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VIDA ECLESIAL E MEIOS DE COMUNICAÇÃO Uma análise da prática comunicacional na Igreja Católica a partir do Decreto Inter Mirifica MESTRADO EM TEOLOGIA

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EDUARDO MALASPINA

VIDA ECLESIAL E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Uma análise da prática comunicacional na Igreja Católica

a partir do Decreto

Inter Mirifica

MESTRADO EM TEOLOGIA

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EDUARDO MALASPINA

VIDA ECLESIAL E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Uma análise da prática comunicacional na Igreja Católica

a partir do Decreto

Inter Mirifica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia Prática, com concentração no núcleo de Pastoral, sob a orientação do Prof. Doutor Côn. Sérgio Conrado.

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BANCA EXAMINADORA

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Ao contrário do que muitas vezes se diz ou se pensa, a Igreja não perdeu o comboio dos meios de comunicação. (...) A Igreja tem acompanhado de forma estreita e sábia a explosão dos meios de comunicação, tem sabido tirar partido deles para a evangelização e

a sua presença na sociedade. (...) A Comunicação Social sustentou e fez estremecer a Igreja. Foi a sua fraqueza e a sua força. Deu-lhe e tirou-lhe privilégios. Elevou-a no trono e colocou-a à altura do homem comum. Revelou a sua transcendência e a manifestou a sua mediania. Exprimiu os seus ideais e fez ver a sua fragilidade.

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que capacitou-me para que este projeto se concretizasse. Com gratidão, reconheço o incentivo

daqueles que possibilitaram-me este estudo, em especial: a Dom Joviano de Lima Júnior, sss, atual arcebispo metropolitano de Ribeirão Preto, a Dom Paulo Sérgio Machado, bispo atual de São Carlos, a Ação Episcopal alemã Adveniat, pelo patrocínio da bolsa de estudo para a metade do curso e também à comunidade paroquial de São Nicolau de Flüe, em São Carlos, lugar onde exerço meu ministério.

Expresso meu sincero obrigado à Congregação da Paixão de Jesus Cristo – Passionistas – padres, seminaristas e funcionárias – que através do gesto fraterno do padre Augusto José Canali - Superior Províncial - hospedaram-me fraternalmente no período das aulas, em 2009 e 2010. Sou muito grato à direção, ao corpo docente e aos funcionários

da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, pela atenção que sempre demonstraram e por Vanessa Dionísio e a Professora Elisa Maria Monteleone de Oliveira pela revisão do texto.

De maneira muito particular, meu reconhecimento ao acompanhamento

do Prof. Dr. Côn. Sérgio Conrado, pela grandeza de coração manifestada na amizade

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Esta dissertação apresenta uma reflexão à luz dos documentos da Igreja Católica sobre vida eclesial e comunicação. O trabalho resgata, à largas pincelas, uma linha de reflexão que parte do período Tridentino (Pós-Reforma e Contra-Reforma), invade a época Conciliar (Concilio Vaticano II) e repercute na Igreja da América Latina e Caribe na forma dos documentos do CELAM ao apresentar a temática sobre comunicação. Através de uma análise histórico-crítica, servindo-se da interação dialógica interdisciplinar, colhe e destaca os principais traços característicos da cultura moderna e pós-moderna e oferece chaves de maior compreensão das expressões de ruptura e continuidade diante das indagações teológicas e eclesiológicas no âmbito comunicacional. Tanto a modernidade, como a pós-modernidade acarretaram grandes transformações na forma de pensar, agir e viver das pessoas, dos grupos sociais e da Igreja. Em um mundo em transformação, mudam as formas de comunicação e a sua influência na complexa sociedade globalizada. Na agenda das questões a cerca da evangelização, a temática da comunicação ocupa um lugar substancioso, sobretudo como maneira de encontrar

respostas pastorais por parte da Igreja, dentro desse ‘lugar teológico’ que é a sociedade midiática.

Palavras-chave: Igreja Católica. Comunicação. Concilio Vaticano II. Inter Mirifica.

