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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando

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Ficha catalográfica Copyright © 2012, by Ana Maria Bahiana

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira Participaç ões S.A. Todos os direitos reserva dos. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistem a de banco de dados

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Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico.

CIP-Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Escritores de Livros, RJ. B135c Bahiana, Ana Maria

B135c Bahiana, Ana Maria

Como ver um filme / Ana Maria Bahiana. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

Filmografia Inclui bibliografia ISBN 978-85-209-3125-7

1. Cinem a. 2. Cinem a – Aprec iação. 3. Plateias de c inem a. I . Título. CDD: 791.43 CDU: 791.43

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Introdução

Introdução Quase tudo que sei aprendi n a sala e scura do cinem a ou Como (e por que) ver um f ilme UMA DAS MINHAS CENAS FAVORITAS de qualquer filme em qualquer época é a do final de Crepúsculo dos deuses (Sunset Blvd., 1950), de Billy Wilder. Completamente ensandecida, a outrora grande estrela Norma Desmond (Gloria Swanson, magnífica), banida das telas pela idade (“uma velha de cinquenta anos!”, ruge, a certo momento, o seu protegido/explorador/vítima, Joe Gillis/William Holden) desce lentamente a escadaria de sua mansão. É um truque para fazê-la entregar-se pacificamente à polícia. A casa está repleta de policiais, repórteres e equipes dos “j ornais da tela”, os “telejornais” do momento.

um gesto de compaixão, Max, o chofer que um dia foi diretor (Eric Von Stroheim), convence Norma de que ela está num set de filmagem, em plena produção do roteiro que ela vem tentando produzir ao longo de todo o filme, mais

uma versão do drama de Salomé e João Batista. Todas aquelas luzes! Todas aquelas câmeras! Toda aquela gente! Que maravilha! Emocionada, Norma pede para fazer um discurso. Diz que está feliz em voltar a um set, e que jam ais

abandonará seus fãs. E, acima de tudo, conclui que, para ela, não existe mais nada, “apenas as luzes, as câmeras e todas aquelas pessoas maravilhosas na escuridão”.

E, dirigindo-se a nós e à lente da câmera, desaparece num dos mais geniais ade-outs do cinem a.

SUSAN SONTAG, que teorizou sobre quase tudo, diz que a experiência essencial d e ir a o cinem a é o desej o de “ ser sequest rado pelo fi lme , ser possuído pela presença física da imagem ”. É uma boa analogia, e definitivam ente parte

do charme centenário da arte. No entanto, não creio que seja apenas isso; sou mais partidária da s visões de Jea n Coctea u, Luiz Buñuel e Da vid Ly nch: o cinem a é a arte mais próxima do sonho acordado. Est am os no escuro, m as de olhos bem abertos. Se o filme for realmente bom, se ele for tudo o que uma película pode ser, conversará conosco, exigindo de nosso cérebro, alma, espírito, corpo astral ou seja lá o que se quiser chamar a contrapartida de preencher as lacunas, absorver o que é apenas intuído, mas não é visto por completo, associar som e imagem , e, dentro dessa última , cor, textura, r itmo e luminosidade.

É um sonho, mas proposto por outra pessoa: ca be a nós torná- lo nosso sonho. Ou não.

A isso eu chamo ver, e não assistir. Passar do estágio de plateia passiva — a que se deixa sequest rar pelo filme — para o de plateia a tiva — que c olabora com os realizadores acrescentando ao filme sua percepção, memórias e emoções de espectador. Deixando-se levar por algumas ideias, recusando outras. Compreendendo, o tempo todo, por que está vendo o que está vendo (e não outra

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coisa), nesta ordem (e não em outra) e com estes sons (e não outros, ou nenhum).

Quando conseguimos isso, a experiência de ir ao cinema se transforma. O filme se a bre par a nós. Pa ssam os a compre ender intençõe s e planos de quem nos propõe o sonho do dia, e a ter os apetrechos para aceitá-los ou não. O filme se

torna, como deve ser, uma conversa. De preferência, uma conversa inteligente. UMA PLATEIA DESPERTA, sonhando conscientemente. É uma plateia interessante: curiosa — e perigosa. É mais difícil subestimá-la, ofender sua inteligência. Torna-se absolutamente essencial para os realizadores cumprir sua parte do trato: honrar o investimento inestimável de dinheiro (e o aumento do preço do ingresso garante que esse investimento sej a cada vez m ais substancial) e, sobretudo, o tempo que cada pessoa na plateia disponibiliza quando opta por ver um filme. O que estou dando em troca das duas preciosas horas de vida e atenção absoluta que essa pessoa escolheu dedicar à minha visão? Algo inteligente ou tosco? Fascinante ou repulsivo? Estimulante ou emburrecedor? Im portante ape nas para o m eu um bigo ou ca paz de tocar outras vidas?

Se cada realizador imaginar que ali, no escuro da sala, cada uma daquelas pessoas m aravilhosas está alerta, sabendo o que está vendo e por que está vendo,

essas perguntas deixam de ser retóricas e passam a integrar um verdadeiro contrato entre produtor e consumidor de arte e entretenimento. Um contrato que, num cenário ideal, nos elevar á, dos dois lados da luz da tela.

ESTE LIVRO COMEÇOU como uma ideia simples — desvendar o outro lado dos filmes para todos nós, no escuro da plateia — e evoluiu para uma sequência de fascinantes contatos com pessoas de todo o Brasil, por meio de cursos e palestras, muitos deles realizados sob os auspícios da Casa do Saber do Rio de Janeiro e São Paulo. Como afirmo no início de cada um desses encontros, a proposta não é formar cineastas ou teóricos — existem muitos e bons cursos e livros dedicados a essa tarefa — mas sim, formar plateias informadas, críticas, mais bem-habilitadas a compreender o que veem e a escolher do que gostam.

Tem os em com um o m esmo am or pelo cinem a. De uma form a ou de outra, os sonhos e ideias de gente que nunca conhecemos, a maioria do outro lado do planeta, alimentou e forjou nosso modo de ver o mundo, de cam inhar nele, de

interagir. Herdamos dessas visões alheias desejos de beijos, fantasias de cópulas, terrores noturnos, pesadelos ao meio-dia, duelos na rua principal, aiô Silver!, cubra-me!, Houston, we have a problem. Vamos precisar de um barco maior. Terem os sem pre Pa ris. Rosebud! It’s showtime!

Tudo o que espero é que, ao final deste livro, eu tenha compartilhado o que aprendi ao longo não apenas de todas essas horas na sala escura do cinema, mas também em muitas e muitas outras, em sets de filmagem, salas de reunião, cafés, festivais, calçadas, entre fios e trilhos, em depósitos, galpões, trens e

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aviões, conversando, perguntando, ouvindo, aprendendo com quem dedica sua vida a compor essas visões para nosso espanto, horror e delícia.

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1. Entre arte e comé rcio: como nascem os filmes

1. ENTRE ARTE E COMÉRCIO: COMO NASCEM OS FILMES “Ninguém sabe nada.” William Goldma n, roteirista

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UM FILME É UMA CRIATURA muito especial, muito específica, nascida das mesmas vontades antigas que levaram nossos antepassados a narrar uma caçada ao mamute nas paredes das cavernas de Lascaux ou criar miniaturas com cenas das vidas dos santos. Num filme está um impulso ao mesmo tempo mais primitivo que o da leitura e mais tecnologicamente sofisticado que o do teatro. Como na leitura, queremos narrativas que alimentem nossa imaginação — mas diferentem ente do livro, onde mundos interiores, paisagens distantes,

estados de espírito e intenções ocultas podem ser descritos, deixando que nossa imaginação preencha o vácuo, o filme tem a obrigação de nos mostrar, ou pelo menos balizar visualmente cada uma dessas coisas. Como no teatro, ele propõe a apreciaçã o do movimento, da presença humana, da m áscara do personagem — mas apenas com a interm ediaçã o da ima gem captada, u ma c am ada adici onal de interf erê ncia, m anipulação, irre alidade.

E assim, desse jeito tão peculiar, o cinema tem capturado nossa atenção, nossa imaginação, nosso tempo e nosso dinheiro há mais de um século.

Um filme é uma encr uzilhada de elem entos contraditórios. Exige a o mesm o tempo a mais alta tecnologia de imagem e som e o artesanato mais puro de corte, cost ura, bordado, m aquiagem , escultura, c arpintaria. Segu e a visão de um a pessoa, o diretor, mas emprega os talentos de uma pequena multidão de

indivíduos igualmente criativos. E — muito importante — equilibra-se no gume afiado en tre a rte e c omé rcio.

