• Nenhum resultado encontrado

Fernando Pessoa e o desassossego em “Na Floresta do Alheamento” MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "Fernando Pessoa e o desassossego em “Na Floresta do Alheamento” MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA"

Copied!
114
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Karen Cristina Teixeira Pellegrini

Fernando Pessoa e o desassossego

em

“Na Floresta do Alheamento”

MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA

(2)

KAREN CRISTINA TEIXEIRA PELLEGRINI

Fernando Pessoa e o desassossego

em

“Na Floresta do Alheamento”

MESTRADO EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Literatura e Crítica Literária, sob a orientação da Profa. Dra. Annita Costa Malufe

(3)

Banca Examinadora

________________________________

________________________________

(4)

Agradecimentos

A CAPES pela bolsa de estudos.

A minha orientadora, Annita Costa Malufe, por toda dedicação, mas

principalmente por me ensinar a ler os silêncios.

Ao Fernando Segolin, que primeiro me orientou para esta dissertação,

compartilhando todo seu conhecimento e paixão pela obra de Fernando

Pessoa.

Ao Leonardo Gandolfi, pelas contribuições na qualificação e por aceitar o

convite para ler esta dissertação.

A Ana Albertina, por sempre ser um porto seguro de calma e gentileza, sem o

qual esta dissertação não se concluiria.

Ao programa de Literatura e Crítica Literária.

Aos meus pais, Lourenço Pellegrini e Esther Pellegrini, por sempre apoiarem

(5)

PELLEGRINI, Karen Cristina Teixeira. Fernando Pessoa e o desassossego em “Na Floresta do Alheamento”. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2015. 114p.

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo o estudo do poema de Fernando Pessoa “Na

Floresta do Alheamento”, publicado no Livro do Desassossego, tendo como

base o movimento literário criado pelo poeta: o Sensacionismo. Para tanto, iniciamos pela relação do poeta com a modernidade, para depois analisarmos mais profundamente a proposta do Sensacionismo e, em seguida, relacionarmos a proposta sensacionista com o texto filosófico de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos “Apontamentos para uma estética não-aristotélica”. A análise do poema “Na Floresta do Alheamento” é subsidiada, assim, pelas próprias ideias poéticas de Pessoa acerca da sensação e das forças, buscando apontar o modo de construção de seu poema a partir da proposta do Sensacionismo. Tendo como fundamento teórico em especial os estudos de José Gil e a filosofia de Deleuze e Guattari, o trabalho busca, por meio do poema escolhido, discutir o papel do corpo na poesia de Pessoa, a partir do conceito de “corpo sem órgãos”, que nos indica um corpo de sensações que atua para além dos órgãos dos sentidos e indicando, por fim, a criação de novas percepções pela poesia.

(6)

PELLEGRINI, Karen Cristina Teixeira. Fernando Pessoa and the disquiet in

The Forest of Alienation”. Dissertation (Master’s Degree). Postgraduate

Studies Program in Literature and Literary Criticism. Pontifical Catholic University of São Paulo, SP, Brazil. 2015. 114p.

ABSTRACT

This thesis has the objective to study the Fernando Pessoa’s poem The Forest

of Alienation”., published in The Book of Disquiet, based on the literary

movement created by the poet: the Sensationism. To do so we started with the relationship of the poet with the modernity for after analyze further the Sensationism proposal and, next, relate the sensationist proposal with the philosophical text from Fernando Pessoa/Álvaro de Campos “Notes for an

aesthetic non-Aristotelian”. The analysis of the poem The Forest of Alienation”

is subsidized by own Pessoa’s poetic ideas about the sensation and the forces, seeking for identify the mode of construction of his poem from the sensationist proposal. Having the theoretical foundation specially from the studies from José Gil and the philosophy from Deleuze and Guattari, the work searches, through the chosen poem, discuss the function of the body on the Pessoa’s poetry, from the concept of “body without organs”, who shows us a body of sensations that acts beyond the organs of the senses and indicating, lastly, the creations of the new perspectives by the poetry.

(7)

Sumário

Introdução 08

Capítulo 1 –

Fernando Pessoa e a modernidade

1.1. Pessoa e as vanguardas europeias 18

1.2. O modernismo presente no poema “Na Floresta do Alheamento” 38

Capítulo 2 –

A estética da força e o malogro do eu no Sensacionismo de Fernando Pessoa

2.1. Como pensar uma estética não-aristotélica 46 2.2. O Sensacionismo e a análise das sensações 50 2.3. As sensações do abstrato e a consciência da sensação 53 2.4. O tempo e o sonho presentes no Sensacionismo 59

2.5. Devir outro: o malogro do “eu” 68

Capítulo 3 –

O corpo das sensações

3.1. Fernando Pessoa e o corpo sem órgãos 84 3.2. O corpo plasmático, espaço-tempo da sensação 95

Considerações finais 105

Referências bibliográficas 112

     

 

 

 

(8)

Introdução

Ao nos propormos a estudar Fernando Pessoa, uma série de questões se impõem. Qual objeto escolher? Por qual viés entrar? Os estudos serão voltados para a heteronímia? Mas, afinal, algum estudioso de Pessoa consegue desviar da heteronímia?

À primeira vista, é quase impossível se propor a ter somente um objeto a ser estudado, afinal toda a obra pessoana é entrelaçada em uma teia de pluralidades que podem fazer com que seu leitor, se não estiver atento, ser sugado pelo universo-pessoa e não mais conseguir ser objetivo. Era preciso escolher dentre tantos poemas e prosas algum que contemplasse todas as questões que nos pareciam importantes acerca da poética de Pessoa. A escolha do poema “Na Floresta do Alheamento”, que se encontra no Livro do Desassossego, atendia ao propósito desta dissertação, de continuarmos nos aprofundando nos estudos pessoanos, com o mesmo poema que já tinha-nos chamado atenção anteriormente.

A escolha deste poema, especificamente, foi feita em um momento anterior, no Trabalho de Conclusão de Curso, em 2010. Naquele momento o objetivo era ter um olhar sobre o poeta, pensando o seu conceito de poeta-dramático, e tendo um primeiro contato com sua obra crítica e seus movimentos literários. Neste momento, o objeto já havia sido escolhido, ou se escolheu, pois ao entrar na floresta é muito difícil encontrar sua saída, o que o poema faz é desdobrar-se de forma quase infinita, abarcando diversos conceitos da poética de Fernando Pessoa. Esses são os motivos pelos quais a floresta foi e continua sendo objeto de investigação dessa pesquisa.

(9)

(GIL, s/d, p.9). Este trabalho poético era um trabalho consciente, e a partir dele toda a literatura de Pessoa será desenvolvia. Abaixo José Gil nos fala sobre esse trabalho rigoroso do poeta com sua matéria-prima, a sensação:

Matéria-prima ou transformada, porque se tratava também dos

efeitos das palavras sobre a receptividade dos sentidos; não

importava: por uma dessas reviravoltas em cascata em que ele

era mestre, e graças às quais o segundo se torna primeiro, o

direito, avesso, ou o dentro, fora, o seu próprio laboratório

poético transformou-se em matéria de linguagem; produtor de

sensações aptas a converter-se em poema. (GIL, s/d, p.9)

A partir dessa premissa de José Gil, vemos que não é possível para esta dissertação adentrar o universo de Pessoa sem ser por vias do Sensacionismo. É por ele que o processo de sua obra se constituirá. A sensação será essa “matéria prima ou transformadora” que fará do poeta um dos grandes poetas modernos do Ocidente. Ao decidir explorar a linguagem pela sensação, Pessoa abre uma porta ao infinito e, ao tratar a linguagem como matéria de sensação, o poeta atinge um grau da poesia em que a palavra vira esse portal para o sentir. Pessoa tratará isso em uma quantidade enorme de poemas, buscando em cara um extrair o máximo de sensações possíveis.

