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O espaço(1671): Espaço X Extensão

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Academic year: 2021

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PET FILOSOFIA/UFPR Aluno do PET: José da Costa Neto

Data: 20/08/2014

Fichamento da segunda parte do capítulo VI, “Deus, espaço, espírito e matéria”, do livro Do Mundo Fechado Ao Universo Infinito, de Alexandre Koyre – páginas 137-154/122-1371

IV

O espaço(1671): Espaço X Extensão

Se nos textos anteriores havia hesitação sobre a natureza do espaço, no “Enchiridium metaphysicum” (“Manual de Metafísica” de 1672) More se expressa de maneira categórica, afirmando não só “a existência real do espaço vazio infinito contra todos os adversários possíveis”(p137/122), mas chegando ao ponto de defendê-lo “como o melhor e mais evidente exemplo de realidade não material – e, portanto, espiritual – e assim como o primeiro e mais importante, embora não certamente o único, objeto da metafísica”(p137/122).

Ou seja: o Espaço (ou Lugar Interior) passa a não ser mais pensado como um ente nocional, mas sim como “algo real e não imaginário”(p137/122). E porque é o primeiro objeto da metafísica, o Manual começará com a demonstração da existência desse que é o ente imaterial mais evidente, e uma grande fração da primeira parte desse tratado será utilizada para esta demonstração. Esta é argumentação que Koyre seguirá em seu texto.

O primeiro objetivo de More será demonstrar “a legitimidade e validade perfeitas do conceito de espaço, enquanto distinto da matéria”(p145/129) e refutar “sua fusão no conceito cartesiano de <extensão>”(p145/129). Para isso, a primeira leva de argumentos é colocada para aqueles que acreditam na criação da matéria por Deus – ou seja, na doutrina cristã da criação. Para estes More desenvolve três argumentos:

(i)A necessidade e uma entidade extensa além da matéria, na qual as entidades materiais possam ser criadas.

(ii)O limite a onipotência divina: seria impossível ao Deus onipotente criar, na superfície do mundo material, uma montanha ou vale.

(iii)Novamente um limite a onipotência divina: Deus não poderia criar dois mundos, ou, para facilitar, no lugar desses dois mundos, duas esferas de bronze, porque “os polos dos eixos paralelos coincidiriam, devido à ausência de um espaço intermediário”(p139/124). Koyre não deixa

1 Nesse fichamento, a numeração de páginas sem referência ao texto será sempre o do texto fichado, sendo a primeira da edição inglesa, e a segunda da edição brasileira.

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de acrescentar que, mesmo se Deus criasse essas duas esferas de modo justaposto (deixando de levar em conta o fato de que deveria haver um espaço entre elas), Ele seria incapaz de as por em movimento2.

O interessante é que, se a primeira crítica é voltada aos cartesianos, as duas outras são voltadas aos aristotélicos cristãos3. Todavia, mesmo quando More parece atacar a escolástica, seu alvo principal não deixa de ser Descartes. Assim, a insistência de More sobre a existência de um espaço “fora” do mundo é direcionada não só aos aristotélicos, mas também aos cartesianos, contra os quais More precisa provar (a)a possibilidade de limitação do mundo material e, ao mesmo tempo, (b)a possibilidade de mesuração no espaço vazio.

Com isso More, que era um defensor da ideia de um Mundo Material Infinito, termina se aproximando da doutrina estoica de um mundo material finito no meio de um espaço imaterial infinito4. Nesse processo More chega até a defender aquilo que nas cartas mais criticava: a distinção cartesiana entre “infinito” e “indefinido” – defesa essa que, todavia, é relativa: More termina por interpretar o “indefinido” como meramente um modo de finitude, comparado com a infinitude do espaço imaterial. Isso porque, segundo Koyre, More agora “entende muito melhor do que 20 anos antes a razão positiva da distinção de Descartes: infinitude implica necessidade, um mundo infinito seria um mundo necessário”(p140/124-125).