(8)

Such an essay proposes an angle for reflection upon Catholic Church documents about ecclesiastic life and communication. The theme brings out a reflection moment from the Tridentin Period (Post-Reform and Against-Reform) and goes through the Conciliar period (Vatican II Ecclesial Council) and directly influences upon Latin American and Caribbean Church with CELAM documents about communication. Through a critical historic analysis based on interdisciplinary interaction main modern and post-modern cultural aspects could be pictured, and thus enlighten a smoother path which led to a better understanding on the existing disruption and continuity expressions before theological and ecclesiastic questionings in the scope of communication. Modern times and post-modernity both have caused enormous changes in people's way of thinking, acting and living, in social groups as well as in Church. In a fast changing world, communication ways also do change so rapidly and influence forming a rather complex global society. In the evangelization process, communication is surely a big concern, especially in the aspect of striving to look for means to keep providing people with the right feedback within such a challenging 'theological place' which is nowadays media society.

Keywords: Catholic Church. Communication. Vatican II Ecclesial Council. Inter Mirifica.

Modern.Post-modern. Latin American Church.

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AAS Acta Apostolicae Sedis

AG Ad Gentes

AL América Latina AN Aetatis Novae

CEB Comunidade Eclesial de Base

CELAM Conferência Episcopal Latino Americana

CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CP Communio et Progressio

DAp. Documento de Aparecida

DECOS Departamento de Comunicação Social. DP Documento de Puebla

DSD Documento de Santo Domingo EN Evangelii Nuntiandi

GS Gaudium et Spes

IM Inter Mirifica

JUC Juventude Universitária Católica

LG Lumen Gentium

PP Populorum Progressio

NMI Novo Millennio Ineunte

RCC Renovação Carismática Católica REB Revista Eclesiástica Brasileira RM Redemptoris Missio

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INTRODUÇÃO ... .... 10

I. CAPÍTULO - A IGREJA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO PERÍODO TRIDENTINO ... .... 16

1.1 O imaginário religioso cultural pré-moderno ... .... 16

1.2 A Igreja Pós-Concílio de Trento ... .... 19

1.3 O interesse do Magistério da Igreja pelos Meios de Comunicação ... .... 27

1.4 Os desafios socioculturais da Modernidade ... .... 32

1.5 A crise e a resposta da Igreja diante da Modernidade ... .... 38

1.6 Proposições, Questões e Enunciados ... .... 42

II. CAPÍTULO - CONCÍLIO VATICANO II, UM NOVO MODELO DE COMUNICAÇÃO ... .... 52

2.1 Concílio Vaticano II, emergência e perspectivas ... .... 52

2.2 O desenvolvimento do Concílio ... .... 57

2.3 O Decreto Inter Mirifica, nos passos do Concílio ... .... 65

2.4 Um novo modelo de comunicação emergente na Igreja ... .... 70

2.5 Orientações pós-conciliares do Magistério da Igreja ... .... 78

2.6 Proposições, Questões e Enunciados ... .... 94

III. CAPÍTULO - UMA NOVA PRÁTICA COMUNICACIONAL NA IGREJA CATÓLICA DA AMÉRICA LATINA ... ...105

3.1 A Comunicação Social nos Documentos da Igreja na América Latina ... ...108

3.2 A pós-modernidade e as implicações para a evangelização ... ...123

3.3 O diálogo da Igreja com as novas tecnologias e a vida eclesial a partir da comunhão . ...128

3.4 Provocações e propostas para a Igreja Católica na América Latina ... ...139

3.5 Proposições, Questões e Enunciados ... ...151

CONCLUSÃO ... ...163

Anexo ... ...176

(11)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa, de título Vida Eclesial e Meios de Comunicação, uma análise da prática comunicacional na Igreja Católica a partir do Decreto Inter Mirifica está voltada para a articulação teológica entre a eclesiologia e a realidade comunicacional. Tanto para o

homem como para a sociedade a comunicação não é algo periférico ou acidental. O homem se

autocompreende como um ser para a comunicação. Esse dinamismo constitui uma dimensão

fundamental, um elemento estrutural da pessoa e da sociedade. A comunicação, mesmo com

os seus problemas e possibilidades, se situa dentro de um tecido de inter-relações e

condicionamentos que ela mesma cria, estabelece e forma. Desse modo, o tema Comunicação

tem entrado na “pauta do dia” de muitas correntes intelectuais, empresas e organizações. No

campo científico, os „meios de comunicação social‟ ou „meios de comunicação de massa‟, ou

mass media’, ou simplesmente „mídia‟ introduziram novos paradigmas, não só ao estudarem

as realidades da comunicação entre os seres humanos, mas também os efeitos da mídia e sua

interferência na vida das pessoas e das culturas.

