e convidam o público a comer17. São alimentos reconhecidos por terem certa origem grega, como azeitonas, vinho, pão, azeite, queijo feta etc.

16 Análogo a Still Life (ver imagem na página seguinte), porém apenas o performer a realiza. 17

No original de Papaioannou, os performers começam a comer e convidam o público que se encontra próximo a comerem também; inclusive, dão comida na boca do público (ver imagem na página seguinte).

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Observação: ventiladores serão instalados atrás de algumas das cortinas do aparato cênico, sendo eventualmente ligados pela iluminação / cenotécnica, criando-se uma sensação de aspecto “mágico” resultante de nosso truque cenográfico.

Análise

Enquanto matéria relacionada às artes da cena, podemos notar que a obra de Dimitris Papaioannou (ao menos em seus trabalhos mais recentes e como pode ser observado ate então) orbita em torno do que poderíamos chamar de teatro performativo ou teatro físico. Sobre o último termo mencionado, temos uma possível definição acerca do modo de como essa forma espetacular se apresenta:

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34 No Teatro Físico, o corpo é colocado em destaque em nome da reteatralização do teatro. Do ideal de “autonomia” do movimento na dança, sobrevive a disposição do corpo enquanto portador de uma mensagem, que é seu próprio poder de enunciar-se. A restauração da fisicalidade da ação corporal humana exige também uma revitalização sensorial da plateia, uma vez que a comunicação tende a operar por uma espécie de “assimilação simpática”, ou seja, pela excitação sensível provocada pela forma tangível da realidade física18.

A atriz e pesquisadora Lúcia Romano nos explicita a peculiaridade dessa manifestação cênica, onde a tal “reteatralização do teatro” busca a mais simples existência humana sobre um palco em “estado de performance”: um ou mais corpos agem na cena; a narrativa prescinde de material fabular com a qual o público necessite acompanhar atentamente uma história em percurso, racional ou mimeticamente. O corpo posto em cena age e interage com outros corpos ou outros tipos de matérias físicas, expandindo as possibilidades de comunicação com o público. As imagens, que se sucedem ao longo de uma narrativa visual e sonora, precisam saltar para além do suporte do texto escrito verbalmente, buscando fricção com outras manifestações artísticas:

Ainda diferentemente da Dança-Teatro, o Teatro Físico encontra outras afinidades. Além da hibridação com a dança, refere-se a gêneros teatrais que por fundamento estão mais afastados do teatro de base textocentrista, tais como o circo, a mímica e a performance.19

A reação do corpo humano com outra organização da matéria remonta ao próprio mito de Sísifo, punido pelos deuses da antiguidade clássica a manipular o enorme bloco de pedra por toda eternidade no Tártaro. Metaforicamente, a personagem precisaria saber lidar com aquilo de forma a poder transcender. Como sabe-se que os mitos possuem poder simbólico sobre a cultura, nos relacionamos empaticamente com um ser humano em sua condição de aprendizado e amadurecimento diante dos percalços da vida cotidiana, o que cada um enfrenta e com o quê e como precisa lidar.

A explicita referência de O mito de Sísifo, de Albert Camus, mencionada pelo próprio Papaioannou em entrevistas acerca da concepção de Still Life, concentra-se mais nas últimas partes deste grande tratado sobre o absurdo de viver uma vida fadada à mortalidade: trata-se da “criação absurda”. Camus percorre diversas possibilidades de

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ROMANO, Lúcia. O teatro do corpo manifesto: teatro físico. SP: Perspectiva, 2015. p. 43.

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como lidar com essa inescapável condição humana, as quais não vêm ao caso neste ensaio com exceção da criação artística – para o filósofo, a forma mais redentora diante da inevitável morte:

Nesse universo [absurdo], a obra é então a oportunidade única de manter sua consciência e de fixar suas aventuras. Criar é viver duas vezes. A busca titubeante e ansiosa de um Proust, sua meticulosa coleção de flores, tapeçarias e angústias não significam outra coisa. Ao mesmo tempo, sua única força é a criação contínua e inapreciável à qual se entregam, todos os dias de sua vida, o comediante, o conquistador e todos os homens absurdos. Todos tentam imitar, repetir e recriar sua própria realidade. Sempre acabamos adquirindo o rosto das nossas verdades. A existência inteira, para um homem afastado do eterno, não passa de uma imitação desmesurada sob a máscara do absurdo. A criação é o grande imitador.20