Nosso interesse pelo aprofundamento no Livro do Desassossego baseia-se no fato de que, o poema estudado nesta dissertação, “Na Floresta do Alheamento”, foi marcado por Pessoa como pertencente ao Livro. O poema teve uma parte sua publicada na revista A Águia.

O Livro do Desassossego é esta obra incompleta, tanto como na questão de obra, como também na questão de sua autoria. Para a nossa análise usaremos a edição feita por Jerónimo Pizarro, publicada pela editora Tinta da China em 2013.

(10)

Se pego numa sensação minha e a desfio até poder com ella

tecer-lhe a realidade interior a que eu chamo ou A Floresta do

Alheiamento, ou a Viagem Nunca Feita, acreditae que o faço

não para que a prosa sôe lucida e tremula, ou mesmo para que

eu gose com a prosa – ainda que mais isso quero, mais esse

requinte final ajunto, como um cahir bello de panno sobre meus

scenarios sonhados – mas para que dê completa exterioridade

ao que é interior... (PESSOA, 2013, p.162)

Com isso nos é dado aval para percorrer a floresta, ela é um cenário onde as mais diversas sensações irão ocorrer, sensações do exterior trazidas para o interior, e com isso modificando a cada instante cada sensação sentida. Aqui ele se refere como “A floresta do Alheiamento” o que nos aponta para o pensamento de que quando ele escreveu esse trecho (datado de aproximadamente 1915) ele já havia estado “Na Floresta do Alheamento” e quando se está nela a única coisa que se tem é o sonho, e nesses sonhos nada se fixa, as sensações se proliferam a cada instante.

Ainda no mesmo texto, Pessoa falará de dois aspectos fundamentais para essa dissertação: tornar-se outro e o papel do corpo na sensação.

(...) poder encontrar na visão dum poente ou na contemplação

dum detalhe decorativo aquella exasperação de sentil-os que

geralmente só pode dar, não o que se vê ou o que se ouve,

mas o que se cheira ou se gosta – essa proximidade do objecto

da sensação que só as sensações carnaes – o tacto, o gosto, o

olfacto – esculpem de encontro á consciencia; poder tornar a

visão interior, o ouvido do sonho (...) (PESSOA, 2013, p.159)

(11)

séculos passados e que na poesia de Pessoa grita por seu lugar novamente, buscando mostrar toda a sua força. Neste ponto, o projeto de Pessoa e Nietzsche parecem se encontrar:

Tomar o corpo como ponto de partida e fazer dele o foi condutor, eis o essencial. O corpo é um fenômeno mais rico que autoriza observações mais claras. A crença no corpo é bem melhor estabelecida do que a crença no espírito. (BARRENECHEA, 2011, p.3)

Vemos que o filósofo, assim como o poeta português, clama pelo lugar excluído do corpo. O filósofo nos aponta o corpo como um fenômeno rico de observações, se voltarmos nosso pensamento para o corpo temos como trabalhar as forças e as intensidades, o que não ocorre quando recorremos à crença no espírito. A brincadeira de Nietzsche é colocar como “essencial” aquilo que foi sempre visto pela tradição filosófica como supérfluo e descartável, além de mentiroso.

Seguindo com o texto de Pessoa, vemos que para continuar o trabalho de explorar as sensações é preciso se multiplicar em outros, criando um outro “eu” capaz de suportar o exaustivo trabalho sensacionista de absorver todas as sensações possíveis, sejam elas quais forem.

Outro methodo, mais subtil esse e mais difficil, é habituar-se a

encarnar a dor n’uma determinada figura ideal. Crear um outro

Eu que seja o encarregado de soffrer em nós, de soffrer o que

soffremos. Crear depois um sadismo interior, masochista todo,

que gose o seu soffrimento como se fosse d’outrem.

(PESSOA, 2013, p.160-161)

Para proliferar as sensações é preciso que se construa outro “eu”, mas não um “eu” sentimental que parta do interior do poeta, é preciso criar um outro que possa “soffrer em nós”, isto é, um outro exterior que é trazido para o interior com o intuito de carregar em si todas as sensações que seriam insuportáveis para um só sujeito.

(12)

não publicado, e pouco organizado por Fernando Pessoa, pode variar um pouco em suas edições, pois, o poeta só numerou alguns dos textos que pertenceriam ao Livro, deixando outros em aberto. Dessa forma, temos um livro que nunca poderá ser terminado, que se encontra sempre em devir, afinal, mesmo que ele tenha um número de páginas específico, seu conteúdo nos será sempre um mistério.

Fernando Pessoa, em uma compilação chamada: Para a explicação da heteronímia, (PESSOA, 1966, p.93), em que o poeta organizava diversos ensaios falando da questão da autoria, esses textos são importantes para pensamos o Livro, é a partir desses textos que podemos mergulhar na especificidade pessoana do ofício de escrever, de como ser – autores – e de como trabalhar a sensação.

O autor humano destes livros não conhece em si próprio

personalidade nenhuma. Quando acaso sente uma

personalidade emergir dentro de si, cedo vê que é um ente

diferente do que ele é, embora parecido; filho mental, talvez, e

com qualidades herdadas, mas diferenças de ser outrem.

(PESSOA, 1966, p.96)

Aqui Pessoa nos mostra que o seu processo de criação não é só “seu”. Por não reconhecer em si uma única personalidade, ele se multiplicará em diversas personalidades e, algumas delas permearão o Livro do Desassossego.

Baseando-nos no prefácio de Jerónimo Pizarro podemos dizer que, o Livro foi tido primeiro como sendo do próprio Fernando Pessoa (ou seu ortônimo) depois passou para as mãos de Vicente Guedes, retornando para Pessoa, depois voltando-se para Bernardo Soares e talvez volte outra vez para Fernando Pessoa. Jerônimo nos explica essas possibilidades:

Digo ao que parece, porque sempre que encontramos no

espólio pessoano textos sem indicação de autoria fictícia e não

assinados tendemos – se a letra é a do autor “real” – a atribuir

esses textos a Pessoa. (...) No caso do Livro do Desassossego

nenhum fragmento está assinado por Guedes ou por Soares,

(13)

planos de obra, em listas de projetos que incluem o Livro e no

cabeçalho de alguns trechos. (PIZARRO,2013, p.14).

Ele nos mostra a partir disso que Vicente Guedes aparecia no Livro nos anos de 1915 – 1917, em uma fase em que o Livro ainda não tinha seu caráter filosófico. Bernardo Soares só surgirá em meados de 1930, data em que Pessoa ainda resolvia que trechos pertenceriam ou não ao Livro.

Fernando Pessoa também nos deixa pistas de como se deve proceder na organização do Livro, seu conteúdo encontra-se em sua maioria, escrito em folhas soltas em que a única indicação de pertencerem ao Livro é uma marca – l.d.-, mas suas datas diferem bastante ou não são datadas. A partir disso, só resta para aquele que se propôs a organizar o Livro seguir as palavras do próprio poeta:

A organização do livro deve basear-se numa escolha, rigida

quanto possivel, dos trechos variadamente existentes,

adaptando, porém, os mais antigos, que falhem à psychologia

de B[ernardo] S[oares], tal como agora surge, a essa vera

psychologia. Àparte isso, há que fazer uma revisão geral do

proprio estylo, sem que elle perca, na expressão intima, o

devaneio e o desconnexo logico que o caracterizam.

(PESSOA, 2013, p.527)

Podemos ver como o Livro não é uma obra fechada, nem poderia ser. Ele é uma obra de ao menos três autores e seu conteúdo nos leva além do desassossego. Sua “biografia sem fatos” chega até nós como um laboratório poético de última instância. Sua narrativa não segue uma lógica linear, tampouco cronológica. Ao percorrer as páginas do Livro somos permeados uma linguagem que se repete, se multiplica, tentando levar o leitor a possibilidade máxima de múltiplas sensações. Muitos dos temas presentes no Livro se repetem ao longo da obra, porém, isso só reforça no leitor a possibilidade de buscar e aperfeiçoar suas sensações das mais diversas maneiras. Podemos até dizer que o Livro do Desassossego é um manual de como explorar as sensações ao máximo.