Na opinião de muitos pesquisadores do assunto, a comunicação passa a ser um

elemento articulador da sociedade; e na era da tecnologia da informação tem sido um

referencial à economia, educação, política e cultura. A prova disso são as intervenções e

inovações das novas tecnologias, que constituem um aspecto essencial da sociedade

(12)

seja, ler um jornal, assistir a um programa de TV ou ir ao cinema são formas de dizer que

cultura escolhem para si. Os meios de comunicação social possibilitam que as pessoas

explorem novos valores, novas formas de viver e novos mitos culturais.

O mundo da comunicação social tornou-se um desafio para a ação da Igreja. Sua

influência decisiva sobre os modos de pensar e de atuar das pessoas e dos grupos sociais

definem e consolidam em grande parte a chamada “cultura pós-moderna”. O homem que vive

nesse ambiente tem suas características próprias. Se no início do século XX o impacto

sócio-cultural e econômico se deu com a revolução industrial, entramos no século XXI sob o

impacto da revolução dos meios de comunicação e das novas tecnologias da informação. É

inegável a importância dos meios de comunicação social e sua influência na complexa

sociedade globalizada. Por isso, a Igreja passou a estudar a mass media, colocando-a como prioridade no campo das interações sociais e eclesiais.

Para aprofundar o tema escolheu-se o caminho da reflexão teológico-pastoral, tendo

como status quaestionis a intenção de verificar, a partir da história comunicacional na Igreja Católica, como se estabeleceram os processos teológicos e as perspectivas eclesiológicas

derivadas dessa práxis antes e depois do Concílio Vaticano II. A partir do substrato teórico Jesus Cristo, o Comunicador, sedimenta-se a mediação dessa investigação, ou seja, o

contributo teológico para o estudo da comunicação pastoral. Entende-se comunicação não só

como um veículo de transmissão de conteúdo, mas como forma de estabelecer relações e

comunhão do ser humano com a mensagem evangélica, portanto, do homem com Deus e com

a Igreja.

Este trabalho tem os vieses das análises de cunho histórico, sociológico, teológico e

eclesiológico e aborda a comunicação eclesial em três fases: a primeira, que vai do Concílio

de Trento (1545-1563) até meados do século XX, chamado período tridentino; a segunda, que

(13)

comunicação no período pós-Vaticano II, principalmente com os desdobramentos nos

documentos de Conclusão das Conferências do Episcopado Latino Americano e Caribenho.

Para as três fases analisadas questões decorrentes irão encontrando respostas, tais como: qual

perspectiva eclesiológica conseguirá estabelecer esse processo? Qual ser humano que se quer

formar? Qual a mensagem a ser transmitida? Qual a compreensão da Igreja acerca dos meios

de comunicação em cada fase investigada?

Este trabalho, por questões metodológicas de delimitação, não irá analisar a relação da

Igreja e Comunicação antes do período tridentino, bem como todo trabalho desenvolvido pela

CNBB na Igreja do Brasil. Também renunciamos a tratar da questão ética dos meios de

comunicação e a influência que os mesmos, principalmente as novas tecnologias, exercem

sobre a formação política, social e eclesial dos indivíduos. Quanto ao método, este trabalho

fundamenta-se na leitura e sistematização de fontes e bibliografia em geral. Emprega o

método sincrônico,1sendo que o estudo específico do tema e o desenvolvimento da pesquisa

irão perpassar duas áreas de estudo: Teologia e Comunicação. Essa investigação se servirá da

“razão teológica” esclarecida por Clodovis Boff, enquanto “busca fundamentalmente mostrar

o „nexo‟ existente entre o mundo da fé e o nosso mundo”.2

Três grandes capítulos dividem este estudo:

O primeiro, intitulado “A Igreja e os Meios de Comunicação no Período Tridentino”, oferece informações que evidenciam uma exagerada preocupação da Igreja pré Conciliar

quanto aos instrumentos de comunicação. Num tom de cautela, preocupação e muitas vezes

condenação, os documentos pontifícios ensinavam como os usuários deveriam agir diante das

mensagens dos meios. Cientes da verdadeira doutrina, imbuídos dos anseios morais e cristãos,

os fiéis deveriam se defender do senso de liberdade que se instalava com a Revolução

1 O método sincrônico parte da perspectiva de análise dos fenômenos históricos, sociais, comunicacionais e eclesiológicos ao mesmo tempo. O resultado obtido será a produção simultânea daquilo que é possível apreender através da interdependência sincrônica dos fenômenos relacionados.

