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Experiência, ruído e obra: uma perspectiva para a análise da arte contemporânea.

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Academic year: 2021

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Experiência, ruído e obra: uma perspectiva para a análise da arte contemporânea.

Marcelo Wasem

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC).

Resumo

O presente artigo traça algumas relações entre as áreas da música e das artes visuais, através de algumas considerações sobre o conceito de “ruído”. Através da proposta do semioticista Eric Landowski e da semiótica discursiva, que aponta para novas possibilidades na formação de sentido, busca-se o ato de ouvir e criar música enquanto possíveis aberturas de sentido sobre o conceito de “som” bem como para a formação de sentidos no campo das artes visuais, entendendo a ambos enquanto experiência estética.

Palavras-chave: semiótica discursiva, som, ruído.

Abstract

The present article makes some relations between the areas of music and visual arts, through some considerations about the concept of “noise”. Through the proposal of the semeioticist Eric Landowski and the discoursive semeiotic, that indicates new possibilities in the formation of the sense, searching for the act of listening and creating music as a possible sense opening about the concept of “sound”, as well as for the formation of the senses in the field of the visual arts, understanding both of them as an aesthetic experience.

Keywords: discoursive semeiotics, sound, noise.

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Introdução

No início do texto chamado “Modos de presença do visível”, o autor Eric Landowski (2004) propõe a busca por uma outra maneira de perceber coisas que habitam o mundo, na tentativa de ir além do visível “tradicional” (ibidem, p.97). Não se trata de identificar algo invisível, mas sim procurar pela abertura de sentidos para os objetos. Neste movimento, as relações estabelecidas resultam em múltiplas possibilidades de significação.

Landowski está preocupado em saber como se dão os processos de efeitos de sentido, quando um sujeito, convencionado dentro da linha da semiótica discursiva como “enunciatário”, capta os elementos do plano de expressão de qualquer tipo de manifestação percebida pelo seu sistema sensório e como ele significa o conteúdo mediante tal experiência, gerando a criação de um sentido próprio.

Este processo, segundo Landowski, não poderia ser caracterizado como uma “tradução” de elementos visuais (formas e cores) simplesmente em análises textuais. Mas existiria um elo entre a coisa percebida, a sensação experienciada pelo sujeito e sua reflexão após experiência (esta última se articulando através de uma linguagem verbal). O sentido percebido pelo sujeito estaria além da linguagem usada para perceber tal sensação, possuindo “uma totalidade cujas articulações fundamentais transcendam não somente as diferenças entre ”linguagens” (pictórica, musical, cinematográfica, etc.) (...) mas também as diferentes semióticas, verbais ou não.” (ibid., p.102) Desta forma, constata-se que o sentido possui um caráter transversal que perpassa linguagens diferentes (ibidem), sendo capaz de criar espaços de intersecção entre universos com especificidades distintas.

Este artigo tem como objetivo traçar alguns pontos de contato entre música e artes visuais, através de algumas considerações acerca do que se convenciona “ruído”. Balizado pela proposta de Landowski de buscar possibilidades diferentes das convencionais para formar sentido, apontou-se para o ato de ouvir e criar música a partir da abertura de sentido para o conceito de “som” bem como para a formação de sentidos no campo das artes visuais, entendendo a ambos como experiência estética.

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Diferenças entre som e ruído - I

De acordo com a teoria e história musical, sons periódicos, regulares, com uma freqüência precisa, e que se organizam em um período de tempo também de forma determinada (em intervalos pré-fixados pela pauta musical, com notas previamente nomeadas e classificadas pela sua vibração) seriam considerados como “sons desejáveis”, ou “sons musicais”, como coloca Sérgio Basbaum (1997, p.120) se referindo aos teóricos do século XX que trataram do assunto, como o físico e médico Hermann Helmhotlz. “Sons musicas são periódicos, ao passo que os ruídos são irregulares, não-periódicos” (Ibidem). Mas esta divisão não basta para conseguirmos definir o que é ruído.