(14)

Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa.

Reparei, num relampago intimo, que não sou ninguem.

Ninguem, absolutamente ninguem. Quando brilhou o

relampago, aquillo onde suppuz uma cidade era um plaino

deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou o

céu acima d’elle. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo

fosse. Se tive que reincarnar, reincarnei sem mim, sem ter eu

reincarnado. (PESSOA, 2013, p.418)

Vemos nesse trecho que o próprio autor não é nem autor, nem qualquer outra coisa, ele é ninguém. Essa conclusão se dá através da sensação, sensação esta de “relampago intimo”1, mas fugindo do que caracteriza um relâmpago, sua luz não revela o céu, ela não clareia, não revela. O relâmpago pré determinado a emitir clarões visíveis aqui não existe mais, ele se relaciona de outra forma, podendo se transformar em qualquer coisa que a sensação traga.

Junto às nossas reflexões, é possível traçar uma relação entre o Livro do Desassossego e o “livro rizoma” proposto por Deleuze e Guattari, presente na introdução de Mil Platôs (DELEUZE E GUATTARI, 2011, p.17)? Tentaremos aqui mostrar algumas características que os aproximam, vendo assim o Livro do Desassossego como rizomático. Para essa reflexão pensaremos primeiro nos princípios que constituem um rizoma:

1º e 2º - Princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer

ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e

deve sê-lo. (...)

3º Princípio de multiplicidade: é somente quando o múltiplo é

efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele

não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito e

como objeto (...)

4º Princípio de ruptura a-significante: (...) Um rizoma pode ser

rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma

                                                                                                                         

1

Para esta dissertação escolhemos trabalhar com a edição do Livro do Desassossego de Jerónimo Pizarro, pois o editor manteve a grafia portuguesa da época de Fernando Pessoa. Achamos que dessa forma conseguiríamos nos aproximar mais do processo de escrita do

(15)

segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas.

(...)

5º e 6º: Princípio de cartografia e de decalcomania: um rizoma

não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou

gerativo. (DELEUZE E GUATTARI, 2014, p.22,23,25 e 29)

A partir desses princípios, eles irão nos falar do livro rizoma, que deverá ter ausência de qualquer elemento unificador, ele deve ser uma multiplicidade heterogênea em que: qualquer ponto seja capaz de se conectar com outro. Não é isso que nos é apresentado no Livro do Desassossego?

Primeiramente, o Livro já encontra dificuldades em determinar o seu autor, o que já rompe com o esquema tradicional de um livro, abrindo-o para diferentes possibilidades de construção. Depois, vemos que seus trechos não são escritos em uma sequência determinada, a escolha de sua ordem deve ser daquele que está editando a obra – mesmo que Pessoa tenha deixado alguma ordem, ela pode sempre ser alterada, por nunca ter sido unificada, alguns de seus trechos não possuem a assinatura de nenhum autor nem data, só sendo possível traçar alguma relação a partir da letra e da personalidade existente no trecho escrito.

Além disso, o Livro não estabelece relações determinadas entre suas partes, pode ser lido tanto em sequência como pode ser aberto em qualquer trecho que se queria. Com isso, rompemos e construímos novas ligações, o que faz parte de um rizoma. Um rizoma está sempre no meio, sempre no processo, não podemos dar-lhe início ou o fim, nossa leitura se dará sempre pelo meio.

Assim também se faz o Livro do Desassossego, ele é um percurso, não existe nele uma estrutura determinada, algo profundo e enraizado, um livro que possui diversas entradas e aberturas, assim como seus autores, sua multiplicidade não vem do uno e sim da possibilidade de se multiplicar sempre, de qualquer ponto que se queira.

(16)

foram publicados pelo poeta em vida. Veremos que a floresta se mostra alheia a si, como também alheia ao livro, porém seus versos se encontram repletos de assuntos que permeiam o Livro, como o sonho e o tédio.

Que horas, ó companheira inutil do meu tedio, que horas de

desasocego feliz se fingiram nossas alli!... Horas de cinza de

espirito, dias de saudade espacial, seculos interiores de

paysagens externas.

(PESSOA, 2013, p.78)

Com este fragmento podemos perceber todas as questões que encontraremos na floresta, o tédio, o fingir, o interior e o exterior; todos esses elementos estão presentes no movimento literário sensacionista de Pessoa. Esta corrente visava “sentir tudo de todas as maneiras”, para isso o poeta desenvolverá uma estética baseada na força, na sensação e não simplesmente no belo.

Pensando nessas questões, o primeiro capítulo dessa dissertação tem como objetivo situar Fernando Pessoa na modernidade: seus pensamentos acerca do momento em que vivia e seus movimentos literários. Daremos um enfoque maior para o Sensacionismo, principal corrente literária criada por Pessoa e base de quase toda a sua criação poética. Também analisamos o trabalho da escrita de Pessoa e suas rupturas. Buscamos suporte em alguns autores para a compreensão da obra pessoana, como: Octávio Paz e sua clareza em relação ao moderno, e Rolland Barthes que nos auxiliará na visão da escrita de Fernando Pessoa. O próprio poeta, e sua teoria e seus apontamentos sobre a literatura nos ajudará a traçar essa relação do poeta com o moderno.

(17)

leitura em Fernando Pessoa, apontando-nos todo o laboratório poético que é sua obra, tendo por base o estudo das sensações.

Após dissertarmos sobre a “estética da força”, não seria possível outro caminho, como já dissemos, do que um estudo dos “eus” em Pessoa. A partir do momento que temos uma poética baseada na sensação, não é possível encararmos o sujeito como sendo uma unidade, mas devemos vê-lo como uma proliferação de personalidades que buscam “sentir tudo de todas as maneiras”.

No último capítulo, somos levados a estudar o conceito de “corpo sem órgãos” de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Toda a estética das forças desenvolvida por Fernando Pessoa visa um corpo, sua poesia é corpo e o seu Sensacionismo deve ser sentido no corpo. Veremos como essas forças fundem-se para criar o corpo sem órgãos na poesia de Pessoa, em especial no poema “Na Floresta do Alheamento”, que é o fio condutor que liga as reflexões teóricas nesta dissertação.

Toda essa proposta nos levará para uma visão de Fernando Pessoa além da heteronímia; não a excluiremos, mas, aqui, ela é colocada como uma consequência de sua proposta sensacionista.

Fernando Pessoa foi o poeta “plural como o universo” e sua obra não poderia ser tratada de forma diferente. O poeta da heteronímia não se contentaria em escrever somente literatura, era preciso desenvolver uma vasta teoria que o colocasse em seu lugar, de direito, na modernidade.

(18)

 

1 - Fernando Pessoa e a modernidade

Pertenço a uma geração que ainda está por vir, cuja alma não

conhece já, realmente, a sinceridade e os sentimentos sociais.

(PESSOA, 1966, p.64)

1.1. Pessoa e as vanguardas europeias

Fernando Pessoa foi um crítico de seu tempo, um observador. Acima de tudo isso, era poeta-crítico e experimental, se sabia poeta e tinha conhecimento do dever de seu ofício. Para ser esse observador, era preciso ter algumas características e ele as tinha. Octavio Paz, em seu livro Os filhos do barro, nos fala que para romper com uma tradição é preciso saber que se faz parte dela; nosso poeta tinha plena consciência disso, podemos dizer que o que ele mais tinha era consciência.

Pensando no conceito de moderno em Octavio Paz, vemos que a modernidade atual mostra-se diferente das modernidades de outros períodos, nos encontramos na modernidade da ruptura:

O que distingue nossa modernidade das modernidades de outras épocas não é a celebração do novo e surpreendente, embora isso também conte, mas o fato de ser uma ruptura: crítica do passado imediato, interrupção da continuidade. (...)

