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Memória, identidade e oralidade: considerações em torno do carnaval negro da Bahia

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(1)

M e m ó r i a ,

i d e n t i d a d e

e o r a l i d a d e :

c o n s i d e r a ç õ e s e m t o r n o d o c a r n a v a l n e g r o d a B a h i a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(1974-1993)

Franck Ribard

Universidade Federal do Ceará

RESUMO:

Este ensaio propõe algumas reflexões sobre a relação entre noções como identidade, etnicidade, memória social, tradição, oralidade e expressão cultural, a partir do estudo do carnaval negro de Salvador da Bahia (Brasil). O foco da observação se concentra no período 19741

1993, romando como objeto principal de análise as implicações ligadas ao desenvolvimento do que foi chamado de "Movimento Afro-Baiano". Nosso interesse busca entender as modalidades da dinâmica de tradição Imudança presentes nas expressões e manifestações culturais do carnaval negro. Nesta perspectiva devemos insistir no ponto de articulação de diferentes dimensões e aspectos da realidade social e racial baiana. A cultura tradicional afro-baiana, a evolução do discurso e da consciência étnica, os contextos político e carnavalesco do período representam alguns dos elementos que privilegiamos na argumentação.

PALAVRAS-CHAVE:

Ernicidade, Memória, Carnaval.

RESUMt.:

Cet essai propose quelques réflexions sur Ia relation entre notions comme identité, ethnicité, mémoire sociale, tradition, oralité et expression culturelle, élaborées àpartir de lérude du carnaval noir de Salvador de Bahia (Brésil). Le centre de l ' observation se concentre sur Ia période 1974/1993, prenant comme objet principal danalyse les implications liées au développement de ce qui fur appelé "Mouvernenr Afro-Bahianais", Norre intérêr cherche à

comprendre les modalités de Ia dynamique rradirion/changernenr, présentes dans les expressions er les manifestations culturelles du carnaval noir. Dans cerre perspecrive, nous devons insister sur le point darticulation entre différentes dimensions er aspects de Ia realité sociale et "raciale" bahianaise. La culture rradirionnelle afro-bahianaise, l ' évolution du discours et de Ia conscience erhnique, les contextes poli tique et carnavalesque de Ia période représentent certains des élérnenrs que nous privilégions dans notre argumentation. MOTS-CLt.S:

Erhniciré, Mémoire, Carnaval.

(2)

o

carnaval, verdadeira instituição e cartão-postal brasileiro

incontornável, é o motivo de infinitos comentários, discussões e representações

que, no fogo da paixão ou na seriedade da análise acadêmica, soam como o

eco das infinitas possibilidades de projeção e de participação, linguagens,

códigos, símbolos e de níveis de experiência individual e coletiva que

possibilitam os desenvolvimentos localizados dessa festa.

Portanto, longe de querer propor uma definição abrangente, de

arriscar observações sobre a natureza ou sobre uma suposta e muito

problemática essência deste espaço polissêmico, consideramos como mais

pertinente e proveitoso nos determos a uma análise circunstanciada,

enfocando dimensões e aspectos da realidade vivida que só podem ser

ent~ndidos se "re-situados" num determinado contexto, histórico, político,

soclOcultural, econômico ...

Nesta perspectiva, o objetivo principal do artigo é refletir, a partir de

alguns marcos, sobre elementos como a relação entre expressões culturais

negras I e carnaval em Salvador, abordados em diferentes períodos, mas

privilegiando o recorte 1974-1993 que corresponde, de um lado, ao movimento

que foi chamado de reafricanizaçã02 do carnaval e, do outro, ao momento de

sistematização da profissionalização/privatizaçã03 deste espaço festivo.

Tentaremos concentrar nossa observação nas implicações decorrentes

da relação estabelecida entre duas séries de fatores presentes no mundo

carnavalesco: existência de uma memória social, coletiva, identificada como

negra, afro-baiana e o "investimento" reafirmado, a "continuidade" da

presença de manifestações e de experiências coletivas negras baseadas nos

princípios definidos no conjunto coerente" Ritmo(percussão)/Canto/Dança.

Trata-se, então, de discutir o lugar e a importância das modalidades da

participação coletiva negra no carnaval baiano em relação a noções como:

referencial cultural, memória social, identidade/etnicidade. Nossa

preocupação, nesse sentido, não é de efetuar uma genealogia dos elementos

culturais negros presentes no carnaval, nem de associar de maneira direta e

não problematizada esses elementos à existência de uma identidade negra.

De fato, nossa proposta tenta se aproximar dos significados que envolvem a

afirmação cultural e idenritãria, destacando esta configuração de elementos

culturais negros "tradicionais" (percussão, ritmos, dança) que vão estruturar

as formas específicas e os discursos presentes no carnaval afro-baiano.

Por isso, e sem querer esgotar a questão, deveremos primeiro

examinar algumas tendências e características do carnaval baiano, nos

permitindo, em particular, entender as lógicas de participação e de projeção

do mundo afro-baiano no espaço da festa.

ALGUMAS OBSERVAÇOES SOBRE O CARNAVAL DA BAHIA

Como já enfatizamos, existem inúmeras maneiras d.e

.ibordar e de colocar em perspectiva o universo carnavalesco.

