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Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências. Instituto de Geografia. Bruna Aparecida Viola da Silva

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Academic year: 2022

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Instituto de Geografia

Bruna Aparecida Viola da Silva

Favela Tour: um delicado equilíbrio de forças

Rio de Janeiro

2019

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Favela Tour: um delicado equilíbrio de forças

Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Área de Concentração: Globalização, Políticas Públicas e Reestruturação Territorial.

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia de Luna Freire

Rio de Janeiro 2019

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/C

Bibliotecária responsável: Fernanda Lobo / CRB-7:5265

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

______________________________________ ______________________

Assinatura Data

S586f Silva, Bruna Aparecida Viola da.

Favela tour: um delicado equilíbrio de forças / Bruna Aparecida Viola da Silva. – 2019.

111 f. : il.

Orientador: Gilmar Mascarenhas de Jesus.

Coorientador: Letícia de Luna Freire

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Geografia.

1. Geografia Humana – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 2. Favelas – Turismo – Santa Marta (Rio de Janeiro, RJ) – Teses. 3. Favelas – Aspectos socioeconômicos – Santa Marta (Rio de Janeiro, RJ) – Teses. 4. Unidades de Polícia Pacificadora – Santa Marta (Rio de Janeiro, RJ) – Teses. 5. Favelas – Violência – Santa Marta (Rio de Janeiro, RJ) – Teses. 6. Políticas públicas – Unidades de Polícia Pacificadora – Rio de Janeiro (Estado) – Teses. I. Jesus, Gilmar Mascarenhas de. II. Freire, Letícia de Luna. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. IV. Instituto de Geografia. Título.

CDU 911.3(815.3)

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Favela Tour: um delicado equilíbrio de forças

Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração:

Globalização, Políticas Públicas e Reestruturação Territorial.

Aprovada em 23 de maio de 2019 Banca Examinadora:

__________________________________________________

Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus Instituto de Geografia - UERJ

_________________________________________________

Prof. Dr. Dra. Leticia de Luna Freire Faculdade de Educação - UERJ

_________________________________________________

Prof. Dr. Miguel Angelo Campos Ribeiro Instituto de Geografia – UERJ

_________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Meira Martoni

Escola de Direito, Turismo e Museologia - Universidade Federal de Ouro Preto

Rio de Janeiro 2019

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Bira e Célia, que sempre estão ao meu lado.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, São Jorge, Oxóssi e aos mentores espirituais que iluminaram meu percurso.

Aos meus pais, sem os quais absolutamente nada disso seria possível, obrigada por compreenderem minhas ausências e por todo suporte

A Gilmar Mascarenhas de Jesus pela orientação valiosa e por me mostrar novos caminhos possíveis para a realização deste trabalho, bem como pelo aprendizado propiciado pelas leituras e debates de textos acadêmicos (Harvey, Vainer, Lefebvre, Santos e outros) em minha participação nos encontros periódicos do Grupo de Estudos Geografia Urbana Crítica, sob sua coordenação.

À Letícia de Luna Freire pelas observações e críticas, construtivas e fundamentais.

A Miguel Angelo Ribeiro pelos apontamentos feitos durante a banca de Qualificação e pela disciplina Geografia e Turismo, ministrada brilhantemente.

Ao Rodrigo Meira Martoni, que, através de suas orientações na UFOP, me incentivou a seguir a trajetória acadêmica.

À minha família, em especial à Suzy pelas revisões tão preciosas e generosas e pela disponibilidade, essencial na reta final deste trabalho

À toda comunidade Santa Marta que sempre me recebeu tão bem e me ensinou tanto. À T.I.O de Botafogo, pelo acolhimento e pela confiança.

Aos amigos, em especial à Thalita, Fabio e Babi, por tornarem minha estadia no Rio mais leve e prazerosa.

Ao Rio, cidade que, pelo amor e pela dor, me transformou.

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O povo não luta, opressão é com gueto No meio da selva outra cena Outra rua e o mesmo suspeito Olimpíadas é pra quem, parceiro?

ADL MC’s, Favela Vive

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RESUMO

SILVA, Bruna Aparecida Viola da. Favela Tour: um delicado equilíbrio de forças.

2019. 111 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

No Rio de Janeiro a prática do turismo em favelas não é fenômeno recente, tem seus primeiros registros datados do início do século XX e cresceu a partir da espetacularização do espaço. Estigmatizadas pela violência e pela precariedade, estas favelas tiveram seu cotidiano amplamente explorado por ações midiáticas que, aliadas à intervenção policial do Estado a partir da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, impulsionaram a prática do Favela Tour. Na Santa Marta, o processo de pacificação precedeu a institucionalização do turismo a partir da implementação do programa Rio Top Tour, idealizado pelo Estado com o intuito de atrair novos circuitos mercadológicos para o local, intitulado, à época, de “Favela Modelo”.

Atualmente, porém, a comunidade sofre os impactos do declínio da atividade turística em decorrência do aumento da violência e dos confrontos pela disputa do seu território, consequência do colapso das UPPs e da descontinuidade das políticas de melhoria idealizadas a partir da possibilidade de transformar o morro em espaço fértil para a reprodução do capital. Esta dissertação analisa as relações que permeiam e possibilitam a prática da atividade turística, bem como as causas e consequências do seu declínio na favela Santa Marta.

Palavras-chave: Turismo. Favela. Santa Marta. UPP. Espaço. Violência. Estado.

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ABSTRACT

SILVA, Bruna Aparecida Viola da. Favela Tour: a delicate balance of forces. 2019.

111 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

In Rio de Janeiro the practice of tourism in shanty town is not a recent phenomenon. It has its first documentation dating from the beginning of the 20th century and had expanded from the spectacularisation of the space. Stigmatized by violence and precariousness, these shanty towns had their daily routine extensively exploited by media actions that, allied to the State police intervention through Pacific Police Units, boosted the Favela Tour practice. In Santa Marta’s favela, the pacification process preceded the institutionalization of tourism through the implementation of the Rio Top Tour program designed by the Authorities to attract new financial channels to the community then named as "Favela Modelo".

Currently the community is impacted by the decline in tourist activity as a result of increased violence as well as confrontation over the territorial dispute, as a consequence of the UPPs collapse and the discontinuation of idealized improvement policies based on the possibility of transforming that place in fertile space for the reproduction of capital. This dissertation analyzes the relationships that permeate and enable the practice of tourism activity, as well as the causes and consequences of its decline in the Santa Marta’s favela.