(19)

Ao voltarmo-nos para essas reflexões, imediatamente somos levados às origens da modernidade na literatura. Pessoa era fruto de seu tempo, e esse tempo teve como predecessor poetas como Charles Baudelaire, que pensou e nomeou essa modernidade, tentando nos dar caminhos para percorrer as novas veredas que eram traçadas junto à literatura: “A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável” (BAUDELAIRE, 2011, p.27).

Em seu estudo, Hugo Friedrich põe acento nesse processo da lírica moderna, que se distancia da característica confessional, apontando para um eu impessoal, baseado na fantasia e no intelecto separando a lírica do coração.

Com Baudelaire começa a despersonalização da lírica

moderna, pelo menos no sentido que a palavra lírica já não

nasce da unidade de poesia e pessoa empírica, como haviam

pretendido os românticos, em contraste com a lírica de muitos

séculos anteriores (FRIEDRICH, 1978, p.36-37)

Ao começar a construir a impessoalidade em sua poesia, Baudelaire nos ajuda a ver o desenvolvimento dos caminhos que irão levar à futura poesia e ao poeta da modernidade: poeta crítico, que reflete seu tempo, que tem consciência do seu trabalho. O poeta se volta para seu tempo e para a multidão que nele se faz presente. Inicia-se aí uma crítica ao homem do romantismo, aquele que só olhava para seu interior, sempre visando uma unidade, uma totalizada, ainda que na fragmentação.

Friedrich busca também mostrar a reação da lírica contra a postura sentimentalista, como se todos os versos viessem do coração do poeta, sem mediação. O poema agora começa a ser visto como algo a ser trabalhado arduamente: “O ato que conduz à poesia pura chama-se trabalho, construção sistemática de uma arquitetura, operação com os impulsos da língua”. (FRIEDRICH, 1978, p.39)

(20)

romantismo e das líricas anteriores, é preciso que ele abra mão do seu eu construído por séculos de ode ao sujeito.

Em seus Ensaios de Doutrina Crítica, T. S. Eliot nos aponta esse despregar de si, essa libertação a que o poeta deve se submeter para atingir o poético:

O que acontece, é uma rendição contínua de si próprio, como

ele é no momento, a algo mais precioso. O progresso de um

artista reside num contínuo auto-sacrifício, numa extinção

contínua da personalidade. (ELIOT, 1997, p.26)

Fernando Pessoa sabe disso, sente-o em cada parte de seu corpo. Iremos adentrar em uma parcela de sua obra em busca dessa despersonalização, um processo que vai além do processo heteronímico. É neste sentido que buscaremos analisar seu poema em prosa “Na Floresta do Alheamento”. E, para isso, é interessante compreendermos um pouco o pensamento do poeta e como ele se encaixava na Modernidade.

Fernando Pessoa nos diz que: “Procurei sempre ser expectador da vida, sem me misturar nela. Assim, a isso que passa comigo, eu assisto como um estranho” (PESSOA, 1966, p.65). Também se dizia sem opinião e sem princípios. Mas, se observarmos atentamente os inúmeros textos deixados por ele, também podemos concluir que dizia não ter opinião porque tinha opinião sobre tudo, e isso era ser poeta.

Fernando Pessoa tinha uma crítica feroz a seu tempo e à estética de seu tempo. Foi um poeta de vanguarda, almejava colocar Portugal em compasso com o resto da Europa. Foi inventor de “ismos” que tiveram como objetivo levar a poesia para além do Simbolismo e do Saudosismo português. O Paulismo, o Interseccionismo e, sobretudo, o Sensacionismo, foram algumas das propostas criadas por Pessoa. Como veremos adiante, o poema privilegiado nesse trabalho pode ser relacionado à proposta sensacionista, esta que Pessoa dedicou mais escritos, descobertos após sua morte.

(21)

trabalho de sensações do poeta, que ele discutiria em sua crítica posteriormente.

Sabemos que o poeta Alberto Caeiro, o mestre de seus heterônimos, era tido como “chefe” do Sensacionismo – “Divide-se no sensacionismo, de que é chefe o Sr. Alberto Caeiro” (PESSOA, 1966, p.126) – mas,“ O sensacionismo começou com a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro” (CAMPOS, 1966, p. 148). Por meio do Sensacionismo, compreenderemos um pouco o pensamento desse autor, do que deveria ser para ele a palavra poética e toda a força nela contida.

O poeta, em um capítulo sobre o Sensacionismo, que se encontra em uma compilação póstuma de escritos críticos e teóricos seus, intitulado Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, vai abordar a relação da arte moderna com a vida moderna. Ele nos diz que:

Toda a época civilizacional gira em torno a um princípio que

define tal época e lhe dá os seus característicos típicos e

predominantes. (...) A época moderna, tomando esta frase no

sentido usual de abranger um período que date,

aproximadamente, da revolução francesa e venha até os

nossos dias, resume-se típicamente na accção de um

fenómeno principal. Esse fenómeno é a passagem do elemento

comercial e industrial da vida para a primeira plana da

existência social (...) (PESSOA, 1966, p.193-194)

Os progressos da ciência dominam toda a época moderna, e podemos observar a influência das mudanças dessa época na obra de Fernando Pessoa. Além de desenvolver seu poeta mais “futurista” (ou mais precisamente o mais sensacionista), Álvaro de Campos, todos os outros, tanto heterônimos como ortônimo, trazem, em sua linguagem poética, uma carga de ironia que desvela brilhantemente a sociedade que o cercava, como podemos observar neste poema de Álvaro de Campos datado de 1934:

Tantos poemas contemporaneos!

Tantos poetas absolutamente de hoje –

Interessante tudo, interessante todos...

Ah, mas é tudo quasi...

(22)

É tudo só para escrever...

Nem arte,

Nem sciencia

Nem verdadeira nostalgia...

Este olhou bem o silencio d’esse cypreste...

Esse viu bem o poente por traz do cypreste...

Este reparou bem na emoção que tudo isso daria...

Mas depois?...

Ah, meus poetas, meus poetas – e depois?

O peor é sempre depois...

É que para dizer é preciso pensar –

Pensar com o segundo pensamento –

E vocês, meus velhos, poetas e poemas,

Pensam só com a rapidez primaria da anciã – é a da pena –

Mais vale o classico seguro.

Mais vale o soneto constante,

Mais vale qualquer coisa, ainda que má,

Que os arredores inconstruidos duma qualquer coisa boa...

“Tenho minha alma!”

Não, não tens: tens a sensação d’ella.

Cuidado com a sensação!

Muitas vezes é dos outros,

E muitas vezes é nossa

Só pelo accidente estonteado de a sentirmos...

(CAMPOS, 2014, p.308-309)

Enxergamos claramente o posicionamento do poeta perante a arte de sua época. O trabalho feito pelos seus contemporâneos ainda eram baseados em antigas formas e convenções, além de fortemente atrelados a um certo nacionalismo português e, muitas vezes, a uma moral tradicionalista e católica.. Vemos no poema, ainda, a preocupação com a sensação, que será a base de seu movimento sensacionista, que tinha como grande representante Álvaro de Campos.

(23)

adianta que o poeta olhe bem e admire o poente, o que importa é o processo que ocorrerá depois disso, como essa percepção será destrinchada e mobilizada para virar material poético.

O Sensacionismo é a base de todo o laboratório poético de Fernando Pessoa, é por ele que sua crítica literária se pautará. Podemos arriscar até que é o Sensacionismo que dá ao poeta seu lugar na modernidade, uma vez que é com ele que Pessoa romperá com as estéticas vigentes, mudando completamente a forma do fazer poético. E marcando não apenas a sua mas muitas gerações seguintes.