O ruído não pode ser considerado um termo absoluto, e sim relativo. Depende do sujeito que está ouvindo. Para Murray Schafer (1991) “ruído é qualquer som que interfere. É o destruidor do que queremos ouvir” (ibidem, p.69). Esta frase implica em perguntar quem está na posição de sujeito ouvinte, e o que este sujeito busca ouvir. Se o “ruído é o som indesejável” (ibid., p.68), segundo Schafer, é porque existe um som pré-determinado que se deseje ou espera ouvir (se estou ouvindo canções previamente gravadas e agora reproduzidas pelo computador enquanto escrevo estas palavras, o som gerado pelas suas peças em funcionamento é considerado ruído). Ainda segundo o autor “devemos deixar para decidir se elas são música ou ruído depois que determinarmos se constam da mensagem que se quer fazer ouvir ou se são interferências misturadas com ela” (ibid., p.138).

Este desejo de ouvir um determinado som acaba também excluindo outros sons. Na maioria das vezes precisamos usar a audição para nos comunicarmos com o mundo: emitir e receber mensagens com outras pessoas, perceber o local onde estamos, por exemplo. Concentrar a audição nos sons que são importantes para determinadas situações e desconsiderar outros acontecimentos sonoros é fundamental para que possamos focar nossa ação. Mas não podemos esquecer que este direcionamento na percepção é um movimento realizado por um lado consciente e racionalista da nossa mente - um uso da nossa percepção com uma função específica, mas não necessariamente convencionada, ou refém de uma possibilidade de formação de sentido pré-determinada, assim como evolui o pensamento de Landowski.

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Diferenças entre som e ruído - II

A concepção do que é música e o que é ruído (o que é acatado para ser escutado e o que não é) veio sendo transformada dentro da história da musica ocidental. Buscando uma conceituação mais abrangente do que o termo ‘música’ agrega, Basbaum (1997) a define como “(...) qualquer conjunto de elementos sonoros... SÔNICOS... ordenados mais ou menos aleatoriamente... e que se movimentam mais ou menos livremente no tempo e no espaço (acústico)” (ibidem, p.122).

José Miguel Wisnik, no seu livro “O som e o sentido” (1999), também busca traçar outras noções para o que se define por som, ruído, silêncio, além de traçar não somente uma história da música européia (qualificada como tonal), mas resgatar e incluir na história da música as manifestações dos povos africanos, indianos, indígenas e orientais, entre outros, além da música ocidental de vanguarda do século XX. Distinguindo música e ruído, Wisnik afirma que

descreve-se a música originalmente como a própria extração do som ordenado e periódico do meio turbulento dos ruídos (...) o ruído do mundo, um som constante (um único som musical afinado diminui o grau de incerteza no universo, porque insemina nele um princípio de ordem) (ibidem, p.27).

Dessa perspectiva, música consistiria nessa ação de organizar um conjunto de sons, em meio ao campo caótico de todos os sons possíveis, e esta ação não serve apenas para criar um ordenamento sonoro que busca instaurar um princípio similar na própria sociedade, como também reflete as características e o modo de ‘pensar e agir’ deste sistema social. É um espelho da sociedade.

Mas se por um lado, a música consistiu em separar e organizar os sons que desejavam ser ouvidos com a transformação das sociedades e dos meios tecnológicos e de comunicação através dos séculos XIX e XX, como o aumento do número de pessoas nas cidades e o uso de máquinas e indústrias, novos sons foram sendo produzidos, ouvidos e lentamente foram sendo incorporados nas criações musicais. Além da invenção de novos instrumentos, a introdução da possibilidade de gravação foi ampliando a gama de sonoridades para se produzir música, assim como também para gerar novas formas de ruído (como o chiado dos discos de vinil).

