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A legítima defesa como pressuposto de uso da força e da guerra no direito internacional

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

EMANOEL JOSÉ DE CARVALHO

A LEGÍTIMA DEFESA COMO PRESSUPOSTO DE USO DA FORÇA E DA GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL

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EMANOEL JOSÉ DE CARVALHO

A LEGÍTIMA DEFESA COMO PRESSUPOSTO DE USO DA FORÇA E DA GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

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Universidade Federal do Ceará Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

C331l Carvalho, Emanoel José de.

A legítima defesa como pressuposto de uso da força e da guerra no direito internacional / Emanoel José de Carvalho. – 2013.

70 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Internacional. Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Legítima defesa (Direito). 2. Direito Internacional. 3. Violência (Direito). 4. Guerra (Direito Internacional Público). I. Nepomuceno, Raul Carneiro (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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EMANOEL JOSÉ DE CARVALHO

DA LEGÍTIMA DEFESA COMO PRESSUPOSTO DE UTILIZAÇÃO DA FORÇA E DA GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

Aprovada em ____/____/_______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por tudo.

À minha família, base de tudo que sou, por meio de minha mãe, Judite, a quem dedico o presente trabalho como forma de homenageá-la por ter contribuído decisivamente para minha educação com seu amor e atenção. A meu pai, Manoel, por tudo que fez por mim. À meus irmãos Cláudio, Ana Cláudia e Carolina pelo exemplo e dedicação para minha vida.

À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, por meio de todos os seus professores e servidores que tanto contribuíram para o aprendizado do Direito em muitas gerações.

Ao meu professor orientador, Raul Carneiro Nepomuceno, pelo precioso auxílio e préstimos no desenvolvimento do presente trabalho monográfico, orientando decisivamente em todos os pontos.

Aos amigos que fiz na Faculdade, inúmeros e ao mesmo tempo únicos em todos os aspectos, que agradeço a convivência diária nesses anos de estudo.

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RESUMO

Esta monografia analisa os aspectos fáticos, teóricos e jurídicos do tratamento dado ao uso da força e da guerra como meio de resolução de conflitos e divergências na esfera internacional. Busca-se analisar o conceito de guerra justa como forma de legitimar a guerra. A legítima defesa é estudada como fundamento da guerra e do uso da força, em suas várias possibilidades, sobretudo em face de um mundo em que muitas formas de guerras estão juridicamente proscritas. Verifica-se como se encontra o atual tratamento jurídico dado à guerra, com preponderância ao disposto na Carta das Nações Unidas, em seu capítulo VII, em especial seu artigo 51, que prevê a possibilidade de legítima defesa para seus membros. Analisa-se, ao final, a modalidade mais polêmica de legítima defesa, a legítima defesa preventiva, com ênfase em seus casos concretos, narrando os incidentes históricos em que o argumento foi utilizado, muitas vezes em total desrespeito a verdade histórica. Aspectos históricos e doutrinários são utilizados ao longo do estudo, como forma de embasar as conclusões obtidas ao final do trabalho.

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ABSTRACT

This monograph examines the factual aspects, theoretical and legal treatment given to the use of force and war as a means of resolving conflicts and disagreements in the international sphere. Seeks to analyze the concept of just war as a way of legitimizing the war. Legitimate defense is studied as well as the foundation of war and use of force, in its various possibilities, especially in the face of a world in which many forms of wars then legally proscribed. It is as if the current legal treatment given to the war, with a preponderance of the provisions of the UN Charter, in Chapter VII, in particular Article 51 which provides for the possibility of self-defense for its members. Analyzes, the end, the most controversial form of self-self-defense, self defense preventive, with emphasis on their specific cases, narrating the historical incidents in which the argument was used often in total disregard to historical truth. Historical and doctrinal aspects are used throughout the study as a way to support the conclusions obtained at the end of the work.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO …... 11

2 DO FENÔMENO DA GUERRA …...…... 13

2.1 O que é a guerra…... 13

2.2 Breve análise da evolução histórica dos conflitos armados... 14

2.3 Do conceito de guerra justa... 18

3 DA JURIDICIDADE DA GUERRA... 27

3.1 As Convenções de Haia, o Pacto da Liga das Nações e o Pacto Briand-Kellogg.. 27

3.2 A guerra e o uso da força dentro da Carta da ONU: uma forma lícita e legal de uso... 31

3.3 A segurança coletiva …...…... 38

4 A LEGÍTIMA DEFESA COMO PERMISSIVO DE USO DA FORÇA E A ANÁLISE DE CASOS DE SUA POLÊMICA MOALIDADE PREVENTIVA... 40

4.1 O princípio da legítima defesa …... 40

4.1.1 Introdução …...40

4.1.2 A legítima defesa dentro da Carta da ONU …...44

4.1.3 A legítima defesa individual e a coletiva...46

4.2 A polêmica legítima defesa preventiva e uma análise de casos …...48

4.2.1 A legítima defesa preventiva …...48

4.2.2 Breve análise histórica de casos práticos …...51

4.2.2.1 Comentários sobre o caso do Caroline …...52

4.2.2.2 A invasão alemã da União Soviética …...53

4.2.2.3 A crise dos misseis em Cuba …...55

4.2.2.4 Ataque israelense ao reator nuclear iraquiano …...57

4.2.2.5 Ataque americano ao Iraque em 2003 …...59

5 CONCLUSÕES... 64

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1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais imemoriais a guerra assola a humanidade. Milhões de pessoas morreram por terem seu destino ligado a ela. Não que a guerra tenha levado a vida apenas de combatentes, muito pelo contrário, na Antiguidade povos inteiros encontravam seu fim numa luta, no século XX os bombardeios aéreos podiam matar mais civis que militares e desde 1945 o mundo teme que uma guerra possa impossibilitar eternamente a existência de vida na Terra.

Tamanha a magnitude desse ato de violência que o estudo dos conflitos humanos com uso da força não passou despercebido aos estudiosos. Inúmeros livros e obras foram escritas com a temática da guerra. A maioria, entretanto, foi enaltecendo feitos de exércitos e civilizações ou homenageando generais. Os próprios participantes usaram-na como forma de autopromoção e de aumentar sua grandeza em face à história, sinal de vaidade, a exemplo do que fez Júlio César ao narrar suas experiências na Gália, uma das fases mais sangrentas do expansionismo romano.

Fato tão antigo quanto a guerra é o desejo do homem de viver em sociedade, fugindo do estado de natureza e da guerra de todos contra todos, nas definições de Thomas Hobbes. A reunião de pessoas em torno de entes estatais começou daí. E foram estes entes que trouxeram para si o monopólio da força e definiram onde e como seriam travadas as guerras. Óbvio que por milênios essas guerras foram travadas por muitos para a vantagem de poucos.

Com o desenvolvimento das sociedades ficou claro que estas preferiam viver sob o império da lei e não do arbítrio. Regras claras, abstratas e gerais forma criadas, para regular não só condutas humanas, mas também condutas do Estado para com seus cidadãos, entre elas a liberdade dos chefes de Estado de irem à guerra para enriquecimento pessoal, busca da glória ou firmar-se no poder. Não que isso tenha acabado com os arbítrios, pois em pleno século XXI ainda se vê guerras por motivos mais dúbios. Porém, ante os meios de destruição criados, caso fosse dado a poucos a liberdade de decidir a guerra que se tinha no passado é possível que não houvesse mais humanos vivos.

A lei da guerra foi, desse modo, responsável por dar início a um ramo completamente novo do direito, o Direito Internacional Público, que teve início nas discussões que envolviam a paz e a guerra, tratados e pactos entre nações. Era o direito de guerra, direito de fazer a guerra e direito dentro da guerra.

Mas o avanço foi sentido também pelas classes menos favorecidas, que estavam na linha de frente dos combates. O direito previu normas em que os combatentes eram protegidos, como as normas de tratamento de prisioneiros de guerra ou de proibição de uso de armas químicas.

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quando a guerra pode ser tida como justa. Nomes como Hugo Grotius, Alberico Gentili e até mesmo Hans Kelsen participaram dessa discussão, cada um com uma teoria. Fato é que ao se avaliar a guerra em suas circunstâncias é que se sabe se ela é justa, mesmo que ilegal, ou se é injusta, ainda que legal.