A segunda leva de argumentos são direcionados aqueles que não acreditam na criação da matéria. Contra esses More lembra que mesmo os filósofos antigos (são citados Leucipo, Demócrito, Demétrio, Metródoro, Epicuro, os estoicos e até mesmo, para alguns, Platão) tinham conhecimento do Espaço, e passa a discorrer sobre suas teorias – lidas, obviamente, no modo

“Henry More” de interpretação sincrética.

Se, todavia, o espaço infinito parece algo tão evidente – para pensadores que aceitem ou não a criação, e mesmo para os homens em geral – por que More insiste tanto na demonstração dessa obviedade? More não deixa de perceber essa contradição. Sua resposta também não é surpreendente, e o papel preponderante de Descartes no desenvolvimento da filosofia de More novamente reaparece:

“Eu certamente me envergonharia de me deter por tanto tempo em uma questão tão simples se não fosse compelido a tal pelo grande nome de Descartes, que fascina os menos prudentes a tal ponto que eles preferem delirar e tresvariar com Descartes a ceder aos mais sólidos argumentos que se opuseram aos Princípios de 2 ???

3 Até porque esses argumentos são, na verdade, retomadas de argumentos medievais contra o aristotelismo. Além disso, More utiliza no texto o exemplo de um mundo finito e esférico, obviamente o mundo da cosmologia aristotélica.

4 Koyre cita também a posição de certos semi-cartesianos que rejeitavam a infinitização do mundo material. Reid 2012 a aproxima da posição de Gassendi.

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filosofia”(p141/126 – citação de “Enchiridium metaphysicum”, Cap VII, 6).

A centralidade de Descartes é inegável. E, retornando a biografia de More5, o principal motivo para isso é novamente a luta contra o ateísmo. Por volta de 1670 More travava um combate quase que pessoal contra aqueles que pareciam naquele momento os maiores estimuladores da descrença: Hobbes e Descartes. Isso porque, se a demonstração “a priori” da existência de Deus desenvolvida por Descartes ainda era a preferida de More, agora ele percebia que o mecanicismo estrito terminava por excluir toda a ação espiritual, anímica e divina no mundo. Em suma: não havia

“lugar” para Deus, os espíritos e as almas no mundo de Descartes – e mais: não havia “lugar” nem para o universo material. Essa era, de fato, a grande questão de More: onde? Para essa pergunta, a única resposta que um cartesiano poderia dar é: lugar nenhum, “nullibi” - resposta que não satisfazia os anseios de More6.

Por isso todos os argumentos desenvolvidos no Manual de Metafísica parecem querer responder justamente essa questão: onde? Por isso também More deve novamente se focar na filosofia cartesiana. Ele passa então, nos seus próprios termos, a responder aos “subterfúgios” pelos quais um cartesiano poderia “esquivar à força de minhas demonstrações”(p142/126 – citação de

“Enchiridium metaphysicum”, Cap VI, 4). Koyre não deixa de assinalar, todavia, que More, além de péssimo físico, é um péssimo leitor de Descartes, mas que, apesar disso, o assombroso é que as críticas contra certas concepções da física cartesiana são, surpreendentemente, justas.

A primeira dessas críticas ataca a definição cartesiana de movimento. Segundo Descartes7:

“[movimento é] em todos os casos a translação de um corpo da vizinhança dos corpos que o tocam imediatamente, e que são considerados como em repouso, para a vizinhança de outros”(p142/126).

Contra essa definição, More apresenta o caso do objeto fixado na circunferência de um cilindro em movimento: se o movimento é definido como a translação de um corpo de uma vizinhança a outra, esse objeto estaria, em relação aos pontos da circunferência do cilindro, parado, o que é obviamente falso para More – principalmente quando pensamos um objeto P exterior ao cilindro, que servindo de referência, nos mostraria que o OF estaria ou se aproximando ou se afastando, e não parado.

Enfim: a definição de movimento de Descarte está errada.