Na mitologia judaico-cristã, “Deus” é um soberano e onipotente criador, capaz de manipular a matéria a partir do nada, magicamente; aos seres humanos, criados “a sua imagem e semelhança”, seria oferecido o poder dessa criação, igualmente: tanto a criação de outros seres humanos por meio da reprodução, como a criação de instrumentos, de máquinas, de ideias, de obras etc. Em Primal Matter, a “matéria primeira” – o Homem, nu – encontra-se lá, diante de seu criador – Dimitris Papaioannou, a divindade-artista. Assim, é possível termos tanto uma leitura simbólica de uma teogonia mas, também, de uma concepção artística (tekhné – a elaboração/confecção de algo a partir de um conhecimento particular), como se, a todo momento, estivéssemos vendo o ir e vir de uma dupla camada: a imagem de “A Criação de Adão” per se, ou o próprio Michelangelo em seu trabalho de manufatura do teto da Capela Sistina. Aqui, todavia, o afresco é o próprio performer nu que acompanha Papaioannou:

[...] o deleite absurdo por excelência é a criação. “A arte, e nada mais do que a arte”, diz Nietzsche, “temos a arte para não morrer ante a verdade”.21

20

CAMUS, Albert. “A criação absurda”. In: O mito de Sísifo. Trad: Ari Roitman e Paulina Watch. 6ª ed. RJ: Record, 2008. p. 110.

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Enquanto, talvez, Primal Matter tenha uma elaboração mais “sintética”, tanto temática ou simbolicamente, quanto, até mesmo, na disposição das materialidades e dos motivos recorrentes, Still Life, por sua vez, é mais “caótico”, contém uma maior profusão de elementos materiais, cenas que retomam motivos, ora acrescentando novidades à narrativa, ora apenas repetindo-se, fato esse que não se coloca aqui como valoração positiva ou negativa, mas apenas como diferença. O próprio artista grego, na mesma entrevista sobre o espetáculo, menciona que Still Life é uma continuação de seu trabalho anterior, Primal Matter. Apesar de terem aspectos e formas diferentes, é possível correlacionar nos dois trabalhos tanto o tema da “criação absurda camusiana” como o “lidar com a matéria “– humana ou inanimada . Apesar da profusão de elementos e caráter caótico do segundo, suas premissas, na realidade, são até que bastante simples, se nos atentarmos à dica dada poelo próprio Papaioannou:

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37 Então esse é o motivo pelo qual comecei Still Life: a tentativa de reflexão sobre esses temas, o material e o imaterial, peso e leveza, o balanço entre saber trabalhar com cada passo que você dá, sabendo que a gravidade te puxa para baixo, porém desejando subir cada vez mais alto e buscar tocar a dimensão a qual o tempo prolonga-se até a infinitude e, assim, essa vida material parece apresentar algum sentido.22

Assim, “tempo” parece ser o ponto focal para onde todo o espetáculo converge. Se em Primal Matter vemos um artista obstinado pela incessante angustia em criar para, dessa forma, dar algum sentido à vida, em Still Life, por sua vez, o artista parece fazer as pazes com a efêmera condição humana: vemos diversos Sísifos, ora condescendentes, ora irascíveis, ora contemplativos; Papaioannou observa-se a si mesmo da plateia, no mesmo lugar de visão do público que assiste à performance: a mesma caracterização (figurino e bigode) parece sugerir que trata-se da mesma pessoa, em tempos diferentes ou, ainda, do puro e simples exercício empático de ver outro ser humano que também padece da condição sisífica. Algumas cenas retornam, como motivos, podendo apresentar variação ou não. Logo, empreende-se a passagem do tempo e a contemplação bergsoniana que pede atenção àquilo que possa manifestar-se de maneira sublime.