Os tempos românticos de “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” se foram . É claro que existe toda um a produção cinem atográfica que pode se ater a esse princípio, assim como existe toda uma outra produção audiovisual cujo destino são galerias, museus e salas especiais. Mas não é de nenhuma das duas que falamos aqui. Falamos daquela que chega ao cinema da sua cidade, à sua locadora ou à sua TV. E, para essa, o contorcionismo entre criatividade e responsabilidade fiscal é o que está na base, na raiz. É a tensão entre dois polos que podem se aniquilar m utuam ente ou gera r m aravilhas.

As normas que hoje regem o mercado da produção cinematográfica mundial não são exatas e rígidas, mas, basicamente, a filosofia principal é: um filme, mesmo “barato”, é caro; antes de investir a pequena fortuna necessária para que ele se torne realidade, há que se tentar ao m áximo m inimizar os riscos.

E esse processo interessa de perto a nós, os espectadores, porque são as decisões tomadas durante essa tentativa de minimizar os riscos que, em última análise, determinam a forma final que um filme terá, se ele será ousado ou conservador, autoral ou formulaico, luxuoso ou cru, cheio de estrelas ou repleto de desconhecidos, digital ou em película, rodado em alguma ilha do Pacífico ou dentro de a lgum estúdio.

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Q UANUANTO TO CUSTCUSTAA

CUSTOS MÉDIOS DE PRODUÇÃO DE: CUSTOS MÉDIOS DE PRODUÇÃO DE:

FILMES PRODUZIDOS INTEIRAMENTE DENTRO DE UM FILMES PRODUZIDOS INTEIRAMENTE DENTRO DE UM GRANDE ESTÚDIO DE HOLLYWOOD:

GRANDE ESTÚDIO DE HOLLYWOOD: 70 milhões de dólares

FILMES INDEPENDENTES NORTE-AMERICANOS:

FILMES INDEPENDENTES NORTE-AMERICANOS: 40 milhões de dólare s

FILMES BRITÂNICOS E AUSTRALIANOS:

FILMES BRITÂNICOS E AUSTRALIANOS: 20 milhões de dólares

FILMES INDIAN

FILMES INDIANOSOS:: 5 milhões de dólares

FILMES BRASILEIROS:

FILMES BRASILEIROS: 1,5 milhões de dólares

CUSTO MÉDIO DE LANÇAMENTO DE FILMES (CÓPIAS, CUSTO MÉDIO DE LANÇAMENTO DE FILMES (CÓPIAS, MARKETING, DIVULGAÇÃO):

MARKETING, DIVULGAÇÃO): de 30 a 50% do orçam ento de produção

FONTES:

FONTES: Motion Picture Association of America, British Film Institute, Filme B

A jornada de um filme, da primeira ideia à nossa chegada ao cinema com um saco de pipoca nas mãos, cumpre seis etapas distintas:

▪ Desenvolvimento ▪ Pré-prod ução ▪ Produção ▪ Finalização

▪ Testes e plano de marketing ▪ Distribuiçã o

Com sorte, dinheiro em caixa, profissionais que cumprem prazos, catástrofes naturais ausentes e estrelas tranquilas e estáveis, essa trajetória leva de 18 a 24 meses. Sem nada disso, pode durar três, cinco, dez, até vinte anos. Os deuses do cinem a não c ontam o tem po real, apenas o t em po de tela.

ODESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTO É, POSSIVELMENTE, a etapa menos conhecida e mais importante da gestação de um filme. Ele é a rede de segurança do proj eto: cobre os m eses (de três a seis, em média) em que o filme existe apenas

no papel, e demanda trabalho de um pequeno número de profissionais (dois, três, cinco no máximo), com um gasto de aproximadamente 1% do custo final do proj eto.

É nesse momento de casulo que uma ideia, livro, série de televisão ou roteiro prova ser um filme… ou não. Nem tudo aquilo que é fascinante numa mídia pode ser traduzido para o cinema com o mesmo resultado — e esse é um dos erros mais comuns dos realizadores principiantes. Obras literárias que se apoiam principalmente no mundo interior dos personagens. Séries de TV com

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personagens esquemáticos, superficiais ou com tem as específicos de determinadas épocas. Novelas gráficas de grande complexidade, com várias tramas paralelas. Estes são apenas alguns dos elementos que podem se mostrar fatais para um filme.

Num desenvolvimento bem -feito, esses problem as aparecem antes que fortunas tenham sido gastas para contratar roteiristas e atores, e possibilitam decisões feitas em condições mais tranquilas: deve-se continuar ou não com o proj eto? O que pode ser alterado? O que não pode?

O desenvolvimento começa quando alguma propriedade intelectualpropriedade intelectual é comprada (o que explica um velhíssimo jargão da indústria: “Nada acontece até que o dinheiro troque de mãos.”). Essa propriedade pode ser:

▪ Pitch Pitch. Pitch é um termo de beisebol que significa “arremesso”. É um dos muitos jargões do espo rte norte-am ericano que foram incorporados p ela prática cinem atográfica de quase todo o mundo. O pitch é exatamente isso — o “arrem esso” da ideia de um filme, feito por quem a criou, para quem pode realizá-la. O “arremessador” pode ser um roteirista com um texto pronto ou idealizado, um diretor que teve um a inspiração, escreveu ou achou um roteiro ou livro interessante, ou um produtor independente num desses casos, mas com recursos limitados para ir em frente. O “recebedor” do “arremesso” pode ser um produtor poderoso, uma estrela com sua própria butique produtora, um agente com bons contatos na indústria internacional,

um grande estúdio, uma distribuidora ou uma companhia de vendas internacionais.

Como quase tudo na indústria, o pitch é altam ente ritualizado, com uma etiqueta própria. Um encontro específico para o pitch precisa ser previam ente agendado (a não ser durante festivais e mercados, verdadeira

artilharia de pitches). O arremessador deve chegar pontualmente, mesmo que tenha que esperar um bom tempo pela sua chance de pitch. Uma vez diante de seu “alvo”, ele deve aceitar a bebida que o assistente lhe oferece, participar de aproximadamente cinco minutos de conversa fiada e — isso é

fundamental — só começar o pitch quando o recebedor indicar que está pronto para ouvi-lo (isso em geral é assinalado por frases como “Então, o

que você tem para nós?” ou “Tem tido alguma boa ideia ultimam ente?”). O pitch deve ser breve, claro e poderoso. Se tiver mais de vinte minutos, é arremesso fora. Nesse tempo, o arremessador deve descrever o futuro filme e, mais do que isso, vendê-lo como algo irresistível, envolvente, srcinal (mas não muito — veremos por que em breve). Pode e deve dar ideias de elenco — “uma personagem tipo Penélope Cruz”, “vejo Clive Owen neste papel” —, transmitir o clima da obra — “imagine um deserto gelado num planeta distante” — e referenciar outros filmes e realizadores

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— “é como se fosse um Blade Runner dirigido por François Truffaut.” Se o arremessador for um profissional de renome (sim, profissionais de renome também têm que passar por este rito: perguntem a Martin Scorsese quantas vezes ele teve que “arremessar” Gangues de Nova York ), é de bom-tom lembrar sucessos recentes, mesmo que o alvo insista que, é claro, é fã, admirador e conhecedor do trabalho do arremessador (com quase toda certeza e le nã o se lem bra de um título sequer) .

O ritual pode se encerrar com um aperto de mãos que não quer dizer absolutam ente nada ou com um polido “é ótimo, m as não cre io que sej a um proj eto para nós”. É o mais comum. Se o recebedor começar a fazer perguntas — “E se a personagem de Penélope Cruz tivesse uma filha?” — e

a dar sugestões — “podemos passar de um deserto para uma cidade fantasma” —, é sinal de que um “sim” está a caminho. Em casos raros — mas que acontece m — há tap as na m esa, gri tos de a dmiraçã o e um a m inuta de contrato produzida imediatamente: o pitch foi comprado, por valores na casa das dezenas ou centenas de milhares dólares, em geral com a estipulação de um valor extra a ser recebido pelo autor caso o projeto de fato vá adiante, ou seja, passar pelo crivo do desenvolvimento.