O problema é que a leitura do cartesianismo de More é falha: ele não compreende o conceito cartesiano de relatividade de movimento; o contra-argumento de More falha justamente por alterar o ponto de referência. Apesar disso, o que Koyre não deixa de salientar é que, num certo sentido,

5 Conforme Henry 2012.

6 E por isso o apelido que More deu a Descartes: “Príncipe dos Nullibilistas”.

7 More cita o Principia Philosophiae, part II, §25.

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More está certo: a aplicação cartesiana da relatividade do movimento nos movimentos de rotação é ilegítima (ao menos nos casos concretos, e não na pura cinemática do movimento8) e, principalmente, aquilo que é mais problemático: a própria definição de movimento se baseia no

“não movimento dos corpos vizinhos imediatos”, o que é contraditória com a noção de relatividade dos movimentos9.

O mesmo esquema se mantém na segunda crítica, na qual More ataca a própria noção cartesiana de “relatividade do movimento”, que More chama de “reciprocidade”:

“A definição cartesiana do movimento é antes uma descrição do lugar; e se o movimento fosse recíproco, sua natureza compeliria um corpo a se mover com dois movimentos contrário e até a não se mover e a se mover ao mesmo tempo”(p143/127 – citação de “Enchiridium metaphysicum”, Cap VII, 7).

Para exemplificar essa crítica, Koyre usa um exemplo gráfico (pg 144/128). Em resumo: um corpo parado, fixo a terra, ao lado de dois corpos em movimento, estaria, de acordo com a definição de movimento de Descartes, em movimento. Há aí novamente um erro de interpretação: More “não é capaz de transformar o conceito de movimento no conceito de uma relação pura”(p144/128). Por isso interpreta o movimento sempre em relação a um lugar fixo, um “locus interno”, o que ele mesmo chama de “espaço”. “Em outras palavras, movimento relativo implica movimento absoluto e só pode ser compreendido segundo a base do movimento absoluto e, portanto, do espaço absoluto”(p144/128). Quando um corpo se move, ele se move, além das referências “externas” (os outros corpos ao seu redor), sobre uma referência “interna”, uma extensão que não se move. Esse

“lugar”, que não faz parte do corpo e não se relaciona com os corpos ao redor, deve ser algo totalmente distinto de todos os corpos. Não pode ser uma potencialidade da matéria (como queria Descartes), porque é algo que pode ser separado da matéria; nem um produto da imaginação, como pensava Hobbes. Deve ser, por fim, uma entidade, independente dos corpos – uma entidade espiritual. E mais: uma entidade espiritual real.

V

Espaço(1671): natureza e estatuto ontológico: a realidade

Koyre continua seguindo o Manual de Metafísica. More passa, após demonstrar “a legitimidade e validade perfeitas do conceito de espaço, enquanto distinto da matéria”(p145/129) e refutar “sua fusão no conceito cartesiano de <extensão>”(p145/129), a “determinação da natureza e do estatuto ontológico da entidade correspondente”(p145/129). E a primeira nota dessa natureza é

8 ???

9 Koyre parece aqui se valer novamente de uma interpretação “esotérica” a lá Strauss, ao afirmar que provavelmente as causas dessa definição de movimento não eram científicas, mas devido a necessidade de afirmar que a Terra estava “parada” dentro do seu vórtice.

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justamente a realidade: e espaço é um ente espiritual e real.

