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CONSELHO DE DISCIPLINA

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Academic year: 2022

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 50 - 2021/2022

DESCRITORES: Infrações específicas dos clubes – Declarações – Lesão da honra e da reputação – Imprensa privada – Rede Social – Reincidência como elemento de qualificação do tipo – Confissão integral e sem reservas

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

PARTES: Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, na qualidade de arguida; Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, na qualidade de participante

OBJETO: Declarações proferidas sob o enfoque das ofensas à honra e consideração de agentes de arbitragem

DECISÃO SINGULAR

DATA: 15 de março de 2022 RELATOR: Vasco Cavaleiro

NORMAS APLICADAS: Artigos 19.º, 112.º, n.ºs 1, 3 e 4, 245.º, todos do RDLPFP; artigo 51.º n.º 1 do RCLPFP

SUMÁRIO:

I. As sociedades desportivas e todos os agentes desportivos que exerçam funções no âmbito das competições organizadas pela LPFP devem manter conduta conforme com os princípios desportivos de lealdade, respeito, probidade, retidão, correção e urbanidade.

II. Subjacente ao ilícito disciplinar estatuído no artigo 112.º do RDLPFP não se acha apenas o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal. Está também, simultaneamente, o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto – que declarações ofensivas da honra de outros agentes desportivos, atenta a ressonância mediática e simbólica dos respetivos protagonistas, podem indiscutivelmente comprometer – e o interesse público, confiado às Federações Desportivas e às Ligas Profissionais, de assegurar o princípio da ética desportiva, entre outras, na sua dimensão relacional ou dialógica, o prestígio e o bom funcionamento das competições de natureza profissional.

III. As normas disciplinares em dissidio realizam a proteção da ética e dos valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros.

IV. Pratica a infração disciplinar prevista e punida pelos n.º 1, 3 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP, a sociedade desportiva que, através de publicação eletrónica, na sua conta oficial em rede social, referindo-se a agente de arbitragem, profere declarações manifesta e objetivamente ofensivas da honra e consideração do visado, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve

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caracterizar – mais se verificando que essa sociedade desportiva já tinha sido sancionada, pelo ilícito em causa, por mais do que uma vez, no período das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos em apreço.

V. Ofende a honra de membro da equipa de arbitragem e o bom nome da competição, a sociedade desportiva que nas suas declarações não se limita a apontar, de forma objetiva, erros da equipa de arbitragem, antes integra, no seu discurso, afirmações como “atentado contra a verdade desportiva” que convoca um ato intencional do agente de arbitragem, acrescidas da referência a «[m]ais uma singularidade do campeonato português, um hat trick oferecido pelo árbitro». Com tais declarações, ultrapassa, claramente, a crítica subjetiva, porquanto coloca em causa a imparcialidade de agente de arbitragem (árbitro principal do jogo em apreço nos autos), imputando uma atitude de comprometimento e de benefício para com uma das equipas contendoras (e um seu concreto jogador), afetando, assim, consequentemente, a reputação, bom nome, autoridade e credibilidade do agente de arbitragem visado. Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas pelos agentes de arbitragem, não pode deixar de se considerar que as aludidas declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação do agente de arbitragem em questão, além de afetarem a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva.

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DESPACHO-DECISÃO

Decisão proferida ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 245.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol1.

I – RELATÓRIO

§1. Registo inicial

1. Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, datada de 4 de janeiro de 2022, na sequência de participação do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, foi ordenada a instauração do presente processo, autuado como processo disciplinar, tendo por arguida a Futebol Clube do Porto – Futebol SAD2, e por objeto

«[d]eclarações proferidas sob o enfoque das ofensas à honra e consideração de agentes de arbitragem » - cf. capa do processo e fls. 1.

2. Em cumprimento da sobredita deliberação de instauração, no dia 6 de janeiro de 2022, o processo disciplinar foi autuado, registado (cf. verso da capa) e remetido, nessa mesma data (cf. fls. 7) à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (adiante, Comissão de Instrutores), em cujo contexto, por despacho do Exmo. Senhor Presidente daquela Comissão, de 7 de janeiro de 2022, foi determinada a distribuição do mesmo àquele signatário (cf. fls. 8).

3. Na data de conclusão dos autos à Comissão de Instrutores, o processo encontrava-se autuado com as notícias da imprensa desportiva que acompanharam a participação apresentada pelo Conselho de Arbitragem da FPF (cf. fls. 3 a 5).

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020 e 02 de junho de 2021, ratificado na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 14 de julho de 2021. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da FPF. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

2Doravante designada por SAD arguida.

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4. No dia 12 de janeiro de 2022, o Ilustre Instrutor designado nos autos deu início à instrução, atento o disposto nos artigos 228.º, n.ºs 2 e 3, e 229.º, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP, sendo que, na mesma data, foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 227.º daquele corpo regulamentar, notificando-se a arguida quanto à instauração do processo disciplinar (cf. fls. 10 a 14).