O

campo m~ls

.rbrangente dos estudos sobre a festa revela, em si, uma profusão d~ teonas

privilegiando, na análise, aspectos diferentes, mas que de manelr~ .ger~~

oncordam em destacar o caráter universal e "fora do tempo do cotidiano

que singularizariam essa dimensão fundamental da vida das so~iedades.

eixaremos de lado tal debate teórico para apenas ressaltar que consideramos

o carnaval como um espaço envolvendo significações e associado a visões

diferentes, ligadas aos atores, aos períodos históricos e a~s. "~omentos". em

que cada sociedade o engendra e estrutura. Do pressuposto mlcl~ que su?lmha

a importância fundamental da apreensão do carnaval em relaçao à SOCiedade

que produz e define o teor e a natureza desse espaço, e também o s!gnificado

e o sentido das manifestações, formas, mensagens e posturas que sao geradas

no seu seio, aparece uma outra proposição que nos leva ao contexto

privilegiado de nosso estudo, o carnaval de ~alvador ..O~j~gos de. forç~, os

embates e os conflitos diversos que caractenzam a dinâmica SOCialbaiana

dão origem às lutas - travadas, em particular, em nível simbólico, v:tor

essencial da comunicação festiva -, que vão estruturar o carnaval e que tem,

como um dos seus objetos centrais, a própria definição, conoração e o estatuto

simbólico das manifestações e expressões que o compõem.

Oúltimo ponto não nega a peculiaridade das dinâmicas envolvidas,

nem as possibilidades específicas que oferecem as linguagens desse "mo~ento

diferente" que permite uma abordagem, presente nas exp.ressões c~!etlvas~ e

um "tratamento" particular das relações de poder, dos conflitos e das q~estoes

quentes" que alimentam a realidade social, como a questão racial e a

problemática do negro na Bahia. .

O

caráter múltiplo das configurações possíveis no carnaval explica

em parte por que esse espaço, desde sua estruturação na sua forma ~oderna,

no final do séc.

XIX,

foi de maneira contínua e, apesar de contextos diferentes,

lugar de investimento, projeção, mobilização e visibilidade da comunidade

negra, das suas mensagens e das suas lógicas.. .

A possibilidade de grupos de negros, mais ou menos Importantes e

organizados, desfilar e ocupar a rua, fora do con.texto de manifestações ligadas

ao calendário católico (Bonfirn, ranchos, reisados), surge, é claro, pelo

investimento e pela conquista dos espaços por parte da festa ~egra que teve a

capacidade de impor, de uma certa maneira, a sua própria definIçã~ da nat~reza

(3)

Para mim, isso se deve ao fato de que o que está em jogo, nesse

processo (além de outras dimensões), é o próprio questionamento do estatuto

simbólico da cultura e da identidade negra, no seio da sociedade global. Esse

fato é deliberadamente acentuado pela postura das entidades afro que, por

exemplo, a partir do período 1975-80, se projetam no Carnaval de maneira

muito "realista", empregando um tom de "afirmaçãolreivindicação/denúncia"

que foge e se confronta com a definição clássica do carnaval como "tempo

da brincadeira", da inversão, do disfarce ...

É que o carnaval abre, de maneira diferente e seguindo modos e

graus diversos, a possibilidade de uma participação negra articulada. Essa

participação perpassa a cidade como um todo, mas a dimensão que vai nos

interessar é o fato de ela, vinda da periferia, estar se projetando e "disputando"

os espaços centrais, oficiais e tradicionais da cidade (Pelourinho, Sé, Castro

Alves, Campo Grande). Dependendo dos períodos, as entidades negras aparecem

em interação direta com outros segmentos da população, mais abastados e se

autodenominando de elite, como na década de 1980; ou, às vezes, em paralelo,

em alternância' ou se justapondo em determinados espaços, como na baixa

dos Sapateiros ou nos bairros adjacentes ao centro (Tororó, Liberdade), quando, na primeira década do século XX, os poderes públicos, depois do processo de

"africanização" do carnaval do final do séc. XIX, retomam violentamente o

controle da festa das ruas do centro da cidade (ver, por exemplo, o código de posturas de 1905 que proíbe os "candomblés de rua"),

Assim, o carnaval, enquanto contexto de interação generalizada da

sociedade (mesmo se esta dimensão sofre variações segundo as

temporalidades), induz significados e implicações particulares para os sujeitos

sociais que participam das manifestações culturais negras, em relação, por

exemplo, a outros contextos: bairro, comunidade ...

Esse fato aparece claramente na virada do séc. XIX para o XX. O

"Grande Carnaval", celebração e projeção de uma determinada idéia de nação

e de civilização por parte dos poderes públicos e da elite da sociedade, pouco

a pouco, se encontra "sufocado" pela onda dos grupos, clubes uniformizados

ou batuques que tomam conta da festa6 e que afirmam outros pontos de vista

na sociedade através da conquista simbólica dos espaços centrais do carnaval.

No início da República, trata-se de uma afirmação ligada à experimentação

da visibilidade do negro e da sua problemática na sociedade que desemboca

numa "cidadania carnavalesca"," contrastando com o

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

s t a t u s q u o representado

pela assimetria das relações socioeconômicas e de trabalho, orientadas pela

polarização racial do período.

Além da dificuldade de controle da festa negra no evento que iria

(1 institucionalizado, como símbolo nacional, nos anos de 1930, e apesar

.111\ códigos de postura, podemos considerar que, na suas múltiplas vertentes

( s .nsibilidades, o "conjunto-coerente" afro-baiano ritmo(percussã?)/dançal

I.IlltO conseguiu manter, em graus diferentes, uma ,ca~acl~ade ~e

"encantamento" e de apropriação simbólica do espaço publico, ligada as

dinâmicas envolvidas por este tipo de celebração.