Toda a argumentação se dá em termos cartesianos: se o Espaço é algo extenso, não poderá ser “extensão de nada”: “a distância entre dois corpos é uma coisa real, ou, para dizer o mínimo, uma relação que implica um fundamentum reale”(p145/129). O erro cartesiano será pensar que o espaço vazio é um simples nada, e o objetivo de More será provar que o espaço vazio não é nada, mas, ao contrário, é algo no pleno sentido do verbo – não “uma ficção, ou um produto da imaginação, mas um entidade perfeitamente real”(p145/129). Para provar isso More afirma:

“um atributo real de um sujeito real qualquer não pode ser encontrado em nenhuma parte, senão onde algum sujeito real o sustém. Mas a extensão é um atributo real de um sujeito real (ou seja, a matéria), o qual [atributo], contudo, é encontrado alhures (ou seja, onde não há matéria), e isso independentemente de nossa imaginação(...). Por conseguinte, é necessário que, visto ser ela um atributo real, algum sujeito real sustenha essa extensão. Essa argumentação é de tal modo sólida que nenhuma poderia ser mais forte”(p145-146/129-130 – citação de “Enchiridium metaphysicum”, Cap VIII, 6).

Koyre ressalta o quanto, dentro das bases da ontologia tradicional, o raciocínio de More está correto. “Atributos implicam substâncias”(p146/130). Mesmo Descartes, que escapa da estrutura ontológica tradicional ao afirmar que “os atributos nos revelam a própria natureza, ou essência, de suas substâncias”(p146/130), nesse ponto fundamental mantém a doutrina antiga. “Não há atributo real sem uma substância real”(p146/130). Por isso More pode afirmar que sua argumentação

“funda-se sobre alicerces do mesmo tipo da argumentação cartesiana”(p147/130). Descartes, para More, também prova que o espaço é uma substância; seu erro é reduzir essa substância as corpóreas. More, ao provar que não há identidade entre espaço e matéria10, pode negar Descartes, e concluir a existência real do espaço imaterial. Assim, nas palavras de More: “através da mesma porta pela qual os cartesianos desejam expulsar Deus do mundo, eu, ao contrário (e estou confiante que terei êxito), luto e me esforço para trazê-lo de volta”(p147/131 – citação de “Enchiridium metaphysicum”, Cap VIII, 7).

Resumindo:

“Descartes estava certo ao procurar substância para sustentar a extensão. Estava errado ao encontrá-la na matéria. O infinito, entidade extensa que tudo abrange e tudo penetra, é com efeito uma substância. Mas não é matéria. É Espírito; não um espírito, mas o Espírito, isto é, Deus”(p147/131).

VI

Espaço(1671): natureza e estatuto ontológico – a divindade

O espaço não é simplesmente real: ele é divino. O objetivo de More parece ser ainda mostrar o quanto o espaço deve ser uma entidade real; as afirmações, todavia, são surpreendentes. O espaço assimila 20 títulos que são, na metafísica tradicional, atribuídos a Deus. Assim:

10 Conforme argumentação encontrada na seção IV.

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“Quando tivermos enumerado aqueles nomes e títulos que lhe convêm, essa extensão [entidade] infinita, imóvel, parecerá ser não só uma coisa real (como acabamos de destacar), mas até uma coisa Divina (que de modo tão certo é encontrada na natureza); isso nos dará maior certeza de que não pode ser nada, uma vez que aquilo a que convêm tantos e tão magníficos atributos não podem ser nada. São os seguintes, que os metafísicos atribuem particularmente ao Ser Primeiro, a saber: Uno, Simples, Imóvel, Eterno, Completo, Independente, Existente em Si Mesmo, Subsistente por Si Mesmo, Incorruptível, Necessário, Imenso, Incriado, Incircunscrito, Incompreensível, Onipresente, Incorpóreo, Todo-penetrante, Todo-abrangente, Ser por Essência, Ser Atual, Ato Puro. Não há menos de 20 títulos pelos quais se designa habitualmente o Numen Divino, e que convêm perfeitamente ao lugar(locus) interno e infinito, cuja existência na natureza já demonstramos”(p148/131-132)11.

More passa então a analisar cada um dos títulos, e a mostrar como necessariamente devem ser aplicados ao espaço imaterial (que ele chama de “extensão infinita”). Para facilitar, resumo numa tabela:

Unidade porque é homogênea, e porque é de tal natureza que não pode ser múltipla, seja porque não tem partes físicas para ser dividida, seja porque não podem haver mais de um.

