FLOR DE XARAÉS: A FLOR DE MADEIRA PRODUZIDA EM MATO GROSSO DO SUL
Dayse Centurion da Silva (Bolsista CAPES – Universidade Anhanguera – UNIDERP – MS) daysecenturion@yahoo.com.br
Gilberto Luiz Alves (Orientador – Universidade Anhanguera – UNIDERP – MS)
gilbertoalves9@uol.com.br
Resumo
O artigo tem como objeto o produto denominado Flor de Xaraés, a flor de madeira produzida por Cláudia Castelão em Mato Grosso do Sul. O objetivo foi analisar a produção das peças artesanais que utilizam a Flor de Xaraés. O aporte teórico que norteia a pesquisa foi realizado a partir dos estudos de ALVES (2014) e MARX (1983). As fontes primárias consistiram em observações sistemáticas em situação de trabalho, realizadas por ocasião das visitas aos locais de trabalho da artesã, e de registros de imagens. As fontes secundárias foram obtidas em periódicos científicos, em consultas a sites, blogs, redes sociais e vídeos, incluindo obras referentes à historiografia do cerrado e ao artesanato. Como resultado constatou-se que a organização técnica do trabalho realizado no ateliê da artesã é de natureza manufatureira, pois incorporou a divisão de trabalho. As peças têm a função dominante de mercadorias e visam atender, sobretudo, à demanda gerada por turistas.
Palavras-chave: Artesanato, Organização Técnica do Trabalho, Manufatura, Mercado, Desenvolvimento Regional, Flor de Xaraés.
Introdução
O presente estudo tem por objeto o produto denominado Flor de Xaraés, a flor de madeira produzida por Cláudia Castelão em Mato Grosso do Sul. Seu objetivo foi analisar a produção das peças artesanais que utilizam a Flor de Xaraés, buscando apreender a relação entre essa forma de artesanato e o mercado.
Para Freitas (2011), a atividade artesanal está presente na rotina do homem desde os povos mais primitivos, efeito da necessidade que eles tinham de se alimentar, de se proteger e de se expressar.
O artesanato é uma atividade que está associada às etnias indígenas e a comunidades pouco integradas à dinâmica da vida na sociedade capitalista. Nesses casos, as técnicas de trabalho foram repassadas de geração para geração e continuam sendo marcas distintivas
desses grupos no ambiente social, econômico e cultural. O fazer artesanal tem a capacidade de acessar conhecimentos e sentimentos profundos e pode ser usado de diferentes formas na sociedade.
Ao longo da história, sobretudo antes de ser instaurada a sociedade capitalista, o artesão dominava o processo de trabalho tanto na esfera teórica quanto na prática. Conforme o papel que lhe fora atribuído pela divisão social do trabalho, realizava “atividade que exigia tanto os recursos do seu cérebro quanto a habilidade de suas mãos”. Daí ser apropriado dizer “que o artesão era um trabalhador qualificado” (ALVES, 2014, p. 50-86).
Tornou-se ameaça à sobrevivência do artesanato o fato de a sociedade capitalista impor a inovação e o desenvolvimento de novos instrumentos de produção visando à objetivação do trabalho, à maximização dos lucros e minimização do tempo gasto para produzir mercadorias.
A manufatura, que o substituiu, pode ser considerada uma forma evoluída de produção, pois ao incorporar a divisão do trabalho, desenvolveu uma nova força produtiva ligada ao caráter social do trabalho. A manufatura passou a produzir mais mercadorias com custos menores.
A Flor de Xaraés se desenvolveu enquanto artesanato induzido. Desde a origem tem à sua frente à artesã Cláudia Castelão. Segundo Pellegrini (2011, p. 87), “seus produtos representam a riqueza das lendas e tradições de Mato Grosso do Sul”. Conforme a própria artesã, suas peças tiveram origem no “envolvimento das pessoas com a beleza da Flor de Xaraés”. Na sua proposta a Flor de Xaraés encarnaria a beleza e a riqueza ambiental de Mato Grosso do Sul e, nessa condição, levaria seus atributos para as diversas regiões do país e, até mesmo, para a Europa e a América.
Claudia Castelão usou sua criação, de início, para atender a necessidade de subsistência familiar. Usando discurso que apela para a tradição cultural e a riqueza ambiental da região, construiu uma justificativa que a fez se consolidar no mercado e ser reconhecida como artesã empreendedora.
A base teórica deste estudo foi estabelecida a partir dos escritos de ALVES (2014) e MARX (1983).