(14)

Francesa. Os valores da Modernidade influenciaram diretamente a fé cristã, que não mais se

adequava como chave de leitura dominante e onipresente da sociedade, cedendo lugar para as

ciências exatas, sociais e humanas. Conservadorismo eclesiástico e teológico por um lado e

crítica secularista e ateia por outro, polarizaram as discussões nesse momento histórico.

Também nesse período verifica-se, a partir da análise dos documentos pontifícios, que não se

estabelece um ataque aos instrumentos de comunicação propriamente dito, mas sim a

determinados conteúdos ideológicos provenientes do Modernismo.

O segundo capítulo intitulado “Concílio Vaticano II, um novo modelo de

comunicação”, explana de forma clara o decreto conciliar Inter Mirifica e todas as atuais configurações acerca dos novos modelos de comunicação que começam a emergir. Passa-se

de uma abordagem reducionista de comunicação social como transmissão ou difusão de

mensagem à consideração da comunicação dialógica que vê como sujeito cada um dos

implicados na dinâmica comunicacional. A atitude diante de uma das maravilhas do mundo

moderno não é mais de condenação. Esses meios podem ser instrumentos adequados para

atingir as pessoas, moldar-lhes a personalidade, modificar-lhes as atitudes. Há uma idéia de

que a boa comunicação acontece quando atinge as pessoas e interfere em seus

comportamentos. Quando isso não ocorre, o erro reside na maneira de se utilizarem os meios.

Dessa forma, há um acento no FAZER, ou seja, os meios devem atingir a finalidade a que a

Igreja se propõe: transmitir a mensagem do Evangelho para todos os cantos.

Após o Inter Mirifica, os documentos pós Conciliares atribuem aos meios de comunicação também a promoção da Comunhão e do Progresso na sociedade, sempre

buscando medir a eficácia dos instrumentos. A Instrução Pastoral Communio et Progressio, carta magna dos cristãos no mundo da comunicação, pontualiza que a comunicação social é

(15)

que proporciona aos homens a participação plena na vida trinitária, a comunicação deixa de

ser uma realidade secundária na Igreja e passa a ser uma “religião de comunicação”.

Como capítulo central da dissertação, esse segundo capítulo estabelece uma relação

com o primeiro e terceiro capítulos. Dialoga com o primeiro, na medida em que esclarece os

traços eclesiológicos encontrados no período tridentino. Articula-se com o terceiro, ao fazer

entender que a comunicação ocupa um lugar substancioso não apenas no seu corpo eclesial,

mas, sobretudo como maneira de encontrar respostas pastorais dentro desse „lugar teológico‟

que é a sociedade midiática.

Uma nova prática comunicacional na Igreja Católica da América Latina” é o título

do terceiro capítulo. Foi na Igreja da América latina que se realizou a recepção mais fecunda

do Concílio. A Igreja, aos poucos, deixou de focar apenas sobre os instrumentos de

comunicação, para expressar-se mais amplamente sobre a cultura midiática. Ela estabelece um

novo ambiente vital, um estilo de vida, um conjunto de valores que realmente constitui o

elemento articulador que gera, administra, apoia, impulsiona e sustenta esse fenômeno. A

grande preocupação vai residir em valorizar o PENSAR, isto é, compreender os mecanismos

sociais que impedem que os indivíduos e comunidades sejam ativos de sua comunicação.

Diante do macro-organismo da comunicação na sociedade, identifica-se o autoritarismo, o

verticalismo e a unidirecionalidade da comunicação. Desse modo, o centro das atenções não é

mais o homem, mas a máquina e as transformações mais profundas ocorrem não nas idéias ou

no pensamento, mas nas novas tecnologias.

Mercado globalizado, indivíduo fragmentado, neoliberalismo, razão técnico-científica,

inteligência artificial, Tecnologia da Informação, ética relativista e descompromissada, crise

das instituições, religiosidade light e à la carte, „deseclesialização‟, secularização, banalização e pluralismo religioso fragmentado, tudo isso, e muito mais, compõe a moldura

(16)

complexas, inseguras e movediças, quais as implicações para a evangelização, bem como para

as relações comunicacionais na Igreja do século XXI?