5. Na pendência da fase de instrução, o Ilustre Instrutor promoveu a junção aos autos da seguinte documentação:

(i) Junção do extrato disciplinar da SAD arguida, abrangendo esse registo as três últimas épocas desportivas anteriores à da prática dos factos (cf. fls. 15 a 36);

(ii) Junção da documentação oficial do jogo disputado no Estádio José de Alvalade, em 29 de dezembro de 2021, entre a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD e a Portimonense Futebol SAD, relativo à 16.º Jornada da Liga Portugal bwin (cf. fls. 37 a 52);

(iii) Junção de notícias na imprensa nacional desportiva sobre o tweet da FC Porto Media (@MediaPorto), relativamente à notícia constante do link https://www.abola.pt/nnh/2021-12- 30/fc-porto-dragoes-criticam-caso-com-paulinho-hat-trickoferecido-pelo-arbitro/920174 (cf.

fls. 55 a 66).

§2. Relatório Final e Acusação

6. Finda a fase de instrução, o Ilustre Instrutor designado nos autos considerou existirem indícios suficientes da prática de infração disciplinar por parte da arguida e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 1, do RDLPFP, deduziu, em 14 de fevereiro de 2022, acusação contra a mesma (cf. fls. 67 a 77).

7. Em termos sumários, resulta do libelo acusatório a imputação à SAD arguida de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLPFP.

8. A indiciação lançada em sede de acusação apresenta-se sustentada na prova produzida nos autos, nomeadamente na já referida nos pontos 3. a 5. do presente Despacho-Decisão.

§3. Audiência Disciplinar

9. Conforme o disposto no artigo 237.º do RDLPFP, remetidos os autos à Secção Disciplinar, se nada obstar ao seu recebimento, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF

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ordena a notificação da acusação ao arguido e procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes.

10. Destarte, em 21 de fevereiro de 2022, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF: (i) distribui os presentes autos ao ora Relator; e (ii) designou o dia 2 de março de 2022, pelas 10h00, como data da audiência disciplinar, a realizar na sede da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, perante o Relator (vide fls. 79).

11. Por requerimento apresentado nos autos a 25 de fevereiro de 2022, pelas 16h49, subscrito pelos seus Ilustres Mandatários, veio a SAD arguida juntar memorial de defesa, instruído com um documento, mais requerendo, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 238.º, n.ºs 6 e 7, do RDLPFP, que seja dada sem efeito a audiência disciplinar agendada (cf. fls. 92 a 103). No mesmo dia, pelas 16h55, a SAD arguida, igualmente por requerimento endereçado através dos seus Ilustres Mandatários, nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do RDLPFP, veio confessar, integralmente e sem reservas, os factos que lhe são imputados na referida acusação (apud fls. 104 a 107).

12. Por despacho do aqui Relator, datado de 26 de fevereiro de 2022, que recaiu sobre aqueles requerimentos, determinou-se: a aceitação do memorial de defesa apresentado pela SAD arguida, porquanto a sua apresentação se mostrava tempestiva, bem como a prova documental junta com o mesmo; a notificação da SAD arguida para clarificar, no mais curto espaço de tempo, e de modo a ainda poder ser apreciada em tempo útil à finalidade pretendida quanto ao requerimento confessório, se o documento junto a título de prova documental com o memorial de defesa visa, exclusivamente, instruir a matéria de direito constante nesse memorial e a tese aí sufragada quanto à alegada irrelevância jurídica dos factos vertidos na acusação (vide fls. 109 e 110).

13. Na sequência do predito despacho, vieram os Ilustres Mandatários da SAD arguida, por requerimento datado de 28 de fevereiro de 2022, informar os autos que «o documento juntos aos autos, a título de prova documental, com o memorial de defesa apresentado pela arguida visa, exclusivamente, instruir a matéria de direito e a aludida irrelevância jurídica dos factos vertidos na acusação» (cf. fls. 123 a 125).

14. Em face do exposto, considerou o Relator que os esclarecimentos prestados pela SAD arguida mostram-se bastantes para fazer suprir a necessidade de clarificação indicada na parte final do despacho datado de 26 de fevereiro, no que tange à articulação entre o memorial de defesa e o requerimento confessório. Considerando, assim, o Relator que a confissão subscrita

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pela SAD arguida cumpria os requisitos formais e materiais previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 245.º do RDLPFP. Destarte, determinou, por despacho datado de 28 de fevereiro de 2022, a aceitação da confissão, com os devidos efeitos regulamentares, seguindo-se a decisão, através de despacho fundamentado, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 245.º do RDLPFP (cf. fls. 127 e ss.).

II – COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE DISCIPLINA

15. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, do RJFD20083, compete a este Conselho, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva.

No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho4.

III – QUESTÕES PRÉVIAS

16. Inexistem questões prévias que tenham sido suscitadas ou que importe conhecer, sendo que, os elementos constantes nos autos são bastantes para habilitar a tomada de decisão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

§1. A prova no direito disciplinar desportivo

17. Nem no RDLPFP, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva que regule as competições futebolísticas, encontramos uma resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.

3 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

4 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

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18. Contudo, a redação do n.º 1 do artigo 16.º do RDLPFP permite-nos resolver, ainda que indiretamente, essa questão: «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações».

19. Neste enquadramento, quando se questiona e se procura indagar a base normativa para a valoração da prova pelo julgador, para efeitos do processo disciplinar desportivo e, especialmente, porque este assume natureza pública, o entendimento deste Conselho, que já antes ia nesse sentido, fica, por via daquele normativo, mais sedimentado e com respaldo regulamentar, ou seja, a resposta está nos princípios do direito penal e, em especial, nas regras do respetivo processo.