A presença contínua das manifestações negras ,no carnav~l de

"alvador, desde o final do século XIX, e mesmo nos penodos antenores,

quando ainda reinava o entrudo, até hoje, remete a lógicas e a valores

l'specíficos da festa negra. Por enquanto, parece-nos importante ressaltar o

papel, nesta perenidade, da importância simbólica das formas e dos valor.es

.ulturais que a comunidade negra vem reafirmando como sendo um~ matriz,

uma "porta de entrada" do universo e da visão de mundo afro-baiana. Os

.lementos culturais tradicionais aparecem não só como vetores e portadores

privilegiados das mensagens destinadas ao grupo, à com,~nid~de ,e ~os "outros"

segmentos da sociedade, mas também como um patnmolllo cultural

imaterial", uma tradição dinâmica que se reinventa através do processo de

criação, sempre aberta às influências e referências externas, m.as

representando, contudo, o marco da continuidade do Mundo negro na Bahia,

Neste aspecto, chegamos ao ponto de articulação entre dimensões

que apontam para a necessidade da referência e da consciên~ia ,de .uma

filiaçâo

que estabelece, como postulado prévio, a herança e a re~lsten.C1acultu~al e

identitária negra, afro-baiana (elemento fundamental da Identidade étmca~.

Mesmo assim as expressões e formas culturais devem ser capazes de garanur

a possibilidade de manter e conquistar espaços novos, no. carnaval, de :e

adaptar aos contextos e de serem pertinentes do ponto de vlSt~ d~ ~roduçao

dos discursos e das mensagens específicos a cada momento histórico. Indo

mais além, poderíamos dizer que as modificações, os arranjos rítmicos e

instrumentais, e as indumentárias que podem definir gêneros apresentados

como "novos" (afoxés nos anos 40, blocos afro8

e samba-reggae nos anos

1980 ...) não devem ser interpretados de maneira errônea. A modalidade da

reprodução da tradição é a mudança e

?

seu n:ov~mento revela u~a c:iação

contínua". Mais uma vez ressalta-se a ImportanCla da contextuallzaçao das

experiências ligadas a essas tradições para alcançar os seus ~erdadeiros

significados como podemos observar, rapidamente, nos dOIS exemplos

seguintes: .

_ No final dos anos de 1980 aparece, no bairro periférico de Caixa

d' Água, o bloco afro A l e r t a M e n t e N e g r a , que tem o mes~o pr~sidente, a

mesma sede e oriundo da mesma comunidade do afoxé mais antigo O l o r u n

(4)

B a b a M i .

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Em sua grande maioria, as pessoas do bairro saem nas duas entidades

que se apresentam alternadamenre no carnaval. A análise, a partir dos

depoimentos orais de membros dessas duas entidades, da aparição do bloco

afro que "nasce" do afoxé (o que não representa uma exceção), mostra a

adaptação ao contexto do carnaval como sendo um critério importante. O

bloco afro permite uma maior visibilidade e preservação dos espaços das

entidades no contexto conturbado, disputado do carnaval dos anos 80. Ele

possibilita também colocar as mensagens num contexto de intensificação da

afirmação identitária e étnica afro-baiana, com mais força e ênfase, aparecendo

como mais adaptado e suscetível, segundo Valdemar de Oliveira Santos, de

"agradar a galera mais jovem"!".

-Outro exemplo da relação entre tradição e recriação remete

à

organização, em 1979, do afoxé F i l h o s d o C o n g o , criado por Nadinho do

Congo, antigo componente do bloco afro l l ê A i y êll •Ele, tempo depois da

formação do seu grupo, descobre que existiu, nos anos de 1940, um afoxé,

muito conhecido na época, que se chamava C o n g o d a Á fr i c a e depois F i l h o s

d o C o n g o ' " . Entrando em processo de resgate de informações sobre o antigo

afoxé, Nadinho encontra pessoas que participaram daquele grupo e as convida

para conhecer a nova entidade em perspectiva, como ele mesmo fala, de

"conservar a cultura das origens"!". Vemos, no exemplo, a importância ligada

à legitimidade que confere a noção de filiação no âmbito maior da tradição,

mesmo que seja, como neste caso, apenas simbólica.

Portanto, aparece como essencial o fato de poder analisar as

dinâmicas de tradição/mudança em relação às dimensões internas

(consciência e estratégias identitárias, interesses, objetivos, "modas" ... ) e

externas (contexto político, econômico, globalização, acesso ao mercado ... )

que definem a conjuntura da comunidade, do carnaval e da sociedade. Assim,

de um lado, a tradição aparece como a garantia de uma legitimidade, da

perenidade da identidade e da "luta-resistência" do negro, e, de um outro, a

recriação dos gêneros, ou dos temas de carnaval que mudam a cada ano, se

ajustam aos contextos específicos e às necessidades do "novo" e da regeneração

das energias, associadas de maneira clássica ao carnaval.

Articulando-se com este referencial fundamental da origem comum,

da raça negra e de uma herança cultural que reverencia a Mãe Africa, como marco simbólico máximo da memória coletiva, e ponto de partida da trajetória

errante, o discurso afro, em particular, no espaço carnavalesco, expressa,

reivindica e sublinha a dimensão idiossincrática da experiência e da celebração

individual e coletiva, ligadas

à

"festa negra" que passa a encarnar e simbolizar

a identidade e a memória afro-baiana.

ARNAVAL AFRO-BAlANO E FESTA NEGRA

A nossa hipótese, observando as modalidades e as energias produzidas

pela celebração carnavalesca negra, aponta para uma de~~ição desse espaço

como proporcionando uma experiência específica, poslclo~a~do-se ~o~o

"outra", diferente, e que encontra, dentro do quadro de referência das loglcas

e da visão de mundo afro, um sentido total. Essa celebração se baseia em

princípios e modalidades que permitem a articulação, a correspondêncial4

com dimensões essenciais de um determinado "modo de ser": a memória

social e coletiva, a comunidade, a tradição, a religião. Para nós, esses

elementos vividos e exibidos dentro do contexto de interação do carnaval

representam a base do processo de construção de uma consciência e de uma

afirmação identitária e étnica. Nesse sentido, parece importante ressaltar a

perenidade e talvez a constância de certos princípios e lógicas defin.idos p:lo

que chamei, no início do ensaio, de conjunto coerente d~s malllfesta?~es

negras (dimensão tradicional recriada), elemento central d~ Impacto político

e simbólico representado pela presença, no centro da Cidade, e pelo que

chamamos de "encantamento do espaço".