Na ocasião da apresentação de Still Life na 3ª edição MITSP, o crítico e pesquisador Matteo Bonfitto também se incomoda com o título traduzido para o português. Bem se sabe que uso do termo “still life” para as pinturas ao longo da história da arte corresponde costuma ser traduzido por “natureza-morta”. No entanto, não parece ser exatamente o conceito do artista grego:

Na versão em inglês adotada por Papaioannou, somos colocados diante de um tensionamento que envolve uma tentativa quase obsessiva de dar vida ao que está aparentemente imóvel. Já a tradução em português nos desloca para uma noção muito menos potente, uma vez que estabelece não um tensionamento, mas uma oposição desvitalizante entre os termos “natureza” e “morta”, gerando uma percepção quase contrária àquela produzida pela versão em inglês. Enquanto essa última se refere à vida que pode permear as coisas que não se deslocam a olhos nus pelo espaço, a versão em português vê

22

“So this is why I started Still Life: trying to meditate upon those themes of material and imaterial, wheight and lightness, the balance between the knowledge of having to work with every step you take , the knoledge of knowing that gravity will pull you down but the wish of going higher and try to touch a dimension that time prolongs to infinity and that material life seems that has a meaning”. (PAPAIOANNOU et al. The origins of “Still Life”. Disponível em: <http://vimeo.com/155312868>. Acesso em 30/06/2019.

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38 implicitamente a ausência de movimento como ausência de vida. Não parece ser essa a associação que levou Papaioannou a nomear o espetáculo e, sim, o tensionamento já referido, que pretende reconhecer e escavar a vida de tudo aquilo que existe – nesse caso, em cena.23

Encontrar-se em movimento ou encontrar-se parado são uma espécie de dialética que a dimensão “tempo” opera. Uma melhor tradução para o termo poderia, então, ser “a vida em permanência”, denotando esse caráter da passagem do tempo mesmo para as coisas que, supostamente, demonstram-se paradas (still). Dessa maneira, percebe-se toda uma pulsão de vida acontecendo na duração da experiência, com essa pequena correção do termo.

Apesar da imprecisão da tradução, vale ressaltar toda a bagagem histórico-cultural sobre o conceito de natureza-morta e a ideia da passagem do tempo. O filósofo Gilles Deleuze analisa a obra cinematográfica de Yasujiro Ozu por esse viés:

O vaso de “Pai e filha” se intercala entre o leve sorriso da moça e as lágrimas que surgem. Há devir, mudança, passagem. Mas a forma do que muda não muda, não passa. É o tempo, o tempo em pessoa, “um pouco de tempo em estado puro”: uma imagem-tempo direta, que dá ao que muda a forma imutável na qual se produz a mudança. A noite que vira dia, ou o inverso, remete a uma natureza-morta sobre a qual a luz cai enfraquecendo-se ou aumentando [...] A natureza-morta é o tempo, pois tudo o que muda está no tempo, mas o próprio tempo não muda, não poderia mudar senão em outro tempo, ao infinito.24

Se observarmos a cena da “nuvem” em Still Life (o grande saco plástico inflado pela fumaça de gelo seco), notamos uma espécie de revés da proposição de Deleuze: ao longo de toda a performance, ela se encontra lá, pouco variando em seu tamanho; porém, ao toque da pá lançada por um dos performers, ela se modifica, ou seja, o movimento empreendido por uma ação humana gera o movimento que faz mudar a forma com que observávamos aquela nuvem, revelando a luz do grande refletor (seria o sol?) que encontrava-se atrás dela. Ainda assim, esse efeito só é almejado por meio de toda a passagem de tempo anterior (em que a “nuvem” não se alterava) que criava certa expectativa daquele evento que, agora, passava a acontecer.25

23

BONFITTO, Matteo. “Still Life e a Pedra Não Filosofal”. In: cartografias.MITsp, São Paulo, nº 3, p. 40-51, Mar. 2016.

24

DELEUZE, Gilles. “Para além da imagem-movimento”. In: Cinema 2 – A imagem-tempo. Trad: Eloisa de Araujo Ribeiro. SP: Ed. 34, 2018.

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39 Considerações finais

Na ocasião da exibição da performance Still Life na 3ª MITSP, Dimitris Papaioannou encontrou alguns de seus expectadores após o final da apresentação. Aparentemente confortável, contou sobre as influência da peça (o material de Camus e o uso dos materiais diversos) e um pouco sobre o processo criativo. Revelou valer-se de uma técnica de storyboard para realizar suas composições. O artista é reconhecido pela publicação de mais de quarenta histórias em quadrinhos26; logo, parece ser um modo de trabalho que lhe apetece.