20. Portanto, é, sem dúvida, no processo penal que vamos encontrar um complexo normativo referencial também para a questão da valoração da prova no direito disciplinar desportivo, desde logo porque encontramos as normas processuais penais que são, pela sua própria natureza, aquelas que se colocam como mais garantísticas dos direitos de defesa dos arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as necessárias adaptações, o processo penal pode e deve representar a matriz do direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)5.

21. Por outro lado, é também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que ao processo disciplinar se deve aplicar a regra da “livre apreciação da prova” consagrada no artigo 127.º, do Código de Processo Penal6, o que bem se compreende, dadas as proximidades e as similitudes entre o processo disciplinar e o processo penal, designadamente no que respeita a alguns procedimentos e às garantias do arguido.

22. Na verdade, o artigo 127.º do Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, sem

5 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cf. artigo 32.º, n.º 10).

6 Neste sentido ver, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 03132/11.6BEPRT, de 20-05-2016; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

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prejuízo, como é óbvio, do princípio da “presunção de inocência”, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, e do princípio “in dubio pro reo”, que igualmente fazem parte da dimensão jurídico- processual do princípio material da culpa.

23. Nesta conformidade, o julgador, no exercício do poder disciplinar – ou seja, a “entidade competente” de que nos fala o citado artigo 127.º, para o processo penal – tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos à sua apreciação e ao seu julgamento, sendo que a livre apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”7.

24. Em conclusão, o julgador em sede disciplinar deve apreciar a prova de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, sendo, porém, objetivo, ponderado e justo na análise dessa mesma prova, dentro dos limites da legalidade a que deve obediência.

25. É, pois, em conformidade com estes princípios que cumpre decidir sobre a matéria de facto relevante para a decisão final.

§2. Factos provados

26. Analisada e valorada a prova produzida nos autos, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) No dia 29 de dezembro de 2021, teve lugar o jogo disputado no estádio José de Alvalade entre a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD e a Portimonense – Futebol SAD, relativo à Jornada 16 da Liga Portugal bwin;

2) A arguida Futebol Clube do Porto – Futebol SAD, no dia seguinte (30 de dezembro de 2021), no contexto de imagem de disputa de bola, em movimento, entre dois jogadores adversários das equipas do mencionado jogo, publicou na conta de Twitter FC Porto Media (@MediaPorto) o conteúdo que se segue:

7 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, p. 111.

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«[M]ais uma singularidade do campeonato português, um hat trick oferecido pelo árbitro.

Enorme atentado à verdade desportiva, como sinalizou a generalidade dos analistas»;

3) A equipa de arbitragem do predito jogo da Jornada 16 da Liga Portugal bwin, integrou António Nobre, árbitro principal, Pedro Ribeiro, assistente 1, Nelson Pereira, assistente 2, Ricardo Baixinho, 4.º Árbitro, Hélder Malheiro, VAR, Rui Cidade, AVAR, e Artur Gil, Observador;

4) A publicação da arguida, na conta de Twitter FC Porto Media (@MediaPorto), teve ampla repercussão na imprensa desportiva nacional;

5) A arguida Futebol Clube do Porto – Futebol SAD agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração da equipa de arbitragem acima referida, nomeadamente do árbitro principal, afetando as relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que a própria arguida se encontra envolvida;

6) À data dos factos, a arguida Futebol Clube do Porto – Futebol SAD tinha antecedentes disciplinares reproduzidos de fls. 15 a 36, tendo sido sancionada nas três anteriores épocas desportivas pelo ilícito disciplinar p.p. pelo artigo 112.º, n.º 1, do RDLPFP.

§3. Factos não provados

27. Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

§4. Motivação quanto à matéria de facto

28. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, numa apreciação crítica, objetiva e articulada dos documentos juntos aos autos, à luz das regras da experiência e da lógica, tal como exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, e, naturalmente, na confissão integral e sem reservas, apresentada pela SAD arguida, dos factos imputados na acusação. Concretamente:

(i) Os factos descritos em 1) e 3) de §2. Factos provados encontram suporte na documentação oficial do jogo n.º11601, junta aos autos de fls. 37 a 52;

(ii) Os factos descritos em 2) e 4) de §2. Factos provados resultam da publicação na conta de Twitter FC Porto Media (@MediaPorto), junta a fls. 55, e das notícias quanto à mesma

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publicadas na imprensa (cf. fls. 4 e fls. 56 a 66), bem como da confissão integral e sem reservas da SAD arguida;

(iii) No que respeita à materialidade de índole subjetiva da SAD arguida aposta no facto descrito em 5) de §2. Factos provados, representando o estado psíquico atinente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração disciplinar em dissídio, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica. Neste particular, cumpre referir que não é necessária, neste contexto, a existência de um dolo específico ou "animus injuriandi vel difamandi", bastando, para efeitos de subsunção (na modalidade de dolo), a representação de todos os elementos que integram o facto ilícito e que a arguida, consciente da natureza ilícita da sua conduta, tenha dirigido a sua vontade à realização do facto ilícito, querendo praticá-lo;

(iv) O extrato disciplinar da SAD arguida (cf. fls. 15 a 36) oferece a prova para os factos descritos em 6) de §2. Factos provados.

V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

29. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.

30. A existência de um regulamento justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

31. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a

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atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008).

Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

32. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto interesses desses agentes e organizações desportivas.