Tal configuração remete a princípios que envolvem e expressam

uma consciência do "existir" e do "viver" que fazem da experiência da

participação um marco forte da memória social e coletiva, inscrita nos corpos,

nos cantos, nos gestos e nos passos que ritualizam o espaço e transcendem a

contingência social, temporal da vida quotidiana, instaurando através de

conexões simbólicas e de dimensões modais do ritmo e da voz, uma

comunicação e uma "ordem" específicas que nos aparecem como valores

fundadores de identidade. Identidade afirmada, seduzindo, conquistando o

espaço, fazendo-se visível para o outro. A perenidade do c:r~ter .centr.aI da

celebração e da festa negra, em relação a noções como memona e identidade

coletiva, aparece claramente ligada à força da tradição oral na cultura

afro-baiana. Além do mais, podemos pensar que a fragmentação constante dos

núcleos familiares e das linhagens africanas ou afro-brasileiras durante o

período da escravidão, impedindo processos de transmissão de u~a mem~ria

familiar ou grupal, reforçou o papel fundamental das celebraç~es colet~vas

nas dinâmicas de identificação e de (re)-elaboração de memónas coletivas

negras e fez delas uma das características princip~is d: cul~ura afro-baian:.

Examinando agora a estrutura do refendo conjunto coerente,

privilegiamos, dentro de outras possibilidades, a noção de ritmo que se

apresenta como um dado, um motor, uma matriz f~ndamental a partir da

(5)

vão se articular. Essas outras dimensões representam, segundo o nosso ponto

de vista, modalidades diversas e complementares de uma mesma experiência:

viver e ser o ritmo.

A importância dada a esta noção revela a ligação, que mereceria

uma problernatização mais desenvolvida, com as lógicas e valores oriundos

da visão de mundo e da noção de experiência individual e coletiva, ligadas à

esfera do candomblé.

As várias dimensões do ritmo

Destacando o ritmo nos desfiles e nas manifestações carnavalescas

negras da Bahia, e privilegiando o último quarto do séc. XX, aparece, em

primeiro lugar, a sua ligação com a percussão, organizada coletivamente no

conjunto da bateria, que pode ser de natureza ou de origem diversas (em

última instância à mão), mas que, "batida", não deixa de criar o movimento

primeiro IS. O ritmo é o "movimento instaurado" pelas percussões que

"marcam" a natureza do espaço-tempo, do momento vivido, da própria

experiência orientada pelas dinâmicas coletivas, integrando a dimensão da

consciência cultural, identitária e da memória corporal. Nessa ritualização

do espaço-tempo, o ritmo aparece como um reflexo direto da natureza e do

universo, a partir do qual o grupo, em sintonia, encontra-se em contato com

a "fonte da força", sinônimo de vida, num momento baseado na comunhão,

na sincronia e na coesão instintiva dos corpos. O ritmo representa então a

delimitação e a definição de um espaço-tempo em conexão com as cadências

do universo, abrindo assim a possibilidade de uma experiência que revela

um caráter atemporal e, ao mesmo tempo, mítico. Como dizia Bastide;"

''As cadências interiores da alma musical e religiosa do negro são ao mesmo

tempo o reflexo destas cadências exteriores, e a sua organização ritual".

Encontramos aqui a convergência de lógicas oriundas do mundo afro-baiano,

das suas características próprias e do espaço carnavalesco, muitas vezes descrito

como o espaço das margens, situado num determinado período das fases

lunares e solares" permitindo, através da restauração momentânea do "tempo

mítico e primordial"!", a sucessão dos ciclos. Esta conjunção pode aparecer

como um dos fatores explicarivos da "eficácia" das manifestações negras no

Carnaval baiano.

De outra maneira, o ritmo -nos seus acentos diferentes, na atuação

e na atualização constante das figuras rítmicas pelos grupos, bandas, batuques, charangas, blocos e baterias- expressa também identidades diferentes. Existem

referências e mensagens específicas ligadas não só à configuração própria de

lada um desses "modos" de organização coletiva, mas também a

irredutibilidade de cada um dos pólos de integração corporificando o grupo

.m movimento. Cada entidade afro tem a sua "linha" e o seu "toque"

predileto, se inserindo no panorama rico e diversificado das expressões e

das entidades negras que inreragern, rivalizam, lutam e, às vezes, entram em

conflito entre elas, como o fazem os indivíduos que as compõem.

Os ritmos afro constituem portas de entrada de um universo

imbólico onde constatamos a influência deterrninante de princípios ligados

ao universo e à visão de mundo do candomblé. Mesmo quando se trata de

outros ritmos, além daqueles oriundos diretamente da esfera do sagrado,

como o Ijexá (sempre "arranjados" e estilizados em relação as suas formas

originais, "puras", ligadas ao sagrado), parece-me que eles são integrados

num referencial comum.

A dança que se expressa nas alas do desfile das entidades afro, como

os blocos afro ou os afoxés, segue basicamente a mesma lógica. Baseando-se

nos passos estilizados do candomblé (às vezes da capoeira ou do maculelê),

ela contribui para o encantamento do espaço através da relação com o ritmo'? ,

da capacidade que o gesto tem de simbolizar e da referência implícita ao

mundo do sagrado. A dança afro coloca em movimento a estruturaçâo do

tempo que representa o ritmo. Mais do que isso, ela é o ritmo em si ~ue

?

faz

viver e irradiar através da sincronização e da simbiose das pulsações mtenores

dos bailarinos, veiculadas e mesmo sublimadas nos movimentos dos corpos.