No âmbito da teologia pastoral e no tecido eclesial, esta pesquisa pretende contribuir

verificando os processos teológicos e as perspectivas eclesiológicas derivadas da práxis

comunicacional, trazendo ao leitor as ambiguidades e inquietações de cada período estudado,

bem como pistas que os documentos do Magistério sugerem acerca do discurso

(17)

PRIMEIRO CAPÍTULO

I. A IGREJA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO PERÍODO TRIDENTINO

A Igreja, de uma forma clara ou implícita, sempre esteve preocupada com a maneira

de comunicar a mensagem evangélica. Ao longo dos quase dois mil anos como portadora de

uma missão dada por Jesus Cristo3, ela aos poucos toma consciência de que o cristianismo é

sobretudo uma religião de comunicação.4 No final do século XIX e início do século XX, a

preocupação da Igreja pela temática da comunicação tornou-se mais aguda. Neste capítulo a

reflexão focará o período pré Concílio Vaticano II, numa correlação com a história eclesial e

comunicacional. Sem desmerecer a longa história que a Igreja tem sobre essa temática, nos

deteremos pós Reforma e Contrareforma.

1.1 O imaginário religioso cultural pré-moderno

Desde o Imperador Constantino, ano 310 d.C., até a primeira metade do século XIX a

Igreja exerce um papel determinante na vida cultural, através dos processos comunicacionais5,

3 Mt 28,19-20a ―Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei‖.

4 Cf. WHITE, Robert. I Mass Media e La Cultura nel Cattolicesimo Contemporane.In: LATOURELLE, René (a cura), Vaticano II: Venti anni Dopo– Bilanci e Prospettive. Assisi: Cittadella Editrice, 1987, p.1551.

5 O inglês Gregory Bateson, epistemólogo da comunicação vai afirmar que qualquer coisa ao nosso redor produz sinais que podem ou não ser convertidos em componentes do processo comunicacional. Todos somos em

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tais como pintura, escultura, arquitetura, teatro popular, e até mesmo a imprensa no início do

Renascimento, isso tudo se torna parte da cultura e da espiritualidade católica.6

Os milênios passados da história dão a impressão de um período unificado, onde as

experiências eram adquiridas no estreito horizonte temporal, espacial e social, ou seja, as

experiências aconteciam dentro de um espaço geográfico fácil de ser abrangido. Nesse mundo

pré-moderno, as restritas condições técnicas e sociais limitavam as possibilidades de vida. A

maior parte das famílias vivia no mesmo lugar desde tempos imemoráveis, possuía, portanto,

conhecimentos e experiências pessoais sobre os outros, acumuladas de muitas gerações.7 Num

período no qual a tradição traçava os limites do pensamento e do comportamento, ao

estabelecer o que era considerado real e irreal, permitido ou proibido, a cultura transmitida e

importada pelo sistema social organizado mantinha a integração e a unidade do grupo social.

A interpretação e as contradições desse mundo, aquilo que era inexplicável e desconhecido,

bem como todas as questões abertas que precisavam obter sentido diante do absurdo

encontravam na religião uma resposta8. Para Peter Berger, ―a religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade

erguidas pelas sociedades empíricas.‖9 A fé e a experiência religiosa faziam crer que o mundo

era um todo sem rupturas e fragmentações. Para Miklós Tomka ―a religião passou a ter uma função ordenadora, explicativa e legitimadora, a ter um papel que, mesmo prestigiado, não

passava de um tapa-buraco‖.10

Num primeiro momento é possível até pensar que todo o mundo estava embebido do

mais genuíno Cristianismo. Mas não! Tanto na Europa como no resto do mundo até então

conhecido, o Evangelho atingia as raízes de bem poucas pessoas. As grandes navegações, as

6 Cf. WHITE, Robert. I Mass Media e La Cultura nel Cattolicesimo Contemporane.In: LATOURELLE, René (a cura), Vaticano II: Venti anni Dopo– Bilanci e Prospettive. Op. cit., p.1551.

7 Cf. TOMKA, Miklós. A fragmentação do mundo das experiências na época moderna. Concilium. Petrópolis, n. 271, [mar.] 1997, p. 12.