§2. Das infrações disciplinares em geral

33. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e trinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

34. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

§3. Das infrações disciplinares concretamente imputadas

35. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (vide o artigo 17.º do RDLPFP).

36. Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determinam os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º, do mesmo corpo regulamentar que «[a]s pessoas singulares serão punidas pelas faltas cometidas durante o tempo em que desempenhem as respetivas funções ou exerçam os respetivos cargos, ainda que as deixem de desempenhar ou passem a exercer outros»; «[o]s clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portugal e no âmbito dessas competições».

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37. No caso em apreço situamo-nos no universo das infrações específicas dos clubes – estando em causa o ilícito disciplinar previsto e punido no artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 do RDLPFP, qualificado como grave, cujo texto se passa a transcrever:

«(...)

Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros

1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

(...)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.

4. Sem prejuízo do disposto nas leis que regulam a imprensa, a rádio e a televisão, o clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa (...)».

38. Ainda com relevância para o caso sub judice, atente-se ao disposto no n.º 1 do artigo 51.º do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol8 [Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes], «[t]odos os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da

8 Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal (Com as alterações aprovadas nas reuniões extraordinárias da Assembleia Geral de 27 de junho de 2011, 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 20 de junho de 2014, 19 e 29 de junho de 2015, 21 de outubro de 2015, 15 de março de 2016, 28 de junho de 2016, 07 de fevereiro de 2017, 12 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 27 de fevereiro de 2018, 27 abril de 2018, 25 de maio de 2018, 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019, 08 de junho de 2020, 28 de julho de 2020, 30 de setembro de 2020 e 02 de junho de 2021), doravante abreviado, por mera economia de texto, por RCLPFP, cujo texto regulamentar se encontra disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes». Concretizando o n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP [Deveres e obrigações gerais], que «[a]s pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». Mais acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito regulamentar que “[a]os sujeitos referidos no número anterior é proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou fornecer a terceiros notícias ou informações que digam respeito a factos que sejam objeto de investigação em processo disciplinar». Ou, ainda, na al. i) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, aprovado pela Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na redação dada pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, segundo a qual devem os promotores dos espetáculos desportivos «usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores dos espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo»9.

39. Numa primeira aproximação à hermenêutica destas normas, impõe-se que façamos algumas considerações quanto a determinados aspetos das mesmas que se afiguram cruciais para a sua correta aplicação, designadamente tendo em vista os contornos fácticos do caso concreto.

40. Destarte, cumpre recordar que a Secção Profissional deste Conselho de Disciplina tem consistentemente afirmado que, no seu entendimento, as normas disciplinares em dissidio realizam a proteção da ética e dos valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros. Em igual sentido, veja-se o decidido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do Processo n.º 34/2019, de 9 de julho de 2020, «[o] escopo do art. 112.º do

9 De forma porventura mais explícita, vejam-se as normas de conduta oponíveis aos Dirigentes ou gestores desportivos, entre as quais se contam os deveres de «não proferir, sob qualquer forma, declarações depreciativas do mérito e do valor das demais associações ou sociedades desportivas, bem como dos dirigentes, praticantes, treinadores, árbitros ou outros agentes desportivos» e de «respeitar as decisões desportivas dos árbitros, juízes, cronometristas e demais aplicadores das leis do jogo».

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Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional visa, além da defesa do bom nome e da reputação dos visados (tal como nos arts. 180.º e 181.º do CP), a salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como a credibilidade da modalidade, dos competidores e cargos desportivos» (sublinhado nosso)10.

41. No contexto desportivo, o legislador originário elegeu a ética desportiva como princípio basilar da construção do sistema legal, no âmbito do qual a prevenção da violência assume lugar de destaque. Com efeito, a promoção da ética desportiva e a prevenção (e, necessariamente, o sancionamento) de fenómenos antidesportivos apresenta-se, no âmbito da atual Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto11, como inegável tarefa do Estado12, que o legislador ordinário comete às federações desportivas13.

42. Nesse pressuposto, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios, grosseiros ou incorretos encontra o seu fundamento nesta tarefa (pública) de realização do valor da ética desportiva14. Contudo, uma vez que no contexto do artigo 112.º do RDLPFP a lesão da ética desportiva é cristalizada também em condutas desonrosas (rectius, lesivas da honra), impõe-se (sem que tal equivalha a sustentar uma tarefa distinta da agora avançada) aquilatar o conteúdo de um tal valor jurídico. Ora, honra inclui «não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa, äusere Ehre), mas também dignidade

10 Disponível em https://www.tribunalarbitraldesporto.pt/documentacao/decisoes/processo-34-2019.

11 Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, LBAFD, doravante). Mantendo o modelo colaborativo como estrutura fundamental do sistema desportivo, a LBAFD determina que «A atividade desportiva – diz o n.º 1 do artigo 3.º – é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes». Em consonância com a intenção do legislador de 1990, o diploma de 2007 reitera na atribuição ao Estado – que reserva tal tarefa para si – a tarefa de tomar «as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação»

12 Entre nós concretizada com um específico regime legal sancionatório, estabelecido na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na sua redação atual.

13 Veja-se, neste particular, o que estabelece o artigo 1.º da Lei 112/99, de 3 de agosto (Regime Disciplinar das Federações Desportivas) e artigo 52.º do Decreto-Lei 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime Jurídico das Federações Desportivas).