Uma forma tida como legal tanto no Direito Internacional consuetudinário como no positivado é o caso de legítima defesa. Nessa situação entende-se que recorrer aos meios de força é também uma das formas mais justas de uso, pois ninguém entende que uma agressão não deva ou não possa ser repelida.

É em vista disso que o presente estudo pretende traçar uma linha de estudo da guerra, do direito de guerra em face do conceito de guerra justa, da análise normativa do uso da força dentro da Carta das Nações Unidas e do permissivo e caracterização dos atos de legítima defesa, avaliando, sobretudo com estudo de casos, a possibilidade da forma polêmica de legítima defesa preventiva.

No primeiro capítulo, “Do fenômeno da guerra” buscamos entender e explicar o que é a guerra e como pertence ao gênero de formas de uso da força na esfera internacional. Para tanto partimos da definição de guerra sem esquecer sua evolução ao longo dos milênios, terminando por buscar verificar o que se entende pelo conceito de guerra justa.

Logo em seguida, o segundo capítulo, “Da juridicidade da guerra” busca analisar as normas que, ao menos em tese, tentaram regular e normatizar o uso da violência e limitar o âmbito de abrangência dos conflitos, a exemplo do Pacto Briand-Kellogg que tentou proscrever a guerra das relações internacionais, limitado-a a poucas situações, como de legítima defesa. Dá-se enfase maior ao diploma normativo mais importante da atualidade para tanto, a Carta das Nações Unidas e seu regramento para atos de agressão.

No último capítulo analisa-se mais de perto o permissivo da legítima defesa, em seu conceito, suas modalidades e os critérios que a caracterizam, como os critérios de Webster. Presta-se, também, a análise da forma que atualmente, pós era Bush, está em descrédito mas ainda é bastante falada, a da legítima defesa preventiva. A forma de estudo para esmiuçar esta forma, por nós escolhida, é a análise de casos históricos, pois observamos que houve situações em que esta foi necessária e outras em que não passou de um engodo para encobrir outros interesses.

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2 DO FENÔMENO DA GUERRA

2.1 O que é a guerra

Embora todos conheçam o que se denomina por “guerra” achar uma definição exata que a contenha pode ser algo difícil. Isso porque definições costumam ser limitadoras e nunca preenchem todas as circunstâncias. No caso da guerra a definição fica difícil pois há guerras entre Estados, guerras civis, guerra naval, guerras de guerrilha, etc, sendo que agora toma corpo a chamada guerra contra o terrorismo.

A guerra é uma espécie do gênero uso da força nas relações políticas, geralmente no cenário internacional. O uso da força comporta uma série de espécies, até mesmo atos terroristas, que são usados com fito de alcançar um objetivo ou fazer valer sua vontade na esfera política entre nações.

O pensador da arte militar, o prussiano Carl von Clausewitz, dedicou o inicio de sua volumosa obra para explicar a natureza da guerra, dedicando o primeiro capítulo a tentar explicar o que era a guerra. De tudo o que escreveu, a passagem mais famosa é a que diz que a “guerra é uma simples continuação da política por outros meios” (2003, p. 27). John Keegan (2006, p. 18), também discorrendo sobre o que é a guerra, critica a simplicidade da proposição de Clausewitz, ao afirmar que “a guerra não é a continuação da política por outros meios. O mundo seria mais fácil de compreender se essa frase de Clausewitz fosse verdade”. Realmente, é limitar demais o conceito de guerra acreditar que o único motivo pelo qual ela ocorre é por questões políticas. Seria ignorar, por exemplo, as guerras religiosas ocorreram no século XVII e que ainda hoje ocorrem.

Mas o próprio Clausewitz afirmou que tentar definir guerra é algo difícil e pedante, por isso iria se limitar a sua essência, o duelo. O que muitos esquecem foi o que Clausewitz escreveu em outra definição de guerra, de caracterização muito mais útil, para quem “a guerra é pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”. Essa segunda definição é muito mais ampla e correta. A guerra envolve sempre violência, daí ser uma espécie de uso da força, mas também tem um fim, conseguir algo de que se tem vontade.

Reconhecendo que o termo guerra dá margem a uma série de problemas conceituais e que nenhuma definição sirva a todos os propósitos, Dinstein (2004, p. 21) se aventura a fazer a seguinte definição:

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realizada por pelo menos uma das partes do conflito.

Em várias de suas obras, Noberto Bobbio tenta entender o significado da guerra. Na sua Teoria Geral da Política (2000, p. 509) diz que por ser guerra termo antitético de paz é difícil entender uma sem compreender a outra. Em Dicionário de Política (1998, p. 571-573), ao buscar a definição, Bobbio cita a definição de vários, como Clausewitz e Bouthoul, para concluir que achar a definição é algo difícil e passar a analisar a guerra em suas causas e classificações.

Ante as muitas classificações e definições possíveis e ciente do problema enfrentado por muitos que buscar definir a guerra, ficaremos com as definições de Clausewitz, a segunda aqui citada e menos famosa, porém com alguns acréscimos, pois acreditamos que ela é aceitável não só para a guerra, mas para todos os atos de uso da força na esfera internacional, de modo que as expressões guerra e uso da força podem até mesmo se confundir, devido a dificuldade de se classificar a guerra, mas se saber que ela decorre do uso da força; e com o acréscimo da definição de Dinstein, sobretudo em seu status material, embora reconheçamos, sobretudo nos exemplos citados que a guerra no sentido formal é mais aceita, porém menos ampla.

2.2 Breve análise da evolução histórica dos conflitos armados

Desde os primórdios o homem faz a guerra. Acontecimento humano tão antigo quanto sua própria existência, a guerra evoluiu bastante ao longo de milênios, porém nunca perdeu sua característica clássica, a violência com resultado muitas vezes de mortes. Não há um único período da história em que não tenham sido travadas guerras. A história da humanidade está ligada à história da guerra, pois ela foi a responsável pelas alterações no poder dos povos e das civilizações. Nas últimas décadas, com o medo de uso das armas nucleares, praticamente não houve uma guerra direta entre grandes potências, mas o número de conflitos localizados e regionais nem por isso diminuiu.

É absolutamente impossível precisar quando e onde a guerra começou a ser adotada pelos povos humanos. Muito provavelmente remonta a tribos primitivas. Esses acontecimentos poderiam ser de extrema violência e brutalidade, já que a perda de grande número da população masculina era capaz de levar a extinção de uma tribo ou agrupamento humano, sendo que isso podia ocorrer em uma ou em poucas batalhas (ÁVILA; RANGEL, 2009, p. 34-35).

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Por volta do ano 1800 a.C. carruagens e arcos compostos começaram a ser usados, o que aumentou a velocidade do ataque e pôde propiciar o disparo ao invés do choque direto. Até 1200 a.C. as armas usadas eram de bronze, sendo superadas pelas armas de ferro, que geraram completa revolução, pois a abundância do ferro e a facilidade de sua fundição davam matéria-prima à armas que além de tudo ainda eram mais resistentes (ÁVILA; RANGEL, 2009, p. 38).

O Egito mantinha sua segurança, pondo-se protegido de conquistadores devido à sua geografia: no oeste o Saara; no leste a aridez separa o Nilo do Mar Vermelho; ameaças só passaram a vir do norte no segundo milênio antes de Cristo, quando foi montado pelos faraós um exército permanente, que também protegeu o sul. O exército permanente ainda era rudimentar, só passando a fazer uso de soldados com armadura muitos séculos depois de sua formação (KEEGAN, 2006, p. 179-181).

Na Grécia as cidades-estado viviam em guerra. Obras clássicas dos gregos, como a Ilíada e a Odisseia tem como pano de fundo guerras. Esparta era um estado com cultura voltada parte o mundo militar, com os homens devendo servir ao estado na guerra. Das muitas guerras no período se destacam as guerras médicas, contra os persas e a guerra do Peloponeso, entre 431 e 404 a.C, uma das principais responsáveis pelo declínio da civilização grega pelo esgotamento nas guerras.

