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Há dois anos estou como bibliotecário- chefe da Biblioteca Central do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de editor-chefe da Revista Biblioo

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Academic year: 2023

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"Sei que os bibliotecários precisam se afirmar enquanto profissionais, mas não vão conseguir isso sendo corporativistas, lutando exclusivamente pela reserva

de mercado. É preciso ir além, sair do lugar comum"

Francisco de Paula Araújo, mais conhecido como Chico de Paula, é bibliotecário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formado em Direito e mestre em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, editor chefe da Revista Biblioo e um profissional engajado, que luta pela valorização das bibliotecas no Brasil. Nesta entrevista, Chico nos conta sobre as diversas barreiras que teve que enfrentar ao longo de sua trajetória profissional.

1Escrito por Carolina Fraga, Marília Augusta de Freitas e Raphael Cavalcante.

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Quem é Chico de Paula?

Sou um maranhense de Lago da Pedra, uma cidade do interior do estado, onde os meus pais se abrigaram definitivamente no início da década de 1970, após uma sucessão de idas e vindas do Ceará, fugindo das intermináveis secas. Morando há 16 anos no Rio, sofrendo todas as agruras que um retirante nordestino pode enfrentar numa cidade como essa, consegui me tornar bibliotecário, bacharel em Direito e mestre em Políticas Públicas, sempre estudando em boas universidades públicas. Há dois anos estou como bibliotecário- chefe da Biblioteca Central do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de editor-chefe da Revista Biblioo.

O que o levou a escolher a profissão de bibliotecário?

Como a maioria absoluta dos profissionais dessa área, cai de paraquedas na Biblioteconomia. Até pouco antes de escolher a carreira, em 2004, eu sequer sabia que se tinha de fazer uma faculdade para ser bibliotecário. Eu vim de uma realidade, no interior do Maranhão, onde as bibliotecas inexistiam, o que explica, em grande medida, minha ignorância, à época, em relação a isso.

Como surgiu a ideia da Revista Biblioo?

Em 2010 um grupo de estudantes de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), de onde eu havia saído um ano antes, pensou uma revista que pudesse ao mesmo tempo falar com os bibliotecários, mas também dialogar com outros públicos.

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Antes da revista se materializar, eu fui convidado a participar da empreitada. Daí, fizemos uma série de reuniões durante mais ou menos um ano esboçando o projeto da publicação que deveria se chamar Cultura B.

Só que antes do primeiro número ir ao ar, em junho de 2011, convidamos a Hanna Gledyz, hoje editora de criação da Biblioo, a ingressar no projeto nos emprestando o nome do seu blog, ou seja, Biblioo.

Daí seguimos em frente e estamos hoje partindo para o quinto anos da publicação já com 46 edições publicadas e mais dois cadernos especiais.

Ser editor de uma Revista é um trabalho que te traz satisfações?

Na verdade é minha maior satisfação. Como digo a amigos, eu sou um jornalista frustrado, pois essa carreira sempre foi minha primeira opção.

Cursar Biblioteconomia e Direito foram acidentes de percursos. Acidentes de percurso muito satisfatórios, diga-se de passagem. A função de editor da Biblioo me satisfaz mais que tudo que faço.

Você respondeu um processo disciplinar por parte do Conselho Regional de Biblioteconomia da 7ª Região2 (CRB7) por conta da publicação de uma charge na Revista Biblioo3. Como isso afetou sua vida profissional? Na sua opinião, quais são os limites da liberdade de expressão na Internet?

2 O CRB7 abrange o estado do Rio de Janeiro.

3 Ver charge em: https://biblioo.cartacapital.com.br/charge-edicao-10/. Acesso em: 8 jan. 2020.

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O processo me afetou por demais, negativamente, nos primeiros dias. Passar por um processo, mesmo que seja no âmbito administrativo, como esse, é sempre péssimo. Mas no final me senti fortalecido, pois, embora o CRB7 tenha estado contra mim, me condenando por unanimidade, a classe me apoiou.

Recebi manifestações de apreço e apoio de todo o país. O Briquet de Lemos, no dia 12 de março de 2013, dia do bibliotecário, proferiu uma palestra em Brasília e no final deixou um recado em meu apoio. O que mais lamentei nesta história foi saber que ainda se é perseguido no Brasil em função do que se fala.

Em relação à liberdade de expressão na era de internet, mais do que nunca se exige diligência. A internet potencializou a possibilidade de se “falar” o que se pensa, uma vez que a comunicação exige hoje muito menos recurso para se atingir um público amplo. Isso fez que com que pessoas despreparadas se aventurassem no jornalismo, desprezando os preceitos mais básicos como, por exemplo, o de verificar a fonte da informação. Verificar a fonte da informação, a propósito, é algo que parece unir bibliotecários e jornalistas. Sobre este tema tenho estudado bastante, algo que deve resultar em um livro até o início do ano que vem.

Agora uma coisa curiosa que tenho observado é o seguinte: como existem muitas mentiras na internet, estamos chegando a um momento em que as pessoas estão começando a ficar preocupadas na hora de compartilhar algo, ou tecer alguma opinião sobre uma informação que recebem, pois muitas vezes elas se vêm traídas pela sua displicência, sua despreocupação de verificar se quem compartilhou aquilo é confiável e se a informação procede. Isso pode indicar o início de um processo de amadurecimento na relação com esse fantástico instrumento de comunicação que é rede mundial de computadores.

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Você é considerado um bibliotecário engajado, que participa de movimentos em prol das bibliotecas públicas.