14 Em sentido convergente e esclarecendo o conteúdo de tais valores, o Código de Ética Desportiva (acessível em http://www.pned.pt/media/24987/codigoetica_web.pdf), no seu ponto 6. da sua 1.ª parte, estabelece que «há valores que, pela sua natureza, são inerentes à prática desportiva, nomeadamente: o respeito pelas regras e pelo adversário, árbitro ou juiz; o fairplay ou jogo limpo; a tolerância; a amizade; a verdade; a aceitação do resultado; o reconhecimento da dignidade da pessoa humana; o saber ser e estar; a persistência; a disciplina; a socialização; os hábitos de vida saudável; a interajuda; a responsabilidade; a honestidade; a humildade; a lealdade; o respeito pelo corpo; a imparcialidade; a cooperação e a defesa da inclusão social em todas as vertentes».

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inerente a qualquer pessoa, independentemente do estatuto social (a honra interna, innere Ehre)» (sublinhado nosso)15.

43. Portanto, a ética e o espírito desportivos não prescindem, antes exigem, no quadro das competições oficiais, a existência de mútuo respeito entre todos os diversos agentes desportivos, incumbindo a estes últimos especiais deveres tendentes à realização de tais valores.

44. Com efeito, a tutela disciplinar aqui convocada visa defender o bom e regular funcionamento da competição, assegurando a credibilidade da própria competição, dos competidores e dos cargos desportivos. A credibilidade da competição assenta em valores de mútuo respeito entre os diversos agentes desportivos e/ou órgãos da estrutura desportiva; daí a sua imposição como dever normativo (cf. artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP e artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP) e a sua violação ser sancionada como é.

45. Cumpre ainda referir que, as normas legais e regulamentares que estabelecem e desenvolvem deontologicamente o princípio da ética desportiva são normas que contêm a definição de uma específica responsabilidade administrativa – a responsabilidade pelo exercício de poderes de organização, regulamentação e de disciplina numa dada modalidade e de garantia do bom funcionamento das competições de natureza profissional, onde elas existam – assumindo-se como concretização do dever constitucional de proteção do bem jurídico

“prevenção da violência no desporto” a que alude expressamente o n.º 2 do artigo 79.º da CRP.

46. Existe, como é consabido, um efeito de condicionamento recíproco entre honra e liberdade de expressão, no sentido de que o modo como é tutelada a honra, seja no direito civil, seja no direito penal, seja no direito disciplinar, tem de levar em linha de conta a interpretação dos preceitos internacionais, constitucionais e legais sobre a liberdade de expressão16. A evolução por que vem passando a jurisprudência nacional – civil e penal – no tratamento daquele efeito recíproco é inegável, constituindo em boa medida uma decorrência do impacto da jurisprudência do TEDH,17 em homenagem a uma interpretação conforme à Constituição e

15 Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág.

495. Em sentido convergente, JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 607.

16 Cf. Manuel da Costa Andrade, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – Uma perspetiva jurídico- constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 222.

17 Traduzida em sucessivas condenações de Portugal no TEDH, por violação do artigo 10.º da CEDH. Uma compaginação e apreciação crítica dessa jurisprudência pode ser encontrada no texto de Francisco Pereira Coutinho,

«O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Imprensa: os casos portugueses», in Media, direito e

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ao direito internacional18. Tal não legitima, todavia, a transposição tout court dessa jurisprudência, prolatada, sobretudo, no contexto da liberdade de imprensa e da liberdade de informar, para um domínio como é o direito administrativo sancionatório, maxime o direito disciplinar desportivo, cuja teleologia se centra, precisamente, na prevenção dos fenómenos perversores do desporto e na salvaguarda da ética desportiva.

47. Deste modo, no quadro regulamentar atual, a disciplina jurídico-desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos praticados pelos clubes e agentes desportivos que invadam a esfera da honra e reputação de outros agentes desportivos e entidades, se desrespeitadores, difamatórios, injuriosos ou grosseiros. Fá- lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (cf. artigo 6.º do RDLPFP), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contendores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores.

48. Acresce que é legítimo defender-se que a grande mole humana que são os espetadores de futebol tem a expectativa que o decurso das competições futebolísticas não seja perturbado, ou mesmo falseado por comportamentos imparciais, visando alterar o bom e regular funcionamento da competição desportiva e sequentemente da verdade desportiva.

49. Cumpre, também, salientar que a infração disciplinar de ofensa à honra e reputação se consuma com a prática de ato que objetivamente tenha esse resultado, independentemente da intenção, desde que se tenha a obrigação de conhecer que a conduta ofende, ou pode ofender, a honra e reputação do visado e, ainda assim, o agente se conforma com essa possibilidade.

50. Por sua vez, relativamente ao n.º 4 do artigo 112.º do RDLPFP, importa densificar o conceito de “imprensa privada” dos clubes.

democracia: I curso pós-graduado em direito da comunicação (coord. Carlos Blanco de Morais, Maria Luísa Duarte e Raquel Alexandra Brízida Castro), Coimbra, Almedina, 2014, pp. 319-361.