Em Roma, o expansionismo foi a tônica. Suas legiões eram treinadas permanentemente e a disciplina era exigida em alto grau. A organização militar foi o principal responsável pela vitória romana no campo de batalha, que fez com que em pouco mais de um século a cidadezinha se torna-se soberana de grandes territórios (GILBERT, 2005, p. 26). A vitória sobre Cartago nas guerras púnicas deu a Roma o controle comercial do Mediterrâneo e as conquistas de César na Gália renderam grande número de escravos para o Império. O legionário romano era além de bem treinado bem armado também, fato que garantia a Roma a vitória sem necessitar superar o inimigo em números. Tiveram como inspiração inicial a falange grega, mas o passar do tempo fez com que a legião assume características próprias. O declínio da própria Roma é atribuído, entre outros fatores, a seu declínio militar, conforme informa Rangel e Ávila (2009, p. 44-45):

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exigia um dispêndio financeiro considerável. Nos séculos IV e V d.C., as ameaças bárbaras (hunos, visigodos, ostrogodos e vândalos), tanto internas quanto externas, foram responsáveis pela implosão do mundo romano. Dessa forma, a perda do moral romano, a falência econômica, que durante séculos foi sustentada pelas conquistas, as disputas políticas internas, as dissonâncias raciais e a inabilidade do exército ruíram com o império.

A queda de Roma fez com que os bárbaros que a invadiam se tornassem a força política da Europa pós-476 d.C. Os bárbaros que conquistaram a Europa eram sobretudo ligados à guerra, já que “sua organização social era estruturada, ligada e dependente da organização de seus exércitos” e os homens livres eram combatentes (MACEDO, 2006, p. 89). A guerra era um gênero de vida que levava à afirmação social e política (MACEDO, 2006, p. 89). A forma principal de combate por todo o período entre os nobres era pela cavalaria e com o avanço do feudalismo e seu modo de vida os castelos fortificados abrigavam a força militar. Essas fortificações eram estruturadas com três componentes para a defesa: a muralha, o fosso e a torre (KEEGAN, 2006, p. 191). Os castelos não estavam preparados para defender os nobres quando a pólvora começou a ser usado e canhões abriam brechas na estrutura dos castelos.

As cruzadas foram um movimento religioso, político, econômico que se baseou na ideia de que a cristandade deveria reconquistar os lugares sagrados em pose do Islã. Para tanto cavaleiros feudais deveriam ser enviados ao oriente para lutar pela reconquista. As batalhas no período das cruzadas se baseavam, sobretudo. em combates entre a cavalaria pesada europeia contra a cavalaria leve muçulmana. Pela facilidade de movimento e conhecimento do território os muçulmanos levaram a melhor. O ponto positivo das cruzadas não foi a questão militar em si, já que os europeus obtiveram vitórias efêmeras (FERNANDES, 2009, p. 126), mas a abertura comercial para o oriente e o declínio do feudalismo.

Após o século XV a Europa praticamente não tinha mais fortes traços feudais e intensificou-se a centralização política em Estados-nacionais. O uso da força deixou de pertencer ao senhores feudais e foi sendo monopolizado pelos príncipes, que possuíam exércitos nacionais ou de mercenários (KEEGAN, 2006, p. 301), proibindo que nobres possuíssem força militar autônoma.

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Sem dúvida, o mais importante resultado do final da guerra foi o surgimento de um sistema internacional de Estados. Estabelece-se um pressuposto de reciprocidades, um direito internacional com pactos regulando relações internacionais, com a livre navegação nos mares e a busca de não comprometimento do comércio e de civis na guerra. Os Estados deixam de sujeitar-se a normas morais externas a eles próprios e impõem uma lógica de dominação pragmática, que passou a ser conhecida desde então pela expressão “razão de Estado”. As relações internacionais são secularizadas, ou seja, estabelecidas em função do reconhecimento da soberania dos Estados, independentemente de sua confissão religiosa.

Toda a política moderna e contemporânea, baseada no reconhecimento da legitimidade dos Estados e na constituição de um conjunto político de nações que se reconhecem como parte de um sistema em que rege um direito internacional, deriva do modelo criado e formalizado a partir da Paz de Vestfália. (grifo nosso)

O fim do antigo regime, no final do XVIII com a Revolução Francesa, levou a uma mudança na guerra que ainda se originava de modelo da antiguidade. A partir dali a guerra foi um choque de massas e os Estados-nacionais buscavam o alistamento em todas as classes da população (MONDAINI, 2009, p. 200-201), entre os cidadãos, sem temer dar armas aos pobres. Foi o início do ideal de nacionalismo.

Napoleão Bonaparte obteve o predomínio político na Europa manuseando a nova forma de guerra. O exército revolucionário era composto de “soldados-cidadãos”, politizados, que se deslocava rápido, apoiada no fator surpresa, com eficiente combinação de artilharia pesada, cavalaria e infantaria (MONDAINI, 2009, p. 202-203). Apesar da coordenação eficiente no campo de batalha, os exércitos de Napoleão não resistiram ao erro de cálculo de suportar o inverno russo.

A guerra civil americana, assim como a guerra franco-prussiana, levaram a era industrial por completo ao campo de batalha. Melhoria na artilharia, transportes e ciência contribuíram para a conquista europeia pelo mundo (GILBERT, 2005, p. 180) e aumentaram o número de mortos nas batalhas.

A guerra de secessão foi traumática para os Estados Unidos. Uma guerra civil nos moldes industriais, em que se travou também uma luta por liberdade, e teve como um de seus principais resultados refletindo na ordem jurídica, nas Emendas 13º, 14º e 15º, que dispunham respectivamente que os negros eram livres, que todos os homens estavam equiparados em direitos e deveres e que o direito de voto era estendido a todos (MARTIN, 2009, p. 248-249). A guerra fortaleceu a união, que ainda pôde se expandir, tendo antecipado em décadas essas conquistas, que caso o Sul não tivesse sido derrotado não teriam sido possíveis no momento.

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americano, a revolução russa e, sobretudo, a instabilidade que conduziu o mundo para uma nova guerra duas décadas depois.

A Segunda Guerra Mundial foi a maior guerra da história. Dezenas de milhões de pessoas morreram por conta dela. O totalitarismo foi o principal responsável pelo desencadear da guerra. Os nazistas construíram campos de extermínio para matar em escala industrial. A guerra foi travada em grande número de territórios, na Europa, Ásia, África e o confronto de ideologias acontecia em todo o globo. Ao final o mundo estava dividido, temendo uma nova guerra e com duas superpotências dividindo o planeta em zonas de influência.

O avanço científico criou a bomba atômica que alterou, talvez mais que qualquer outra coisa na história, o planejamento de guerra. Por mais que a guerra fosse desejada, não poderia acontecer, pois levaria a uma destruição sem precedentes, podendo extinguir a humanidade. Realmente, desde 1945 até o momento nenhuma guerra entre grandes potências, que disponham de armas nucleares, foi travada.

A falta de confrontos diretos não impediu que a segunda metade do século XX fosse permeada de conflitos. As lutas pela descolonização e aquelas travadas dentro da luta ideológica da guerra fria trouxeram a morte para milhões, a exemplo da guerra da Coreia, do Vietnã e a invasão do Afeganistão pela União Soviética. Esses conflitos mostraram que a guerra travada por nações mais fracas, mas coesas e decididas, podem levar potências industriais a reconhecer a derrota pelo não vitória e esgotamento.

O fim da guerra fria não conduziu à paz. Logo no início dos anos de 1990 a guerra do Golfo assustou o mundo. O século XXI teve inicio com a perspectiva de novas guerras, como a do Iraque. Atualmente as discussões sobre o avanço tecnológico e legal da guerra envolve o uso de aviões não tripulados, os chamados drones. É a guerra tecnológica eu seu mais alto graus, impessoalizando os combates, como no exemplo de Eric Hobsbawm (2005, p. 57), de que “rapazes delicados, que certamente não teriam desejado enfiar uma baioneta na barriga de uma jovem aldeã grávida” podiam ser capazes, na nova era, de lançar uma bomba atômica.

Pode-se esperar que, assim como sempre existiu, a guerra continuará a existir se nada for feito para evitá-la eficientemente. O que se espera é que diminuam e que as grandes potências não façam outra guerra, que pode levar até mesmo a uma conflagração nuclear.