Keywords: Tourism. Shanty town. Santa Marta. UPP. Space. Violence. State.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro – O empresariamento urbano ...30

Figura 1 – Fotografia do início da ocupação do Morro da Providência...36

Figura 2 – Mapa populacional das favelas do Rio de Janeiro em 2010...37

Figura 3 – Mapa com a distribuição das favelas da zona sul carioca...38

Figura 4 – Favelas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho...39

Figura 5 – Fotografia do hotel Emonya Luxury na África do Sul...42

Figura 6 – Fotografia do hotel Emonya Luxury na África do Sul...43

Figura 7 – Visita à favela retratada na primeira página de jornal carioca...45

Figura 8 – Visita da princesa Anne ao Cristo e à favela...45

Figura 9 – Personalidades internacionais visitando favelas cariocas...46

Figura 10 – Fotografia utilizada como pôster promocional do filme Cidade de Deus...46

Figura 11 – Fotografia da fachada de um bistrô com a temática favela na Espanha....47

Figura 12 – Fotografia de turistas em passeio de jipe pela Rocinha...48

Figura 13 – Anúncio criticando festa funk “gourmetizando” a pobreza...50

Figura 14 – Mapa da comunidade de Santa Marta...53

Figura 15 – Fotografia da vista do Plano Inclinado no alto da favela Santa Marta...54

Figura 16 – Fotografia de viela entre as estações 3 e 4 (favela Santa Marta)...55

Figura 17 – Reportagem sensacionalista sobre a batalha do Morro Santa Marta...57

Figura 18 – Fotografia da estátua de Michael Jackson (favela Santa Marta)...58

Figura 19 – Mapa da distribuição das UPPs no Rio de Janeiro...63

Figura 20 – Propaganda sobre a eficácia das UPPs no Rio de Janeiro...66

Figura 21 – Reportagem com resultados da implantação das UPPs...67

Figura 22 – Mapa do limite geográfico de UPP na favela Santa Marta...68

Figura 23 – UPP da favela Santa Marta...69

Figura 24 – Protesto contra a ideia da Santa Marta como favela modelo...73

Figura 25 – Fotografia da estátua de Michael Jackson com fuzil...77

Figura 26 – Fotografia de pichação encontrada na favela Santa Marta...78

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

1 REFLEXÃO ACERCA DAS CATEGORIAS CONFORMATIVAS DO TURISMO...

18

1.1 Uma abordagem sobre a produção do espaço... 18

1.2 O Turismo e a ressignificação do espaço... 23

1.3 Os Megaeventos esportivos no Rio de Janeiro e seus desdobramentos... 28

1.3.1 Megaeventos e turismo: a cidade espetáculo... 31

2 FAVELA TOUR: UTOPIAS E DISTOPIAS EM FACE DA COMPLEXIDADE... 34 2.1 A evolução do espaço favela... 34

2.2 O Turismo de realidade e seus desdobramentos... 42

2.3 A favela Santa Marta... 52

2.3.1 A construção midiática da favela Santa Marta... 57

3 O TURISMO E AS RELAÇÕES DE PODER NA FAVELA... 60

4 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO NA FAVELA MODELO... 72

4.1 O turismo pós-pacificação... 72

4.2 Até onde pode o turismo: quem é o dono do Morro?... 76

4.3 Do morro pro asfalto: o olhar de dentro da favela... 82

CONCLUSÃO 92

REFERÊNCIAS 96

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INTRODUÇÃO

As favelas, o turismo e as formas de apropriação do espaço

Localizada aos pés do Morro Dona Marta, em Botafogo (RJ), a praça Corumbá é mais do que espaço de convivência para seus moradores: é ali que os turistas se concentram antes de adentrarem a favela. Seja no entorno da cabine de informação turística, seja nos seus arredores apreciando as inúmeras opções gastronômicas, é possível observar a movimentação dos visitantes que contemplam, curiosos, uma das favelas mais verticalizadas da cidade. Foi em uma das inúmeras incursões ali realizadas que conversei com um grupo de turistas que se preparavam para visitar o local de forma independente – sem guias e sem o aparato das agências. Questionados sobre o porquê dessa escolha, João Victor, universitário de 24 anos, natural do Espírito Santo, respondeu:

Eu acho [SIC] que os guias levariam a gente até lugares programados, seria um passeio pré-determinado e a gente veio aqui buscando outra coisa. Eu não quero conhecer os pontos turísticos da comunidade, quero andar de um jeito mais livre, vendo como é a vida aqui, sentindo os perrengues que eles passam. Mas isso não é pra eu me sentir melhor comigo ou com a minha vida não, tá? É mais uma forma de tomar conhecimento de um lugar que vejo nos noticiários, ouço falar nas músicas que eu gosto, mas não conheço. No final de semana a gente também vai pro Vidigal. Ouvi dizer que tem um mirante lá com uma vista linda, parece que as festas são muito boas também. Aqui acho que é uma coisa mais cultural.

A turistificação das favelas cariocas não é evento recente: foi apresentada e discutida na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92, e cresceu vertiginosamente a partir da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Alimentada pela intensa exposição midiática, seja pelos conflitos existentes na favela, seja pela consolidação desta como trademark (FREIRE-MEDEIROS, 2007) a prática tem motivações que vão da curiosidade à filantropia.

A proposta inicial deste trabalho era investigar o turismo na Rocinha – berço do programa que dá título ao trabalho, o Favela Tour – seus agentes, seu público, a relação dos moradores com a atividade e a forma como ela se organizava. Contudo,

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um intenso e extenso confronto entre narcotraficantes que brigavam pelo domínio daquele território tornou a pesquisa de campo inviável. Além dos riscos evidentes em realizar incursões pela favela naquelas condições, havia também o fato de que a atividade turística estava bastante escassa em função dos episódios de violência.

Diante deste cenário, a Favela Santa Marta, ainda desfrutando de relativa paz se comparada à Rocinha, despontou como recorte espacial possível para a realização do trabalho. Barbosa, em 2014, apresentou em sua pesquisa intitulada “Um novo circuito na favela, o caso da frequentação turística no Santa Marta” sobre os aspectos diversos da prática do turismo após a implementação da UPP. Contudo, a mudança de cenário ocorrida ao longo destes cinco anos justifica o retorno ao Morro com o intuito de analisar, sob uma nova perspectiva, a atividade turística diante do aumento dos confrontos violentos no local.

Minha primeira visita ao Santa Marta, ao contrário do que criara minha expectativa, não me surpreendeu tanto. A favela não destoava muito do ambiente onde nasci e cresci – um bairro periférico no subúrbio de São Paulo. As ruas tortuosas, as casas sobrepostas, a dificuldade de locomoção, as ladeiras: tudo igual.

Não demorou muito pra que eu me sentisse acolhida. Fiz uma caminhada solitária e observei atentamente o vai e vem dos seus moradores. Repeti o processo de observação preliminar algumas vezes durante alguns dias até me sentir à vontade para iniciar o que talvez tenha sido uma das experiências mais enriquecedoras de todo o tempo em que estive no Rio de Janeiro: as entrevistas com seus moradores.

Nesse processo, descobri que as semelhanças com a minha cidade natal não se limitavam às características físicas: também o calor humano era igual.

Vendedores de rua cumprimentando as pessoas pelo nome, as crianças correndo, brincando e interrompendo diversas vezes minhas entrevistas com os guias locais – não fossem os muros agraciados pelo projeto “Mais cor pra você” da Coral e a estátua do Michael Jackson, eu teria a certeza de que se tratava de Franco da Rocha, não de uma favela situada no meio de um bairro nobre da cidade.