18 Exemplos dessa acomodação e da vontade manifesta de a realizar podem ser encontrados, entre outros, no Acórdão do STJ de 13.07.2017, processo n.º 1405/07.1TCSNT.L1.S1 (Relator: Lopes do Rego) e jurisprudência nele citada, ou no Acórdão do STJ de 13.07.2017, processo n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1 (Relator: Lopes do Rego), ambos disponíveis em www.dgsi.pt (acesso em 13.01.2020).

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51. Nesse sentido, desde logo, convocando a jurisprudência deste Conselho19 «“Imprensa”

é, atualmente, a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa, apesar de o termo imprensa derivar da prensa originalmente utilizada para imprimir jornais, então os únicos veículos jornalísticos existentes, os quais, desde há décadas, passaram a ser também teledifundidos (telejornal) e, com o advento da World Wide Web, surgiram também os jornais online, ou ciberjornais, ou webjornais, mantendo-se o termo "imprensa" para os designar colectivamente».

52. Nesta conformidade, podemos assentar que “imprensa privada”, para efeitos do normativo em glosa, são todos aqueles veículos de comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa que sejam, direta ou indiretamente, detidos e/ou controlados em termos empresariais/societários por clubes/sociedades desportivas.

53. Tendo presente o aludido enquadramento, e não sendo de resto realidade disputada pela SAD arguida no seu memorial de defesa, a conta daquela SAD, na rede social Twitter®, trata- se de instrumento de especial impacto, promoção e difusão do quotidiano e atividades da arguida e como tal, ingressa no conceito de imprensa privada da arguida. Portanto, desde já se avança que, ao publicar e difundir em tal espaço comunicacional, as expressões que resultaram do facto 2) dos factos provados, violadoras da honra e da reputação de agentes de arbitragem e, concomitantemente da competição desportiva, e que não foram impugnadas, implicam a sua responsabilidade à luz do preceituado no n.º 4 do artigo 112.º RDLPFP.

§2. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

54. Conforme já tivemos oportunidade de mencionar, o artigo 17.º do RDLPFP [sob a epígrafe «Conceito de infração disciplinar»] considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

55. Deflui, portanto, daquele normativo que são elementos essenciais da infração disciplinar, e de verificação cumulativa, os seguintes: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No

19 Acórdão prolatado no PD n.º 97-19/20, de 27 de outubro de 2020, Relator: Vasco Cavaleiro, disponível na página institucional da FPF.

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plano da culpa basta que estejamos perante uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar.

56. Isto posto, cumpre apreciar a relevância jusdisciplinar da conduta da SAD arguida à luz do disposto no citado artigo 112.º, n.ºs 1 e 4 do RDLPFP.

57. A subsunção ao direito aplicável pressupõe que se efetue a exegese da norma sancionatória em liça quanto à SAD arguida, para, assim, verificar se se encontram ou não preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, que a mesma comporta.

58. Ora, para que se possa verificar o tipo disciplinar previsto pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP, é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) clube; (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros;

(iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas; (iv) e que o faça através de divulgação de comportamentos pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.

59. Neste contexto, e atenta a materialidade dada como assente nos factos provados, designadamente nos factos provados 1) a 5), mostra-se verificado o preenchimento de todos os requisitos típicos objetivos, porquanto:

(i) Em primeiro lugar, a SAD arguida é um clube, à luz da definição constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do RDLFPF;

(ii) Apresenta-se inequívoco que as declarações veiculadas na conta da SAD arguida na rede social Twitter®, presentes no facto provado 2), visaram elementos da equipa de arbitragem que exerceram funções no jogo disputado no estádio José de Alvalade, a 29 de dezembro de 2021, entre a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD e a Portimonense – Futebol SAD, relativo à Jornada 16 da Liga Portugal bwin, em concreto o árbitro principal desse jogo;

(iii) Por sua vez, conforme resulta dos factos provados 2) e 4),as declarações em causa nos autos foram objeto de divulgação através de publicação conta oficial Twitter® da SAD arguida, que indubitavelmente pertence à imprensa privada da arguida e é explorada diretamente pela mesma;

(iv) Perante tal, cumpre, por fim, aferir se as declarações da SAD arguida, no contexto em que foram consumadas, possuem carga valorativa ultrajante, ofensiva da honra, consideração e dignidade do visado, mostrando-se lesivas a ética e valores desportivos. Ora, tendo em conta o

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descrito nos factos provados 1) a 4), cumpre notar que a SAD arguida direciona as expressões em causa para os elementos da equipa de arbitragem, in casu o árbitro principal, imputando- lhe ter oferecido um hat trick a um jogador e qualificando a sua atuação como enorme atentado à verdade desportiva.

Lançando mão da lição de José de FARIA COSTA20, cumpre atentar que «a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração.

Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja», sendo que «mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo». Tais ensinamentos aclaram, justamente, a aferição da natureza desvaliosa da conduta da SAD arguida que, nas suas declarações, reportando-se à atuação da equipa de arbitragem, faz lançar a suspeita de que os seus membros, no jogo aludido nestes autos, não atuaram de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, tendo tido uma atitude de comprometimento e de benefício para com uma das equipas contendoras (e um seu concreto jogador). Se a expressão “atentado contra a verdade desportiva” já convoca um ato intencional, a referência a «um hat trick oferecido pelo árbitro» ultrapassa claramente a dúvida razoável quanto a alusão a erro de arbitragem intencional, tratando-se, pois de crítica subjetiva que coloca em causa a imparcialidade da equipa de arbitragem, afetando, consequentemente, a correspondente reputação, bom nome, autoridade e credibilidade, nomeadamente do árbitro principal. Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que as aludidas declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação dos agentes de arbitragem em questão, além de afetarem a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva.