8 Cf. Ibidem. pp. 1314.

9 BERGER, Peter Ludwig. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião, São Paulo: Paulinas. 1985, p. 45.

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descobertas de novos continentes, o zelo heroico dos missionários não eram suficientes para

afirmar que todos foram bem evangelizados.11 As pessoas – em sua maioria vivendo no meio rural – tinham uma religiosidade fundamentada nas satisfações das necessidades imediatas, com muitas devoções, promessas, ritos praticados simplesmente para resolver problemas da

vida cotidiana. A serviço desse povo, estava um clero também ignorante, rude, supersticioso,

distribuidor de sacramentos e ávido por dinheiro como garantia de sobrevivência. O terreno

estava propício para o desmonte lento, gradual e constante do imaginário religioso

dominante.12 Esse imaginário religioso cultural pré-moderno foi lentamente sendo corroído a

partir das ciências modernas. A economia, a literatura, a política, a arte, a filosofia, a ciência e

os costumes do povo apontavam para valores e visões de mundo distantes e independentes do

pensamento cristão tradicional.

O pensamento religioso foi influenciado por essa mentalidade moderna através da

Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero13 (1483-1546) e pelo interesse de

monarcas que aproveitaram o momento para quebrar o poder político e territorial da Igreja,

desafiando as autoridades de Roma à medida que os estados (nações) se fortificavam.14 Três

axiomas teológicos resumem bem o pensamento religioso levantado pela Reforma

protestante: sola fide, sola gratia e sola Scriptura. Essas afirmações vão muito além do seu teor teológico, elas anunciam a modernidade15 invadindo o território religioso.16 Por essa

tríade, o fiel da modernidade nascente proclama sua autonomia e o valor de sua subjetividade

11 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? São Paulo: Paulus. 2006, p. 112. 12 Cf. Ibidem. p. 113.

13Em 31 de outubro de 1517, Lutero afixou, à porta da Igreja de Wittenberg, conforme o costume das disputas acadêmicas, uma lista de 95 teses, em latim, a respeito do primado do Papa e de temas conexos, lançando seu protesto contra a doutrina católica.‖ In: BETTENCOURT, OSB, Estevão Tavares. Crenças, religiões, igrejas e seitas: quem são? Santo Paulo: Editora Mensageiro de Santo Antônio, 1995, p.24.

14 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? Op. cit. p.114.

15 O cristianismo como matriz social da cultura ocidental entra em crise no momento em que não mais modela os comportamentos e as consciências dos indivíduos, isto é, na hora em que outras referências, religiosas ou não, passam a ocupar seu lugar. A Modernidade, enquanto modo de compreender a história, reinterpretar o tempo e o espaço, configura-se como sistema cultural, deflagrando processos irreversíveis que atingiram o âmago das relações entre a religião e a sociedade. Cf. Ibidem.

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ao fazer da experiência pessoal o sinal mais credível da Revelação. Somente pela fé (sola fide), numa atitude pessoal, individual, sem precisar da intermediação visível da Igreja e do Magistério eclesiástico ele se encontra com Deus. Somente pela graça (sola gratia), o fiel se percebe santificado pela atribuição da parte de Deus. A graça não precisa mais ser veiculada

objetivamente ou exclusivamente pelas obras, sacramentos ou ritos da Igreja católica.

Somente pela Escritura (sola Scriptura), o fiel – sujeito pensante, livre, capaz de reflexões

‗agraciadas‘, reclama a primazia da leitura das Sagradas Escrituras mediante o acesso direto à

Palavra, tanto na experiência pessoal de escuta, como em sua interpretação, sem o controle da

Tradição e da instituição eclesiástica.17 Segundo Libânio, ―a Igreja questionada a partir daquilo que era o seu fundamento ao longo da tradição cristã, refugou o avanço da

modernidade subjetiva e individualista que lhe batia à porta.‖18

Em termos de modernidade, os reformadores já assumiam sua reivindicação de

interioridade, enquanto que os católicos permaneciam fixos na pré-modernidade do mundo

objetivo.19 A religião cristã, que sempre garantiu a união cultural e religiosa do ocidente,

estava sendo posta à prova com discórdias e divisões entre reformadores e católicos, e como

consequência estabeleciam-se os fundamentos da secularização.

1.2 A Igreja Pós-Concílio de Trento

Sabemos que os Concílios na Igreja são frutos do contexto social e eclesial vigente.