O movimento turístico no morro, segundo José Hilário dos Santos, presidente da Associação de Moradores, já foi bem maior. O aumento dos conflitos armados no local é apontado como um dos principais fatores para o declínio da atividade, seguido pela falta de investimentos em programas que fomentem o turismo no local.

Mesmo com a presença da UPP, fui surpreendida por incontáveis confrontos durante o tempo de pesquisa de campo, com tiroteios tão intensos que podiam ser ouvidos a

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quarteirões dali. Esses eventos, geralmente, eram precedidos (quase) sempre pela interrupção de serviços essenciais, como fornecimento de água e luz e por uma queda perceptível no fluxo de turistas, indicando que a segurança ainda era principal mediadora da atividade. Surge daí a necessidade de investigar não apenas a atividade turística e seus desdobramentos, mas também os fatores que permitem que esta aconteça.

O processo turístico, tema central em nossa pesquisa, demanda reflexões acerca de suas categorias conformativas envolvendo o capital, a ideologia e a própria produção do espaço. Tal processo, analisado a partir do pressuposto da materialidade social, é mediado e conformado por tais relações, constituindo uma totalidade de complexidades que necessitam ser explicadas para além de um referencial fenomênico ou pelas formas da empiria. O desenvolvimento capitalista que se firma histórica e geograficamente pela valorização do valor ou mais-valor concretiza o capital como relação social dominante, sendo inerente à sua lógica reprodutiva o espaço fragmentado que materializa-se de maneiras diversas.

Segundo Corrêa (2005, p. 144):

Essa fragmentação decorrente da ação dos diversos agentes modeladores que produzem e consomem espaço urbano: proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais, proprietários fundiários, promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. A ação desses agentes, que obedece a uma lógica que é simultaneamente própria e geral, produz os diferentes fragmentos que compõem o mosaico urbano

No ambiente urbano, o turismo enseja todo um conjunto de novas relações e práticas espaciais, incidindo diretamente na valorização da terra urbana e na produção de um novo mapa simbólico dos lugares. O processo de valorização tende a ser acentuado nos locais considerados turísticos, gerando expulsão de moradores e de determinados usos. A partir das proposições de Patrick Mullins em torno do conceito de urbanização turística, Mascarenhas (2004, p. 4) investiu na análise dos efeitos indesejáveis do turismo no processo de urbanização. Nas palavras do autor:

No Brasil, não obstante a evidência do fenômeno em pauta, raras tem sido as iniciativas acadêmicas para compreender as formas de urbanização turística. No plano teórico, destaca-se o pioneirismo de Maria Thereza Luchiari (1998), ao repensar a proposta de Mullins no marco conceitual proposto por Milton Santos, que estuda o lugar em sua relação com a totalidade-mundo.(...) Para ela (1998:28), corremos o risco de ver a urbanização turística produzir cidades tão

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indesejáveis quanto o fez a urbanização industrial.

A turistificação das favelas surge, inicialmente, de forma contraditória ao incentivar a extração valor a partir da desvalorização. De acordo com Freire- Medeiros (2006), em 1884 o Dicionário Oxford adotou o termo Slumming para designar as visitas a locais menos favorecidos. Os reality tour têm seu ponto de partida no desejo do turista por buscar o pitoresco e da necessidade de expansão do capital e a precariedade é o atrativo principal dessa prática, sustentada por alguns pilares construídos de forma interdependente, dentre eles: o imaginário do turista alimentado pela estereotipização e reforçado pelos meios de comunicação e a mercantilização do espaço através da apropriação do mesmo pela atividade turística. Assim, práticas como o Favela Tour demandam algumas variáveis que ultrapassam a esfera do mercado turístico, só podendo ser compreendidas a partir da contextualização histórica de seus elementos constitutivos.

No Rio de Janeiro, a formação e o desenvolvimento das favelas teve início a partir de uma série de fatores que consolidaram a cidade como mercadoria e resultaram num espaço repleto de verticalidades (Santos, 1996), cada vez mais desagregado. A ausência de medidas de reestruturação desse espaço, a qual faz parte da planificação mediada por uma racionalidade restritiva ao valor-capital, fez com que as favelas tomassem proporções cada vez maiores. Marcadas pela precariedade e pela negligência, foram, em grande parte, territorializadas pelo crime organizado e tiveram a violência incorporada ao seu cotidiano. É importante ressaltar que o nível de soberania do Estado nas favelas é visivelmente inferior ao existente no restante do espaço urbano - fato historicamente explicado pela pouca ou nenhuma atenção que a mesma recebeu do Poder Público. Para tal entendimento, ressalta Jaílson de Souza e Silva, através do Observatório de Favelas:

[...] quando se define a favela a partir de características centradas na paisagem e na sua precariedade, termina-se por definir políticas públicas também marcadas pela precariedade. Uma questão flagrante dessa forma de representação é o modo como o Estado acaba por permitir que grupos criminosos armados privatizem a soberania desses locais. Isso só acontece porque há uma percepção específica desses territórios em que se nega aos moradores a sua condição de cidadãos. (OBSERVATÓRIO, 2009, p. 80)

Dessa forma, a relação de soberania que deveria existir nesses locais entre o Estado e a população passa a ser exercida diretamente pelo poder paralelo através

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de grupos armados.

Diante da necessidade do Estado de retomar o controle sobre esses espaços, surge, então, o projeto de pacificação através da implementação de Unidades de Polícia Pacificadora, uma ideia de policiamento comunitário. O objetivo primordial da instalação das UPPs nas favelas seria, antes de tudo, a retomada do território e a reafirmação do poder do Estado através da eliminação dos grupos criminosos e das formas de poder ali existentes, recuperando o controle sobre sua população, ainda que através da repressão. Nesse sentido, o conceito de soberania apresentado por Michel Foucault esclarece o papel do Estado e suas políticas de repressão representadas pela figura das UPPs, onde a principal função do soberano torna-se a necessidade de garantir a segurança da população sob o seu domínio. O soberano influenciado pelo desenvolvimento das instituições capitalistas, elaborará técnicas de controle disciplinar a serem empregadas sobre o corpo, o comportamento e o cotidiano dos indivíduos, com o objetivo de extrair a produtividade máxima que o domínio sobre os mesmos poderia oferecer ao sistema capitalista, graças ao poder exercido sobre eles. Assim, esclarece Foucault:

[...] já não seria soberano de direito ou em função de um direito, mas seria igualmente um soberano capaz de administrar, de administrar, é claro, os sujeitos sobre os quais ele exerce sua soberania, mas também os processos econômicos que podem se desenrolar entre os indivíduos, entre os grupos, entre os Estados. (FOUCAULT, 2008, p.

386)

O Estado amparado pelos meios de comunicação e pelo discurso de combate ao crime organizado, realiza a instalação das UPPs de forma arbitrária e por intermédio do emprego de uma polícia fortemente armada.