As declarações da SAD arguida mostram-se violadoras da probidade profissional e pessoal do árbitro principal do jogo em apreço. Tais declarações comportam o lançamento de

20 In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 611 e 612.

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uma suspeita de conduta contrária aos deveres de imparcialidade adstritos ao mister da arbitragem, por parte daquele agente de arbitragem.

60. Verificados os elementos típico-objetivos da norma sancionatória, cabe agora concluir sobre o elemento subjetivo da referida norma. Nesta senda, conclui-se que a conduta da SAD arguida apresenta-se como suscetível de preenchimento na modalidade de dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito. A SAD arguida bem sabia que as declarações divulgadas pela imprensa privada por si explorada, eram proibidas e punidas pelos regulamentos desportivos, dessa feita afetando a honra e consideração de agentes de arbitragem, apresentando-se contrárias à ética e valores desportivos, e prejudicando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontrava envolvida, facto que consubstancia comportamento previsto e punido pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, o qual não se absteve, porém, de concretizar [cf. facto provado 5)]. É de assinalar, no que à culpa diz respeito e sufragando o pensamento de FARIA COSTA21, «[n]ão obstante estar-se perante matéria de enorme importância – e que em situações limite poderá eventualmente ter que ser chamada à discursividade jurídico- penal – estamos convictos de que se não devem nem podem operar desvios a tudo aquilo que, na PG [parte geral], se consagra a este respeito». Assim, adotando a conceção de culpa de FIGUEIREDO DIAS22, cumpre concluir, dizendo que a conduta da SAD arguida se afigura culposa, juridicamente censurável, por manifestamente indiferente e contrária aos valores protegidos pelo ordenamento jurídico-disciplinar.

61. Além disso, cumpre salientar, sobre a SAD arguida recai um especial dever de ter uma ação pedagógica no sentido de prevenir e impedir que a sua “imprensa privada” seja utilizada como veículo de transmissão e publicitação de declarações como as que estão em causa nestes autos, tanto mais quando as mesmas são reiteradamente proferidas por pessoas com responsabilidade na respetiva estrutura dirigente. Não se tresleia aqui uma apologia de qualquer forma de censura, não é disso que se trata. O que está em causa é, sim, cumprir e fazer cumprir os especiais deveres e obrigações de conduta que impendem sobre todos quantos – clubes, sociedades desportivas, dirigentes desportivos, jogadores e demais agentes desportivos

21 In Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 627.

22 «[C]ulpa é materialmente, em direito penal, o ter que responder pelas qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade que fundamental um facto ilícito típico e neles se exprimem» - op. cit., pág. 525.

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– intervêm nas competições profissionais de futebol (cf. artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP e artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP).

62. Encontram-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar da SAD arguida, à luz do que dispõe os n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP.

63 Cuidaremos, ainda, de analisar o alegado pela SAD arguida no seu memorial de defesa e que aporta dois elementos nucleares: o escrito em sindicância ainda se situa num contexto de crítica objetiva da atuação de elementos da equipa de arbitragem; e é realizado no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão da SAD arguida.

64. Ora, no quadro de uma ordem constitucional livre e democrática, os direitos fundamentais constituem limites uns dos outros. Consequentemente, há que ter em conta aquilo que apelidámos supra de efeito recíproco ou de irradiação do direito à liberdade de expressão, ou seja, a capacidade reconhecida ao artigo 37.º da CRP, com os contributos trazidos pela jurisprudência do TEDH – e que se repercutem, como o Tribunal Constitucional amiúde sublinha, no sentido e alcance dos normativos constitucionais23 – de condicionar o exercício hermenêutico incidente sobre os dispositivos que sancionam as ofensas à honra.

65. Conforme ficou vertido no Acórdão deste Conselho proferido no Processo n.º 20 – 2020/2021, de 19 de janeiro de 2021, Relatora: Marta Vicente, «[u]ma das consequências daquela irradiação traduz-se no estreitamento das condutas típicas, em especial através da exclusão do âmbito das ofensas à honra da chamada crítica objetiva. O direito de crítica é uma das formas de exercício constitucionalmente protegidas da liberdade de expressão e de pensamento. Tal como este Conselho de Disciplina vem amiúde reiterando, existe crítica objetiva,

«enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo diretamente à pessoa dos seus autores ou criadores»24. Naturalmente, a mobilização do interesse coletivo de prevenção da violência no desporto, inscrito no artigo 79.º, n.º 2, da CRP, permite que se ergam limites mais intensos à forma da

23 Cf., a título de exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 60/20 de 04.02.2020, processo n.º 1444/17, Relator, onde se reconhece que a CEDH é o standard mínimo de proteção dos direitos fundamentais e que a jurisprudência do TEDH deve ser considerada pelo Tribunal como “critério coadjuvante” na interpretação do sentido e do alcance das normas constitucionais, resultado que, de resto, também se alcançaria por intermédio do artigo 52.º, n.º 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

24 Cf., entre outros, o Processo Disciplinar n.º 83 – 2019/2020, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 11 de agosto de 2020 (Relatado pelo Relator destes autos), citando os ensinamentos de Costa Andrade.