Para podermos ver a modernidade pelos olhos de Fernando Pessoa, é preciso investigar os textos que ele deixou acerca de seu tempo. O poeta observava as grandes mudanças que estavam ocorrendo em sua época: o desenvolvimento da comunicação e do transporte, o espantoso aumento da atividade industrial e comercial, o crescimento da capacidade intelectual do homem, por causa dos avanços científicos e da multiplicação e crescimento das atividades culturais. Esses três elementos apontados causaram grandes mudanças para a época moderna, sua convergência vai traduzir o que o poeta chama de internacionalismo, o que mais tarde chamaremos de globalização.

O autor já anunciava nosso futuro, e via também o tipo de humanidade que estava se criando em torno desses avanços:

A maior facilidade das comunicações tornou fácil, e, por fácil,

constante, a flutuação de populações, as viagens, as relações

comerciais, a emigração, a accção comercial e a indrustria de

importadores e exportadores. (...) Fatalmente, pois, que o

ponto de apoio da mentalidade moderna passou gradualmente

a estar naquela parte da vida social que ìntimamente se

relaciona com, e necessàriamente se desenvolve por, uma

crescente facilidade de comunicações, e esse ponto é a vida

comercial, no acréscimo de vida industrial, no que vida

internacional e exportação e importação. (...) Resultou a

mentalidade essencialmente comercialista e industrialista das

sociedades modernas, com os característicos que, em todo o

tempo, corresponderam e foram o resultado de tal vida: o amor

(24)

instinto mercantil, a indiferença aos fins elevados nas questões

sociais e políticas, etc. (PESSOA, 1966, p.196)

Com essas mudanças, as sociedades europeias passaram a ter um pouco de cada civilização dentro de si mesmas, não só das europeias, mas do mundo.

As individualidades foram afetadas da mesma maneira, influenciadas pela mentalidade comercialista as pessoas aumentaram o consumo do luxo e conheceram um enfraquecimento do senso moral. Fernando Pessoa nos fala que essa mentalidade, criada na era das máquinas, em outras épocas fora vista como decadentista. O apego ao luxo e o enfraquecimento do laço social aumenta o individualismo; mas, na época moderna, suas consequências são diferentes do que ocorreram nas antigas civilizações: no caso de Roma, foi a política imperialista que não soube conter sua ânsia por expansão e poder cada vez maiores, o que levou o Império Romano à decadência.

Dessa forma, o poeta disserta a respeito do individualismo presente em sua época:

Assim, a era das máquinas produziu, nos indivíduos da Europa,

um individualismo excessivo, uma ânsia feroz de viver em toda

a extensão a vida individual, um abandono correspondente e

concomitante, resultante do senso moral, das prisões da

religião, dos chamados preconceitos que haviam sido a base

da vida dos séculos anteriores. (PESSOA, 1966, p.198-199)

(25)

Fernando Pessoa escreveu diversas críticas, mas antes de qualquer coisa ele se considerava poeta. Escreveu muitas páginas acerca do papel da arte na modernidade, sempre mostrando preocupação em se posicionar como artista. Dizia ele que a arte moderna se preocupara em interpretar o que vê, mas interpretar o que se vê é o papel da ciência, que procura “compreender uma cousa por meio das outras” (PESSOA, s/d, p.24): a arte quando tratada como ciência elimina o individual, e o autor critica os modernistas por terem tomado a arte como ciência.

Fernando Pessoa também faz diversas críticas ao Romantismo – não poderia ser de outra forma, afinal ele e seus contemporâneos eram filhos desse Romantismo. Uma dessas críticas é a de que o Romantismo não alterou a arte de dentro para fora e, sim, de fora para dentro, era preciso trabalhar as relações do exterior. A única forma de renovar a arte é substituir um conceito por outro, e o romantismo foi uma tentativa de reformar a arte e não de renová-la.

Pensando por esse viés, é de se esperar que Pessoa não estivesse satisfeito com seus contemporâneos, fossem eles poetas ou pessoas longe do meio artístico, como vimos acima. Em relação à literatura, o poeta nos dá o seguinte posicionamento:

Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um

homem de génio fazer senão converter-se ele só em uma

literatura? Com uma tal falta de gente coexistível, como há

hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão

inventar seus amigos, ou, quando menos, os seus

companheiros de espírito. (PESSOA, 1966, p.99)

O poeta vivia em uma época que estava se encaminhando para a nossa modernidade: ele não tinha mais a eternidade do cristianismo (sabe-se que sua crítica ao cristianismo era ferrenha), e também não enxergava vibração no futuro como as outras correntes que apareciam.

Com isso, foi preciso criar uma outra corrente, uma outra forma estética uma outra linguagem. Para isso era preciso também recriar-se.

Que cada um de nós multiplique a sua personalidade por todas

(26)

É a partir desse processo de multiplicação da personalidade que o Sensacionismo desdobrará todas as suas possibilidades, e com ele toda a galáxia heteronímica. Não podemos pensar a modernidade de Fernando Pessoa sem nos atermos para o movimento sensacionista. Em um texto denominado “Modernas correntes na Literatura Portuguesa”, com autoria de Álvaro de Campos, somos introduzidos às correntes literárias que eram debatidas em Portugal:

Uma é a da Renascença Portuguesa, outra é dupla, é

realmente duas correntes. Dividi-se no sensacionismo, de que

é chefe o Sr. Alberto Caeiro, e no paùlismo, cujo representante

principal é o Sr. Fernando Pessoa. (...) O sensacionismo

prende-se à atitude enérgica, vibrante, cheia de admiração pela

Vida, pela Matéria e pela Força. (...) O sensacionismo é um

grande progresso sobre tudo quanto lá fora na mesma

orientação se faz. O paùlismo é um enorme progresso sobre

todo o simbolismo e neo-simbolismo de lá fora. (PESSOA,

1966, p.125-126)

Vemos o processo sensacionista na própria criação do movimento, como vimos, seu chefe é tido como Alberto Caeiro. Ao colocar um heterônimo como criador de um movimento, Pessoa já nos aponta que não é possível fazer uma literatura sensacionista sem a despersonalização. Além disso já temos elementos como a Matéria e a Força que serão fundamentais para a criação da estética pessoana. Nos aprofundaremos nessas questões mais adiante.

Tento em vista os movimentos literários de sua época, é importante pensarmos que Fernando Pessoa foi influenciado pelo simbolismo e é pensando nele e indo além dele que o autor começa a pensar em seus movimentos literários.

(27)

momento, mas também de abarcar tudo aquilo que elas podiam acrescentar, pois o movimento sensacionista buscava a pluralidade. Segundo Pessoa:

Ao passo que todas as escolas literárias partem de um certo

número de princípios, assentam sobre determinadas bases, O

Sensacionismo não se assenta sobre base nenhuma. Qualquer

escola literária ou artística acha que a arte deve ser

determinada coisa; o sensacionismo acha que a arte não deve

ser determinada coisa (PESSOA, 1966, p.159)

Enquanto que as escolas literárias determinavam o que a arte deve ser, o Sensacionismo não deveria determinar coisa alguma, diz Pessoa. Assim, assume a dispersão como uma marca específica da sociedade e do homem modernos. O Sensacionismo admite todas as coisas, mas não deve aceitar nenhuma separadamente. Ou seja, o artista sensacionista deve buscar ser o universo, explorar todas as possibilidades. Como vemos neste trecho do poema de Álvaro de Campos “A passagem das horas”, é preciso “sentir tudo de todas as maneiras” para que tudo possa ser vivido em todas as suas possibilidades:

Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo

tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento diffuso, profuso, completo e longínquo.

(CAMPOS, 2014, p.135)

(28)

ser compreensível, porque a arte não é a propaganda política ou imoral.” (PESSOA, 1966, p.160)

É importante ressaltarmos que, um pouco antes das correntes literárias de Fernando Pessoa tomarem forma, temos a criação da revista literária Orpheu (1915), idealizada por Pessoa e seus amigos de geração Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Luís de Montalvor, Santa-Rita Pintor, o brasileiro Ronald de Carvalho, entre outros. Esse grupo queria “criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço” (PESSOA, 1966, p. 113). A revista, apesar de ter tido apenas dois números, foi, com certeza, um grande fator para Pessoa desenvolver suas correntes: o Paúlismo, o Interseccionismo e o Sensacionismo.