A implementação das UPPs contempla, ainda, interesses do Estado submetido à lógica do capital, responsável por gerir o modo como será produzido e reproduzido o espaço urbano. Atendendo a um fenômeno global de transformação das cidades em cidades-mercadoria, a construção do espaço dentro dos parâmetros de uma imagem orientada segundo os interesses do mercado, torna esse mesmo espaço passível de investimento do capital privado. Assim, esclarece Franco, enquanto apresentava as premissas de sua pesquisa (2014, p. 15):

Para fazer essa reflexão, este estudo visa indicar os elementos de militarização e desenvolvimento do capitalismo, considerando os pontos de

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vista histórico, sociológico e tradições históricas. Diante dessa questão, surgiu a necessidade de situar a relação entre Estado e Sociedade. Para em seguida: o peso do discurso ideológico como instrumento para que se criasse um ambiente favorável para a consolidação de tal política. Ou seja, o financiamento privado para a implementação das UPPs, adicionado ao discurso ideológico de combate ao chamado tráfico de drogas, em um período de grandes eventos, indicam a possibilidade de desmanchar qualquer possibilidade de uma alteração significativa nas políticas públicas de segurança.

Tal medida atenderia também a um projeto maior de reestruturação territorial, visando preparar a cidade para a realização de dois megaeventos esportivos: a Copa do Mundo da Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Tendo a favela Santa Marta como laboratório, a primeira unidade da UPP foi instalada em 2008 e precedeu a criação do Rio Top Tour, projeto que prometia impulsionar o turismo no local através do trabalho da própria comunidade, valorização e profissionalização dos guias locais, além do incentivo ao empreendedorismo entre os moradores do Morro. Entretanto, o boom turístico que se presenciou com o início do programa não conseguiu resistir aos problemas já bastante conhecidos e recorrentes naquele local: a diminuição progressiva de investimentos do Estado nos projetos ali implementados, a falta de novos projetos e a violência crescente decorrente de disputas pelo domínio do território pelo tráfico de drogas, consequência do enfraquecimento da UPP.

A questão da pesquisa e sua relevância

A geografia crítica permite compreender a estratégia do capitalismo de absorver os espaços através de várias formas e, dentre elas, o turismo. Na perspectiva de contemplar as determinações históricas, espaciais, políticas e econômicas que o direcionam, a presente proposta pode contribuir com a leitura da sua essencialidade para traçar propostas alternativas a partir das contradições levantadas.

O turismo geralmente é apresentado como uma atividade capaz de inserir localidades na lógica mercadológica, de forma a permitir o desenvolvimento das mesmas. Assim, diversos planos e programas são pensados e lançados, fomentados pelo idealismo do crescimento econômico. Sem o entendimento dos processos que conformam o espaço mediado pelas relações sociais de produção, tais pospostas acabam acentuando contradições e perpetuando desigualdades.

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Levantá-las e apontá-las, portanto, pode contribuir com: 1) a leitura da realidade para além da sua forma aparente, revelando a essência das questões e podendo operar mudanças na consciência coletiva frente à realidade criada com vistas ao desenvolvimento da atividade turística; 2) o combate ao processo de espetacularização dos espaços e seus elementos, sejam eles tangíveis ou intangíveis; 3) questionamentos quanto à potencialização ou amenização de contradições por meio da atuação do turismo.

A construção da favela como mercadoria em prol da expansão do capital envolve uma série de medidas que, com o intuito de impulsionar a atividade turística, acabam por reproduzir em tais espaços as contradições das relações sociespaciais de produção, trazendo uma falsa noção de desenvolvimento já que o turismo, nesta estrutura, pode se configurar como uma atividade catalisadora de diversas formas de desigualdade. A adoção de medidas invasivas visando a retomada do controle do território através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) abriu caminhos para a institucionalização do turismo na favela Santa Marta e para o desenvolvimento do turismo de base comunitária no local. Entretanto, a implementação de um Estado punitivo em detrimento ao Estado de direito promove uma política de pacificação inconstante e superficial. Assim, o presente trabalho evidencia também o colapso decorrente da fragilidade das UPPS e seu impacto no fluxo turístico dentro das favelas afetadas, causando intenso processo de decadência da atividade, e consequentemente, acarretando numa nova forma de reorganização do espaço.

Objetivos

O objetivo central deste trabalho é identificar e analisar os principais agentes responsáveis pela viabilização e institucionalização da atividade turística e seus desdobramentos socioespaciais na favela Santa Marta, procurando também identificar e refletir sobre:

a) as formas de inserção das comunidades em tais dinâmicas e as possibilidades de agravamento da polarização social local pelo turismo;

b) o surgimento e desenvolvimento da favela como marca e a comercialização de seus elementos;

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c) o envolvimento dos moradores do morro Dona Marta1 no desenvolvimento da atividade turística;

d) a disputa pelo controle do território da favela envolvendo o Estado e os grupos relacionados ao narcotráfico.

Estruturação do trabalho e metodologia

Para elucidar estas questões foi realizada pesquisa de campo através de incursões ao Morro Dona Marta e entrevistas realizadas, num primeiro momento, com moradores e guias locais e, em seguida, com turistas. Tais incursões, a princípio, deveriam compreender o período entre janeiro de 2018 a março de 2019.

Porém, devido a questões financeiras decorrentes da ausência de bolsa de pesquisa, tais incursões ficaram limitadas a um período menor compreendido entre janeiro a outubro de 2018 e retomadas em fevereiro de 2019, mês em que foram realizadas as últimas entrevistas. Nesta pesquisa de campo foi verificada a amplitude da abertura política ao capital e suas repercussões; a atuação do turismo na redefinição das relações sociais e com a espacialidade; as formas de inserção da comunidade e possível agravamento da polarização social e a relação entre a política de pacificação e o fluxo de turistas. As entrevistas não seguiram um rígido roteiro padrão com o intuito de estabelecer diálogos que respeitassem as particularidades de cada entrevistado. O fato de morar próximo ao local pesquisado também permitiu intenso trabalho de observação, onde foi possível realizar um levantamento da frequência de confrontos armados ocorridos na favela durante o período compreendido entre janeiro de 2018 a outubro de 2018, traçando uma relação entre estes e a movimentação turística. Levantadas estas questões, todos os registros foram analisados e contextualizados. Assim, o trabalho foi estruturado em três momentos fundamentais:

a) apresentar na introdução a problemática e as relações de poder envolvendo a prática do turismo nas favelas do Rio de Janeiro, contextualizando e justificando a necessidade do presente estudo, assim como os seus principais objetivos;

1 A localidade é conhecida tanto por morro Dona Marta quanto por Santa Marta.

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b) a segunda etapa foi dividida em quatro capítulos onde é apresentado o desenvolvimento do trabalho organizado da seguinte forma:

− reflexão teórica acerca do turismo e sua relação com a produção do espaço e ressignificação do mesmo;

− contextualização histórica das favelas cariocas e desenvolvimento do Favela Tour;

identificação das forças atuantes nas favelas cariocas, abrangendo turistificação e militarização (UPPs);

− análise dos dados obtidos no trabalho de campo realizado através de incursões na favela Santa Marta entre janeiro de 2018 e fevereiro de 2019.

c) conclusão com síntese interpretativa apresentada na revisão do trabalho, relacionando a base teórica e vivência de campo, com propostas e sugestões de aprofundamento do tema no que diz respeito às forças que permeiam a atividade turística.