2.3 Do conceito de guerra justa

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como justa. Em praticamente todas as culturas, em todos os ordenamentos jurídicos, em todas as partes do mundo, matar é considerado crime. Salvo matar em nome da defesa da nação, do Estado, do grupo-tribo, etc.

Mesmo assim, o que faz esse matar diferente do outro? Um combatente não conhece seu oponente, somente o identificando como membro de uma coletividade dita como “inimiga”. É o matar para não ser morto, para proteger seus entes que não estão a lutar. Aqui não cabe analisar o ataque a inocentes, civis, melhor analisado como crime sim, crimes de guerra.

Mesmo intuitivamente, quando pensamos na história conseguimos identificar guerras tidas por justas para o conceito do homem médio. Os Aliados na Segunda Guerra Mundial que lutavam contra os nazistas são um exemplo disso.

Possivelmente os primeiros a falar em guerra justa foram os romanos. Era o “bellum justum” (guerra justa) em oposição ao “bellum injustum” (guerra injusta). A guerra justa era aquela cuja atribuição de sua declaração era conferida a um grupo especial de sacerdotes, denominados

fetiales. Cícero afirma que entre a guerra justa é precedida de notificação e declaração formal. Antes de começar a guerra, Roma deveria interpelar o oponente, com prazo para resposta, de modo que ele pudesse recompor o dano ou retirar a ofensa causada. Caso não obtivesse sucesso prévio e com autorização dos fetiales poderia haver guerra. (DINSTEIN, 2004, p. 87-88)

Na fase Republicana de Roma os fetiales tiveram sua influência reduzida. Deveriam apenas mostrar ao Senado que havia justa causa para a guerra, sendo que aos senadores é que era dada a decisão sobre iniciar a guerra. A guerra deixava de ter assento na religião e passava a ter fundamento político (LEITE NETO, 2009, p. 36). Em Roma a guerra seria justa se houvesse violação do território, violação pessoal ou insultuosa a embaixadores romanos, violação de tratado com Roma ou apoio ao inimigo por nação considerada inimiga de Roma (HUCK, 1996, p. 28 apud

LEITE NETO, 2009, p. 36).

O Direito Canônico e a Teologia cristã, no início, proibiu os cristãos de guerrear, já que o pacifismo fora pregado por Cristo. Quando se tornou religião oficial do Império houve uma mudança, de modo que os cristãos deveriam lutar sangue pelos imperadores. A base teológica para a aceitação da guerra se iniciou com Santo Agostinho, em sua obra De Civitate Dei, em que a guerra justa estava ligada a moral, mesmo considerando a guerra algo lamentável. (DINSTEIN, 2004, p. 89). De acordo com Santo Agostinho o homem sábio vai a guerra por culpa da parte adversa (1899,

apud LEITE NETO, 2009, P. 46):

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sábio, jamais guerra alguma haveria. É, na verdade, a iniquidade da parte adversa que impõe ao sábio que empreenda a guerra justa. Mas essa iniquidade, porque é dos homens, ao homem tem que ser dolorosa, mesmo que dela nenhuma necessidade de empreender a guerra nasça. (grifo nosso)

Posteriormente a Santo Agostinho e sua ligação de guerra com moral, temos que São Tomás de Aquino criou três regras para adequar como justa a guerra no mundo cristão medieval. Deveria ser conduzida por um príncipe, não por um particular; a causa deveria ser justa (Tomás de Aquino não se debruçou sobre o que seria justa nesse caso); e por último, o combatente deveria possuir os valores cristãos de bondade contra a maldade. (ÁVILA; RANGEL, 2009, p.113)

Durante a Idade Média e a constância de lutas privadas entre os cristãos fizeram com que a Igreja limitasse o uso da força, de modo que algumas pessoas, como mercadores ou clérigos fossem protegidos ou até mesmo que não houvesse lutas ente quintas-feiras e a segunda-feira pela manhã. (LEITE NETO, 2009, p. 49). Com as Cruzadas houve um abrandamento do conceito de guerra justa, pois usou-se a teoria da guerra justa, já que os combates não ocorriam mais dentro do mundo cristão.

O fim da Idade Média e o surgimento dos Estados nacionais deram origem ao Direito Internacional, sendo que os estudos iniciais sobre a relação entre Estados derivava da análise da guerra.

Durante o século XVI, Francisco de Vitória, espanhol, formulou uma teoria a respeito da guerra justa envolvendo os interesses da Espanha colonizadora na América. Para ele os indígenas não estavam a margem nem além da lei e a agressão europeia deveria partir de uma guerra justa. Como havia violado os interesses comerciais dos espanhóis e da expansão do cristianismo, deveriam ser combatidos em guerra sem nenhuma diferença do que se fossem cristãos. A guerra poderia ser justa tomando-se apenas um lado (DINSTEIN, 2004, p. 90-92). Fazia a ressalva, apenas, que a reação dos espanhóis deveria corresponder ao perigo representado a ofensividade indígena, criando a primeira ideia de proporcionalidade (ÁVILA; RANGEL, 2009, p.114). Para Francisco de Vitória o “direito das gentes é o Direito natural ou deriva do Direito natural” (apud LEITE NETO, 2009, p. 61). A corrente de pensamento de Vitória foi denominada de teológica.

Em comentário a obra de Thomas Franck, Fairness in International Law and Institutions, de 2002, Ávila e Rangel (2009, p. 114) nos dizem que a ideia de proporcionalidade foi construída em torno de soberania, sendo o item primordial que garante a justiça do ato. Não existindo poder superior ao do Estado soberano caberia a este declarar a guerra que achasse correta, sendo que “a justiça necessária para o conflito seria declarada, ao fim e ao cabo, pelo próprio interessado.”

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da América colonial poderiam ser plenamente justificadas, tomando-se até por base o direito natural, como uma resposta a violência dos indígenas, contra quem poderiam ser plenamente usadas as leis europeias.

A outra escola de pensamento do século XVI foi a humanista, tendo como um de seus fundadores e principais pensadores o jurista italiano Alberico Gentili. O avanço de Gentili foi afirmar que para os dois combatentes de uma guerra suas causas seriam justas e que caberia ao direito estabelecer formas de combate em que as partes poderiam ter segurança (ÁVILA; RANGEL, 2009, p.114). Ao avançar no tema do direito, Gentili afirma que o direito é o responsável pela legitimação, não devendo a teologia entrar nos assuntos políticos de maneira exagerada, devendo a razão ser sua base, nisso se opondo claramente aos teóricos da escola teológica, como Francisco de Vitória. Para Leite Neto (2009, p. 71):

O método sistemático gentiliano conjugava-se diretamente com uma exposição pré-moderna da matéria, com um estilo discursivo antigo. Mesmo na análise dos princípios mais gerais, GENTILI recorre a um método de exposição que Diego PANIZZA denominava tópico-dialético, com a análise tópica e a exposição de argumentos contrários e favoráveis a um determinado tema. A procura do consenso historicamente consolidado como método de legitimação dos princípios gerais o coloca na tradição pré-racionalista. Desse modo, aparece uma contradição entre a modernidade substancial de sua concepção de Direito das Gentes e o conservadorismo estrutural de seu método de investigação. Em O Direito da Guerra, GENTILI apresenta de fato um método sistemático, mas em um sentido tênue se comparado ao método racional-dedutivo grociano dos princípios gerais. Em GROTIUS, os argumentos têm a função de reforçar a correição do processo dedutivo do princípio ao caso concreto.