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crítica objetiva, abaixando, portanto, o limiar a partir do qual esta resvala para a grosseria, para o insulto ou para a obscenidade».

66. Neste contexto, conforme deixamos expresso, a publicação da SAD arguida ultrapassou a fronteira da crítica objetiva, resvalando para a menorização do bom nome e da reputação profissional de um agente de arbitragem, o árbitro principal do jogo sub judice. De facto, a publicações da SAD arguida, na conta de Twitter® FC Porto Media, nomeadamente a referência a «um hat trick oferecido pelo árbitro» tem subjacente a insinuação de que o árbitro principal do jogo em apreço nos autos beneficiou intencionalmente os adversários da Futebol Clube do Porto – SAD.

67. A SAD arguida não se limita a propalar críticas objetivas à atuação do visado (árbitro principal do jogo referenciado), antes incutindo a ideia que atuou de forma parcial, ao arrepio de critérios de objetividade e isenção, imbuído da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial das competições.

68. Assim, aquelas declarações, e as insinuações nelas latentes, situam-se fora do âmbito da crítica objetiva, antes pondo em causa não só a imparcialidade subjetiva do agente de arbitragem visado, atacando a equidistância, a neutralidade e a ausência de predisposição para beneficiar ou prejudicar uma das equipas, como também a sua imparcialidade objetiva, lançando dúvidas sobre a capacidade de se nortear pelos princípios da objetividade e da racionalidade no desempenho da sua atividade25 .

69. Uma referência, ainda, para vincar que a liberdade de expressão e de informação não protege imputações como as em causa nestes autos, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.

70. O entendimento subjacente ao que vimos de dizer resulta corroborado por diversas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores, atente-se às seguintes decisões do Colendo STA, todas versando sobre os tipos de ilícito em apreço nestes autos:

25 Sobre a destrinça entre imparcialidade objetiva e subjetiva, cf. Paulo Otero, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2016, p. 183, e, no quadro do artigo 6.º da CEDH, D. J. Harris, M. O’Boyle, E. P. Bates, C. M. Buckley, Harris, O’Boyle, Warwick, Law of the European Convention on Human Rights, Oxford, OUP, 2018, p.

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(i) Acórdão de 26/02/2019, proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, onde, se afirmou, além do mais, que tais imputações «atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa»;

(ii) Acórdão de 04/06/2020, proferido no Processo n.º 154/19.2BCLSB, onde a propósito dos ilícitos disciplinares em liça nestes autos, decidiu que “independentemente da relevância penal que a conduta da Recorrida possa ter, que é autónoma, e que não cabe neste âmbito apreciar, a sua responsabilidade disciplinar não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúria, mas apenas da violação dos deveres gerais ou especiais a que a mesma está adstrita no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas em que participa – v. artigo 17.º/2 do RDLPFP. E esses deveres resultam, exclusivamente, da conjugação dos artigos 19.º e 112.º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respetivo tipo disciplinar (…) É no quadro desses deveres gerais de lealdade, probidade, verdade e retidão, e da proibição expressa de publicitação de juízos ou afirmações lesivos da reputação de todos aqueles que intervenham nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que o n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP comina com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC, o uso «de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos» (…) Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do art.º 26.º da Constituição (…) O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional,

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nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP (…) O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional”

(sublinhado nosso);

(iii) Acórdão de 02/07/2020, proferido no Processo n.º 0139/19.9BCLSB “(…) constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que o aludido texto põe em causa a integridade moral e o bom nome e reputação do agente desportivo em questão, além de afectar a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. E se é verdade que o direito à crítica se inclui no exercício da liberdade de expressão consagrada no art.º 37.º, da CRP, como um direito fundamental, também o é que não se está perante um direito absoluto, ilimitado, insusceptível de ser restringido”;

(iv) Acórdão de 10/09/2020, proferido no Processo n.º 038/19.4BCLSB “Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia. Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].”26.

26Todos os Acórdãos referenciados encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt.

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VI – MEDIDA E GRADUAÇÃO DA SANÇÃO

§1. Determinação da medida da sanção

71. Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção ao preceito legal sancionador, cumpre, agora, proceder à determinação da medida concreta das sanções a aplicar à SAD arguida.

72. É no Capítulo III (medida e graduação das sanções), artigos 52.º a 61.º, do RDLPFP que nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção, tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade patente no artigo 10.º: as sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações disciplinares previstas no presente Regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente.

73. Também como princípio mentor da tarefa de concretização da medida da sanção deve ter-se como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção), n.º 1: «A determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento, far- se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares. Adita o n.º 2 deste artigo que na determinação da sanção, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou contra ele.

74. Por seu lado, o artigo 53.º, vem estabelecer as circunstâncias agravantes, dispondo no seu n.º 1 que:

«Constituem especiais circunstâncias agravantes de qualquer infração disciplinar:

a) a reincidência;

b) a premeditação;

c) a acumulação de infrações;

d) a combinação com outrem para a prática da infração;

e) a dissimulação da infração;

f) a prática da infração com o objetivo ou a finalidade de impedir a deteção ou a punição de outra infração».

75. Cabe ao artigo 55.º, n.ºs 1 a 3, elencar as circunstâncias atenuantes, assim:

«1. São especiais circunstâncias atenuantes das faltas disciplinares:

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