A presente pesquisa capta uma conjuntura específica da cidade do Rio de Janeiro e assim ajuda a compreender aspectos como as utopias do projeto olímpico e seu naufrágio posterior: suas distopias (Mascarenhas, 2014b). Tentamos desvelar o delicado equilíbrio de forças que sustentam o “favela tour”, suas fragilidades e contradições diversas. E tanto no caso aqui estudado (Dona Marta), quanto no caso que se projetou estudar (Rocinha), o quanto esta turistificação ficou na dependência direta de estratégias autoritárias de controle territorial via UPPs e o quanto foi influenciada a partir das demais intervenções do Estado no intuito de impulsionar a atividade turística na favela.

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1 REFLEXÃO TEÓRICA ACERCA DAS CATEGORIAS CONFORMATIVAS DO TURISMO

O presente capítulo procura inicialmente analisar o processo de produção do espaço através das relações sociais de produção, que acabam por originar os espaços identificados como favela, aprofundando a discussão sobre as formas de espetacularização e ressignificação deste a partir da atividade turística e dos megaeventos esportivos.

1.1 Uma abordagem sobre a produção do espaço

O processo de produção do espaço analisado através da perspectiva do materialismo histórico, se dá através das relações sociais de produção. São essas relações, em conformidade com uma hierarquização socioprodutiva - definida pela divisão classista do trabalho - que formarão esse espaço, a forma como este se organiza.

O espaço urbano, fruto do capital, é permeado pelos processos resultantes dessa sociedade de classes, que acaba por refletir um urbano repleto de desigualdades e contradições. Segundo Corrêa (2004), o espaço é, ao mesmo tempo, fragmentado e articulado. Fragmentado porque possui as divisões claras de bairros nobres, a periferia, o centro comercial, a área industrial, os espaços de lazer, entre outros. Articulado porque todos esses espaços dialogam e são, de certa forma, interdependentes. Pode-se considerar, portanto, o espaço como sendo, simultaneamente, produto e reprodutor dos processos, onde os antagonismos e as contradições são inerentes. Seguindo essa lógica, ao tratar da geração do valor, Harvey (2012, p. 26) acrescenta:

Não existiria, por exemplo, nenhum valor no espaço-tempo relacional sem trabalhos concretos construídos em inumeráveis lugares no espaço e tempo absolutos. Nem o valor emergiria como um ‘poder imaterial mas objetivo’

sem os inumeráveis atos de troca, os processos de circulação contínuos que mantêm o conjunto do mercado mundial no espaço-tempo relativo. O valor é, portanto uma relação social que internaliza toda a história e a geografia do trabalho concreto no mercado mundial; expressa as relações

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sociais (principalmente, mas não exclusivamente, de classe) construídas pelo capitalismo na escala mundial.

O espaço, intrinsecamente ligado às relações que permeiam sua produção, torna-se cada vez mais mediado pela produção de valores para a troca. Lefebvre (1973) constrói sua teoria com base no princípio de que “o espaço é um produto social” e rompe com a ideia de um espaço independente, que funciona por si só, mostrando que o mesmo está intimamente atrelado à realidade social. Segundo o autor, a produção do espaço deve ser estudada a partir da reflexão sobre as seguintes questões: quem produz e para quem? O que é produzir? Como e por que produzir? Essa produção tratada por Lefebvre (1973) vai além da produção material – trata, sobretudo, das relações que permeiam esse processo. Para que seja possível uma avaliação sobre a construção do espaço, é fundamental refletir sobre o trabalho – peça fundamental da produção do espaço – e sobre a relação estabelecida entre produção, mercadoria e consumo. Assim, esclarece a produção do espaço como estrutura social através da análise de quatro aspectos:

a) o design espacial;

b) a práxis;

c) o consumo do espaço;

d) o conflito de classes sociais.

O design espacial pode ser considerado como força produtiva ao lado do capital e do trabalho. Em certa medida atua como instrumento de manutenção dos dois últimos, estes devem ser considerados porque influenciam diretamente nesse processo, ao mesmo tempo em que se tornam consequência dele.

A práxis, conceito relacionado às efetividades e potencialidades humanas, também diz respeito ao modo como a sociedade se organiza, posto que é através desse espaço criado pelas forças produtivas submetidas à lógica do capital que a sociedade se reproduz.

O terceiro aspecto, consumo do espaço, é autoexplicativo, ou seja, diz respeito ao espaço como fruto dessas relações já mencionadas, a transformação do mesmo em objeto de consumo via trabalho abstrato, que é focado na produção de mercadorias em detrimento ao valor de uso.

O último, o conflito de classes sociais, trata dos abismos criados a partir da

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relação entre o capital e o trabalho, e a forma desigual como se dá a apropriação do espaço. Para exemplificar, Lefebvre afirma:

Ciência do Espaço? Não. Conhecimento da produção do espaço. A ciência do espaço é do domínio da lógica, da teoria dos conjuntos e coesões, sistemas e coerências. O conhecimento do processo produtivo, que faz entrar na existência social este produto que é o mais geral de todos – o espaço – é do domínio do pensamento dialéctico (sic), que lhe apreende as contradições. É neste espaço dialectizado (sic) que se consuma a reprodução das relações de produção. É este espaço que produz a reprodução das relações de produção, introduzindo nelas contradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico (LEFEBVRE, 1973, p. 18-20).

Milton Santos (2006) cita as horizontalidades e as verticalidades como elementos fundamentais no que diz respeito aos arranjos espaciais. Compreender tais elementos, portanto, é compreender também as relações e as forças que compõem o espaço. A horizontalidade permite a construção da vida social e do cotidiano. É composta por elementos que estão interligados e não se sobrepõem. A verticalidade, por sua vez, é constituída por redes que, ainda que separadas umas das outras, influenciam e regulam o funcionamento da sociedade e/ou relações de produção. É a verticalidade que transmite a racionalidade hegemônica aos espaços e cria a ordem (ou a desordem) dos mesmos, de forma que estes permaneçam submissos ao grande capital. O fortalecimento das horizontalidades torna-se então uma forma de resistência a essas forças reguladoras:

Nessa união vertical, os vetores de modernização são entrópicos. Eles trazem desordem aos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício. E a união vertical – seria melhor falar de unificação – está sempre sendo posta em jogo e não sobrevive senão às custas de normas rígidas. Mas os lugares também se podem refortalecer horizontalmente, reconstruindo, a partir das ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo (SANTOS, 2006, p. 288).

Santos (2006) também apresenta uma racionalidade estabelecida no meio geográfico. Essa racionalidade do espaço acontece através do uso ostensivo das técnicas que seguem padrões de funcionamento e que fazem do espaço um meio racional. O espaço racionalizado, por sua vez, pode ser manipulado como coisa e perde suas características:

É, aliás, comum que essa noção, aceita como abrangente – mas que na

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verdade é restrita – de um espaço de fluxos, venha frequentemente acompanhada de uma outra noção, a noção de homogeneização. O caráter invasor, hoje, da técnica atribui aos recortes verticais do território uma vocação de possessividade, mas o governo das ações dependentes se dá através de pontos ativos que reinam sobre planos heterógenos. Tais ações buscam adaptar-se a esses planos heterógenos, sobre os quais impõem uma ordem, mas sem alterar sua heterogeneidade (SANTOS 2006, p. 201).