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Todo esse amplo campo sonoro de possibilidades, que aumentaram ainda mais com as tecnologias eletrônicas e digitais, não significa que fosse abolida a aversão pelos sons irregulares, que incomodavam a fruição de uma obra musical dentro de uma sala de concertos, por exemplo. A inclusão de ruídos dentro do campo da música se deve a uma nova forma de pensar não só esta área, mas a arte de maneira ampla. Citando Schafer: “Quando John Cage abre a porta da sala de concerto e encoraja os ruídos da rua a atravessar suas composições, ele ventila a arte da música com conceitos novos e aparentemente sem forma” (1991, p.120). E esta ausência de forma nos remete ao “(...) pressentimento, para além do visível não de algo invisível, mas de um suportável que restituiria sentido a todas estas coisas e lhes daria presença diversa” (2004, p.97) como coloca Landowsky.

Fruição de uma obra (visual) é um ato de linguagem. E ouvir uma canção? Pode ser considerado também um ato de linguagem... Seria uma canção tão aberta quanto uma obra plástica?

Quando estamos na presença de uma obra de arte (ou ainda de uma reprodução desta) nossa percepção, que na maioria das vezes é guiada por uma orientação racional, se depara com uma qualidade de existência que não fala em uma língua clara e objetiva, mas, no entanto, estabelece a comunicação de uma mensagem irrevogável.

De acordo com a semiótica discursiva, este tipo de comunicação não mais atribui à obra ou ao artista uma função preponderante, mas traz o público para um mesmo grau de importância, sendo que este não é mais visto como simples receptor de uma mensagem pré-determinada e fechada, mas como co-criador da obra no momento em que está em sua presença.

Esta noção é reforçada por Greimas & Courtés, de acordo com que afirma Sandra Ramalho (2006):

o enunciatário é também um produtor do discurso, pois como destinatário do enunciado, ele pratica um ato de significar idêntico ao ato que o produtor do discurso pratica. (...) ele é um produtor de significações, uma vez que a fruição da obra é também um ato de linguagem.

Um dos propósitos que Murray Schafer atribui ao seu livro “O ouvido pensante” é de “dirigir os ouvidos dos ouvintes para a nova paisagem sonora 1472

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da vida contemporânea e familiariza-los com um vocabulário de sons que se pode esperar ouvir, tanto dentro como fora das salas de concerto” (1991, p.123). Este novo direcionamento para o ambiente sonoro que nos cerca é enfocado pelo autor através da sua experiência com educação musical, junto a estudantes de idades variadas. O público que ele trabalhou estava, de certa forma, delimitado pelo contexto educacional da sala da aula que os unia de alguma forma. Mas o conhecimento ampliado no campo da música, trazido por Schafer,extrapola as paredes da sala de aula, assim como José Miguel Wisnik dedica seu livro a músicos e não-músicos, visando ampliar o entendimento sobre o assunto. Para Basbaum (1997), “o que define o evento musicossônico não é a sua forma de ser mas o gesto do ouvido musicossônico... dotado do poder de ouvir qualquer... todos os sons do apartamento (e além [...]) como se fosse música” (ibidem, p.123). Este tipo de atitude, qualificada por Basbaum como “musicossônico”, também é explorado por Paulo Motta (1999), no seu projeto em que este buscava perceber uma outra musicalidade no contexto urbano:

a atmosfera sonora da cidade, na qual prevaleciam os sons ‘artificiais’, ‘duros’ e ,’pouco agradáveis’, apresentava uma certa ‘organicidade’ que, considerei eu, apenas poderia ser assim percebida e considerada se nos permitíssemos nos entregar a uma escuta atenta e direcionada da miríade de sons que surgiam a todo momento e que a constituíam. (...) Obviamente que os sons percebidos não se organizavam por si mesmos: foi o meu processo de escuta - atenta, direcionada e eventualmente com um ‘propósito’- que os organizou. As sonoridades passaram a ser percebidas com uma ‘coerência’ entre suas durações, timbres... (...) A música está em toda parte, basta querermos ouvi-la. (1999)

Ou seja, o que pode ser classificado como música ou ruído está na postura assumida pelo ouvinte diante de um som, assim como o espectador (ou enunciatário, como coloca Ramalho (2006)) diante de uma obra de arte.