Simplicidade Porque não possui partes físicas, deve ser simples.

Imobilidade porque simples e infinita, não pode sair do seu “lugar”. Ao contrário, tudo o que se move, se move em relação a ela.12

Eterno É impossível conceber algo uno, imóvel e simples que não seja eterno. 13 Completo Ele não se mistura com outros seres, é, desse modo, completo em si mesmo.

Independente o que é óbvio pela nossa imaginação, mas também porque não está ligado a nada e não é sustentado por nada, mas sustenta todo o criado.

Existente em si

Mesmo Porque é independente, existe por si. E mais: não pode ser destruída (seja na imaginação ou no entendimento). Não se pode desimaginar o espaço ou retirá-lo do pensamento. “O espaço é pressuposto necessário de nossa cogitação sobre a existência ou inexistência de qualquer coisa”(p151/134).

Susbsistente por

si mesmo Porque incriada, a primeira das substâncias, que existe por si e é independente de todas

Incorruptível Necessário

Imenso Porque não possui limites14

11 Omiti o final do trecho, no qual More compara o Espaço com outro nome divino, o MAKOM cabalista, que significa literalmente “lugar”. Cito aqui porque esse é um ponto de ligação com Newton, já que a ideia newtoniana de espaço deve efetivamente algo ao MAKON cabalístico, conforme “Análise do Discurso sobre a significação das letras hebraicas nos seiscentos e sua possível influência nas concepções cabalísticas de Isaac Newton” de Goldfarb e Judensnaider

12 Ao falar sobre os três primeiros atributos, Koyre faz um interessante parênteses vinculando More, Spinoza, Malebranche e Kant: More, Spinoza e Malebranche tem em comum pensar o espaço absoluto como “infinito, imóvel, homogêneo, indivisível e único”(p149/133). Por que pensavam o espaço com essas propriedades, os três puderam pensar Deus com extensão, embora essa extensão não seja a da imaginação e dos sentidos, mas uma

“extensão inteligível”. Kant pensará o espaço também com essas propriedades, mas não como “indivisível” (como Descartes), e por isso não relacionou Deus e o Espaço, mas colocou o espaço “no” homem.

13 Koyre completa: “o espaço é eterno, portanto incriado”(p150/133). As coisas criadas (não eternas), então, são criadas no espaço eterno (e no tempo eterno). O espaço é uma condição da criação do cosmos. Isso abre também a questão não tratada no capítulo, sobre a natureza do Tempo em More.

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Incriado porque independente de tudo que é criado, existente por si e necessária.

Incircunscrito Porque não possui limites é impossível (novamente tanto para a imaginação quanto para o entendimento) por limites a ele.

Incompreensível Por ser impossível uma mente finita abarcar algo sem limites.

Onipresente porque imensa e infinita, e compreende todas as coisas criadas.

Incorpóreo Porque penetra a matéria mesmo sendo uma substância

Todo-penetrante Porque, sendo uma entidade imensa e incorpórea, termina penetrando todas as coisas

Todo-abrangente Porque, sendo uma entidade imensa e incorpórea, termina abrangindo todas as coisas

Ser por Essência contrário ao “ser por participação”. É por essência porque é um Ser por Si mesmo e Independente, não recebendo sua essência de nada mais.

Ser Atual porque não pode ser concebida como existente fora de suas causas.

Ato Puro

A lista é surpreendente, e Koyre não deixa de se mostrar impressionado. Todavia, não deixa também de perceber a unidade que liga todos esses atributos: “todos eles são atributos ontológicos formais do absoluto”(p152/135). E, do mesmo modo, não deixa elogiar a energia intelectual de More, “que lhe permitiu não recuar ante as conclusões de suas premissas, bem como a coragem com que ele anunciou ao mundo a espacialidade de Deus e a divindade do espaço”(p152/135).