Dessa forma, a exclusão e a escassez resultantes desse espaço racionalizado acabam por impor limites a essa racionalidade dominante. Santos (2006) também aponta a localidade como elemento oposto aos processos de globalização e a hierarquização inerentes a eles. Assim, em espaços cada vez mais hegemônicos, os excluídos desse processo representam o novo, a quebra dessa lógica mecanicista através da inventividade. Neste caso, os pobres escapam ao totalitarismo da racionalidade da qual as elites são reféns. Através dessa reflexão, é possível concluir que a globalização é um fenômeno ambíguo porque traz a universalização, diminui as distâncias e as fronteiras e, ao mesmo tempo, induz ao aumento da desigualdade, da exclusão e dos conflitos sociais, enquanto elimina as singularidades ao submeter espaços diferentes a uma mesma lógica. Esse fenômeno Milton Santos caracteriza como globalitarismo:

Eu chamo a globalização de globalitarismo, porque estamos vivendo uma nova fase de totalitarismo. O sistema político utiliza os sistemas técnicos contemporâneos para produzir a atual globalização, conduzindo-nos para formas e relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão, que exigem obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou permanecem dependentes, como se fossem escravos de novo (SANTOS).

Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento geográfico desigual é palco para a expansão capitalista, esta lógica sobrevive da transposição de barreiras geográficas.

Harvey (2011) avalia as contradições geradas pelo capital e a configuração de uma paisagem geográfica que é produto da lógica da acumulação e especulação sobre a terra. São as ordens política e econômica que ditam essas configurações, das quais o Estado é receptáculo. A busca pela hegemonia financeira – mais do que pela hegemonia territorial – caracterizam a nova faceta do imperialismo no que diz respeito ao controle dos territórios. Assim, Harvey (2011) aponta a destruição criativa da terra como uma forma de criação de uma segunda natureza, influenciada pela ação humana:

A longa história de destruição criativa sobre a terra produziu o que é as vezes chamado de “segunda natureza” – a natureza remodelada pela ação

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humana. Há muito pouco, ou nada, da “primeira natureza”, que existia antes de os seres humanos povoarem a terra. Mesmo nas regiões mais remotas da terra e nos ambientes mais inóspitos, os traços da influência humana (a partir de mudanças nos regimes climáticos, vestígios de pesticidas e transformações nas qualidades da atmosfera e da água) estão presentes (HARVEY, 2011, p. 151).

A criação de novas geografias e a formatação do espaço, inerentes à qualquer atividade através da qual se pretenda alcançar a hegemonia dos territórios, implica em perigos potenciais, como profundas crises econômicas, agravamento das desigualdades e guerras. Dessa forma, é possível concluir que o espaço é dominado pela racionalidade – forma burguesa das trocas – e que a ação humana é responsável pela criação de novos espaços geográficos, posto que o capital sobrevive da expansão. No entanto, esse processo de expansão encontra limites a partir das próprias contradições que produz, resultando numa lenta e constante destruição e recriação dos espaços.

É, portanto, da apropriação seletiva, hierarquizada e desigual do espaço que surge o conflito de classes. No Rio de Janeiro, as favelas situadas na zona sul explicitam este conflito pela apropriação do espaço urbano. Por se tratar de uma região nobre da cidade, excessivamente valorizada e explorada pelo capital imobiliário, reflete a contradição inerente ao convívio entre classes tão contrastantes.

Não desfrutando do mesmo acesso aos espaços comuns àquela localidade, desenvolvem cotidiano próprio, tornam-se enclaves. A atuação do Estado também se dá de forma diferenciada: em outubro de 2007 o então secretário de segurança, José Mariano Beltrame, declarou à Rádio CBN2:

Buscá-los (criminosos) na zona sul, no Dona Marta, Pavão-Pavãozinho, eu estou muito próximo da população. É difícil a polícia ali entrar, porque um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Favela da Coréia e no Complexo do Alemão é outra.

Na ocasião, o secretário tratava por “população” apenas os moradores do entorno das comunidades, indicando uma clara hierarquização dos direitos nestes espaços e acentuando as contradições.

As favelas, nesse contexto, surgem como consequência dessas relações de produção e, embora reproduzam essas relações, são exemplo vivo e crescente da

2 Disponível em: <http://g1.globo.com/jornaldaglobo/0,,MUL878102-16021,00-

OPERACOES+POLICIAIS+NA+ZONA+SUL+DO+RIO+SAO+MAIS+DIFICEIS.html>. Acesso em:

11/03/2019.

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segregação e da sobreposição do valor de troca sobre o valor de uso – reafirmando as relações que permeiam esses espaços como produto e reprodutor da lógica do capital. Tal determinismo, fruto de relações econômicas concretas e não de meras abstrações, se agrava em escala mundial, uma vez que as demandas mais básicas

“já não [podem] ser ‘incorporadas’ ou ‘integradas’ à dinâmica objetiva de autoexpansão do capital” (MÉSZÁROS, 2010, p.114). Por este motivo, ficam explícitos os ataques diretos e indiretos das formas políticas ao social, bem como a ênfase a um gerencialismo exacerbado para o valor de troca, e não para o valor de uso.

1.2 O turismo e a ressignificação do espaço

A evolução da atividade turística, bem como o processo de absorção da mesma pela lógica do capital, é composta por diversos elementos e tem seu desenvolvimento atrelado às transformações das relações sociais de produção. Por se tratar de um processo de produção de mais-valor, o turismo está intimamente relacionado ao trabalho – tanto no sentido de produzir excedentes, quanto na dicotomia entre trabalho e tempo livre. Em relação ao conceito de tempo livre, esclarece Marx:

[...] a poupança do tempo de trabalho é equivalente ao aumento do tempo livre [...]. O tempo livre, que é tanto tempo de ócio quanto tempo para atividades mais elevadas, naturalmente transformou seu possuidor em outro sujeito, e é inclusive como este outro sujeito que então ele ingressa no processo de produção imediato (MARX, 2011, p. 593-594).

Como fenômeno moderno e centrado nas relações de trabalho, a atividade passa a ter como essência o consumo do tempo livre que, por sua vez, desponta como necessidade. Nesse sentido, esclarece Martoni (2014, p. 83):

sabe-se que o trabalho exige descanso, sendo essa uma necessidade biológica de qualquer animal e, se toda formação social (escravista, capitalista) depende do trabalho concreto dos seus membros, ela também precisa que esses possam suprir outras carências naturais e o tempo livre é uma delas.