Mas neste último caso, podemos relacionar ainda dois problemas: quando não há uma delimitação espacial que diga ao espectador que ele está diante de uma obra de arte (no caso da arte em espaços públicos), ou quando, mesmo sabendo estar diante de uma obra (seja por estar dentro do espaço da galeria, ou por haver uma etiqueta que ateste sua qualidade enquanto obra de arte), surge no espectador à pergunta: “mas isso é arte?”.

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Relativo ao segundo problema, minha intenção neste artigo não foi a de tentar elucidar tal questionamento, mas sim, buscando um paralelo na música (na relação entre som e ruído), trazer a tona o caráter amplo e expansível que a arte pode assumir. Atualmente as artes visuais estão cheias de ruídos, ou, em outras palavras, elementos indesejáveis da nossa sociedade que tentamos esquecer, mas que a arte consegue evocar e nos inquietar.

Relativo ao primeiro problema, creio que o gesto do ouvido musicossônico pode ser adotado desde a audição de uma peça musical até os mais diversos contextos sonoros; desde diante da obra de arte formalizada dentro de um espaço artístico oficialmente legitimado (que nem sempre é experimentado como tal) até nas diferentes relações que estabelecemos com outras pessoas, ambientes e seres, buscando, enquanto agentes em alguma instância do campo artístico, novos sons e novos sentidos para a arte. Sobre esta postura, Basbaum (1997) coloca que

(...) há duas categorias – de sons e de silêncios – os não-musicais (porque não se pode afirmar que cada acontecimento audível seja sempre música) (...) e aqueles que poderíamos chamar musicais, aos quais chamamos... então eventos musicossônicos. O território da música se estica... se dobra... se expande e se renova... na medida em que tais eventos (musicossônicos) tensionam as suas fronteiras. (ibidem, p.127)

Concluo este artigo reafirmando a idéia de buscar através da arte e de novos posicionamentos, ações que visem ampliar estas áreas de intersecção entre os campos artísticos, e conseqüentemente possam dissolver os limites entre artistas e espectadores (ou enunciadores e enunciatários).

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Bibliografia

BASBAUM, Sérgio: 23 notas sobre a ecologia musicossônica. In ZAREMBA, Lilian e BENTES, Ivana (Eds): Rádio Nova Constelações da

Radiofonia Contemporânea 2, Rio de Janeiro, UFRJ, ECO, Publique, 1997.

LANDOWSKI, Eric. Modos de presença do visível. In: OLIVEIRA, A. C. de. (org.) Semiótica Plástica. São Paulo: Hacker, 2004.

OLIVEIRA. Sandra Regina Ramalho e. Imagem também se lê: a

necessária presença diante da arte contemporânea. In: Conferência

proferida na UFSM, em 2006.

SCHAFER, Murray R. O ouvido pensante. Tradução Marisa Trenc de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: Uma outra história das

músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Internet

MOTTA, Paulo. Atlas musicalis: um paralelo entre a estética

composicional da música erudita contemporânea e a cartografia & sonorus urbis. Uma trajetória histórico-sonora eletroacústica da cidade

de juiz de fora. 1999. Disponível em:

http://www.artnet.com.br/pmotta/atlasmus.htm. Acessado em 30 de novembro de 2006.

Marcelo Wasem é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) na Universidade Estadual de Santa Catarina, e é bacharel em Design – habilitação Gráfico. Integra o coletivo de comunicação alternativa “Se essa mídia fosse minha...” e possui investigações na área da arte relacional, arte pública de novo gênero e música.

Referências

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