Koyre passa então a analisar as conclusões de More. Primeiro, algo que ele não podia evitar:

ser infinito é ser necessário. “Espaço infinito é espaço absoluto; até mais, é um Absoluto”(p152/135). E como não pode haver mais de um Absoluto, o Espaço é Divino. Como a noção cartesiana de uma extensão indefinida deve ser recusada, e tornada infinita, More cai num dilema: (a) ou considerava o mundo material como infinito, “a se e per se”, o que não requereria e não admitiria a ação criativa de Deus e levaria ao temido ateísmo; (b) ou separaria matéria e espaço, e elevaria o espaço a dignidade de um atributo de Deus, o “órgão no qual e por meio do qual Deus cria e mantém Seu mundo, um mundo finito, limitado tanto no espaço como no tempo, uma vez que uma criatura infinita é um conceito inteiramente contraditório”(p152-153/136). Com isso More termina tendo que admitir os erros nos seus trabalhos anteriores (como o Democritus Plationissans), onde defendia a infinidade dos mundos.

Por isso ele precisa, então, demonstrar contra os cartesianos a finitude do mundo material.

Primeiro, o que More considera fácil, a sua limitação no tempo: nada pode ser passado se não se

14 Koyre não deixa de perceber o quanto a argumentação de More é semelhante a argumentação cartesiana que prova a indefinidade da extensão material. Todavia, o objetivo de More é o contrário: enquanto Descartes visava negar a infinitude absoluta da extensão, More pretende afirmar essa infinitude.

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tornou “passado”, depois de ter sido “presente”, e nada pode ser “presente” se antes não tiver pertencido ao futuro. Dai se segue “que todos os acontecimentos passados pertenceram, em algum momento, ao futuro, isto é, houve um tempo em que todos eles ainda não eram <presentes>, ainda não existiam, um tempo quando tudo ainda estava no futuro e quando nada era real”(p153/136)15.

A dificuldade é provar a limitação espacial do mundo material, já que a maioria dos argumentos em favor da finitude são fracos. Por isso More termina defendendo aquilo que criticara em Descartes nas cartas. Já que não se pode provar a finitude do mundo, se prova a sua não infinitude. O mundo material não pode ser infinito já que a infinitude leva, necessariamente, a

“necessidade”, enfim, leva a um mundo independente de Deus – o que um anti-ateísta ferrenho não pode aceitar. A tese cartesiana da indeterminação do mundo é agora aceita: “um mundo indeterminadamente vasto, mas finito, lançado em um espaço infinito é a única concepção (...) que os permite manter a distinção entre o mundo contingente criado e o Deus eterno existente a se e per se”(p154/137). E assim, “por uma estranha ironia da história, o kenon dos antigos atomistas ateus tornou-se para Henry More a própria extensão de Deus, a própria condição de Sua ação no mundo”(p154/137).

Ω

“A concepção de espaço de Henry More, que o faz um atributo de Deus, não é de maneira alguma – eu já disse, e gostaria de insistir nesse ponto – uma aberrante, estranha e curiosa invenção, a <fantasia> de um místico neoplatônico perdido no mundo da nova ciência. Ao contrário. Em seus aspectos fundamentais, ela é compartilhada por vários filósofos de seu tempo, precisamente aqueles que se identificavam com a nova concepção científica do mundo”(p155/138)

BIBLIOGRAFIA

DESCARTES, R (2000). Philosophical Essays and Correspondence. Ed Roger Ariew.

Cambridge: Hackett Publishing Co.

HENRY, J (2012). “Henry More”, in The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2012 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <http://plato.stanford.edu/archives/fall2012/entries/henry- more/>.

KOYRÉ, A(1957). From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore: T. J. Hopkins Press.

KOYRE, A (2006). Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Tradução Donaldson M.

Garschagen. Rio de Janeiro: Ed Forense Universitária.

REID, J (2012). The Metaphysics of Henry More. London: Ed Springer.

15 ??? Falta ai saber a natureza do Tempo para More.

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