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Para Rodrigues (1989) “o ócio significa não fazer nada, enquanto que o lazer supõe o consumo do tempo com alguma atividade, que criou a necessidade do consumo do tempo livre”. O turismo, ao mesmo tempo, estimula lazer para os que consomem e trabalho para os que permitem que essa prática aconteça, ou seja, surge como forma de valorização do “não trabalho” e como forma de consumo do tempo livre. A mesma prática, por outro lado, exige atividade de trabalho, posto que sem essa nada acontece. Entender o processo de desenvolvimento do trabalho torna-se fundamental para entender a própria atividade turística, que acontece, principalmente, como fruto da motivação e do desejo humano. Assim, elucida Luckács (1978, p. 12-13):

Em primeiro lugar, há uma tendência constante no sentido de diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário à reprodução dos homens. Trata- se de uma tendência geral, que hoje já ninguém contesta [...] Em segundo lugar, esse processo de reprodução tornou-se cada vez mais nitidamente social [...] Em terceiro lugar, o desenvolvimento econômico cria ligações quantitativas e qualitativas cada vez mais intensas entre as sociedades singulares originariamente pequenas e autónomas, as quais no início - de modo objetivo e real- compunham o gênero humano.

O trabalho voltado à produção de mais valor, apontado como necessidade no mundo moderno, demanda tempo de descanso. Para clarificar, Filho (2004) afirma que “nesse processo, o ócio, o lazer e o turismo aparecem concomitantes à categoria trabalho e à luta contra a opressão e o tipo de trabalho escravo que a população nos séculos XVIII e XIX está submetida. Ou seja, a conquista do não- trabalho aparece intrinsecamente relacionada às reivindicações trabalhistas. Ainda nesse sentido, esclarece Rodrigues (2011, p. 1):

A diminuição da jornada de trabalho – diária, semanal e anual – aliada a outras conquistas sociais da classe trabalhadora ampliaram sobremaneira o tempo livre, o que refletiu diretamente na multiplicação e diversificação das atividades de recreação e, por extensão, do turismo de massa. As razões dessa expansão são complexas e derivam de fatores que atuam não de forma linear, mas de maneira interativa no processo global, situando-se nos campos econômico, social, psicológico, político, cultural, ideológico, além de outros.

Dessa forma, o turismo firma-se como força produtiva ao abarcar práticas sociais como via ou instrumento para a produção de mercadorias, não sendo inteligível sem as devidas conexões com as relações socioprodutivas estabelecidas no processo de absorção dos valores de uso em conversão em valores de troca.

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Ao analisar a atividade turística a partir da perspectiva de um fenômeno da modernidade, isto é, da expansão e do aprofundamento das relações sociais de produção, pode-se considerar que a intensificação e a mercantilização das atividades turísticas estão diretamente atreladas ao processo vital do capital, ou seja, a sua valorização. Quando submetido à lógica do mercado e das relações produtivas mais desenvolvidas, o turismo deve, por obrigatoriedade, adotar um caráter expansivo para sua sobrevivência enquanto produtor de valor (mercadoria) e, sobretudo, de valor-capital em espaços, culturas e tradições com apelos essenciais à essa relação social. Esse caráter mercantil da atividade surge como consequência (e, posteriormente, também como causa) da transformação das relações sociais de produção, estimulando o valor de troca em detrimento do valor de uso.

Como fenômeno econômico e cultural, o turismo também produz, reproduz e ressignifica os espaços. A ideia de transformar a cidade em vitrine, através da espetacularização e da produção de megaeventos que negligenciam determinados espaços em detrimento de outros, demonstra como se dá a atuação do turismo enquanto atividade subordinada ao grande capital. A transformação da cidade do Rio de Janeiro para a produção da Cidade Olímpica, por exemplo, impactou de forma significativa a determinadas localidades através de revitalizações/desapropriações e da criação de novas centralidades, como avalia Mascarenhas:

Além de acelerar o avanço do setor imobiliário e de toda uma concepção urbanística já superada, baseada no automóvel particular, a opção pela Barra da Tijuca como “coração dos Jogos” favoreceu grandes agentes privados atuantes no local e promoveu intensa degradação ambiental, com destaque para o campo de golfe. Além de todos esses impactos, esse processo tem outros agravantes. Por um lado, a política de transporte intrametropolitano, considerada pelo discurso oficial um dos principais legados dos Jogos, concentrou todo o planejamento em torno da Barra da Tijuca, como suposta “nova centralidade” da cidade (MASCARENHAS, 2016b, p. 11).

A transformação de determinado lugar em “produto turístico”, a depender de suas vantagens de localização, pode alterar drasticamente as relações ali contidas.

O lugar ganha nova valorização, as relações sociais de produção se modificam e a cultura se transforma em potencial atrativo. Desta forma, padroniza-se o comportamento e as tradições, gerando a espetacularização dos eventos e a

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pasteurização da cultura, que nesse contexto figura como elemento diretamente relacionado à produção do espaço, posto que também é fruto das relações sociais que permeiam e permitem essa produção. Por conseguinte, elucida Rodrigues (1991, p 77):

A dificuldade para definir o espaço turístico está basicamente em captar o peso ou a força que esta atividade exerce na produção do espaço.

Distinguem-se facilmente os espaços de vocação turística, como os parques nacionais, onde apesar do turismo ser uma atividade intensamente explorada, não foi esta que os produziram. Por outro lado encontram-se espaços produzidos pelo turismo e para o turismo, apesar da ausência de quase todos os fatores apontados como favoráveis para a produção do espaço turístico.

Segundo Arantes (2000), a cultura e/ou os costumes e tradições transformaram-se em estratégia de desenvolvimento a partir dos anos 1980 e configuram como instrumento das práticas mercadológicas:

À medida que a cultura passava a ser o principal negócio das cidades em vias de gentrificação, ficava cada vez mais evidente para os agentes envolvidos na operação que era ela, a cultura, um dos mais poderosos meios de controle urbano no atual momento de reestruturação da dominação mundial (ARANTES, 2000, p. 33).

Essa conversão da cultura em moeda de troca pode ser percebida, segundo Arantes (2000), através das estratégias adotadas com o intuito de revitalizar determinados espaços e/ou torná-los economicamente atraentes. Essa dinâmica se realiza através de políticas culturais que transformem a cidade em espetáculo, estimulando a ideia de progresso e de pertencimento, naturalizando os conflitos existentes e agravados através de tais práticas. Essa ideia de progresso associado à atividade turística é reforçada por alguns autores, tal como Beni (1999, p. 97), o qual avalia que “em vista de seus importantes efeitos econômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais, o turismo, organizado e planejado, é poderoso instrumento de aceleração ou complementação do processo de desenvolvimento”, Com isso, acaba por apresentar o turismo como uma alternativa viável para que comunidades portadoras de vantagens comparativas sejam inseridas na lógica reprodutivista do valor a mais. Esse processo se dá de forma direta e indireta com a reconfiguração das atividades do produtor direto para fins das novas dinâmicas produtivas que alcançam e transformam os espaços.