Em um texto intitulado “Prefácio para uma Antologia de Poetas Sensacionistas”, Álvaro de Campos dissertara a respeito de alguns desses artistas, mostrando-nos como cada poeta sensacionista tem sua personalidade: Nenhum sensacionista foi mais além do que Sá-Carneiro na

expressão em que o sensacionismo se poderá chamar de

sentimentos coloridos. (...) Fernando Pessoa é mais puramente

intelectual; a sua força reside mais na análise intelectual do

sentimento e da emoção, por ele levada a uma perfeição que

quase nos deixa com a respiração suspensa. (...)

José de Almada-Negreiros é mais espontâneo e rápido, mas

nem por isso deixa de ser um homem de génio. (...)

Luís de Montalvor é quem está mais próximo dos simbolistas.

No que se refere a estilo e orientação espiritual não está muito

distante de Mallarmé, o qual, não é difícil adivinhar, é, com

certeza o seu poeta favorito. (...)

São, de longe, bem mais interessantes do que os cubistas e os

futuristas! (PESSOA, 1966, p.148,149)

(29)

podemos ver em um texto escrito por Fernando Pessoa intitulado “Os fundamentos do sensacionismo”, escrito como uma resposta para aqueles, ou que criticaram, ou que não entenderam Orpheu e a proposta sensacionista:

Quando em Março de 1915 surgiu em Lisboa a revista Orpheu,

foi-lhe feito, pela gente que representa entre nós aquilo a que

em outros países se chama a crítica, um acolhimento adverso

e escandaloso. O resultado foi, como se sabe, que essa revista

constituiu um sucesso de livraria. A mesma ordem de

manifestações acolheu o aparecimento do segundo número,

salvo que determinadas peças literárias, que esse número

continha levaram a um auge de indignação dispersa a adversa

opinião popular a seu respeito. (PESSOA, 1966, p.158)

Podemos observar em um texto de Fernando Pessoa como a proposta de Orpheu está intimamente ligada aos seus movimentos:

- O que quer Orpheu?

- Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço.

A nossa época é aquela em que todos os países, mais

materialmente do que nunca, e pela primeira vez

intelectualmente, existem todos dentro de cada um, em que a

Ásia, a América, a África e a Oceania são a Europa, e existem

todos na Europa. Basta qualquer cais europeu — mesmo

aquele cais de Alcântara — para ter ali toda a terra em

comprimido. E se chamo a isto europeu, e não americano, por

exemplo, é que é a Europa, e não a América, a fons et origo

deste tipo civilizacional, a região civilizada que dá o tipo e a

direcção a todo o mundo.

Por isso a verdadeira arte moderna tem de ser maximamente

desnacionalizada — acumular dentro de si todas as partes do

mundo. Só assim será tipicamente moderna. Que a nossa arte

seja uma onde a dolência e o misticismo asiático, o

primitivismo africano, o cosmopolitismo das Américas, o

exotismo ultra da Oceania e o maquinismo decadente da

Europa se fundam, se cruzem, se interseccionem. E, feita esta

(30)

uma inspiração espontaneamente complexa... (PESSOA, 1966,

p.113-114)

Uma arte cosmopolita, que deve “acumular dentro de si todas as partes do mundo” já nos aponta para o Sensacionismo, que deve ser essa fusão de todas as artes.

Em nossa dissertação, analisaremos o poema “Na floresta do alheamento” sob a luz do Sensacionismo. Consideramos que esta é a peça chave para a compreensão do que queria Pessoa ao criar seus movimentos literários. O Sensacionismo foi tido por ele como o futuro da arte: “Creio que todo o futuro da arte europeia está no movimento sensacionista” (PESSOA, 1966, p.124). Este foi também o movimento mais desenvolvido por Pessoa, e aquele em que seus heterônimos e semi-heteronimos se pautaram para o desenvolvimento de suas literaturas.

Devemos ressaltar, porém, que tanto o Paúlismo quanto o Interseccionismo foram importantes para a construção do Sensacionismo, pois, se ele deveria englobar todas as artes, ambos os movimentos seriam abarcados por ele.

Ligando-se ao Simbolismo, Fernando Pessoa dá início ao projeto que recebe o nome de Paúlismo, derivado da palavra paúl, que significa pântano. Seu manifesto deu-se com o poema “Impressões do Crepúsculo”, cujo vocábulo inicial é a palavra paúis – “Paúis de roçarem ânsias pela minh’alma em ouro...”. O poeta considera esse movimento como um enorme progresso sobre o simbolismo, pois sua preocupação com a palavra poética vai além da sensação e o caráter teórico e experimentalista mostra sua apreensão em relação ao processo de produção do poema.

Do ponto de vista da linguagem, o Paúlismo se caracteriza pela libertação do sentido da imagem, fazendo com que o significado desta seja subordinado ao seu correspondente significante, como nos aponta Fernando Segolin em seu livro Fernando Pessoa: Poesia, Transgressão, Utopia:

Os textos paulistas representam, antes de tudo, uma primeira

tentativa de arrancar um som outro da palavra viciada por

séculos de poesia emotivo-confessional. (SEGOLIN, 1992,

(31)

Atrelado a esse movimento, Fernando Pessoa apresenta um segundo projeto poético chamado de Interseccionismo, que segue os mesmos passos que tomaram o Cubismo e o Futurismo, mas ao invés de apenas unificar pintura e literatura, escultura e literatura, o poeta prega uma fusão que vai além da soma.

O Interseccionismo prefere a ideia de intersecção à ideia de simultaneísmo, para criar a intersecção do entre paisagens exteriores e paisagens interiores. Um exemplo do Interseccionismo seria o poema “Chuva oblíqua”, de Pessoa ortônimo, que Fernando Pessoa chega a dizer ser o único poema que verdadeiramente atenderia ao ideal do movimento. Podemos observar que o poema sempre lida com duas possibilidades que se inter-relacionam: o vulto é nítido, o horizonte é vertical:

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...

O vulto do cais é a estrada nítida e calma

Que se levanta e se ergue como um muro,

E os navios passam por dentro dos troncos das árvores

Com uma horizontalidade vertical,

E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma

dentro... (PESSOA, 2006, p.105)

Pessoa lida com duas realidades: uma interior, pertencente ao sonho, e outra exterior, pertencente ao real. Para criar textos complexos, manuseia partes desses dois universos, entrecruzando sensações, capazes de expressar conscientemente essa multiplicidade (de sentimentos).

O tempo de Pessoa era o das vanguardas, toda a Europa estava borbulhando com as novas formas de expressão: o Futurismo de Marinetti, o Cubismo de Picasso, o Surrealismo de Apollinaire, tudo isso despertava grande interesse em Fernando Pessoa, tanto que Álvaro de Campos teve seus grandes momentos futuristas, como podemos nos recordar em um trecho de seu famoso poema Ode Triunfal:

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fóra e dentro de mim,

(32)

Por todas as papilas fóra de tudo com que eu sinto!

Tenho os lábios sêcos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,

E arde-me a cabêça de vos querer cantar com um excesso

De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

(CAMPOS, 2014, p.48)

Ao mesmo tempo em que vemos um poema futurista, vemos uma crítica ao excesso que era exaltado pelo futurismo. Por mais que tenha sido influenciado por Marinetti, Fernando Pessoa tinha muitas críticas ao movimento, como podemos ver em uma carta escrita por Pessoa em que se dirigia a Marinetti (não sabemos se a carta chegou a ser enviada):

Assim, não sou totalmente ignorante pelo que respeita ao

futurismo; alinho, até, convosco em certa medida.