Estes remetem sempre a um sentido, a um conteúdo simbólico, não

necessariamente de um ponto de vista objetivo, consciente e intelectualizado,

mas, sobretudo, em relação ao saber intuitivo e imediato do corpo, formado

e educado na repetição e na aprendizagem dos atos que ilustram o que Muniz

Sodré chama de "memória mítica fundamental'?". Nesta hora, lembramos

Paul Zumthor que, ao analisar a dança em outro contexto, escrevia que ela

representa o "sentimento difuso da ritualidade do universo'?' .

Consideradas do ponto de vista da comunicação, a consciência

individual e grupal destas dinâmicas fazem da participação nesses espaços

uma experiência, foco da atualização/transmissão de uma memória social

vivida e veiculada pelos corpos. De fato, " ... um laço vivo existe, nas

profundezas antropológicas, entre formas rítmicas e formas mernoriais'?".

Vale ressaltar, claro, que não se trata de uma definição do carnaval

negro como espaço do sagrado, mas de um espaço onde observamos a

manutenção de lógicas, princípios, valores, símbolos oriundos do candomblé

(em particular no caso dos afoxés). Tais elementos, inclusive, são

instrumentalizados e definidos como marcadores de uma diferença e de

(6)

uma força espiritual na construção da afirmação e do discurso identitário e

étnico desses grupos. Vemos então como as manifestações negras do carnaval

permitem, no período que nos interessa (1974-1993), a transmissão e a

identificação, em torno desses referenciais, em relação a um conjunto

populacional que não necessariamente freqüenta o candomblé.

ETNICIDADE E MEMÓRIA NEGRA NO CARNAVAL BAIANO

Além dos elementos apresentados, devemos enfatizar, no mesmo

período, a existência de outras dimensões que vão no sentido da manutenção/

reelaboração de uma memória e de uma identidade coletiva afro-baianas.

Um marco importante das dinâmicas que nos interessam é

representado pela aparição - pem plena ditadura militar, no carnaval de 1974,

e num clima pesado e de expectativa quanto à reação dos poderes públicos e

de espanto da sociedade cuja imprensa, nos dias seguintes, se fez eco- do

primeiro bloco afro,

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I l ê A i y ê , afirmando e valorizando uma identidade e uma

estética afro-baiana. Este primeiro passo iria abrir, nos anos 80, com a

redemocratização, um movimento de multiplicação de grupos iniciando uma

"reafricanização" do carnaval.

Contextualizando rapidamente (mereceria outras extensões) o evento

e a possibilidade deste tipo de expressão baseada numa afirmação em torno

da "raça negra", devemos salientar a influência de movimentos que chegam

ao conhecimento da comunidade negra de Salvador no período, como o

"black power" e o "black is beautiful", os o u !e ofo n k americano e

brasileiro,"

os movimentos de libertação de países africanos (Moçambique, Angola,

Guiné- Bissau ..) .24

A nova postura é marcada, em particular, pela construção de discursos

e narrativas que aparecem nos temas carnavalescos dos blocos afro e afoxés

e que denunciarão a situação do negro na Bahia e no Brasil. Além de enfatizar

a elaboração de um referencial mítico-cultural muito abrangente, permitindo

a consciência negra de poder se orientar em torno da concepção de um

Mundo Negro mundial através, por exemplo, da referência aos "povos-irmãos"

da África (Senegal, Madagascar, Costa do Marfim ... ) e da diáspora

afro-americana (Cuba, Jamaica ) e aos heróis negros (Marley, Malcolm x, Hailé

Selassié, Nelson Mandela ), apresentados como verdadeiros símbolos e

modelos étnicos.

A análise deste processo mostra as possibilidades simbólicas que

oferece o referencial em relação à construção de um discurso de auto-afirmação,

de uma consciência e de uma mobilização em torno de uma ernicidade"

afro-baiana. Esquematicamente, podemos observar que ele permite reverter o

quadro simbólico de referência das relações raciais na B~a, tr:rns~or~ando

a relação assimétrica grupo minoritário (comunidade afro-baiana dlscnmtnada~1 sociedade global (Brasil), em uma outra configuração mais favorável que poderia

ser: comunidade afro-baiana (fazendo parte do Mundo Negro)

1

país do terceiro

mundo (Brasil). Além disso, na perspectiva de nosso raciocínio, aparece como

importante do ponto de vista da legitimação da id~~tidad~ afro-baiana: e da

mobilização negra em torno dela, o processo de realce de uma ongeml

destino comum que se destaca nas canções de temas carnavalescos onde um

sujeito coletivo (a entidade carnavalesca negra: O l o d u m , M a l ê D e b a l ê , I l ê A ~ ê . . . )

"visitá' um povo, uma nação, uma civilização africana que ele reverencia, se

esforçando para estabelecer um "parentesco simbólico"."

Apesar do caráter de "bricolagem"27 cultural e identitário, a elaboração

desse referencial e o processo de identificação que ele proporcionou em

nível da comunidade afro-baiana nos remetem a elementos que se inscrevem

no processo de reelaboração da memória social ~ coletiva a~ro-ba.iana dos

anos 80. Este exemplo nos possibilita enxergar a ltgação estreita existente, a

ser problematizada dentro de determinados contextos, entre as dinâmicas

identitárias e a manutenção da memória coletiva.