▪ Roteiro ou argumentoRoteiro ou argumento on specon spec. Um argumento é a narrativa do filme sem indicação de cenas e diálogos; é a história que o filme contará. O roteiro é essa história já formatada para ser filmada, com as divisões de cena, especificações de local e hora do dia e diálogos. Um roteiro ou argumento escrito sem ter sido encomendado (e pago com antecedência) é chamado on spec — literalmente, em bases especulativas. Um roteirista que decide devotar seu tempo — não remunerado — a escrever um material que depois será colocado à venda pode ganhar em liberdade criativa (ao menos inicialmente) e, se o mercado estiver aquecido, embolsar uma bela quantia. O recorde atual para um roteiro escrito on spec é de cinco milhões de dólares, pagos em 2005 a Terry Rossio e Bill Marsilii por Déjà vu, que depois seria dirigido por Tony Scott e estrelado por Denzel Washington.

▪ Obras já existentesObras já existentes. Livros, quadrinhos, peças de teatro, graphic novels, séries de TV, atrações de parques temáticos, videogames, tudo isso pode se transformar em filme — desde que os direitos sejam comprados, oumelhor, opcionados, dando ao com prador um determ inado tem po para levar

o projeto à tela. Outro tipo de propriedade que, cada vez mais, tem sido adquirida é o f ilme j á pronto. Opcionam -se e ntão os direitos de re filmagem , pelo qual personagens e situações do srcinal podem ser reinterpretados em

outra língua e contexto — o que aconteceu, por exemplo, com o coreano Mou gaan dou, que se transformou em Os infiltrados, e com o japonês

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Ringu, que virouO chamado.

Uma vez adquirida a propriedade intelectual que vai servir de base ao proj eto de filme, o desenvolvimento entra em sua segunda etapa: a análiseanálise

de viabilidade

de viabilidade. Com base nas informações disponíveis, levantam-se os custos prováveis de produção e estabelece-se um cronograma de pré-produção e

filmagem que dará a data aproximada de entrega do filme. Isso é crucial para um filme feito dentro de um estúdio, que tem um calendário rígido de

lançamentos, estudado cuidadosamente de acordo com as oscilações do consumo e da concorrência. Para um filme produzido de forma independente, em qualquer língua ou país, é igualmente fundamental: não só porque cada país tem as suas datas boas e ruins de lançamento, mas principalmente porque os comprom issos assumidos com investidores,

financiadores e distribuidores requerem uma data certa de entrega do filme completo.

Saber quanto um filme pode custar é apenas uma parte da análise. A outra parte é tentar proj etar quanto ele pode re nder. Não é um gesto tão fr io e calculista quanto pode parecer à primeira vista — os mais sérios realizadores a utorais sabem que a expec tativa de gastos tem que se a dequar à expectativa de ganhos. Essa responsabilidade fiscal faz parte do empenho de c riar o m elhor filme possível — com ênfa se tanto no “m elhor” quanto no “possível”. É uma parte essencial das perguntas que devem nortear o desenvolvimento: Que filme vamos fazer? Um trabalho experimental, destinado a poucas telas ou apenas a festivais? Um sólido filme de gênero que talvez não vá para os cinemas, mas que pode fazer boa carreira em DVD e na TV? Um filme c lassudo que pode ousar a tem porada de prê mios? Um arra sa-quarteirão, bem pipocão?

É claro que isso não é uma ciência exata — como diz o experiente e oscarizado William Goldman (Todos os homens do presidente, Butch Cassidy) na nossa epígrafe, “Ninguém sabe nada”. Nem sucesso nem fracasso podem realmente ser previstos. Mas as variantes podem ser estudadas e os riscos, atenuados. Custa menos do que se arriscar na cara selva do merc ado sem a m unição corre ta.

Normalmente, o processo de avaliação e estudo de viabilidade é feito em duas frentes: enquanto o gerente de produção destrincha os custos possíveis, o diretor de desenvolvimento analisa o material de base sob um

ângulo criativo. Se é um livro ou graphic novel , que roteirista melhor poderia adaptá-lo? Se é um roteiro, ele está pronto para ser filmado? Muito raramente um script sai completamente certinho na primeira tentativa — até mestres como Paul Schrader, Robert Towne, Paul Gaghan e William Goldman reescrevem seus textos à exaustão. Se o material precisa ser reescrito, quem melhor o faria? E que áreas precisam ser melhoradas: os

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diálogos? A estrutura? O final? Há necessidade de mais clareza, mais ação, mais profundidade?

E o conceito, a premissa mesmo da história, é interessante? Para proj etos decididam ente autorais essa pergunta não tem muita relevância,

mas, mesmo assim, um produtor consciente deve pelo menos tentar antecipar como o tema do projeto será recebido pelas plateias. Há possibilidade de controvérsia? Isso pode ser bom... ou não. É conservador

demais, ou talvez ousado demais? Banal? Excessivamente violento? Muito água com aç úcar? Pouco ág ua com aç úcar?

Talvez o projeto pertença a um gênero no ostracismo — mas será que não está na hora de trazê-lo de volta? Estudos de tendência de mercado mostram que tudo aquilo que foi muito popular 20, 30 anos atrás está pronto para ser apreciado novamente. Os épicos históricos do subgênero “espada e

sandália” estavam no exílio há três décadas em 1997, quando o roteirista David Franzoni começou a cortejar os poderosos — a DreamWorks e o diretor Ridley Scott — para levar às telas seu roteiro Gladiador .

Finalmente, quando tudo isso está determinado, tenta-se avaliar como o custo disso tudo se comporta frente ao esperado retorno. Uma forma não exatamente científica de fazer esse cálculo é levar em consideração o quanto títulos semelhantes renderam na bilheteria, e, para produtores independentes que não podem ou não querem trabalhar com dinheiro dos estúdios (e as obrigações e concessões que isso implica), que valores alcançariam nos mercados de cinema, em vendas antecipadas dos direitos de distribuição.

Quando tudo isso é avaliado, o produtor — que deve ter pilotado todo o processo, desde a aquisição do material de srcem — precisa tomar as

decisões-chave que darão a forma do filme que, um ou dois anos depois, irem os ver:

•Pequeno ou grande orçamentoPequeno ou grande orçamento? Até onde se pode estender o risco de um orç am ento ma ior? Até onde um orçam ento me nor pode c omprome ter a qualidade do projeto?

•QQ uue te tipipo do de die direre tortor? Diretor estabelecido, emergente ou estreante? Autoral ou profissional? Comercial ou experimental? O que vale mais a pena: um diretor estrela, que atraia vendas internacionais mas pode ser

difícil e exigente, ou um diretor confiável, que vai entregar o projeto no prazo, dentro do orçam ento, mas com menos ideias e criatividade?

• Astros ou conjunto de elenco?Astros ou conjunto de elenco? Grandes estrelas podem ancorar e viabilizar projetos apenas com seus nomes — a presença de Angelina Jolie assegurou que o “difícil” O preço da coragem, sobre o assassinato do jornalista Daniel Pearl nas m ãos de terroristas paquistaneses, fosse realizado

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por um diretor autoral (Michael Winterbottom) e em locação na Índia. Mas astros têm agendas próprias, calendários cheios de compromissos, agentes agressivos e cachês normalmente na casa dos milhões — e nem sempre são os atores ideais para os papéis.

•Estúdio, locação ou ambos? Digital?Estúdio, locação ou ambos? Digital? A novela gráfica 300, de Fran Miller, estava há anos perambulando pelas salas dos executivos da Warner, prisioneira da relação custo/benefício, até que o diretor Zack Sny der

apresentou um rascunho de como o projeto poderia ser realizado por um quarto do custo e do tempo previstos, se feito com recursos digitais nos próprios estúdios da Warner, e não em alguma remota locação.

• Serão necessáriasSerão necessárias alterações substanciais na história?alterações substanciais na história? Muitos produtores hesitam em rodar um filme que possa ser proibido para menores

de 17 anos, que, hoje, constituem o mais cobiçado público de cinema. Ou talvez o projeto não tenha um público-alvo definido: mulheres? Homens? Adolescentes? Famílias? Muitas vezes o diretor que é finalmente contratado quer tornar o filme mais próximo de seu estilo. Estrelas de primeira grandeza rotineiramente exigem que suas cenas sejam reescritas, ampliadas e customizadas a o seu m odo de falar e agir.

Quando este processo termina, o filme que iremos ver ainda não passa de montes de papéis, ma s a m aior parte de seu dest ino já foi selada.

Agora são contratadas as peças-chave da equipe: o diretor, que, a partir deste momento, assume o papel de comandante supremo do projeto; os atores principais, escolhidos pelo diretor com a consultoria do diretor de elenco e, é

claro, os palpites do produtor; o diretor de fotografia e o diretor de arte, braços direito e esquerdo do diretor, escolhidos diretamente por ele. O projeto saiu do casulo do desenvolvimento, recebeu a luz verde e está pronto para voar.