Primeiramente, Papaioannou traz para o seu grupo de performers suas “inspirações” e eles passam a trabalhar com elas, numa espécie de improvisação a partir do material trazido pelo diretor. Então, na etapa posterior do trabalho, a de confecção de uma dramaturgia – como sabemos, não exatamente “convencional”, fabular, mas sim visual, própria do teatro físico, da dança e da performance – o encenador Papaioannou monta as cenas da peça por meio de desenhos (afinal, é oriundo das artes visuais e da escola de belas artes) e as organiza numa sequência temporal, o storyboard propriamente dito, encadeando os acontecimentos que vão se seguindo ao longo da performance. Nesse “bate papo” da MITSP, Papaioannou diz que nesta etapa do processo ele costuma ficar sozinho, de forma que os ensaios são “interrompidos” e os performers ganham folga, enquanto o encenador encontra-se recluso por meses, elaborando e organizando a dramaturgia. Após esse período, uma vez concluída a dramaturgia, o coreógrafo Papaioannou retoma os ensaios do espetáculo com o grupo de performers. É na etapa criativa inicial do processo, que ele instiga os demais performers a experimentarem diversos materiais – como relatou a curiosidade do som e da luz criadas ao chacoalhar-se uma chapa de acrílico27 - e demais referências bem-vindas ao processo – como relatou a influência do dramaturgo “absurdo” Samuel Beckett, acerca da sequência de cenas em que um performer joga com pedras, tentando vencer as leis da física e criando uma escada de pedras soltas28, e ainda com o humor semelhante a “Ato sem palavras”, do autor irlandês que radicou-se em Paris.

Dessa maneira, buscou-se adotar procedimento semelhante na elaboração da performance “Não preste atenção em quem está atrás da cortina”, resultante prática

26

BONFITTO. Op. cit. p. 44.

27

Ver a 2ª imagem da página 14.

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dessa pesquisa. A atenta observação do material audiovisual de Papaioannou, assistida e reassistida incessantes vezes, em conjunto com a leitura de Camus, Bergson, do arquétipo de Sísifo, de autores do chamado Teatro do Absurdo e de referências sobre teatro físico, performance e teatro-dança, resultaram numa primeira etapa do processo criativo. Posteriormente, deu-se uma sequência de ensaios com um grupo de performers, até certo momento; fato é que muitas ausências resultaram numa opção por reconfigurar-se o formato da performance num solo, continuando a explorar alguns dos elementos de cena da obra de Papaioannou, improvisando com esses materiais e elaborando ideias de cenas. Passada esta outra etapa de primeiros improvisos e criações de cena, tentei elaborar uma sequência de cenas, encadeando algumas que já possuía – meu próprio storyboard! Na sequência, busquei trabalhar e retrabalhar essa proposta de dramaturgia, modificando partes das cenas, da “conexão” de uma cena com outra, o que resultou em 8 células cênicas: 1 prólogo, 6 cenas e 1 finale.

“Pay no attention to that man behind the curtain”: essa é a fala do “Mágico de Oz”, pessoa a quem se atribui grande fama de realizador mágico, mas que não passa de um “truqueiro”:

O charlatão agora pisa no palco e vende

suas pílulas, seus bálsamos e suas pílulas mágicas; agora cada vez mais o ágil acrobata pula

e na corda a moça feliz balança Jack Pudding, na sua jaqueta colorida joga as luvas e caçoa de tudo.29

Esses versos são atribuídos a “The Shepard’s Week”, de John Gay, performer referenciado por Marvin Carlson em seu estudo acerca da origem da “performance”, como manifestação artística do século XX. Para o teórico, essa origem remonta às apresentações de feiras do final do século XVII, em Londres e Paris, em music-booths, cabarés, vaudevilles, cafés-concerto etc.

Não seriam as artes da cena o espaço natural dessa realização de truque? Não falamos unicamente das performances de mágicos em eventos circenses: possivelmente, o que uniria todas as manifestações cênicas – teatro, dança, performance, circo – seria a manipulação da artificialidade em suas exibições, seja uma coreografia pré-concebia, o processo de ensaio de um espetáculo, a elaboração de um truque de ilusionismo. Na

29

GAY apud CARLSON, Marvin. Performance: uma introdução crítica. Trad: Thaïs Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009. p. 98.