Campo Grande, local da pesquisa é a capital do Estado de Mato Grosso do Sul. A cidade foi planejada em meio a uma vasta área verde, com ruas e avenidas largas bastante arborizadas.
O município de Campo Grande está situado no sul da região Centro Oeste do Brasil. Geograficamente, o município tem divisas fronteiriças com o Paraguai e a Bolívia. Localiza-se na latitude 24º47’25” Sul e longitude 50°35’34” Oeste (IBGE, 2010).
As práticas culturais em Campo Grande são marcadas pela diversidade de costumes e pela riqueza do artesanato, das artes visuais, da música e da gastronomia. Sua singularidade evidencia a herança deixada pelos índios, por povos europeus, sírio-libaneses, japoneses, paraguaios, bolivianos e pelos migrantes oriundos de outros Estados.
Peças artesanais podem ser encontradas em postos públicos, como a Casa do Artesão, a Praça dos Imigrantes e a Feira Central – Feirona, onde são comercializadas. Campo Grande é um dos maiores núcleos de artesanato do Estado.
As fontes secundárias foram constituídas por obras de FREITAS (2010), RIBEIRO (1997) e SEBRAE (2010). Para complementar o conjunto de informações empíricas foram consultados sites e blogs, redes sociais e obras de referência sobre artesanato, a exemplo de PELLEGRINI (2011).
Resultados e Discussão
O trabalho analisou a produção da Flor de Xaraés, a sua comercialização, a sua relação com a preservação da natureza, a precificação dos produtos e seu valor estético, como “vontade de beleza” (Darci Ribeiro, 1997, p. 150-160).
Desenvolvido pelas mãos da artesã Claudia Castelã, o artesanato com a Flor de Xaraés é resultado de muitas tentativas, ensaio e erro e perseverança. Segundo Pellegrini (2011), foi durante um dos hobbies da artesã, a pescaria, na planície alagável de Mato Grosso do Sul, Pantanal, que a artesã teve a inspiração necessária para o trabalho.
Sobre a matéria prima que utiliza a madeira, a artesã cria um clima de mistério. Seria segredo. Apenas afirma que “utiliza madeira de reflorestamento”. Dessa forma a artesã destaca a preocupação com o meio ambiente. Durante a pesquisa não foi possível verificar até que ponto essa preocupação é verdadeira, pois existe o “limite” do segredo.
Quanto à produção da Flor de Xaraés, Claudia Castelão é utilizada uma madeira especial para produção, mas maleável, e as fissuras e a própria cor do produto ajudam na construção da obra. “Testei muitos materiais, assim como a forma de trabalhar a madeira” (CASTELÃO. Apud PELLEGRINI, 2011, p. 89).
Apesar de a artesã associar a produção da Flor de Xaraés à conservação da natureza e assegurar que é uma expressão estética que humaniza as relações sociais e culturais, o certo é que a norteia a preocupação com a inserção no mercado. Seus produtos são comercializados no Brasil e no exterior.
Observou-se durante a pesquisa a preocupação da artesã de atribuir ao seu produto valor cultural e simbólico agregados aos seus aspectos artesanal e econômico.
Para ela, o valor simbólico de sua obra é imensurável. Contudo, para que gere renda, a artesã encara diariamente o desafio de quantificar financeiramente o valor de suas peças. Nesse processo, inúmeras são as variáveis influenciadoras que as encarecem ou barateiam: tempo de elaboração, complexidade das técnicas e fetiche atribuído pelos próprios turistas.
Segundo Pellegrini (2011), o comércio da Flor de Xaraés é bem intenso. Hoje as peças são vendidas em cerca de 40 pontos de vendas em todo o Brasil. Em Mato Grosso do Sul se destacam a Feira Central de Campo Grande e lojas na cidade de Bonito, polo turístico do Estado.
As peças de Claudia Castelão são comercializadas também em lojas de decoração, como a Le Lis Blanc e Tok & Stok. Verifica-se que, quando a conversa tende para o aspecto da comercialização, o foco econômico deixa em segundo plano a justificativa original. A marca tem Site e páginas no Facebook e Instagram.
Direcionados exclusivamente ao mercado, esvai-se a preocupação com sua articulação ao conjunto de práticas sociais usadas em sua justificativa. Ganha o primeiro plano sua condição de mercadorias direcionadas aos turistas.