SE O DESENVOLVIMENTO É UM INFERNO, apré-produçãopré-produção é a hora do recreio. Ainda livres das amarras da realidade, do universo tridimensional, o diretor e sua equipe podem imaginar o roteiro de todos os modos, por todos os ângulos, e, com o auxílio de storyboards, conceitualizações e visualizações, ter uma boa ideia de como será o resultado final. Os detalhes aborrecidos de quem tem que fazer o que e quando ficam por conta do gerente de produção (produtor executivo, no Brasil), a quem cabe a tarefa de transformar o roteiro num plano de filmagem, especificando que cenas serão filmadas quando, onde e com que integrantes do elenco e da equipe; que equipamentos serão necessários; se efeitos especiais, armas e dublês serão usados; se há figurantes, e quantos; e como toda essa gente será transportada e alimentada. Uma equipe de filmagem tem entre quarenta e cem integrantes, fora o elenco e os extras — em casos de grandes produções, esse núm ero pode ser facilmente triplicado ou quadruplicado. É com o

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movimentar um circo ou um exército, ou decolar um jumbo, todos os dias durante se is, oito, doze sem anas… ou ma is.

Enquanto isso, o diretor conspira com seus dois generais: o diretor de fotografia e o diretor de arte. A meta é estabelec er o conce ito visual do filme, seu estilo. Com o diretor de fotografia (o DP, director of photography, na taquigrafia da indústria), o diretor seleciona os tipos de película, câmeras e lentes a serem empregados. Cenas-chave ou todo o filme são decupados em storyboards, onde diretor e o DP imaginam com o cada imagem ficará se m ostrada de determ inado ângulo, com determinados movimentos. (Alguns diretores, como Martin Scorsese, Akira Kurosawa, Federico Fellini e Tim Burton, desenham seus próprios storyboards; outros, como os irmãos Coen e Quentin Tarantino, confiam

o traba lho

sempre aos mesmos profissionais, que se tornam verdadeiros parceiros de sua visão, com acesso privilegiado ao roteiro).

O QUE O

DESENVOLVIMENTO FAZ — A HISTÓRIA DE

UMA LINDA MULHER UMA LINDA MULHER

NO FINAL DE 1988, A BUENA VISTA,

NO FINAL DE 1988, A BUENA VISTA, braç o de produção da Disney,

adquiriu os direitos de um roteiro on spec escrito pelo então jovem talento

mais badalado do laboratório Sundance, o J. F. Lawton. Entitulado 3000, o

roteiro era uma mistura de La Traviata e Pigmaleão, e c ontava a jornada de

uma garota vinda do interior que se torna pr ostituta e m Los Angeles, vicia- se em cocaína e a ceita passar uma sema na com um a lto execut ivo pelo preç o de três mil dólares, dinheiro que ela precisa para realizar seu sonho — ir à Disneylândia. O final era triste e cínico — a moça termina abandonada na

beira da freeway a caminho da Disneylândia, e tem uma overdose — mas a

estrutura era excelente, e os personagens, bem-desenhados. Quando os agentes de uma nova atriz ascendente — Julia Roberts, que aparecera no

independente Mystic Pizza e ac abara de fi lmar Flores de aço, gerando altas

doses de zum-zum positivo — sondaram a Disney sobre possíveis projetos para sua cliente, Laura Ziskin, produtora executiva no estúdio, na época,

lembrou-se de 3000. Instintivamente, Ziskin sabia que muita coisa teria que

ser mudada: o final, o subplot da cocaína e todas as suas ramificações, o tom am argo da tram a. I sso se Julia dissesse sim.

E Julia disse. Lawton foi convocado, uma nova versão foi proposta.

Julia e o estúdio queriam menos Traviata e mais Gata borralheira. Muito

mais.

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linda mulher impulsionou a carreira de Julia Roberts, reapresentou a comédia romântica para uma nova geração, e, tendo custado 14 milhões de dólares, rendeu quase 500 milhões no mundo todo. Julia ganhou um Globo de Ouro e foi indicada ao Oscar. J.F. Lawton ganhou o prêmio da Writers Guild of America, por roteiro srcinal.

O INFERNO DO DESENVOLVIMENTO

CIN

CINCO ROTECO ROTEIROS QIROS Q UE JAMUE JAMAIS VIRAAIS VIRAM M A A LUZ LUZ DADAS TS TELELAS:AS: Flamingo Feather , Alfred Hitchcock, 1956. Intriga de espionagem, rechea da de suspense ( é claro), pa ssada na Áf rica do Sul. Hitchcok fez uma viagem de pesquisa à África do Sul e chegou à conclusão de que não conseguiria rea lizar o proj eto por um orça mento razoável.

Edward Ford , Lem Dobbs, 1979. Na mitologia de Hollywood, Edward Ford é “o melhor roteiro não produzido jamais escrito”. Dobbs (nome real

Lem Kitaj, nascido em 1959 em Oxford, Grã-Bretanha) veio a ter uma

carre ira e stelar com o roteirista, assinando Tudo por uma esmeralda, Kafka e

O estranho. Mas sua sombria comédia sobre um aspirante a ator em queda livre pelas entranhas da indústria permanece inédita.

One Saliva Bubble, David Lynch e Mark Frost, 1987. Antes de

conspirarem para criar a megacult série de TV Twin Peaks, Lynch e Frost

criaram este script, uma espécie de Dr. Strangelove para o final do século

sobre uma arma nuclear que, ao dar defeito, causa todo tipo de transtorno. Por exemplo: fazer todo o queijo de uma cidade do Kansas desaparecer. O proj eto chegou a ser anunciado no mercado de Cannes em 1992 na euforia pós-Peaks, mas ficou nisso mesmo.

Smoke and Mirrors, Lee e Janet Scott Batchler, 1994. Livremente inspirado num fato real — o envolvimento do mágico Houdin numa tentiva de controlar rebeldes na Argélia francesa de 1856 —, o roteiro já atraiu a atenção de Sean Connery, Michael Douglas e Tom Cruise, mas jamais saiu do papel.

A Crowded Room, James Cameron, 1995. Durante anos James Cameron foi fascinado pela história de Billy Milligan, um homem preso e acusado de vários crimes graves no Meio-Oeste americano, em 1979. Ao preparar sua defesa, seus advogados descobriram que Milligan sofria de personalidade múltipla, e que os assaltos e estupros tinham sido cometidos

cada um por uma de suas 24 personalidades, sem o conhecimento das demais. O distúrbio foi confirmado por diversos psiquiatras, e Milligan foi o primeiro réu a usar personalidade múltipla em sua defesa. Cam eron

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interessantíssimo, com muitos elementos que seriam vistos anos depois em

Uma mente brilhante, de Ron Howard. Mas quando o financiamento de outro

proj eto seu finalmente ficou disponível, Cameron abandonou A Crowded

Room e foi filmar Titanic.

Para sequências complicadas, como perseguições, tiroteios e batalhas, os toryboards são uma ferramenta indispensável — ajudam a prever todas as variantes positivas e negativas, antes que o “taxímetro” dos custos de filmagem come ce a rodar.

Com o diretor de arte — que a essa altura já montou a sua equipe, com o figurinista, o chef e de m aquiagem e cabelo e o c riador dos cenários —, o diretor trabalha a “encarnação” de personagens e ambientes do filme. Locações podem

á ter sido pré-selecionadas, aguardando apenas a palavra final do diretor e do diretor de arte — ou, pelo contrário, são imaginadas e desenhadas nesta etapa, com o auxílio de artistas conceituais, e depois procuradas no mundo real ( o “lago gelado” que ser ve de c enár io a um confronto importante de Rei Artur , de Antoine Fuqua, 2004, foi criado primeiro pelos artistas conceituais e depois achado parcialmente na Nova Zelândia. Montanhas, geleiras e nuvens digitais fizeram o

restante.).

Muitas vezes cabe a esta fase a criação dos próprios personagens do filme. Se seu roteiro pede um monstro assassino, um visitante extraterrestre ou um flexível e transparente ser das profundezas abissais, nenhuma produtora de elenco pod erá resolver seu problem a. O brainstorm e ntre diretor, diretor de arte e artista conceitual — muitas vezes com a participação do roteirista — deu a forma final a personagens famosos como o alien de Alien, o oitavo passageiro (Ridley Scott, 1979; concepção de H.R. Giger), o extraterrestre de E.T . (Steven Spielberg, 1982; concepção de Carlo Rambaldi) ou o pseudopod de O segredo do abismo (Jam es Cam eron, 1989; conce pção de De nnis Muren & ILM).