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aurora das vanguardas do século XX, bebia-se nessas manifestações artísticas, mais “populares” por assim dizer, como explicita Lúcia Romano:

No início do século XX, a mistura de elementos do circo moderno – que, no seu nascimento, no século XVIII, apresentava a junção de acrobacias cavaleria, clownerie, animais domados; a pantomima e os malabares se afirmaram no século seguinte – conquistava admiradores entre os artistas das vanguardas históricas, juntamente com outras formas como o cabaré e o teatro de rua. O uso das formas “menores” possibilitou às vanguardas artísticas de então combater o teatro convencional dominante e encontrar modelos de referências estruturados, em prol da criação de uma nova expressividade.30

Dimitris Papaioannou parece ser um desses grandes artistas contemporâneos que conhece bem essa função do craftsman, alguém que elabora seus truques de “charlatão” da cena de maneira brilhante – “O grande domador de matérias”; “O grande imitador”.

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42 Referências

Materiais audiovisuais

PAPAIOANNOU, Dimitris. PRIMAL MATTER (2012) by Dimitris Papaioannou / the

entire work in seventeen minutes. Disponível em: < https://vimeo.com/190056876>.

Acesso em: 30/06/2019.

__________. Still Life (2014) / trailer. Disponível em <http://vimeo.com /110257536>. Acesso em: 30/06/2019.

__________. Still Life (2014) / 2015-2016 performances / trailer. Disponível em: <https://vimeo.com/129889051>. Acesso em: 30/06/2019.

__________. Still Life (2014) / behind the scenes. Disponível em: <http:/ /vimeo.com/95867341>. Acesso em: 30/06/2019.

__________. Still Life 2. Disponível em: <http://www.youtube.com/watc h?v=LcUaxkNt8nU>. Acesso em: 30/06/2019.

__________. Since She (2018)/ a new work by Dimitris Papaioannou / trailer. Disponível em: <https://vimeo.com/275010186>. Acesso em: 30/06/2019.

__________. THE GREAT TAMER (2017) / a new work by Dimitris Papaioannou /

trailer. Acesso em: <https://vimeo.com/221573027>. Acesso em: 30/06/2019.

Matérias e entrevistas

DANSER CANAL HISTORIQUE. “Still Life” de Dimitris Papaioannou. Disponível em <http://www.dansercanalhistorique.

fr/?q=content%2Fstill-life-de-dimitris-papaioannou>. Acesso em: 30/06/2019.

DIMITRIS PAPAIOANNOU. Disponível em: <www.dimitrispapaioannou.com>. 30/06/2019.

DIMITRIS PAPAIOANNOU et al. The origins of Still Life. Disponível em: <http://vim eo.com/155312868>. Acesso em: 30/06/2019.

FUNDACIÓN TEATRO A MIL. Santiago a Mil presentará por primera vez en Chile a

Dimitris Papaioannou. Disponível em: < http://fundacionteatroamil.cl/noticia/santiago-a-mil-presentara-a-por-primera-vez-en-chile-a-dimitris-papaioannou/>. Acesso em: 30/06/2019.

LE MONDE. Dimitris Papaioannou fait partir Sisyphe em fumée. Disponível em: <http: //www.lemonde.fr/culture/article/2015/10/14/dimitris-papaioannou-fait-partir-sisyphe-en-fumee_4789210_3246.html>. Acesso em: 30/06/2019.

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Livros e artigos

BONFITTO, Matteo. “Still Life e a Pedra Não Filosofal”. In: cartografias.MITsp, São Paulo, nº 3, p. 40-51, Mar. 2016.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Trad: Ari Roitman e Paulina Watch. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

CARLSON, Marvin. Performance: uma introdução crítica. Trad: Thaïs Flores Nogueira Diniz e Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009. DELEUZE, Gilles. “Para além da movimento”. In: Cinema 2 – A

imagem-tempo. Trad: Eloisa de Araujo Ribeiro. SP: Ed. 34, 2018.

KAST, Verena. Sísifo: vida, morte e renascimento através do arquétipo da repetição

infinita. Trad: Erlon José Paschoal. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 2017.

ROMANO, Lúcia. O teatro do corpo manifesto: teatro físico. 3ª reimp. da 1ª ed. de 2005. São Paulo: Perspectiva, 2015.

WILLIAMS, Raymond. “Desespero trágico e revolta”. In: Tragédia Moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

Referências

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