Claudia Castelão desenvolve sua atividade produtiva incorporando a organização técnica do trabalho de natureza manufatureira. A manufatura ainda exige habilidade dos trabalhadores, pois estes realizam operações manuais, mesmo que parciais, que exigem destreza. Os instrumentos de trabalho ainda estão nas mãos dos trabalhadores. A divisão de trabalho é evidente, pois “as diferentes operações da produção artesanal” são realizadas por “trabalhadores particulares” submetidos a uma forma de organização social (MARX, 1983, p. 285).
Nas origens, sua atividade correspondia a um empreendimento familiar. Atualmente, a artesã possui uma equipe que desenvolve atividades complementares e articuladas entre si. As peças percorrem todas as etapas de fabricação envolvendo trabalhadores que as realizam num mesmo espaço comum, o “ateliê”. Nele, cinco pessoas realizam operações distintas sob a supervisão da artesã. Esses trabalhadores atuam coordenadamente em função das etapas do processo de produção das peças: a) desenho, no caso realizado pela própria artesã; b) laminação; c) modelagem; d) tingimento; e) montagem e f) distribuição. O trabalho conta ainda com serviços terceirizados para fabricação de peças em ferro e madeira.
Para dar acabamento às peças, segundo a artesã, são usados elementos da terra e da natureza Pantaneira, tais como osso, chifre bovino, couro de peixe e fios de buriti. Alega levar em conta, ainda, aromas da flora pantaneira e plantas do cerrado.
A artesã garante que divulga a história da origem da Flor de Xaraés e seu pertencimento ao Estado de Mato Grosso do Sul. Para tanto, ela usa uma Tag que acompanha todas as peças produzidas.
Quanto a lenda, Claudia faz questão que esteja junto com o produto, se não estiver, como o comprador saberá da origem do produto? A descrição da lenda sempre acompanha o produto adquirido. “Todo mundo fica encantado com a história. Quando eles a conhecem, você vê o brilho nos olhos e, se brilhou os olhos é porque chegou ao coração” (CASTELÃO. Apud PELLEGRINI, 2011, P.91).
Para garantir os direitos em relação à obra, a artesã patenteou a Flor de Xaraés em 2009 e recebeu o certificado do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Os direitos autorais foram registrados na Biblioteca Nacional, garantindo assim o seu pertencimento a Mato Grosso do Sul (PELLEGRINI, 2011, p. 89).
O artesanato induzido com características de atividade seriada e em grande escala, dominado pela informalidade de modelos e cores, visando atender às exigências do mercado, marca o trabalho da artista. Ela recebeu duas premiações no SEBRAE Top 100 de artesanato, que identifica e premia as melhores unidades produtoras de artesanato do Brasil (SEBRAE, 2010).
Conclusão
Através da análise realizada deve ser reconhecido que as peças produzidas com a Flor de Xaraés se viabilizaram no mercado e vêm se popularizando, seja em cidades de Mato Grosso do Sul, do Brasil e até mesmo em outros países.
Hoje a artesã agrega em seu ateliê um grupo de trabalhadores que devolvem etapas do processo produtivo, através da divisão de trabalho. Assim sua atividade passou a constituir uma pequena manufatura que assegura condições mínimas de renda aos envolvidos no processo de fabricação da Flor de Xaraés.
O produto em madeira tem aparência assemelhada às flores encontradas na natureza. Considerada Flor do Pantanal ela encanta por sua leveza.
A produção e, sobretudo, a comercialização da Flor de Xaraés contribuem para a divulgação do Pantanal de Mato Grosso do Sul. Permanecem em suspenso, pelo segredo imposto pela artesã, à questão referente à origem da matéria primária utilizada na produção das peças e sua relação com a preservação da natureza pantaneira.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio e financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES).
ALVES, G. L. Arte, artesanato e desenvolvimento regional: temas sul-mato-grossenses. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2014. 104p.
FREITAS, A. L. C. Design e artesanato: uma experiência de inserção da metodologia de projeto de produtos. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2010. 132p.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geográfica a e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociências. Acesso em: 19 de jul. 2020.
MARX, K. O Capital. Vol. I. Tomo I. Coleção Os economistas. Tradução Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1983.
PELLEGRINI, Fábio (org.). Vozes do artesanato. Campo Grande, MS: FCMS, 2011. 257p.
RIBEIRO, Darcy. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras. 1997. 536p.
SEBRAE. Termo de Referência: Atuação do Sistema SEBRAE no Artesanato. Brasília: SEBRAE, 2010. 66p.