Penso, todavia, que o futurismo deveria evoluir muito e

abandonar o seu extremo exclusivismo. Parece-me que sua

concepção de história é muito pouco futurista e que prevedes

uma revolução histórica demasiado regular.(...).

Assim, cada indivíduo e cada povo deve desenvolver-se o mais

possível, sem que, todavia, o seu objetivo seja invidividual ou

nacionalista. (PESSOA, s/d, p.170-171)

Vemos que Pessoa não concordava com a visão política de Marinetti, com sua noção de história que leva a ascensão, e da glorificação da guerra que seria fundamental para a higienização populacional. Além disso, não é possível para um autor como Fernando Pessoa, que busca a pluralidade, que sabe da impossibilidade de unificação do eu, pensar a história como uma linha reta. Pensando nessa linha reta, nos remetemos ao célebre poema de Álvaro de Campos “Poema em linha recta”, que nos coloca frente a um poeta que conhecia muito bem seus contemporâneos e que constrói seu poema com uma ironia peculiar, rompendo com qualquer possibilidade de “linha reta”:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

(33)

Eu tantas vezes ir respondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar

banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das

etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,

Eu que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado

sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas

ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

(CAMPOS, 2014, p.281)

Álvaro de Campos ridiculariza seus contemporâneos expondo sua face mais vil, onde é mais importante se preservar uma imagem mentirosa e distorcida do que admitir suas verdadeiras sensações e ações.

O poeta também tinha críticas severas à guerra, o que o coloca afastado dos outros futuristas de seu tempo:

Coisa mais ignóbil e mais baixa que a guerra Europea nunca

se viu. Foi a disputa entre o lixo e o estrume. Provou-se, no fim,

que ambos cheiravam mal. Mas nem era preciso morrer tanta

gente para se saber o que o nariz dizia sem que bastassem

desorientados apodrecessem.

Foi no nojo d’esse acontecer que sahiu o meu “Ultimatum”.

Estamos, é certo, numa Europa sem gente, povoada de

cadaveres – uns vivos, outros mortos – que dançam

macabramente á musica do proprio estertor. (CAMPOS, 2014,

(34)

Recordemo-nos de um trecho de “Ultimatum”, o manifesto “futurista” de Álvaro de Campos, talvez seu momento mais próximo à dicção do movimento italiano:

(...)

Fallencia geral de tudo por causa de todos!

Fallencia geral de todos por causa de tudo!

Fallencia dos povos e dos destinos – fallencia total!

Desfile das nações para o meu Desprezo!

Tu, ambição italiana, cão de collo chamado Cesar!

Tu, “esforço francez”, gallo depennado com a pelle pintada de

pennas! (Não lhe deem muita corda senão parte-se!)

Tu organização britannica, com Kitchener no fundo do mar

mesmo desde o princípio da guerra!

(...)

Agora é a guerra, jogo de empurra do lado de cá e jogo de

porta do lado de lá!

Suffoco de ter só isto á minha volta!

Deixem-me respirar!

Abram todas as janellas!

Abram mais janellas do que todas as janellas que ha no

mundo!

(CAMPOS, 2014, p.405,406)

Mesmo aqui, temos um poema em que cada verso exprime o nojo pela guerra, por seus protagonistas e por toda a gente que com ela compactua. Álvaro de Campos nos foi apresentado como um poeta futurista, mas vemos que o Futurismo só lhe foi utilizado no estilo. Suas ideias se opunham a ele quase que completamente.

(35)

a entender, apenas, que era um poeta específico (seu nome não é dito) – Fernando Pessoa enfatiza e explica essa exigência.

Não sei que lhe diga do seu livro, que seja bem um ajuste entre

a minha sensibilidade e a minha inteligência. Ele é deveras a

obra de um Poeta, mas não ainda de um Poeta que se

encontrasse, se é que um Poeta não é, fundamentalmente,

alguém que nunca se encontra. Há imperfeições e

inacabamentos nos seus versos. Vêem-se ainda entre as flores

as marcas das suas passadas. Não se deveriam ver. Do poeta

deve ser o ter passado sem outro vestígio que a presença das

rosas. Para quê os ramos quebrados, ainda, e partido o caule

das violetas?

Eu não lhe devia dizer isto, talvez, sem prefaciar que sou o

mais severo dos críticos que tem havido. Exijo a todos mais do

que eles podem dar. Para que lhes havia eu de exigir o que

cabe na competência das suas forças? O poeta é o que

sempre excede o que pode fazer. (PESSOA, s/d. p.135)

Pessoa também se refere às qualidades dos poetas, mostrando suas diferentes características e onde eles se encaixam dentro de sua divisão. Vamos nos deter em algumas delas.

As três qualidades fundamentais do artista são:

1) A originalidade,

2) a construtividade, e

3) o poder de suspenção. (PESSOA, s/d, p.121)

A originalidade se diferencia da excentricidade: a primeira manifesta o gênio e a segunda o louco. A originalidade envolver 3 aspectos: a) do pensamento b) da forma de manifestar esse pensamento c) do modo de manifestar essa manifestação:

O arquiteto, o pintor, o escultor não podem mostrar

pensamento, nem o pode o compositor musical. Mas os três

primeiros podem mostrar imaginação (não emoção); o segundo

(36)

Em um fragmento em que irá refletir a respeito do poeta e da cultura, Fernando Pessoa nos fala que há três tipos de cultura: “a que resulta da erudição, a que resulta da experiência translata, e a que resulta da multiplicidade de interesses intelectuais.” (PESSOA, s/d, p.130)

Ele nos aponta que a inteligência se utiliza de elementos externos, trabalhando esses dados para a formação do sentido – já que, em relação à experiência, cada indivíduo só pode contar consigo mesmo, pois cada um tem a sua forma de ver e interpretar o que vê, também é inserido neste contexto o auxílio da cultura que molda essas percepções. O homem culto tem a capacidade de assimilá-la e fazer com que se torne parte dele. Existe a cultura adquirida através da erudição, que se deve a um estudo paciente e concentrado para que se obtenha um bom resultado daquilo que foi estudado; a cultura da experiência e do aproveitamento daquilo que se lê, vê e ouve; e a cultura dos interesses intelectuais, que não será dominante, mas trará um aumento significativo em relação ao chamado espírito.

Octavio Paz nos diz que o moderno está condenado à pluralidade. Quem melhor para representar essa modernidade do que o poeta múltiplo?

A modernidade nunca é ela mesma, é sempre outra. O

moderno não se caracteriza apenas pela novidade, mas pela

heterogeneidade. Tradição heterogênea ou do heterogêneo, a

modernidade está condenada à pluralidade: a antiga tradição

era sempre a mesma, a moderna é sempre diferente (PAZ,

2013, p.15,16)

Não tendo mais a eternidade, nem pensando no futuro para fazer sua poesia, o poeta vai em busca de uma saída para o caos do século XX e a encontra na sensação.

(37)

outro, embora fragmentado, dividido, múltiplo e disperso. O poeta vai ao extremo de afirmar que esse sujeito deve assumir sua multiplicidade invertível e engolível, procurando ser um pela manhã, outro a tarde e outro ainda ao fim do dia. Essas questões causavam quase que um sufocamento no poeta, cujo clamor se manifesta ao longo de sua obra poética.

A seguir, neste trabalho, iremos nos pautar em um texto publicado como sendo de Álvaro de Campos, na revista Athena, no ano de 1924, intitulado: “Esthetica não-aristotelica”. O texto foi publicado em duas partes, tendo a segunda parte saído na edição de 1925. Esse texto “filosófico” nos trás uma nova proposta estética, que se volta para a força e não para a beleza, concretizando assim todas as expectativas sensacionistas.