Insistindo sobre a importância de colocar em perspectiva o contexto

que ajuda a entender as implicações e os parâmetros determinantes das

dinâmicas que acabamos de descrever de maneira sucinta, queremos agora

focalizar nossa atenção em direção à dimensão processual que contribuirá

para a percepção da especificidade das modalidades dessas expressões

carnavalescas negras dos blocos afro nos anos 1980.

De fato, ao observarmos, de forma mais ampla, o período

19701

1990, vemos a existência de vários tipos de entidades carnavalescas negras

baseadas em modos organizacionais e em registros rítmico-musicais muito

próximos que vão representar momentos diferentes da afirmação e da postura

identitária e étnica no carnaval.

Em primeiro lugar, nas décadas de

60/70,

momento do

fortalecimento dos trios num carnaval então dominado pelo "folião pipocá',

destacam-se os blocos de índios, baseados na figura do índio americano já

presente na indumentária desse folião e mostrando a forte influência dos

filmes de far-west. Os blocos, muitas vezes oriundos das antigas escolas de

samba em decadência, vão chegar a reunir mais de 3.000 componentes

negros ( A p a c h e s d o T o r o r ó , C o m a n c b e s d o P e l ô ... ) . A afirmação, neste caso,. é

uma demonstração da força, da revolta, da resistência secular e da valentia.

(7)

serão muito temidos no carnaval com os seus machados, até o ano de 1977,

auge da repressão policial contra essas entidades, chegando a prender 120

integrantes do bloco

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A p a c h e s d o T o r o r ó . Um deles nunca reapareceu.ê"

Assistimos então à reconfiguração progressiva do discurso e da postura dos

blocos de índios que passam a se apresentar enfatizando a figura de "índios

da paz".

Podemos ver, nesses grupos, a afirmação em torno do índio que

catalisa, no contexto da época, os valores de uma identidade negra que não

tem ainda condição de se assumir como tal. A utilização de um

"outro-mesmo",29 o povo índio americano (povo discriminado, mas resistindo à

opressão ... ), permite a experimentação de organizações carnavalescas negras

de grande porte, "toleráveis" no contexto político daquele momento. A

mobilização, em particular, dos contingentes jovens da comunidade negra

em torno de uma postura "radical", no contexto da sociedade global,

representa um índice interessante em relação ao processo de construção de

um discurso e de uma consciência étnica.

A criação dos blocos afro, no final da década de 70 e ainda mais nos

anos 80, aparece como o resultado do processo de transformação de numerosos

blocos de índio. Eles desenvolvem a etapa seguinte da afirmação identitária

e étnica através da apropriação de modalidade de autodefinição ou

endo-definição que se contrapõe àdefinição externa da categoria "negro", passando

a ser ultravalorizada, investida de novos valores ligados à força (resistência,

espiritualidade), à beleza (dança, indumentárias africanas, penteados) e à

ancestralidade (relação com a Mãe-África).

Fazendo homenagens, num primeiro momento, aos povos-irmãos

da África e da América, criando o que chamamos de referencial

mítico-cultural de um mundo negro universal, vemos, em segundo momento (final

80/início 90), uma reorientação dos discursos que se focalizam sobre a

valorização do próprio negro baiano ou brasileiro, de heróis históricos (Zumbi)

ou anônimos das comunidades da periferia, e que se concentram também

sobre a denúncia do "sistema" e a reivindicação de novos direitos para o

negro. Esta afirmação identitária negra proclamava, ainda, a capacidade de

mudar o quadro da situação do negro.

Trata-se, é claro, de uma visão esquemática e homogeneizadora,

cujas temporalidades sucessivas são teóricas e não dão conta da multiplicidade

das situações, visões, posturas diferentes das entidades afro, dos conflitos e

das rivalidades, e das diferenças de tamanho que existiram e existem ainda

no mundo afro do carnaval.

Porém o mais importante, para nós, é perceber como uma certa

strutura, baseada em princípios tradicionais das manifestações cu~turais

negras (ritmo-canto-dança), pela definição do espaço-temp~ e d~ .tlpO _de

experiência que tal estrutura consegue impor, permite não ~o a legltlm~çao,

mas também o impacto multiplicado da postura e .dos dlscur~os étnicos,

afirmando e se posicionando em relação a uma altendade valonzad~.

Neste nível e além da dimensão fundamental do ritmo (bateria) e da

dança que evocamos como marco fundamental da .expressão coleti:a

afro-baiana temos que acrescentar a dimensão essencial do canto (discurso/

narrativa), elemento também fortemente marcado pela tradiçã~ oral do

candomblé e vetor essencial na comunicação das mensagens, dos discursos e

das memórias, veiculados pelo "corpo coletivo" do bloco afro. A voz, :i~ração,

que atua fisicamente, constitui o meio privilegiad? da :ransmlssao, da

afirmação e da mobilização coletiva, garantindo, na aruculaçao com as outras

dimensões (ritmo e dança), o funcionamento "a pleno" do conjunto coerente

e da atuação no desfile.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Nossa breve caminhada no universo do carnaval negro na Bahia nos

conduziu a abordar vários momentos que certamente teriam merecido uma

contextualização mais abrangente. Pelo menos tivemos a oportunidade de

apontar certas questões que devemos agora retomar.

Mergulhando em alguns -aspectos da realidade carnav~l~sca

soteropolitana, tentamos enfatizar, dentro da relação entre m~mona e

identidade afro-baiana, a existência de vários níveis a serem considerados.