Não se dissociando do período histórico que vive, Gentili também aborda a questão da guerra a partir da lógica da soberania, afirmando que “guerra é a justa contenda de armas públicas” e a guerra deve ser feita pelo soberano; mesmo que tenha caráter religioso haverá causas divinas “como se o próprio Deus tivesse ordenado a guerra” (GENTILI, 2005, p. 61-93). Afirmando que seu fim último é a paz e que a guerra pode ser justa, ainda que de vingança ou ofensiva, Gentili põe como critério de justiça a defesa como um fim (GENTILI, 2005, p. 81-83). De acordo com o próprio Gentili (2005, p. 87)

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Após Gentili, o protestante Hugo Grotius fez mais avanços sobre o tema da guerra justa, também sob uma ótica secular e não religiosa. Tomou, novamente, por base a soberania estatal, definindo que por meio de suas ações seriam definidos o sistema internacional e o próprio Direito Internacional. Talvez por seu modo organizador e sistematizador dos princípios e doutrinas dos pensadores anteriores a ele seja dado a Grotius o título de “pai” do Direito Internacional. (LEITE NETO, 2009, p. 88). Ao fazer tal sistematização, Grotius afirma que se utiliza de filósofos e historiadores, mesmo que neles não confie plenamente pois podem servir a interesses do grupo que pertencem, mas que quando se observa que diferentes indivíduos, vivendo em diferentes épocas e lugares afirmam algo como praticamente igual tem-se por presunção que tal causa seja universal (GROTIUS, 2004, p. 56).

De acordo com o próprio Grotius (2004, p. 51) “estou convencido, pelas considerações que acabo de expor que existe um direito comum a todos os povos e que serve para a guerra e na guerra”. Para Miguel Reale, Grotius é um homem de transição, pois embora não tenha rompido completamente com a teologia medieval e a influência da escolástica tardia, avança em direção a modernidade ao enumerar princípios próprios destinados a dar autonomia própria ao Direito Natural (2000, apud LEITE NETO, 2009, p. 89).

Para Grotius há o Direito Natural e o Direito Voluntário. O autor passa grande parte da discussão sobre o que seria a guerra e a paz em sua obra “O Direito da Guerra e da Paz” discorrendo sobre ambos. O Direito Voluntário é assemelhado ao que hoje entendemos por Direito Positivo, tendo origem na vontade.

Já o Direito Natural seria aquele que, usando-se de reta razão, põe-se em conformidade com a natureza racional, deformidade mental ou necessidade moral, sendo proibido ou ordenado por Deus (GROTIUS, 2004, p. 79). Nesse ponto Grotius liga-se ao passado medieval, estabelecendo o Direito Natural como relacionado a vontade de Deus.

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Leite Neto (2009, p. 94) fala que o sistema de direito grociano é dualístico, entre o Direito Natural e o Direito Voluntário, sendo que ambos possuem origem humana e se distinguem através de uma proposição metodológica que os diferencia unicamente de acordo com a fonte, sendo a razão e sociabilidade se aplicam ao Direito Natural e a vontade dos homens e nações ao Direito Voluntário.

A partir dessas considerações, Grotius analisa “se às vezes a guerra pode ser justa”, denominando assim o segundo capítulo de seu livro “O Direito da Guerra e da Paz”. Isso já nos leva a pensar que para ele apenas um pequeno número de guerras poderiam ser justas. Para tanto nos diz que tanto o direito de natureza quanto o direito das gentes não se opõem à guerra, sendo que isso pode ser demonstrado pela história, pelo consenso e até mesmo pelas sagradas escrituras. Nesse último ponto, o autor começa citando argumentos contidos na Bíblia que seriam contrários ao uso da guerra para em seguida rebatê-los com argumentos também baseados no escrito sagrado, concluindo que “se Cristo tivesse tido a intenção de suprimir as penas capitais e o direito e o direito de guerra, ele se teria explicado em termos absolutamente claros e precisos, tendo em vista a importância e a novidade da coisa” (GROTIUS, 2004, p. 129).

Entre as avaliações de Grotius sobre a causa justa para usar a força, duas são bem atuais. A primeira seria quando se inicia a guerra para defender súditos ou cidadãos oprimidos de um outro Estado e que recebem tratamento cruel de um outro soberano. Essa ideia hoje seria vista como precursora da intervenção humanitária, quando um Estado ataca outro para defender direitos humanos, populações que são alvo do poder de um ente soberano e que por ela são marginalizadas. Como exemplo citamos o caso da intervenção no Kosovo, em 1999. A segunda causa justa com reflexos até hoje é a que garante ser legal a guerra defensiva feita para prevenir um ataque que venha de uma ameça presente e certa, naquilo que hoje é chamado doutrinariamente de legítima defesa antecipatória (LEITE NETO, 2009, p. 96-98). Sobre esta causa Grotius (2004, p. 304) diz:

O que dissemos até aqui sobre o direito de defender a própria pessoa e os próprios bens diz respeito sobretudo, na verdade, à guerra privada. Deve-se, contudo, aplicá-lo também à guerra pública, levando em consideração a diferença do assunto. Na guerra privada, de fato, o direito é como que momentâneo. […] Por isso lhes é permitido prevenir um ataque que não é atual, mas que pareça uma ameaça, mesmo distante; não diretamente, pois já falamos anteriormente que isso seria um ato injusto, mas indiretamente, punindo um crime que apenas começou, mas não se consumou ainda.

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causa” para a guerra e com a objetividade do Direito Internacional, pois tendo os Estados liberdade total de elaboração de suas políticas podem fazer a guerra independente de causa, desde que se aceite sua legitimidade (VATTEL, 2004, p. 4). De acordo com Leite Neto (2009, p. 103):

Vattel apresenta-se, com efeito, como um autor de transição entre o direito natural e o positivismo jurídico voluntarista ao distanciar Moral e Direito, retirar a importância da justiça das causas da guerra a atribuir uma muito superior importância às normas jus in bello como postura teórica de quem já constata as dificuldades de regulação jurídica do voluntarismo estatal. Ele não chega a rejeitar abertamente a noção de guerra justa, mas reduz ao extremo seu alcance, definindo-a em critérios puramente formais. As normas jurídicas internacionais devem enfatizar a regulação dos efeitos das condutas nos conflitos bélicos, e não as suas causas, o que constitui uma porta de entrada para uma concepção de Direito Internacional Público tolerante com o voluntarismo, cujo ápice se encontra na formulação hegeliana belicista do Direito Público Externo, refletida na realpolitik de Bismarck. (grifo nosso)

E é nessa realpolitik bismackiana que a lógica de poder se impõe muito mais que a justiça. Foi isso que fez com que Bismarck unifica-se a Alemanha, mas que não foi seguido por seus sucessores e deu origem à Primeira Guerra Mundial. Para Vattel o “equilíbrio de poder” surge porque nenhum Estado tem supremacia absoluta sobre os outros. Henry Kissinger (1999, p. 70) após citar Vattel diz que os “filósofos confundiam o resultado com a intenção” já que muitas guerra do século XVIII baseavam-se na lógica do poder, sem noção de ordem internacional ou justiça, no seu resultado. Os motivos do confronto, justos ou não, eram menos importantes, estando inseridos dentro das relações de poder real, ou seja, militares, entre os Estados. Cínico ou não, era muito mais baseado nesses fatores de poder que em qualquer outro fator que as relações entre Estados ocorria de fato.

A justiça da guerra para a teoria de Vattel está ligada a resposta à injuria de outro Estado, ao combate a esse desrespeito de direitos de um com relação ao outro, se tornando injusta a guerra em que não há injúria. Mesmo assim, apesar da lógica de poder, a guerra só deve ocorrer em último caso, depois que todos os outros caminhos deixem de se valer (VATTEL, 2004, p. 421-438). O que se observa é que Vattel representou a “transição da guerra justa decadente” (LEITE NETO, 2009, p. 112), do que seria o direito de fazer à guerra para o que passou a ser mais comum em regulações, o direito dentro da guerra, sem forte ligação com suas causas ou em busca da guerra justa.

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A guerra, para Kelsen, desemboca em situações relacionadas ao Direito Internacional. A primeira é aquela em que o ato não pode ser considerado delito nem sanção ou que se busque a razão ou a justiça do ato. Nesse caso se enquadram os Estados que não se comprometeram a não fazer a guerra, por exemplo por meio de tratados. Não desrespeitando lei alguma a guerra não está amparada pelo direito, nem positiva nem negativamente (apud LEITE NETO, 2009, p. 188-189).

O segundo caso é aquele em que a guerra esta abrangida pelo Direito. Assim, a guerra será um delito, por contrariar lei internacional, ou será uma sanção ao delito cometido. É no caso de guerra amparada pelo Direito que Kelsen faz sua concepção de guerra justa, sendo que o justo, nesse caso, é sinônimo de legal, jurídica (DINSTEIN, 2004, p. 95). A guerra seria uma sanção genérica ainda, possível pelo fato de o sistema internacional ser primitivo até aquele momento.