IDEALMENTE, COM TODOS OS PROBLEMAS e as minúcias do projeto resolvidos — pelo menos no papel —, o projeto entra, afinal, em fase de produção,

produção, que é o que a maioria das pessoas associa com “fazer um filme”. Para nós, na plateia, é interessante saber que, quando as câmeras começam a rodar, a maior parte do tempo de criação de um filme já está, geralmente, no passado, nas etapas de desenvolvimento e pré-produção. De muitos modos, écomo se todo o filme já tivesse sido realizado na cabeça do diretor (e do

roteirista) e, agora, simplesmente tivesse que ser passado para uma mídia que nos possibilite vê-lo tam bém .

No set de filmagem — um pouco circo, um pouco laboratório —, a visão se rea liza e os planos confront am a dura realidade. Acident es ac ontecem , com todo tipo de resultado, do tufão catastrófico que destruiu os cenários de Apocalipse

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ow nas matas das Filipinas ao ator que se intimidou com a presença de Daniel Day-Lewis em Sangue negro e foi substituído no meio da filmagem por Paul Dano, inicialme nte e scalado para f azer o irm ão dele (c riando, assim, um a nova e peculiar textura aos personagens, que passaram a ser gêm eos). Um gato vira-lata pula no colo de Marlon Brando durante a filmagem da cena de abertura de O

oderoso che fão e é rapidamente incorporado pelo ator ao mundo doméstico de seu personagem, dando uma dimensão imprevista ao poderoso diálogo com Bonasera. Uma atriz famosa — Ali McGraw — se divorcia do produtor — Robert Evans — na véspera do início das filmagens e é substituída por outra, que absolutamente rouba o papel — Faye Dunaway — em Chinatown (Roman Polanski, 1974). Atores morrem no meio das filmagens — Brandon Lee em O corvo (Alex Proyas, 1994), Oliver Reed em Gladiador (Ridley Scott, 2000) —, obrigando a novas abordagens da tram a.

Sem falar nos amores — o diretor Peter Bogdanovich se apaixonando pela então atriz estreante Cybill Shepherd em pleno set de A última sessão de cinema (1970) diante dos olhos da esposa, a diretora de arte Poly Platt —, desamores, birras, brigas — Peter Fonda rompendo com Dennis Hopper a meio caminho das

filmagens de Sem destino (1969), criatura de ambos —, explosões, fofocas: uma vasta gama de complexas interações humanas que ocorrem no mundo hermeticamente fechado do set de filmagem e que podem, de um modo ou de outro, interfe rir na estrutura tão rigorosam ente planej ada do filme.

Durante as filmagens — um processo que pode durar de seis semanas a dez meses —, o material de cada dia é avaliado pelo diretor e pelos produtores através de cópias temporárias chamadas dailies, em que o desempenho de todos — atores, diretor, equipe técnica — é avaliado com rigor. Erros sérios de

continuidade — coerência entre os elementos de uma mesma cena — ainda podem ser corrigidos, abordagens dos personagens e tomadas de cena ainda podem ser alterados.

Uma vez aprovado e colocado “na lata”, o material bruto de um filme só terá mais uma oportunidade para ser melhorado, corrigido ou salvo: a produção.

NA PÓS-PRODUÇÃOPÓS-PRODUÇÃO o filme recebe sua forma final, através de montagem, sonorização e efeitos visuais e sonoros. Como veremos mais adiante, cada um desses elementos pode alterar radicalmente o tom, a textura e até mesmo a intenção de sequências inteiras, e, muitas vezes, do próprio filme. Filmes podem nascer na pós-produção — Tubarão (Steven Spielberg, 1975) foi um deles — ou nela morrer, com elementos vitais cortados, adicionados, modificados — a primeira versão de Blade Runner , em 1982, e, mais recentemente, Invasores (2007), arrancado das mãos do diretor Oliver Hirschbiegel pelo produtor Joel Silver, são bons exemplos.

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Raros e privilegiados são os diretores que detêm o poder de “corte final” para as versões de seus filmes — este glorioso período de autoria total

encerrou-se com os anos 1970. A imensa maioria dos realizadores obriga-encerrou-se a entregar aos produtores e/ou distribuidores (dependendo da estrutura de financiamento) um

corte dentro de parâ metros preestabelec idos contratualm ente — duraçã o, data de entrega, fa ixa etária de púb lico. O que ac ontecerá com e ste corte é determ inado, em grande parte, pelo projeto de marketing que veio sendo elaborado para o filme desde que ele recebeu a luz verde — seja dentro de um grande estúdio, sej a num a produtora independente.

Um elemento essencial deste projeto são as sessões-teste. De um modo ou de outro, todo filme é visto com fins de avaliação antes de partir para um lançamento comercial. Um projeto altamente autoral pode ser exibido por seu diretor para um grupo de amigos, colegas, conselheiros e consultores de confiança. Um filme independente, de orçamento modesto, pode ser testado em exibições gratuitas em campi universitários, salas comunitárias ou pequenas mostras não competitivas. Qualquer coisa acima dos vinte milhões de investimento clama por testes realizados profissionalmente por grupos de análise de m ercado, em am ostras de público rigorosam ente selecionadas.

UMA DÚZIA DE BONS FILMES SOBRE

FAZER FILMES

O crepúsculo dos deuses, Billy Wilder (1950). Um último olhar sobre a “Holly wood velha escola” que em breve não existiria m ais.

Oito e meio, Feder ico Fellini (1963). Na mente de um diretor em crise, vida, sonho e criação se misturam num grande set espiritual.

A noite americana, François Truffaut (1973). O set como uma família tem porária, neurót ica e criativa.

Stardust Memories, Woody Allen (1980). Através de um alter ego o “Woody cineasta de humor” reflete sobre sua obra e os impasses da meia-idade.

O substituto, Richard Rush (1980). Um fugitivo da lei se esconde num set de filmagem e ninguém nota.

O jogador , Robert Altman (1992). A alta e a baixa política de

Hollywood dão forma a um filme do pitch à estreia para os executivos.

Ed Wood , Tim Burton (1994). Seu lema era: “Meu próximo filme será melhor.”

Vivendo no abandono, Tom DiCillo (1995). A dura, hilária e frequentemente poética vida dos cineastas independentes.

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cinem a — e seus sets criam as m esma s fam ílias temporárias .

Os picaretas, Frank Oz (1999). O pitoresco universo do filme abaixo de B, em todo o seu glorioso absurdo.

A sombra do vampiro, E. Elias Mehrige (2000). Uma possível

abordagem do que teria acontecido no set de Nosferatu, de Murnau, em

1922.

Dirigindo no escuro, Woody Allen (2002). Um riff sobre uma antiga anedota da velha Hollywood — quando os filmes se tornam formulaicos, até um diretor c ego é capaz de fa zê-los.

Todos esses pro ce ssos têm uma coisa em com um: a importância da opinião dos espectadores, expressa em geral em formulários previamente distribuídos. Diretor, produtores e distribuidores querem dimensionar, em primeiro lugar, a clareza do filme, se ele está sendo compreendido pelo público. Depois, que impacto, positivo ou negativo, o filme tem sobre ele. Que elementos e personagens mais atraíram o interesse? Que sentimentos provocaram ? E,

finalmente, que tipo de público mais se identificou com o filme — o que pode contradizer ou confirm ar os estudos feitos durante o desenvolvime nto.

Um a vez obtidas e ssas re spostas, o que a contece com o filme depende m uito da visão do diretor, do seu prestígio e seu poder de fogo, do estado do seu relacionamento com produtores e distribuidores (relações podem se deteriorar rapidamente neste meio altamente combustível) e da flexibilidade daqueles que detêm o poder da decisão final. Versões múltiplas podem ser feitas e testadas separadamente. O diretor pode ceder um tanto e o produtor, outro tanto, chegando a um consenso. Quando criador e detentor de poder econômico têm um bom relacionamento, este processo aparentemente brutal e cerceador pode se transformar num exercício criativo que, efetivamente, torna o filme melhor. Em períodos de crise, recessão, retraimento de mercado, ou quando o pêndulo cai exclusivamente para o lado das finanças, verdadeiras matanças se dão. Telas e ilhas de edição estão repletas dos restos mortais de ideias que talvez dessem belos filmes, sacrificados no altar do clichê, do previsível e do lucro fácil.

ALGUMAS SUGESTÕES

LEIA SOBRE A PRODUÇÃO DE UM FILME

LEIA SOBRE A PRODUÇÃO DE UM FILME antes de vê-lo. Procure compreender o que foi envolvido no processo de levar o projeto à tela, quem foram os principais elementos que tornaram isso possível, qual o impac to desses eve ntos na form a final do filme .