Nossa abordagem das manifestações e expressões culturais ne.gr~s,

privilegiando o enfoque de dimensões ligadas .ao coletiv~, teve_como objetivo

mostrar algumas das modalidades que permitem a articulação entre o que

poderíamos considerar a parte "sedimentada", tradicional ?u, pelo menos,

considerada como tal, de um patrimônio cultural que se Inscreve como o

garantidor da perenidade de uma memória coletiva, de um,a :'herança sagrada"

e também a sua manutenção e reconfiguração dentro delógicas que apontam

para a organização "circunstanciada" da produção de discursos ident~tários

e étnicos. Nesse movimento, que remete claramente

à

questao da

instrumentalização de determinados elementos avaliados como pertinentes

na interação social, emerge o relacionamento estreito q~: s~ o~era ~n~r~ as

noções de memória social, construção de uma consciencia identitãria e

etnicidade, consideradas no caso afro-baiano.

De fato,

(8)

[...] a forma como são geradas e compreendidas no seio de um dado grupo social as memórias do passado é um guia directo para sabermos qual a compreensão que o grupo tem da sua posição no presente; que com efeiro podemos quase não separar a memória social de uma análise do social e que, inversamente, uma análise da identidade social e da consciência podem tornar-se, se o investigador assim o quiser, numa análise de apercepções do passado.'

Vimos também a importância, no processo de avaliação das

dinâmicas consideradas, da abordagem do contexto específico que representa

o carnaval e das lógicas próprias à oralidade afro-baiana. Deste ponto de

vista, nosso estudo de caso aponta o caráter imperioso de uma concepção

aberta e abrangente do conceito de oral idade, capaz, através da articulação

com o que chamamos de visão de mundo das populações estudadas, de

poder alcançar, para os atores, os significados e o sentido dos fenômenos

colocados em perspectiva.

Nossa análise, deixando de lado períodos mais recentes (depois de

1990), não possibilitou a problematização de processos novos. A

"despolitização" dos discursos produzidos por entidades negras, que já

conquistaram espaços significativos no "mercado do carnaval", a

ultramediatização e mercantilização da "indústria do carnaval", poderiam

nos ajudar a perceber, a partir de novos dados, as implicações ligadas às

referências sistematizadas à esfera do candomblé, como valor central do

modelo de resistência e afirmação identitária apresentado na década de 1980.

A

luz dos avanços conquistados em relação à visibilidade da

problemática racial e da construção/reelaboração de uma consciência negra

na sociedade baiana, resta-nos perceber que a "eficácia" das estratégias afro

do carnaval, que tentamos apresentar, aparece como um ponto importante

na avaliação da pertinência do investimento do espaço carnavalesco no

processo de afirmação e mobilização em torno de uma identidade étnica

afro-baiana.

NOTAS

IUtilizamos o nome e o adjetivo "negro" não como categorias designando conjuntos

populacionais homogêneos meramente marcados pelas idéias de raça ou de cor e sim muito mais como referenciais definindo categorias identitárias, alimentadas de maneira interna e externa à própria comunidade e associadas a valores e representações que mudam seguindo os contextos históricos e sicuacionais. O termo "afro-baiano", por sua vez remete à consciência e à reivindicação de uma ligação simbólica com a África no processo de afirmação identitãrio.

2RISERIO, Antônio,

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C a r n a v a l I j e x á - N o t a s s o b r e a fo x é s e b l o c o s d o n o v o c a r n a v a l a fr o b a i a n o .

Salvador: Corrupio, 1981.

ICfB a h i a A n á l i s e e D a d o s . Salvador: SEI, vol. 5, n° 4, Março 1996 e FISCHER, Tânia

(org.), Oc a r n a v a l b a i a n o : n e g ó c i o s e o p o r t u n i d a d e s . Brasília: Ed. Sebrae, 1996.. . 4RIBARD, Franck. L e C a r n a v a l N o i r d e B a h i a . I d e n t i t é , e t h n i c i t é e t F i t e a fr o àB a b i a . Paras:

L'Harmatran, 1998.

ss Os anos 1990, num contexto de intensificação do investimento do espaço carnavalesco, são marcados por uma participação negra que se expressa na segunda parte da noite e na madrugada; o dia e a primeira parte da noite sendo destinados a outros tipos de entidades (trios, trios alternativos ...).

6Ver as descrições, apoiadas em matérias de jornais da época, que faz Nina RODRIGUES,

O s a fr i c a n o s n o B r a s i l . São Paulo: Companhia Editora Nacional,. 1932.

7FRY, Peter., CARRARA, Sérgio e MARTINS-COSTA, Ana-Luiza. Negros e brancos no Carnaval da Velha República. In: REIS, João José (org.).E s c r a v i d ã o e i n v e n ç ã o d a l i b e r d a d e -E s t u d o s o b r e o n e g r o n o B r a s i l . São Paulo: Brasiliense, 1988. Sobre esta ternática do carnaval soteropolitano do final do século XIX, ver também VIEIRA FILHO, Raphael R. Folguedos negros no carnaval de Salvador (1880-1930). In: SANS?NE, Lí~i~ eT~LES DOS SANTOS, Jocélio (org.).R i t m o s e m t r â n s i t o - S ó c i o - A n t r o p o l o g z a d a M ú s i c a B a i a n a .

São Paulo: Dynamis Edirorial/ Salvador: A Cor da Bahia e Projeto S.A.M.B.A., 1997.

SO bloco afro é uma entidade carnavalesca negra que aparece em 1974 ( l l ê A i y ê ) e que se multiplica nos anos 1980, caracterizando-se, entre outras coisas, por uma auro-~rma7ão baseada na noção de "raça negra". O afoxé, outra entidade carnavalesca negra rnais antiga, caracteriza-se por uma ligação muiro estreita com o universo do candomblé.