Segundo Dinstein a teoria de Kelsen sobre a guerra padece de três problemas, que o próprio Dinstein (2004, p. 94) nos conta:

Há, no entanto, três dificuldades ligadas à teoria de Kelsen. Em primeiro lugar, a guerra pode ser uma sanção ineficaz. A vitória na guerra é um contingente, não da certeza, mas da possibilidade, e um Estado fraco recorrendo a hostilidades contra um Estado forte está inclinado a viver uma experiência dolorosa e contraproducente. Em segundo lugar, na ausência de um fórum imparcial juridicamente competente para determinar se o mérito de uma guerra específica deve ser considerado uma sanção genuína, pode ser alegada a ilegalidade da guerra pelo oponente. Ele pode alegar que a guerra, em vez de se reduzir a uma sanção (uma legítima contraguerra), é, na verdade, não mais que um delito (uma guerra ilegal). Em terceiro lugar, como o delito original pode consistir numa conduta de violação do direito internacional (como, por exemplo, o não pagamento de um empréstimo), há uma grande possibilidade de haver desproporção entre o delito e a sanção. Em suma, a guerra sempre gera destruição e sofrimento inevitáveis e não pode ser contemplada como uma mera sanção a menos que justificada pela mais grave das provocações.

Kelsen não percebeu que a guerra não pode ser avaliada unicamente em compatível ou não com uma norma jurídica, sendo justa se for legal, mesmo que injusta moralmente. Nem que o aplicador da sanção também sofre, recebendo alguns danos, como a mortes de cidadãos. E que legitimidade especial teria o aplicador da sanção para perpetrá-la tão impunemente foram circunstâncias não pensadas por ele.

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do Direito, ilegal e ilegítima, pois não diferencia objetivos militares de não militares, impossível de ser abrangida por qualquer tipo de guerra nuclear justa.

O conceito de guerra justa passou, ao longo dos tempos, de uma ideia que buscava a justiça para outra que buscava unicamente a legalidade, de modo que o primeiro conceito, mais antigo, é também o mais estrito e, porque não dizer, mais correto. O respeito claro às leis internacionais e tratados pode trazer guerra justas do ponto de vista legal, mas injustas do ponto de vista moral, já que a lei pode prever tudo, desde que tenha validade para tanto. Por isso o Direito Internacional hodierno não consegue evitar as guerras, pois seu parâmetro não mais é o de justiça da causa, mas de legalidade da ação.

Com o fim da guerra fria e a diminuição da probabilidade de ocorrência de uma guerra nuclear, seguida pelo aumento no número de conflitos regionais e locais, a ideia de guerra justa deixou de ter um conceito uniforme ou um pensador em destaque. Entre as muitas definições encontramos algumas que repetem ou que repetem conceitos do passado. De maneira quase unânime vê-se que deve haver respeito à tradição das convenções de guerra e aos tratados internacionais, além de autorização da Organização das Nações Unidas, sendo a ação militar o último recurso, apenas permitido quando todos os outros meios de resolução de divergência de interesses não puderem obter resultado, além de total respeito aos civis, que devem ser poupados.

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3 DA JURIDICIDADE DA GUERRA

3.1 As Convenções de Haia, o Pacto da Liga das Nações e o Pacto Briand-Kellogg

Até o fim do século XIX os tratados e acordos que envolviam o assunto guerra ou conflitos armados diziam respeito, quase que em geral, sobre o fim de guerras que estavam sendo travadas, sobre a celebração da paz e seus termos ou sobre temas dos mais ligados a casos concretos em si, não vinculando em abstrato os signatários para eventos futuros. Havia liberdade quase total aos Estados sobre quando, como, em que circunstâncias e meio poderiam travar a guerra.

Após a guerra franco-prussiana de 1870, o acirramento das tensões europeias com o crescente militarismo e o mundo advindo do neocolonialismo europeu deram origem às Convenções de Paz de Haia de 1899 e 1907. Foram as primeiras limitações ao uso da força na esfera internacional em que o Direito criaria restrições aos signatários.

Nas Convenções ficou determinado aos signatários que antes de partir para o uso da força fariam todos os esforços em busca da paz, sempre que possível, entre eles a mediação de Estados escolhidos.1 Ao dizer em seu artigo 1º que os esforços em busca da paz deveriam ser buscados sempre que possível (“as far as possible”) fica a critério dos Estados a escolha entre buscar antes a paz por outros meios ou não.

Na Convenção de Haia de 18 de outubro de 1907 observa-se um avanço rumo à limitar os motivos de ir à guerra, proibindo que se fizesse a guerra como meio de cobrança de dívidas.2A limitação ao não uso da força em caso de dívidas não era absoluta, encontrava limites no caso de o Estador devedor recusar o caminho da arbitragem ou não cumprir a decisão arbitral. Apesar disso era um reconhecimento, ainda que incompleto, que não seria justo ceifar vidas unicamente por motivos financeiros.

As Convenções de Haia representaram, sem dúvida, avanços na limitação à guerra, na solução pacífica de controvérsias, além de terem sido pioneiras no retorno do jus ad bellum, desenvolvendo novas correntes para o direito de recorrer guerra e impulsionado a criação de novas leis internacionais que tratavam da legalidade da guerra, como o Pacto Briand-Kellogg. Não foram as Convenções suficientes para manter a paz e evitar a Primeira Guerra Mundial, tendo ficado para a história muito mais como um embrião dos escritos de legalidade e limitação dos conflitos armados.

1 Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/19th_century/hague01.asp> . Acesso em 10 de setembro de 2013 2 “Article 1º: The Contracting Powers agree not to have recourse to armed force for the recovery of contract debts

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A Primeira Guerra Mundial de 1914 à 1918 ficou conhecida na época como a “grande guerra”. Adveio de uma crise política e gerou um conflito militar que matou e feriu dezenas de milhões de pessoas. A ordem de grandeza da destruição seguida do colapso econômico seguinte e da Revolução Russa de 1917 fizeram com que os líderes das principais potências temessem o resultado de uma nova guerra que não teriam condições econômicas ou humanas de travar. Era consenso que o enorme poder dado aos chefes militares somado à despreocupação com que tratavam as baixas entre os combatentes fizeram com que a guerra assumisse as proporções que assumiu. Assim, ao fim da guerra havia a resolução de que deveriam criar instrumentos que evitassem outra grande guerra europeia.

Foi então que na Conferência de Paz de Versalhes foi criada a Liga das Nações, um organismo multinacional nos moldes e semelhança da atual Organização das Nações Unidas. O Pacto que deu origem à Liga tentou ser um limitador da soberania estatal ao estabelecer critérios de legalidade da guerra, indo mais longe que as Conferências de Haia. Assim como em Haia, ficou acordado que as disputas internacionais passariam pela arbitragem ou pelo crivo do conselho da Liga (artigos 12 e 13)3. Em seu artigo 11 o Pacto da Liga das Nações declara4:

Article 11:

1. Any war or threat of war, whether immediately affecting any of the Members of the League or not, is hereby declared a matter of concern to the whole League, and the League shall take any action that may be deemed wise and effectual to safeguard the peace of nations. In case any such emergency should arise the Secretary General shall on the request of any Member of the League forthwith summon a meeting of the Council.

2. It is also declared to be the friendly right of each Member of the League to bring to the attention of the Assembly or of the Council any circumstance whatever affecting international relations which threatens to disturb international peace or the good understanding between nations upon which peace depends.5

Assim, o que o Pacto previa era o Estado agressor estaria agredindo não só um membro da Liga, mas sua atitude a toda a Liga interessava. Não que isso significasse que toda a Liga responderia militarmente à agressão, mas que debateria a situação. Isso não dava garantia alguma de paz e a resposta militar seguiria, provavelmente, as mesmas linhas diplomática diretas anteriores, com negociações diretas entre os interessados.

O artigo 166 deixa bem claro que não haveria ação militar conjunta contra o agressor,

3 Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/20th_century/leagcov.asp> Acesso em 10 de setembro de 2013. 4 Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/20th_century/leagcov.asp> Acesso em 10 de setembro de 2013.