Veja o making of e as entrevistas sobre o filme ANTES de vê-lo em

DVD. Observe c omo os diversos problem as da produção f oram abordados e resolvidos.

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2. No princípio era o verbo: a construção do roteiro

2. NO PRINCÍPIO ERA O VERBO: A CONSTRUÇÃO DO ROTEIRO “A função do po eta não é relatar o que a conteceu, mas o que pode ac ontecer, de acordo com as leis da probabilidade e da necessidade.” Aristóteles, Poética

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QUANDO, NO ANO 335 A.C., Aristóteles dissecou princípios e práticas da arte dramática em seu tratado Poética, ele conseguiu antecipar “um texto em prosa ainda sem nome”, que seria a literatura, m as não o que viria a ser um dos

usos mais comuns de seu trabalho — o roteiro cinematográfico. Ouso dizer que, sem Aristóteles e Poética, o roteiro não seria a c lara e definida peç a de literatura dramática que é hoje, e roteiristas ainda estariam quebrando a cabeça para tentar contar uma história complexa em menos de 120 minutos, sem perder a atençã o das pessoas na sala escura .

Nada mais adequado, portanto, que começar nossa jornada pelo interior do processo criativo do cinem a com Aristóteles como guia. Se na frase que serve de epígrafe ao capítulo substituirmos a palavra “poeta” por “roteirista”, teremos uma definição precisa do que um bom roteiro deve ser: o relato do possível, não do real, balizado pe las leis internas da probabilidade e da necessidade.

A lei da probabilidade cria a lógica interna que todo bom filme deve ter e que nos leva a suspender nossa descrença. Sabemos que tudo na tela é fruto da imaginação de alguém mas... tudo aquilo é provável? Se os fatos na tela obedece m a norm as inventadas porém rigorosam ente m antidas ao longo dos 120 minutos, somos capazes de acreditar em praticamente tudo: bichos que falam, carros que voam, prostitutas que se casam com milionários, vampiros que frequentam a escola. No primeiro momento em que piscamos forte, balançamos a cabeça e dizemos mentalmente (ou não) “Mas que surreal!”, o filme nos perdeu um pouquinho. Se continuarmos tendo a mesma reação, o filme pode nos perder de vez — o preço de violar a lei da probabilidade.

A lei danecessidade dá ao roteirista a disciplina para escolher, entre todas as vertentes possíveis para sua narrativa, aquelas que realmente impulsionam a história, explicam o mundo interior dos personagens, justificam suas ações, esclare cem o universo físico e em ocional em que vivem , criam tensões, enigmas e paradoxos que tornam a história mais envolvente e interessante. Se uma página de roteiro con tém palavras lindas e com oventes, sej am elas descrições épicas ou diálogos poderosos, mas nada daquilo é necessário para elucidar, complicar ou avançar o que aconteceu antes, a lei da necessidade foi violada. Vamos achar o filme confuso, tedioso, talvez até agressivamente impenetrável. O perfume exageradamente doce da autoindulgência vai pairar no ar, irritante como num elevador às 9h da manhã. Vamos nos perguntar: “Mas por que mesmo estou vendo isso, hein?” Quando ruidosamente desobedecida, a lei da necessidade nos desprende do filme de imediato — e, em geral, para sempre.

Ao final da jornada criativa de um filme — que começa com uma ideia expressa num roteiro —, o controle sobre o material deve ser de tal ordem que nada do que está na tela seja gratuito, tudo o que está na tela tenha uma razão de ser. Um diálogo inteligente entre criação e espectador, filme e plateia, a tela e

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nós, no escuro, pod e se dar, então. Pa ra nós, as per guntas-chave são:

▪ Por que o diretor está m e m ostrando estas ima gens, e nã o outras? ▪ Por que estou vendo as imagens desta forma?

▪ Por que e stou vendo as imagens nesta ordem ?

▪ Por que estou ouvindo ou não ouvindo palavra s, sons, ruídos, música? As respostas, idealmente, nos abrirão as chaves secretas do filme, permitindo que tudo nele fale conosco.

TODO FILME TEM UM TEMA, uma premissa, uma trama e um ou mais gêneros. O tematema é aquilo sobre o que o filme discorre. Não é a história, ou os traços dos personagens, ou o que acontece com eles: é a ideia fundamental, subjacente a tudo. O vencedor do Oscar de 2009, Quem quer ser um milionário? (Danny Boyle, 2008), por exemplo, é sobre esperança — como, nas condições mais horrendas de vida, a pura vontade de seguir adiante pode forjar um futuro melhor. O do ano a nterior,Onde os fracos não têm vez (Joel e Ethan Coen, 2007), é sobre responsabilidade, o peso e as consequências de nossas escolhas e ações. Guerra ao terror , o melhor filme de 2010, era sobre a estranha vertigem do perigo extremo, adicionando um a cam ada de com plexidade a um tem a central a

todo filme de guerra: o da lealdade (a quem ser leal: à sua tropa? Ao seu país? A si mesmo?). Curiosamente, O discurso do rei, o prem iado em 2011, tem um tem a que, de imediato, parece caber apenas em dramas bélicos ou de aventura: a coragem, compreendida não como a ausência do medo (um dos aspectos de Guerra ao terror , aliás), m as com o a ca pacidade de, consci ente dele, enfrentá-lo.

Apremissapremissa é a forma que esse tema assume. No filme de Danny Boyle, a premissa é a determ inada convicção de seu jovem protagonista, Jam al Mali

(Dev Patel), de que pode vencer o concurso que dá título ao filme no Brasil, apesar de seu passado de pobreza extrema. No dos irmãos Coen, a premissa é o impacto que uma maleta cheia de dinheiro tem na vida do homem que a encontra, e os fatos que a descoberta deflagra. Em Guerra ao terror , a premissa é a ca pacidade (ou não) do no vo sarge nto Jam es (Jere my Renner) para substituir seu predecessor no minucioso e perigosíssimo ofício de desmontar bombas na zona de guerra do Iraque. Num outro paralelo interessante, a premissa de O discurso do rei também envolve um homem — o príncipe Albert, duque de Yor (Colin Firth) — que precisa substituir outro — seu irmão mais velho, David, príncipe de Gales (Guy Pearce) — sem ter um elemento fundamental na era do

rádio: a eloquência.

Atramatrama é a história do filme, o desenvolvimento da premissa. É aquilo que contamos aos amigos que não viram o filme: os detalhes da história, como ela começa, como se desenvolve, os conflitos, os problemas, os confrontos, as vitórias e as derrotas.

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Ogênerogênero é a f orma que a prem issa e a tram a tomam . Uma m esma história — digam os, a saga do rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda — pode

assumir características de gêneros diferentes: em Excalibur (John Boorman, 1981), um dram a; em Rei Arthur (Antoine Fuqua, 2004), um filme de aventura; e em Monty Python e o Santo Graal (Terry Gilliam e Terry Jones, 1975), uma comédia satírica. Na segunda parte do livro vamos nos ocupar em detalhes dos principais gêneros, como eles se organizam , quais são seus tem as essenciais e

como foi sua evolução ao longo da história do cinema.

Uma vez estabelecidos estes elementos básicos, o escritor deve escolher o tipo de narrativa que dará à sua trama, qual a mais adequada para enfatizar o tem a, m ais coere nte com sua prem issa. Os principais tipos de nar rativa são:

▪ DiretaDireta: A mais comum, que mais vemos: uma história em ordem cronológica, com começo, meio e fim, contada exatamente nessa ordem, mesmo que com alguns flashbacks e flashforwards no me io.

▪ InversaInversa: Uma história contada inteiramente em flashback , cujas primeiras imagens são, na realidade, as derradeiras. É muito usada em

filmes em que se conta a história de uma vida, seja pelo próprio biografado ou por algum observador ( Amadeus, Milos Forman, 1984; Forrest Gump, o contador de histórias, Robert Zemeckis, 1994; Ratatouille, Bard Bird, 2007). É um formato que também se presta ao thriller de suspense, oferecendo a enganosa certeza de “como tudo acabou”, e nos deixando curiosos a respeito de como foi a jornada até lá ( Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder, 1950; Cães de aluguel , Quentin Tarantino, 1992;Os suspeitos, Bryan Singer, 1995).