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A questão essencial a ser ressaltada é que não haveria problema algum com a expansão da produção social de serviços em um dado espaço, se esses fossem postos como valores de uso. Entretanto, esse desenvolvimento se dá por uma hierarquização socioprodutiva, voltada para a troca, que define os atores que produzem e aqueles que ficam com os resultados da produção, marcando as desigualdades “no e do” espaço diante da impossibilidade de os sujeitos desenvolverem suas diferenças de forma igualitária.

Assim, como afirma Fernandes (2002, p. 6), “compreende-se que a atividade turística representa um dos matizes da nova economia em tempos de Globalização”.

O avanço dos meios de transporte, a consequente facilidade nos deslocamentos e o desenvolvimento do meio técnico-científico, proporcionam acesso rápido às informações sobre lugares, paisagens e cultura, estimulando a busca pelo diferente e pelo consumo do tempo livre. Segundo Martoni (2010, p. 8):

Inerente ao processo de ampliação do capital, a polarização extremamente desigual é um reflexo da racionalidade econômica defendida no processo de globalização, ou seja, de competitividade em um mercado que deixa cada vez mais de ser local a partir do momento em que investidores vislumbram a sua transformação/reordenação para se auferir lucros com o turismo (ou outro setor).

Ajustada às implicações da globalização, a atividade turística não admite uma estrutura passível de harmonização. Como proporcionar benefícios sociais e econômicos aos espaços turísticos, a partir da compreensão sistêmica e econômica do turismo diante da globalização, trabalho e acumulação cada vez mais flexíveis e desiguais?

A medida em que o turismo atua como meio para competir na economia globalizada, mais se permite desenvolvê-lo como uma atividade para instauração e expansão dos valores e estratégias da lógica dominante. Assim, quanto mais se defende sua orientação econômica globalizada, mais difícil se torna compreendê-lo como um fenômeno social de encontro, seja para pensar uma forma de atuação menos reducionista, seja com o intuito de reconhecer suas contradições e conflitos.

Legitimar o turismo apenas através das suas adaptações relativas à globalização afasta a possibilidade de promovê-lo segundo as especificidades de cada localidade.

A atividade turística situada nos limites da forma material da vida social dominante atua como produto e reprodutora de uma mesma lógica, que são as

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relações sociais estabelecidas com o fim da concretização do mais-valor Por isso, aos espaços interessantes à transformação do dinheiro em capital, a expansão do turismo (em suas diversas tipologias estabelecidas pelo mercado) firma-se como instrumento necessário para a lógica reprodutivista alavancando, para a sua própria vitalidade, outras formas de mercantilização do espaço.

1.3 Os Megaeventos esportivos no Rio de Janeiro e seus desdobramentos

Investigar atividade turística enquanto instrumento transformador e/ou formador de espaços, implica em investigar também as formas através das quais ela atua ou se perpetua. A produção de megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro acarretou uma série de medidas que, intrinsecamente relacionadas a interesses neoliberais, trouxeram profundas transformações na dinâmica da cidade, especialmente no que se refere à população ou às regiões marginalizadas.

Analisados a partir de uma perspectiva histórica, é possível traçar um paralelo entre tais eventos e os processos de reorganização do espaço urbano. Segundo Mascarenhas (2014a, p. 54):

Os megaeventos esportivos se definem por um conjunto de competições periódicas, geralmente quadrienais e que abrangem eventos de alcance planetário, tais como os Jogos Olímpicos de Verão, os Jogos Olímpicos de Inverno e a Copa do Mundo de Futebol Masculino e eventos de alcance regional/continental, como os Jogos Pan-americanos, os Jogos Asiáticos, os Jogos da Comunidade (Britânica), a Eurocopa (futebol) e, em menor grau, os Jogos Africanos. Tais eventos vêm apresentando há décadas crescimento constante e elevada capacidade de impactar as cidades onde são realizados. Ao mesmo tempo em que atraem recursos e investimentos, mobilizam capital simbólico e geram focos de resistência social.

Assim, os megaeventos esportivos – desde a preparação da sede e execução até o período pós-evento – aparecem como caminho viável para a reprodução ampliada do capital a medida em que perpassam a produção do espaço, o espaço como ativo financeiro, como esclarece Freire (2013, p. 102):

Nesse modelo neoliberal, os grandes projetos arquitetônicos e eventos internacionais representam uma oportunidade privilegiada para acirrar a competição e aquecer o mercado urbano. Mas como se tentou justificar essa verdadeira obsessão, desde o início dos anos 1990, da

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Prefeitura do Rio de Janeiro em sediar um megaevento esportivo na cidade? A resposta pode ser encontrada na retórica de consenso ligada a esse paradigma empresarial, na qual os megaeventos passaram a ser vistos como um meio para se atingir transformações positivas nas cidades que o sediam, sobretudo as Olimpíadas, dado o seu maior impacto sobre o tecido urbano.

A realização de um evento como Copa do Mundo, por exemplo, está subordinada a uma série de acordos estabelecidos entre a FIFA e o país então escolhido como sede. Os vultuosos investimentos em obras e propagandas, bem como as inúmeras medidas adotadas com o intuito de adequar determinadas localidades ao padrão FIFA, denunciam a atuação estatal sobre o espaço em favor da reprodução do capital, desconsiderando as particularidades e as necessidades das localidades em questão:

Pouco depois da "bem-sucedida" organização do Pan 2007, a FIFA concedeu ao Brasil a CM 2014. O comitê organizador local (COL) rapidamente nomeou o Maracanã como palco da final do torneio e que o Rio iria sediar o centro de mídia e comunicação do evento. A peça central do projeto do Rio era a reforma completa do complexo do Maracanã [...]

Este projeto orçado em U$ 430 milhões, destinado a atrair turistas internacionais, executivos corporativos e torcedores da elite econômica, aconteceu nas mediações da favela da Mangueira. No entanto, quaisquer melhorias nessa região não estavam previstas no projeto original da CM 2014, colocando um destino turístico internacional em dolorosa proximidade com uma área residencial de infraestrutura precária (GAFFNEY, 2016, p.

35-36)

Esses eventos fomentam investimentos em áreas decadentes e reforçam a imagem da cidade em âmbito internacional – principal mecanismo de lucro para os patrocinadores. Tais medidas apresentam resultados questionáveis: se por um lado proporcionam maior visibilidade para a localidade em questão, atraindo novas espécies de investimento; por outro agravam problemas pré-existentes como a ampliação do processo de gentrificação, a violação do direto à moradia em benefício dos setores hegemônicos da economia e desapropriação de comunidades inteiras em prol de interesses do setor imobiliário – como exemplifica Mascarenhas (2016a, p.55):

Como decorrência de um claro projeto de valorização imobiliária calcada na remoção de comunidades carentes, o poder público decidiu pela extinção da comunidade Vila Autódromo, sem qualquer alegação razoável, pois sua presença não afetaria o pleno funcionamento das obras, tampouco a realização da Olimpíada. O próprio COI jamais objetou a presença da comunidade, assim como a Fifa não exigiu a retirada dos ocupantes da Aldeia Maracanã. O que não impediu o acionamento de forças militares para garantir uma concepção elitista de cidade e de megaevento.

Referências

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