5 “1. Fica expressamente declarado que toda guerra ou ameaça de guerra, atinja diretamente ou não algum do membros da Sociedade, interessa a toda a Sociedade, e esta deve adotar as medidas apropriadas para salvaguardar eficazmente a paz das nações. Em tal caso, o Secretário geral convocará imediatamente o Conselho, a pedido de qualquer membro da Sociedade. 2. Fica, igualmente declarado que todo membro da Sociedade tem o direito de chamar a atenção da Assembleia ou do Conselho, a título amistoso para toda circunstância suscetível de atingir as relações internacionais e que ameace perturbar a paz ou a boa harmonia entre as nações, da qual a paz depende.” (tradução nossa)

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devendo esta ação se basear em romper imediatamente com o agressor todas as relações comerciais ou financeiras, a proibir todas as relações entre os nacionais dos membros e os do Estado que tiver rompido o Pacto e a fazer que sejam paralisadas todas as comunicações financeiras, comerciais ou pessoais entre os nacionais desse Estado e os de qualquer outro Estado que tivesse interesse na questão. Talvez um dos grandes erros do texto fosse que se o Conselho da Liga não conseguisse obter unanimidade em suas conclusões, os interessados poderiam tomar as atitudes que considerassem necessárias para fazer valer seu direito e o que considerassem justo (artigo 15, § 7º )7.

De acordo com Ávila e Rangel (2009, p. 121) sob o aspecto jurídico, o Pacto da Liga dividia as guerras em lícitas e ilícitas. As primeiras eram as de legítima defesa, as que defendiam direito exclusivo do Estado e as que não houvera solução por parte do conselho. Já as ilícitas abrangiam os casos de guerras de agressão e nos casos em que não se buscara solução pacífica, como no casos dos que buscavam arbitragem ou atendiam as recomendações unânimes do Conselho da Liga.

A liga das Nações não conseguiu manter a paz, não evitando a Segunda Guerra Mundial ou as agressões fascistas dos anos 30. Não conseguiu muito menos por questões políticas, como a não adesão dos Estados Unidos ao Pacto da Liga, do que por falhas em suas normas e sua aplicabilidade geral. Seu principal mérito, entretanto, foi aumentar as atenções sobre a legalidade da guerra e em seguir na busca pacífica de soluções para as controvérsias.

Saindo do âmbito da Liga das Nações, mas ainda sob influência da limitação ao recurso da guerra, foi assinado em 1928 o Pacto de Paris ou Tratado Geral para a Renúncia da Guerra como Instrumento de Política Nacional, mais conhecido como Pacto Briand-Kellogg, em referência aos ministros negociadores do lado americano e francês.

Talvez poucos acordos internacionais tivessem primado pela simplicidade e alcance de seu texto quanto o Pacto Briand-Kellogg. Prova disso é que o pacto restringia seu texto a apenas três artigos, sendo que o terceiro era de natureza técnica. O primeiro artigo condenava a guerra como meio de solução de controvérsias internacionais e que não devia ser utilizada como meio de política nacional de um Estado em relação à outros e o segundo artigo dizia que a solução da disputa de todos os conflitos devia ser procurada por meios pacíficos. Cabe ver a simplicidade do Pacto em seus dois primeiros artigos8:

Article 1:

The High Contracting Parties solemly declare in the names of their respective peoples that they condemn recourse to war for the solution of international controversies, and renounce it,

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as an instrument of national policy in their relations with one another.

Article 2:

The High Contracting Parties agree that the settlement or solution of all disputes or conflicts of whatever nature or of whatever origin they may be, which may arise among them, shall never be sought except by pacific means.

Pela primeira vez na história houve condenação ao uso da força em qualquer caso, sendo que o Pacto não previa casos em que a guerra poderia ser declarada legal. Saía-se da busca pela guerra justa ou do direito à guerra (jus in bellum) para uma ilegalidade total da guerra, um verdadeiro jus contra bellum.

Porém, de acordo com Dinstein (2004, p. 118-120), a guerra ainda se manteria legal, amparada pelo Direito, em três situações: primeiro nos casos de legítima defesa, de modo que se um Estado fizesse uso da guerra ao agredido não poderia usar mão de nada diferente da defesa, podendo contar com aliados para isso, numa situação de legítima defesa coletiva ao ataque; segundo no caso de guerra como meio de política internacional, já que o uso da força era proibido como meio de política nacional, sendo assegurado seu uso dentro da estrutura da Liga das Nações, por exemplo; e por último, a terceira situação era a de guerra entre os não signatários do Pacto Briand-Kellogg.

Henry Kissinger, avaliando o insucesso do Pacto Briand-Kellogg em manter a paz avalia o motivo a partir de uma lógica de poder, pois “o ineficaz Pacto Briand-Kellogg, de 1928, através do qual as nações renunciavam à guerra como meio de política, demonstrou os limites das restrições exclusivamente legais” (1999, p. 886). Assim, como o Pacto não tinha nenhum instrumento para garantir a paz e evitar a guerra continuava pouco eficaz. Nessa linha Leite Neto (2009, p. 115) comenta:

O Pacto Briand-Kellogg era um Tratado Geral de Renúncia da Guerra e impunha aos Estados a sua renúncia como forma de ação, declarando-a ilegal como instrumento de política nacional dos Estados em suas relações internacionais e banindo-a como forma de autoajuda à disposição dos Estados – e este é o grande mérito do Pacto. Estados Unidos e França, por meio dele, tentaram remover as deficiências explícitas do Pacto da Liga das Nações. Todavia, o Pacto Briand-Kellogg não foi muito efetivo, pois se havia uma disposição em tornar a guerra uma prática ilegal (a adesão de 63 partes contratantes entre 1928 e 1938 era até então um número recorde para a época), não havia, em contrapartida, um sistema de coerção institucionalizado por uma Organização Internacional com a finalidade de impor os princípios do Pacto quanto à proibição da guerra. Ademais, somente a modalidade de uso da força qualificada juridicamente havia sido proscrita. As outras continuavam permitidas. (grifo nosso)

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meio de política nacional; a proibição da guerra não levava em consideração toda a comunidade internacional, apenas os signatários; por último, medidas de força de características breves e limitadas não constavam de suas disposições.

É evidente que o Pacto Briand-Kellogg foi falho. Basta ver que apenas uma década depois de sua assinatura muitos de seus membros estavam em guerra entre si, travando a Segunda Guerra Mundial. O mérito do Pacto, porém, se encontra em estabelecer a paz como princípio máximo, sendo a proibição desta uma busca, apesar de não efetiva ainda. O entendimento reinante é que embora pouco se recorra atualmente aos ditames do Pacto, este ainda continua em vigor, já que não passou pelo processo de denúncia por parte dos signatários (MAGNOLI; BARBOSA, 2011, p. 350). O Pacto Briand-Kellogg tornou-se um principiológico dentro do Direito Internacional como proibidor da força como solução de desavenças internacionais.

3.2 A guerra e o uso da força dentro da Carta da ONU: uma forma lícita e legal de uso

O fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 fez com que o mundo, mais que em outros momentos históricos, percebe os aspectos negativos paras as sociedades que as lutas armadas poderiam trazer. O uso de armas nucleares e a destruição de regiões inteiras do mundo civilizado fez com que os planejadores temessem que uma nova guerra entre grandes potências desbocasse em milhões de mortos. A liga das Nações, instrumento anterior para assegurar a não ocorrência de uma grande guerra e a manutenção da paz, havia falhado.

Se até aquele momento nenhum Estado levara a sério organismos internacionais que receberiam uma parcela de sua soberania, depois de 1945 era aceitável que um organismo internacional tentasse resolver de forma pacífica os conflitos. Até porque o mundo pós-1945 vivia um momento mais complexo que o vivido no pós Primeira Guerra Mundial, em 1918, já que a recém-conquistada vitória sobre o nazi-fascismo não parecia ser suficiente para assegurar paz duradoura, com a rivalidade entre americanos e soviéticos.