9Ver entre outros exemplos ZUMTHOR, Paul. L a l e m e e t t a u o i x . Paris: Ed. Du Seui!, 1987 ; SAHUNS, Marshall. I l h a s d e H i s t ó r i a . Tradução: SETTE, Bárbara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

10 Presidente, na época, das duas entidades. Cf entrevista, 1995.

\I A criação de entidades afro a partir de processos de segmentarização ou de cisão é uma

coisa rnuiro comum neste universo como aliás também no candomblé. Cf RIBARD, Franck. op. cit., 1998.

12Ver o artigo de Cláudio TUIUTI TAVARES, ilustrado de foros de Pierre Verger: Afoché _ o ritmo bárbaro da Bahia., publicado na revista OC r u z e i r o do 29/05/1948.

13Cf entrevista, 1995.

14BASTIDE, Roger.L e s r e l i g i o n s a fr i c a i n e s a u B r é s i l . V t - r r u n e s o c i o l o g i e d e s i n u r p é n é t r a t i o n s d e c i v i l i s a t i o n s . Paris: PUF, 1960.

ISNo candomblé, cada orixá tem o seu ritmo, tocado pelos "alabês" que prestam homenagem, chamam e mandam as mensagens dos homens para os deuses. Ver BASTIDE, Roger.L e c a n d o m b l é d e B a b i a - R i t e N a g ô . Paris: Mouron, 1958.

16I m a g e n s d o N o r d e s t e m l s t i c o e m p r e t o e b r a n c o . Rio de Janeiro: O Cruzei~o, 1945. 17GAIGNEBET, Claude e FLORENTIN, Marie-Claude. L e C a r n a v a l . Pans: Payot, 1979. ISELIADE, Mircea. L e m y t h e d e l ' e t e r n e l r e t o u r . Paris: Gallimard, 1969.

19Roque, bailarino e composiror do bloco afroD e n g o B a i a n o , descreve essa relação dizendo que "é a bateria que puxa os bailarinos". Cf entrevista, 1995.

(9)

23

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Através do movimento "Black-Rio". CfVlANNA, Hermano. O

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

M u n d o F u n k C a r i o c a .

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

24Sobre o contexto do período, ver RISERIO, Antônio, op. cit., 1981.Éinteressante notar que o movimento afro-baiano surge num período anterior àorganização, no Brasil, dos movimentos negros contemporâneos de caráter marcadamente político, tal como o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que aparece em 1978. Sobre este tema ver SILVA, jonatas C. da. História de lutas negras: memórias do surgimento do movimento negro na Bahia. In: REIS, João José (org.).E s c r a u i d ã o e i n v e n ç ã o d a L i b e r d a d e -E s t u d o s s o b r e o n e g r o n o B r a s i l . São Paulo: Brasiliense, 1988.

25 Nossa análise se apóia nos desenvolvimentos teóricos da abordagem "interacional e subjetiva" da etnicidade em relação à qual Fredrik BARTH ( O s grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. T e o r i a s d a

E t n i c i d a d e . Tradução: FERNANDES, Eleio. São Paulo: UNESP, 1998) foi um precursor.

26 A título de exemplo e dentro de numerosas possibilidades, ver a canção "Arco-Íris de Madagascar", tema do carnaval de O l o d u m de 1988, composta por Tonho Matéria e gravada no LP "Egito- Madagascar'TConcinenral, 1987) cujo texto reproduzimos aqui: ''Acredito nos Deus dos Deuses Olodum / Dos seus dialetos, reflexos e mistérios / Que é uma natureza maior / Que dá lustre a vida / De uma deusa negra / E homens que sofrem horrores / No espaço da sua grandeza / Com a singeleza ilumina Olodum / Como as estrelas que brilham / Em torno do caminho da lua / Com uma certeza divina / Que o sol na colina renascerá / No horizonte da ilha de Madagascar / ti êi êi á á á / De Madagascar âêê ô ô ô / Abrange Olodum uma cultura miscigenada / Mostrando origens, fatores e a revolução / Falando bem forte em Ranavalona, Radama / E o sobrepujamento de uma nação / Natureza é Olodum / Pelourinho e Salvador / Mistério que o negro / Mergulha no encanto do amor / Quem baila, quem baila é Olodum / Oh! Divino Olodumarê / Tornai-vos o nosso destino a pura beleza / E a natureza no infinito mostrar / Em cores tu és o Arco-fris de Madagascar / ti êi êi á á á / De Madagascar".

27MORIN, Françoise. Lanmropologie des gouffres. A r c h i v e s d e s S c i e n c e s S o c i a l e s d e s R e l i g i o n s ,

Paris, n040, 1975.

28Sobre os blocos de índio, ver o trabalho de GODI, Antonio Jorge V. dos Santos. De Índio

a Negro, ou o reverso. In: C a n t o s eT o q u e s - E m o g r a fi a s d o E s p a ç o N e g r o n a B a h i a , Salvador: caderno CRH, supl. 1991., um dos únicos trabalhos produzidos sobre esta questão bastante importante.

29 Narrativa que lembra o "discurso indireto livre" conceiruado por BAKHTIN, Mikhail

M.M a r x i s m o e fi l o s o fi a d a l i n g u a g e m : p r o b l e m a s [ u n d a m e n t a i s d o m é t o d o s o c i o 1 6 g i c o n a

c i ê n c i a d a l i n g u a g e m . Tradução: LAHUD, Michel e FRATESCHI VIEIRA, Yara. 3.'

edição, São Paulo: Hucitec, 1986.

30 FENTRESS, James e WICKHAM, Chris. M e m ó r i a s o c i a l - N o v a s p e r s p e c t i v a s s o b r e o

p a s s a d o . Tradução: COSTA, Telma. Lisboa: Ed. Teorema, 1992, p. 156.

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