Chamo esthetica aristotelica á que pretende que o fim da arte é

a belleza, ou, dizendo melhor, a producção nos outros da

mesma impressão que a que nasce da contemplação ou

sensação das cousas bellas. Para a arte classica — e as suas

derivadas, a romantica, a decadente, e outras assim — a

belleza é o fim; divergem apenas os caminhos para esse fim,

exactamente como em mathematica se podem fazer diversas

demonstrações do mesmo theorema. A arte classica deu-nos

obras grandes e sublimes, o que não quer dizer que a theoria

da construção d’essas obras seja certa, ou que seja a unica

theoria “certa”. É frequente, alias, e tanto na vida theorica como

na práctica, chegar-se a um resultado certo por processos

incertos ou mesmo errados.

Creio poder formular uma esthetica baseada, não na ideia de

belleza, mas na de força — tomando, é claro, a palavra força

no seu sentido abstracto e scientifico; porque se fosse no

vulgar, tratar-se-hia, de certa maneira, apenas de uma fórma

disfarçada de belleza. Esta nova esthetica, ao mesmo tempo

que admitte como boas grande numero de obras classicas —

admittindo-as porém por uma razão differente da dos

aristotelicos, que foi naturalmente tambem a dos seus

auctores, — estabelece uma possibilidade de construirem

novas espécies de obras de arte que quem sustente a theoria

aristotelica não poderia prever ou acceitar. (CAMPOS, 2014,

(38)

Álvaro de Campos nos propõe a estética da força; como veremos, esta é umas das bases do Sensacionismo, para o qual toda a arte é uma sensação (abordaremos essa questão mais profundamente no próximo capítulo). Dessa forma, Fernando Pessoa nos coloca diante de uma ruptura na forma de ver a arte, ela deve se basear somente na sensação. O poeta vai desenvolver um longo trabalho a respeito da arte, da sensação e da consciência abstrata da sensação.

1.2. O modernismo presente no poema “Na Floresta do Alheamento”

Vimos, nesse breve percurso do pensamento de Fernando Pessoa, suas posições frente às questões sociais e artísticas de seu tempo. Sabemos que o poeta possui uma obra extremamente vasta, mas aqui nos ocuparemos somente em observar seu poema sensacionista “Na Floresta do Alheamento”.

Em carta a João Lebre Lima, escrita em maio de 1914 (e que não chegou a ser enviada), Fernando Pessoa explica que o texto de “Na Floresta do Alheamento” deveria ser inserido no Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, mas, no período, só havia saído uma parte na revista A Águia, 2.ª série, vol. IV (julho-dez. de 1913).

A propósito de tédios, lembra-me perguntar-lhe uma coisa...

Viu, num número do ano passado, de A Águia um trecho meu

chamado Na Floresta do Alheamento? Se não viu, diga-me.

Mandar-lho-ei. Tenho imenso interesse que você conheça esse

trecho. É o único trecho meu publicado em que eu faço do

tédio, e do sonho estéril e cansado de si próprio mesmo ao ir

começar a sonhar-se, um motivo e o assunto.

Não sei se lhe agradará o estilo em que o trecho está escrito; é

um estilo especialmente meu, e a aqui vários rapazes amigos,

brincando, chamam «o estilo alheio», por ser naquele trecho

que apareceu. E referem-se a «falarem alheio», «escrever em

alheio», etc.

Aquele trecho pertence a um livro meu, de que há muitos

(39)

acabar; esse livro chama-se Livro do Desassossego, por causa

da inquietação e incerteza que é a sua nota predominante. No

trecho publicado isso nota-se. O que é em aparência um mero

sonho, ou entresonho, narrado, e — sente-se logo que se lê, e

deve, se realizei bem, sentir-se através de toda a leitura —

uma confissão sonhada da inutilidade e dolorosa fúria estéril de

sonhar. (PESSOA, 1990, p.59)

Fernando Pessoa nos revela nesta carta que mesmo o sonho que lhe é estéril está repleto de sensações, e se expressa num estilo exclusivo dele, embora possa ser encontrado também nos escritos de Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Sabemos também que o poeta nos conta que, dentre todos os seus heterônimos, o único que o conheceu foi Álvaro de Campos “Alguns conheceram-se uns aos outros; outros não. A mim, pessoalmente, nenhum me conheceu, excepto Álvaro de Campos” (PESSOA, 1966, p.99). Fernando Pessoa também nos fala entre as semelhanças de Álvaro de Campos e Bernardo Soares, e de Bernardo Soares com o próprio Fernando Pessoa.

Há notáveis semelhanças, por outra, entre Bernardo Soares e

Álvaro de Campos. Mas, desde logo, surge em Álvaro de

Campos o desleixo do português, o desatado das imagens,

mais íntimo e menos propositado que o de Soares.

Há acidentes no meu distinguir uns de outros que pesam como

grandes fardos no meu discernimento espiritual. Distinguir tal

composição musicante de Bernardo Soares de uma

composição de igual teor que é a minha. (PESSOA, 1966,

p.104)

Com isso, é possível aproximar o poema dramático “Na Floresta do Alheamento” do delírio de sensações que Álvaro de Campos nos oferece em seus poemas, sempre envolto por uma angústia e um pessimismo arrebatador, que nos faz perder o chão e os sentidos, impondo-nos uma espécie de entrega completa ao poeta e seus versos.

Sei que despertei e que ainda durmo. O meu côrpo antigo,

moído de eu viver, diz-me que é muito cêdo ainda... Sinto-me

(40)

N’um torpôr lucido, pesadamente incorpóreo,estagno, entre o

somno e a vigília, n’um sonho que é uma sombra de sonhar.

Minha attenção boia entre dois mundos e vê cegamente a

profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas

profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde

estou nem o que sonho.

(PESSOA, 2013, p.75)

Ao entrar no texto, a primeira coisa com que nos deparamos é um sujeito consciente: “Sei que despertei e ainda durmo”; a consciência para Fernando Pessoa não é a consciência moral, que é determinada pela sociedade, e, sim, a consciência da sensação, do processo vivenciar a sensação no corpo como um todo, e de sentir o que foi pensado e refletido em cada parte do corpo.

O corpo antigo do eu-lírico já está flagelado pelo viver, já passou por muitas épocas, mas sabe que ainda é cedo. É possível relacionar esse “cedo” com o tempo em que o poeta vivia, pois ele sabia que sua poesia era para as gerações futuras, que só seria compreendido por alguém de outro tempo.

No parágrafo seguinte o poeta está estagnado entre o sono e a vigília, entrando num mundo outro, que não é nem o da realidade, nem o do sonho, mas o da sensação.

A alcôva vaga é um vidro escuro atravez do qual, consciente

d’elle, vejo essa paysagem,... e a essa paysagem conheço-a

ha muito, e ha muito que com essa mulher que desconheço

érro, outra realidade, através da irrealidade d’ella. Sinto em

mim seculos de conhecer aquellas arvores e aquellas flôres e

aquellas vias em desvios e aquelle sêr meu que alli vagueia,

antigo e ostensivo ao meu olhar que o saber que estou n’esta

alcova veste de penumbras de vêr...

(PESSOA, 2013, p.75-76)

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A nossa proposta de pesquisa compõe-se de uma sequência didática para o ensino dos tópicos: planos, cilindros e quádricas, onde foi explorada a visualização com o traçado dessas

DATA: 17/out PERÍODO: MATUTINO ( ) VESPERTINO ( X ) NOTURNO ( ) LOCAL: Bloco XXIB - sala 11. Horário Nº Trabalho Título do trabalho

favorecida), para um n´ umero grande de poss´ıveis lan¸ camentos, esperamos que a frequˆ encia de cada face seja parecida. • Em outras palavras, esperamos que a frequˆ encia

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O objetivo do curso é promover conhecimentos sobre as técnicas de gerenciamento de projetos, melhorando assim a qualidade do planejamento e controle de obras, visando proporcionar

A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se baseia no fato de que uma

A Psicologia, por sua vez, seguiu sua trajetória também modificando sua visão de homem e fugindo do paradigma da ciência clássica. Ampliou sua atuação para além da