Nesse clima e sob inspiração dos preceitos da Liga das Nações e do Pacto Briand-Kellogg foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). Um dos principais objetivos da ONU era a manutenção da paz. Prova disso é a leitura já das palavras iniciais do preâmbulo da Carta, que diz que os povos das Nações Unidas estavam resolvidos a “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”9A ONU olhava para o passado e para o futuro, afirmando que surgira em resposta às duas grandes guerras do século XX no período de apenas algumas décadas e ao desejo de evitar que

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dali em diante a ocorrência de uma terceira guerra daquelas.

Seu caráter universalista também era demonstrado, pois não se referia aos signatários da Carta, mas aos povos que integram as Nações Unidas. Como bem disse Leite Neto (2009, p. 119):

A Carta representa uma evolução uma evolução incontestável do Direito Internacional Público quanto à igualdade dos Estados como sujeitos de Direito. No começo do século XX, a igualdade entre Estados era restrita aos círculos europeu continental e anglo-saxônico. Atualmente, a igualdade dos Estados perante o Direito Internacional não é mais restrito às nações cristãs ou europeias nem às civilizadas; abarca todas as nações, independente da posição econômica ou política, desde que sejam pacíficas (amantes da paz). (grifos no original)

Dentro da legalidade da ONU não é possível um Estado agressor. Tal situação configuraria um pária na sociedade internacional, para o qual a igualdade não é estabelecida, pois sofrerá sanções determinadas pelos outros membros da igualdade, já que para pertencer à ONU os participante possuem a obrigação de buscar a solução pacífica de suas disputas.

Ainda nos objetivos traçados no preâmbulo, nos é dito que deverão se unir todos com o intuito de manter a paz e a segurança internacional, de modo que não se aceitaria o uso da força senão no interesse comum, mesmo sem explicar o que entende por interesse comum, afirmação que é repetida já no Artigo 1º, em que entre os propósitos da ONU está o de que as medidas devem ser tomadas “coletivamente” para “evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional” para que a paz não seja perturbada. A expressão guerra, usada como algo a ser prevenido já no preâmbulo, passa a ser evitada, preferindo ao máximo o uso de sinônimos ou expressões como “atos de agressão” e “ruptura da paz”10 de cunho também mais extenso e abrangente (REZEK, 2008, p. 374).

A solução das controvérsias deve tomar por base o Direito Internacional (Artigo 1º)11, de modo que a antiga forma de ação, pautada no interesse individual e no critério puramente nacional, em contraponto ao internacional, estava proibida. Para tanto, é dado ao Conselho de Segurança a incumbência de resguardar a paz:

Artigo 24:

1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles.

O Conselho de Segurança passa a ser o órgão que efetivamente é responsável pelas grandes

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decisões que são tomadas dentro da ONU. Pode ser considerado o órgão de cúpula se comparado ao à Assembleia Geral, na qual se fazem presentes todos os membros, com direito a um voto. Já o Conselho de Segurança é composto de quinze membros, sendo cinco permanentes com direito a veto sobre as deliberações e outros dez não permanentes, de caráter rotativo, sem direito a veto (artigo 23). Tal situação vista por uns como discriminatória e atentatória ao princípio da igualdade é vista por outros como necessária a manutenção da segurança, pois os membros com direito à veto, vencedores da Segunda Guerra agiriam como uma polícia internacional. Hans Morgenthau (2003, p. 869) critica tal desigualdade dentro de um sistema tido por igual:

Esse mecanismo permite ao Conselho de Segurança controlar indiretamente as funções da Assembleia Geral em matéria de importância política. Meramente por incluir um determinado tema em sua agenda, o Conselho de Segurança pode transformar a Assembleia Geral em uma sociedade de debates, que nem sequer dispõe do direito de expressar a sua opinião coletiva sobre a matéria.

Essa limitação das funções da Assembleia Geral conferiu às Nações Unidas uma personalidade fragmentada. […] Essa capacidade discricionária do Conselho de Segurança não constituiria algo sério, caso a Assembleia Geral fosse apenas um órgão consultivo, de representação limitada, e não o órgão representativo de virtualmente todos os países do mundo. Do modo como se encontra hoje, a distribuição de funções entre o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral é uma verdadeira monstruosidade constitucional. As Nações Unidas podem falar, com respeito ao mesmo assunto, com duas vozes distintas – a da Assembleia Geral e a do Conselho de Segurança –, e entre essas duas vozes não há qualquer conexão orgânica. (grifo nosso)

É difícil porém acreditar que um sistema de completa igualdade poderia ser responsável pela garantia da paz. Mais provável é que conduzisse a anarquia internacional. Obviamente o sistema da ONU de igualdade/desigualdade não é perfeito, com severas distinções entre membros excessivamente poderosos, com direito a veto, e os demais, conforme se observa, em excesso de distinção, quando um membro que sofreu uma ação preventiva ou coercitiva pode ter direitos e privilégios suspensos por recomendação do Conselho de Segurança, sendo que é do Conselho a prerrogativa de restabelecer o exercício dos direitos e privilégios suspensos (artigo 5º). Tais medidas deveriam ser da Assembleia Geral, por reunir todos os membros, de recomendação de qualquer membro, e não do Conselho de Segurança, com seus quinze membros. Outro exemplo é o que ocorre quando o Conselho de Segurança estiver exercendo suas funções em situação ou controvérsia, não pode a Assembleia Geral fazer-lhe qualquer recomendação (artigo 12), mesmo sendo esta a representante da totalidade.

Mas não é possível haver total igualdade no plano fático quando se pensa em um Estado que representa dezenas ou centenas de milhões de pessoas, tem uma economia expandida e forças armadas poderosas em face de outro que não passaria de uma minúscula ilha semi-despovoada.

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devem ser resolvidas por meios pacíficos, de modo que os membros devem evitar a ameça ou o uso da força (artigo 2º). À palavra “força” não foi seguido o termo “armada” ou “militar”, de modo que podia-se entendê-la também como econômica ou política, tal qual proposta rejeitada do Estado brasileiro, tendo sido consolidada a interpretação restritiva, para a qual força no texto do artigo 2º refere-se apenas à força militar, armada (LEITE NETO, 2009, p. 125).

Para assegurar seus princípios, os membros da ONU devem dar assistência quando houver ação de acordo com as decisões da ONU, se abstendo de apoiar, da mesma forma, aquele Estado contra o qual a decisão da ONU se imponha (artigo 2º, 5). Qualquer ação coordenada pelas Nações Unidas contaria com força maior que a vontade soberana do Estado membro, impossibilitando de apoiar ato contrário à decisão colegiada das Nações Unidas, mesmo que tenha interesse direto na causa.

Poderia gerar preocupação a leitura errônea do artigo 2º, 6, da Carta da ONU que diz que a ONU estará apta a fazer “com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais”12A impressão que é dada é que, com fito de fazer garantir a paz, a ONU poderia ser usada como meio de imposição de vontade a Estado não membro. Isso porém nunca aconteceu desde 1945, já que a enorme divisão de vontades dentro da Organização, aliada ao fato de que praticamente todos os Estados buscam fazer parte da Organização, que exige para ingresso que os interessados sejam amantes da paz e aceitem cumprir as obrigações contidas na Carta, não fizeram necessária a aplicação distorcida da regra.

Aderir à Carta da ONU faz com que o novo Estado-membro passe a dispor de garantias, mas também de obrigações. Devem se submeter, tal qual cláusula de adesão, incontestável e irrecorrível, ao que o Conselho de Segurança deliberar, não só concordando em aceitar, mas também em executar as decisões deste (artigo 25). Essa limitação à vontade nacional é vista quando, por exemplo, um membro tem de suportar o ônus de receber inspetores de armas químicas em seu território, tal qual aconteceu com o Iraque em 2002.

O Capítulo VII da Carta das Nações Unidas se dedica efetivamente a regulamentação do uso da força no Direito Internacional Público hodierno. Sob o título de “Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão” mais uma vez evita o termo “guerra”. O capítulo conta com treze artigos, indo do artigo 39 (ameaça e manutenção da paz) até o artigo 51 (legítima defesa).

Ao Conselho de Segurança é que é dado a discricionariedade se houve ameaça ou ruptura da paz ou ato de agressão e o que deve ser feito para que se restabeleça a paz no cenário mundial (artigo 39). Para efetivar a busca da paz e de maneira inicial, pode o Conselho convidar os

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