▪ EpisódicaEpisódica: Diversas histórias, cada qual com sua própria trama, mas em geral unidas por um tema comum, ou até mesmo uma única premissa. Cada história tem o seu começo, meio e fim, que podem ou não se intercalar em determinados momentos ( La Ronde, Max Ophuls, 1950, e Roger Vadim, 1964; Short Cuts, Robert Altman, 1993; Traffic, Steve Soderbergh, 2000; Amores brutos, Alejandro González Iñarritu, 2000; As horas, Stephen Daldry, 2002; Sin City, Robert Rodriguez e Frank Miller, 2005).

▪ Fracionada/Não linearFracionada/Não linear: Uma ou várias histórias (ligadas entre si) contadas em segmentos fora de cronologia, que se conectam em momentos-chave, através de personagens, situações ou símbolos ( Oito e meio, Federico Fellini, 1963; Pulp Fiction, Quentin Tarantino, 1994; Amnésia, Christopher Nolan, 2000;Cidade de Deus, Fernando Meirelles, 2002; Quem quer ser um milionário?, Danny Boyle, 2008; Namorados para sempre, Derek Cianfrance, 2010).

Para sustentar qualquer um desses tipos de narrativa, o roteirista precisa se preocupar com a estruturaestrutura de seu projeto. Muita gente acredita que roteiro

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equivale a diálogo, e que um bom roteiro é o que tem diálogos bem-escritos, com oventes, e spirituosos, sarc ásticos, divertidosetc. Na verdade, o diálogo é algo secundário n o filme — sendo a plant a ba ixa de ima gens em movimento, um bom roteiro deve privilegiar o mostrar e não o contar; o diálogo, quando presente, precisa estar subordinado às essenciais regras aristotélicas de probabilidade (na

qual se inclui a coerência com o perfil psicológico de cada personagem — um sinal seguro de um mau roteiro é quando todos os personagens falam do mesmo modo) e necessidade.

Roteiro é principalmente estrutura

Roteiro é principalmente estrutura: a arquitetura de uma ideia claramente expressa, mas repleta de elementos que possam estimular, intrigar, provocar, emocionar o espectador. Um roteiro bem-estruturado, em que o autor revela um profundo conhecimento de seus personagens e um controle completo sobre o que

eles fazem e o que com eles acontece, é a base para um bom filme. Nele, os diálogos surgem naturalmente, como parte orgânica dos personagens, nascendo de suas emoções, valores e reações e, de fato, colaborando para a condução da narrativa.

Um antigo adágio do meio diz que fazer um mau filme c om um bom r oteiro é algo que acontece, mas fazer um bom filme com um roteiro ruim é praticamente impossível.

A estrutura de um roteiro apoia-se em dois elementos essenciais: O ritmoO ritmo: Todo roteirista é escra vo do tem po — sej a qual for a tram a que ele qui ser c ontar, de um dia na vida de uma pessoa a várias décadas na história de uma nação, ele precisa fazê-lo em , idealmente, 120 minutos, equivalendo a 120 páginas

impressas. É preciso pensar nessas páginas como tempo, e não como texto (privilégio da literatura). Como usar esse tempo é o primeiro desafio para a montagem da estrutura: quantas páginas/minutos cada personagem, situação e sentimento pedem? Onde se deter ou se aprofundar? Onde economizar tempo com montagens, sequências simultâneas ou intercaladas? Qual o ritmo geral que trama e premissa pedem para melhor expressar o tempo: a lentidão meditativa de um Kurosawa em Dersu Uzala (1975), de um Bergm an em Gritos e sussurros (1972) ou o picote ac elera do de um Tarantino em Pulp Fiction (1994)? Decisões tomadas no set pel o diretor (que, nos três exem plos acim a, tam bém é o roteirista, situação ideal de autoria cada vez menos comum) influenciarão este uso do tem po. A montagem dará o ritmo final do filme, m as a proposta inicial deve estar incluída desde o início no modo como o autor administra o tempo de cada um de seus elem entos dram áticos.

O arco da narrativa

O arco da narrativa: Um filme é uma jornada, e o roteiro é seu mapa. Protagonistas movimentam-se não apenas no espaço, mas principalmente no espaço interior, ao sabor de crises e resoluções. Idealmente, eles devem chegar ao final do filme o mais transformados possíveis, ou seja: narrativa e existencialmente o mais distante possível do lugar — físico, metafísico,

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em ocional — onde come çar am .

Para que possamos seguir essa trajetória, ela não pode ser linear — morreríamos de tédio e logo nos desprenderíamos emocionalmente da narrativa. Respeitados o ritmo e as opções estilísticas do autor, a narrativa cinematográfica segue um arco a ssim, descrito por Aristóteles e m Poética: NaExposiçãoExposição, tram a e personagens são apresentados. Na Ação Crescente (ou Complicação)Ação Crescente (ou Complicação), conflitos

se anunciam e tentam ser resolvidos, com intensidade crescente até atingir um Clímax

Clímax, um evento em que todas as ações e os conflitos chegam ao seu ápice. A partir daí a ação torna-se DecrescenteDecrescente , com a dissolução ou resolução dos

conflitos, até a Conclusão fConclusão fininal.al.

Um roteirista pode seguir este arco ao pé da letra, criar variações sobre ele ou até, deli bera dam ente, ignorá-lo, p ara obter reações e resultados diversos. Mas eu ousaria dizer que 95% dos filmes que vem os obedece m essencial mente a essa estrutura, analisada c om prec isão há mais de três m il anos.

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A adesão estrita ao modelo aristotélico do arco constrói um roteiro com três atos bastante definidos:

ATO I: Exposição

Exposição: Onde estamos, quem são os personagens, o que acontece com eles para que a trama se ponha em movimento. (Uma abordagem tradicional da abertura do Ato I diz que o primeiro personagem que vemos deve ser o protagonista. É uma regra constantemente quebrada com grande efeito

dramático: por exemplo, em O poderoso chefão o primeiro personagem que vemos é o suplicante Bonasera, e não o Padrinho Corleone — que, quando finalmente surge em cena, está de costas.) OposiçãoOposição: O primeiro grande obstáculo se apresenta, complicando a ação: um oponente, um rival, uma perda, um desafio, enfi m, uma mudança no status quo descrito na e xposição.

ATO II:

Auge da oposição

Auge da oposição: A trama se complica ainda mais, a ação cresce; novos personagens são introduzidos dos dois lados da oposição: mentores, aliados,

coconspiradores. Conflito

Conflito: O problema essencial da trama se revela. Há um grande impasse, um dilem a, a lgo que e xige dec isões drá sticas, sacrifíci os, m udanças de rum o.

Primeira tentativa de resolução

Primeira tentativa de resolução: Uma solução imediata é encontrada, mas rapidam ente se re vela insuficiente, c riando até m esm o novos problem as.

ATO III:

Mudança radical

Mudança radical: Transformação interior dos personagens, grandes mudanças, escolhas radicais, sacrifícios, atos heroicos resolvem finalmente o conflito/impasse.

Resolução

Resolução: Os personagens principais estão o mais longe possível de onde estavam no início do filme. São capazes de atos, escolhas e sentimentos impensáveis no Ato I. Uma grande jornada se deu e, se o final é satisfatório, o espectador sente isso. Não é necessário que tudo seja resolvido ou explicado, mas deve perm anec er c lara a resolução do conflito que foi a espoleta da j ornada (por exemplo, o final de Filhos da esperança, de Alfonso Cuaron, 2006, é aberto à interpretação de cada um, mas uma criança nasceu numa Terra até então estéril, quebrando o p aradigma e ssencial e r esolvendo o grande impasse da na rra tiva).

Popular a partir do final dos anos 1960 com a disseminação das obras e das teorias do a ntropólogo Joseph Cam pbell, o m odeloJornada do HeróiJornada do Herói trouxe uma abordagem mais orgânica e integrada desta estrutura de três atos, deixando a narrativa ancorada à trajetória do protagonista. Como, na visão de Campbell, todas as histórias da humanidade são uma única história (monomito) em infinitas variações, o roteiro no modelo Jornada do Herói organiza-se de acordo com os pontos básicos deste mito universal, menos preocupado com os três atos e mais

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com a fluidez, causas e consequências das ações do protagonista: O mundo daO mundo da inocência

inocência: A situação inicial em que o herói se encontra, ignorante de suas possibilidades e poderes, muitas vezes até mesm o equivocado quanto à sua

identidade. O chamado

O chamado: Um fato novo, inesperado, perturbador, que tira o herói de seu mundo da inocência e revela todo um novo universo de desafios, uma nova identidade, uma mudança radical da autopercepção. Em geral, o chamado traz consigo algum tipo de missão ou desafio que deve ser cumprido para que as prom essas nele contidas se realizem plenamente.