Como você vê a situação dessas bibliotecas hoje no Brasil? Você acha que os profissionais bibliotecários estão mais engajados nessas causas?

Recentemente publiquei um texto na Biblioo4 no qual eu dizia que

da mesma forma que não abolimos a monarquia após a independência; do mesmo modo que proclamamos a República ao largo dos verdadeiros republicanos; da mesma maneira que abolimos formalmente a escravidão, sem abolí-la de fato, poderemos “superar” as bibliotecas sem sequer as termos realizado. Cito uma a fala de uma professora que disse, em entrevista ao jornal O Globo5, que a biblioteca física ainda é importante, mas agora não se pode mais dizer que é essencial, uma vez que os estudantes “preferem bibliotecas virtuais”.

Como podemos dizer que a biblioteca física não é essencial se não tivemos, ao longo da nossa história, o prazer de conhecê-la plenamente? A biblioteca física tem um aspecto simbólico que não pode ser ignorado, e uma função socializadora que não é possível no mundo virtual, onde cada um pode ser o que quiser na frente da tela de seu computador.

4 Disponível em: https://biblioo.cartacapital.com.br/o-que-falta-para-as-bibliotecas-se-realizarem- de-fato-no-brasil/. Acesso em: 8 jan. 2020.

5 Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/censo-65-das-escolas-brasileiras- nao-tem-biblioteca-12594751. Acesso em: 8 jan. 2020.

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Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasil Leitor (IBL) e divulgado esta semana pela Revista Crescer6 comprovou o que o nós, bibliotecários, já sabemos há tempos, ou seja, que o acesso de crianças a bibliotecas contribui em diversas áreas do desenvolvimento.

No artigo que publiquei na Biblioo eu digo também que a implementação de bibliotecas no Brasil tem esbarrado quase sempre na ignorância dos gestores locais. Em geral – e olha que eu conheço bem o interior do Brasil – esses gestores são quase sempre pouco afeitos à leitura e ao conhecimento e demasiadamente apegados ao poder político. Por isso, não dá para esperar muito por desses sujeitos.

Recentemente, você participou do Movimento Abre Biblioteca Rio, em prol das bibliotecas públicas do Rio de Janeiro. Fale um pouco desse movimento, dos desafios e das conquistas que tiveram.

O Abre Biblioteca Rio é um movimento que nasce de uma afronta específica, que foi a redução dos dias e horários de atendimento das Bibliotecas- Parques do Estado. Mas o movimento também nasce com a missão de lutar pela garantia e manutenção das bibliotecas públicas, que já vinha sendo feito por este movimento no estado do Amazonas onde se logrou o êxito da abertura da biblioteca estadual que já se encontrava fechada há anos.

No Rio nós realizamos uma manifestação em maio em frente à Biblioteca-Parque do Estado no Centro do Rio. Depois de nossa intervenção a Biblioteca voltou a abrir

6 Disponível em: https://biblioo.cartacapital.com.br/bibliotecas-ajudam-as-criancas-a-alcancar- niveis-superiores-de-aprendizado/. Acesso em: 8 jan. 2020.

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aos sábados e estendeu o horário de atendimento em uma hora durante a semana.

Embora eles neguem, nós sabemos que essas medidas só foram tomadas por conta da mobilização dos bibliotecários e de outros entusiastas das bibliotecas, dos livros e da leitura aglutinados em torno desse movimento.

Isso só demostra como a mobilização não pode ser desprezada.

Nesses anos de profissão, qual foi o maior desafio que você encontrou?

Sem dúvida alguma o maior desafio é convencer os gestores da importância da biblioteca. Mesmo na universidade, que é a realidade que vivo diariamente, as pessoas que têm o poder de determinar os investimentos quase nunca lembram da biblioteca. Assim, é necessário que, sempre que possível, estejamos participando das deliberações das instâncias de decisão, como é o caso dos órgãos superiores das universidades. Os bibliotecários precisam estar nos Consunis7 da vida para se fazerem ouvir.

Qual sua visão sobre a profissão de bibliotecário atualmente?

Minha visão oscila entre o ânimo e a descrença. Sei que os bibliotecários precisam se afirmar enquanto profissionais, mas não vão conseguir isso sendo corporativistas, lutando exclusivamente pela reserva de mercado. É preciso ir além, sair do lugar comum. Dou um exemplo de lugar comum: ler apenas teóricos da Biblioteconomia.

7 Conselhos Universitários.

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É preciso beber de outras fontes pra descobrir que nossa profissão é apenas um elemento na vastidão do mundo complexo em que vivemos.

Também defendo uma ideia rechaçada pela maioria dos colegas bibliotecários, uma ideia que não é nova, pois o Edson Nery da Fonseca já defendia há pelos menos 30 anos: que se abra a possibilidade de se tornar bibliotecário por meio da pós-graduação e não apenas da graduação, como se faz atualmente. E não venha me dizer que a legislação não permite. As leis estão aí para serem mudadas.

Alguma mensagem que você gostaria de deixar para os nossos leitores?

Sim. Que não me venha com esse papo de que “a categoria tem de se unir”. Eu quero é o dissenso, eu quero é o debate, pois só assim teremos a chance de amadurecer. Nada de eventos onde as pessoas só dizem maravilhas, como se a Biblioteconomia e as bibliotecas brasileiras não tivessem qualquer problema. Nós temos problemas por demais e eles não serão resolvidos nesse oba oba.

No mais, agradeço a oportunidade dada pela Revista da ABDF e parabéns pela iniciativa. Alguns bibliotecários de Brasília têm sido uma grande surpresa positiva pra mim nos últimos tempos.

Referências

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