A jornada e as provações

A jornada e as provações: Herói parte em resposta ao chamado, saindo do mundo da inocência para cumprir sua missão. Segue-se todo tipo de teste, atribulação, perigo e sofrim ento. A cada um a dessas provaç ões, idealm ente, algo novo sobre a real identidade do her ói deve ser r evelado, e e le deve descobrir um novo poder, virtude ou fra queza.

A conquista do troféu

A conquista do troféu: A missão é cumprida, o chamado é plenamente realizado. Herói é o que deveria ser, consciente de sua identidade e poderes.

A volta para casa/Compartilhando as conquistas

A volta para casa/Compartilhando as conquistas: Pode haver uma outra ornada de retorno em que questões pendentes são resolvidas. Fundamental é que o herói passe agora a se comportar como seu verdadeiro Eu, corrigindo falhas e eliminando problemas do passado.

Não é difícil ver que este é o m odelo exato da trama de Guerra nas estrelas (Star Wars) — George Lucas foi um dos primeiros discípulos de Campbell a testar suas teorias na narrativa cinematográfica, comprovando com o enorme sucesso da série que de fato a Jornada do Herói era um template perfeito para criar novas mitologias. Longas de animação, que também trabalham na esfera da fábula, são assíduos seguidores deste modelo, assim como filmes de fantasia como a série Harry Potter e a trilogiaO senhor dos anéis.

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RESTA AGORA DECIDIR COMO esta narrativa será conduzida. No cinema de ficção, tempo e prática mostraram que há dois caminhos básicos: NarrativaNarrativa conduzida pela ação (

conduzida pela ação ( plot plot dridrivvenen):): É a abordagem que Aristóteles escolheria, se estivesse trabalhando como roteirista, hoje. Em Poética, nosso mestre e guia discorre extensamente sobre a importância dos acontecimentos na narrativa dramática: como eles deveriam ser os condutores do drama, restando aos personagens reagirem a eles. A grande maioria dos filmes com erciais opta por

este caminho — embora num bom roteiro os personagens estejam construídos por inteiro, com personalidades e mundos interiores, é o que acontece a eles que põe a trama em movimento: o escritor e aventureiro T.E. Lawrence emerge completo e contraditório no roteiro de Michael Wilson e Robert Bolt para

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Lawrence da Arábia (Da vid Lean, 1962 ), m as é sua ida par a o Or iente Médio, seu encontro com os líderes tribais, o deflagrar da Primeira Grande Guerra e sua participação nela que impulsionam o filme, deixando-nos sem pre interessados

em ver como ele reagirá a cada novo fato, o que acontecerá com ele, que escolhas fará. Neste tipo de roteiro, são essenciais o controle da estrutura e o uso sábio dos plot points — os momentos cruciais de acontecimento ao longo do filme. Esse estilo é típico do cinema americano de mercado e de boa parte da produção internacional, principalmente a partir dos anos 1980.

Narrativa conduzida pelos personagens (

Narrativa conduzida pelos personagens (character drivencharacter driven):): Nesta opção, não é o que a contece aos person agens que importa — é quem eles são, q uais suas motivações interiores, o relacionamento com o mundo à sua volta e com os demais personagens. Na verdade, num filme conduzido pelos personagens, muito pouco acontece — em Gritos e sussurros (Ingmar Bergman, 1972), uma mulher agoniza, cercada pela família imediata; em Sem destino (Dennis Hopper, 1969), dois amigos atravessam os Estados Unidos de moto, movidos largamente a ma conha; em Juno (Jason Reitman, 2007), um a adolesce nte se descobre grávida e decide entregar o bebê para adoção. Nem por isso deixamos de seguir cada momento destas odisseias íntimas, pessoais, se o roteiro é bom e nos oferece suficientes janelas para o universo interior dos personagens, e nos dá a opção de conhecer indivíduos realmente únicos, complexos, interessantes, fascinantes. este tipo de narrativa, a backstory — o passado do personagem até o momento em que a história do filme começa — é essencial, e o autor precisa conhecer e controlar todos os detalhes da personalidade de suas criaturas. A narrativa character driven é dominante no cinema europeu, nas obras da chamada Geração Nova Hollywood dos anos 1960-70 e no cinema independente norte-americano a partir do final dos anos 1980.

TEORIA E PRÁTICA CRIARAM um repertório específico de recursos e atributos da narrativa cinematográfica. São os ossos e os truques do ofício que, se descobertos, dão uma nova qualidade à nossa experiência de assistir.

Suspensão da descrença

Suspensão da descrença: O resultado máximo da lei da probabilidade é suspender nossa descrença. Uma narrativa convicta de si mesma, com impecável lógica interna, sustenta qualquer absurdo, qualquer voo da imaginação. O filme que realmente nos envolve e dialoga conosco é o que sobrepuj a nosso ceticismo e deixa-se governar por suas próprias re gras.

Q

Q uuarto marto muuroro: O filme deve ser uma entidade em si mesma, independente do nosso olhar e indiferente a ele. Um mundo contido nele m esm o, que não sabe que está sendo visto. Fazer um personagem quebrar este “quarto muro” invisível, entre tela e plateia, e dirigir-se diretamente a nós é uma audácia que deve ser cuidadosamente medida. Quando bem-usada, nós achamos divertido e surpreendente. Em excesso e na hora errada, é extremamente irritante.

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Ba

Bacckstkstoryory: Imaginar, esboçar e, em muitos casos, escrever detalhadamente o passado dos personagens antes do início da trama é um recurso de grande utilidade para roteirista, diretor e elenco. Elementos desse passado informam a reação dos personagens, explicam traços de sua personalidade e podem ou não pontuar a trama, em referências claras ou sutis (um a foto sobre a mesa, um

objeto de uso pessoal, uma expressão muitas vezes repetida). Atores treinados pelo “método”, como Sean Penn, Al Pacino e Robert De Niro, usam backstories

detalhadas como fe rram enta para ancorar a veracidade do p ersonagem e m uitas vezes c omplem entam as a notações de roteiristas com suas próprias pesq uisas.

Foreshadowing

Foreshadowing : Talvez o recurso mais poderoso e m enos notado do roteiro, o oreshadowing (literalmente, sombreamento antecipado) é um elemento tipicamente cinematográfico, de notável eficiência. Foreshadowing é mostrar antes, de forma simples ou resumida, algo que será de enorme importância mais adiante, no clímax ou na resolução da trama. É um modo do roteirista nos treinar a ver, nos educar na percepção daquilo que ele escolheu como essencial para a história. Em Onde os fracos não têm vez, por exemplo, os irmãos Coen nos mostram várias vezes como o assassino, Anton Chigurh (Javier Bardem), usa um compressor de ar não apenas como arma mortal, mas também como eficiente método para abrir fechaduras e trancas. Numa sequência essencial do filme, quando o Llewellyn de Josh Brolin está acuado num hotel da fronteira, nós, na plateia, sabemos antes dele quem o está perseguindo, simplesmente ao ver o

ferrolho da porta saltar com um golpe de ar comprimido. Mais que isso — nesta simples imagem, temos imediatamente toda a realização do perseguidor implacável e cruel que está atrás do protagonista.

Bo

Bookendsokends: Uma história que pod e ou não ter r elaç ão c om o resto do filme, e que serve de m oldura para o re sto da tram a. Por e xem plo, em Sin City, a história entre uma mulher e um home m na cob ertura de um arranha-céu abre e fec ha a narrati va sem ter nada em com um com ela a não ser o estilo e o a mbiente. Em abel (Alejandro González Iñarritu, 2006), a história do rifle e dos meninos nas montanhas do Marrocos pode ser vista como o bookend das outras tramas. Quando um bookend está ligado, ainda que sutilmente, à narrativa principal, ele também pode ser chamado de framing device, a “moldura” que serve de base à tram a ou às tram as. Em Quem quer ser um milionário? a detenção e a tortura de Jama l são a moldura de toda a história, do seu passado e de como ele se conecta ao program a de TV.

Flashbacks/flashforwards

Flashbacks/flashforwards: Um elem ento do passado ( flashback ) ou do futuro ( flashforward ) da trama é revelado, sob a forma de lembrança, especulação ou simplesmente como uma interferência na narrativa “presente”. É um recurso poderoso quando usado sabiam ente, e que a plateia conhece bem . Conduta de

risco (Toy Gilroy, 2007) começa com uns bons quinze minutos de flashforward : a empresa frenética na calada da noite, a ligação para Michael Clayton (George

Referências

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