Eles levam em conta o zeitgeist,20 ou seja, o clima intelectual e cultural do mundo de uma certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo. Com o

Concílio de Trento (1545-1563) e o Vaticano I (1869-1870), a Igreja não foi diferente. Eles

promoveram um modelo eclesiológico baseado no teocentrismo e eclesiocentrismo. Frente à

17 Cf. Ibidem. pp. 14-15.

18 Ibidem. p.15.

19 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? Op. cit. p. 114.

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imperfeição do Estado e da sociedade civil, a Igreja, como instituição divina, denominava-se

uma sociedade perfeita, com seu caráter universal. O Concílio de Trento, considerado pela

Igreja Católica o 19º. Concílio Ecumênico foi realizado em três sessões: 1545-1549;

1551-1552; 1562-1563. Segundo Agenor Brighenti ―ele afirmava a supremacia do sacerdócio hierárquico sobre o sacerdócio comum dos fiéis e os sacramentos como único meio de

salvação‖.21 Para Libânio, a Igreja tridentina bateu em duas teclas: ―na visibilidade e na necessidade de salvar a alma, realizando um processo de articulação entre as duas‖.22

O clima reinante na Igreja durante esses séculos de modernidade foi de defesa e de

ataque23. Defesa contra as agressões que recebia. Ataque, contra os adversários que investiam

contra ela.24 Diante disso, ela institui um projeto apologético.25 Para Brighenti, o primeiro

fez frente à reforma protestante com a Contrareforma católica; o segundo foi uma tomada de

posição diante da Modernidade, que buscava emancipação do ser humano e do mundo em

relação à teocracia reinante‖.26

A Modernidade27 era a inimiga declarada da Igreja, porque trazia no seu bojo

princípios, valores, modos de crer e pensar que causavam rupturas e novidades à vida social.

Diante desse quadro, que exercia incisiva atração sobre os fiéis, a Igreja passa a viver uma

21 BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 27.

22―Os sacramentos, na sua visibilidade, exprimiam um meio absoluto necessário para ser católico e assim salvar-se. Além deles, exigia-se professar a doutrina da fé e da moral ensina pelo magistério da Igreja. A este o fiel

devia obediência.‖ In: LIBÂNIO, João Batista. Contextualização do Concílio Vaticano II e seu desenvolvimento. Cadernos Teologia Pública. n. 16, São Leopoldo: Unisinos, 2005, p. 6.

23A apologética dessa época centrava-se na problemática da revelação. A Igreja católica era apresentada como a única Igreja verdadeira em meio às diversas confissões e denominações cristãs. Contra os ateus, que negavam toda religião, opõe-se uma demonstração da religião (demonstratio religiosa); contra os deístas, que se contentavam com uma religião natural, rejeitando a mediação cristã, se busca mostrar que o cristianismo é a verdadeira religião (demonstratio christiana); e finalmente, contra os reformadores, demonstra-se que a Igreja católica é a única e verdadeira Igreja de Cristo (demonstratio catholica).‖ In: Idem. Teologia da Revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 33-34.

24 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Igreja Contemporânea. Encontro com a Modernidade. Op. cit. p. 26.

25 A Igreja católica resistiu o quanto pode a esse embate e conseguiu construir uma identidade tridentina tão forte e firme que reside até hoje em muitos rincões católicos. In: Cf. Idem. Qual o futuro do cristianismo? Op. cit. p. 115.

26 BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. Op. cit. p. 27.

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crise em seu interior.28 No transcorrer de quatro séculos, diante das contraposições marcadas

pela divisão protestante de Lutero e de seus discípulos,29 o ―edifício que a Igreja precisou construir apoiou-se sobre três pilares: um imaginário religioso compacto, o enquadramento do

clero e dos leigos‖.30

No aspecto doutrinal, a Igreja católica buscava, por um lado, guardar o ‗depósito da fé‘, que já se encontrava fendido e rompido em sua unidade, e, por outro, defender a verdade

do ―erro‖ pela condenação de ‗exposições adversárias‘. Graças, virtudes e sacramentos eram

meios oferecidos pela Igreja para a salvação eterna.31 No aspecto pastoral, a educação

religiosa, a pregação32, a catequese, as missões e qualquer outra atividade só tinham valor e

consistência se promovessem a vida sobrenatural da graça.33 No aspecto litúrgico, o Concílio

reforçava a exatidão no cumprimento de regras e rubricas. As celebrações estabelecidas

deveriam passar pela uniformidade. As cerimônias deveriam ter o caráter mais sagrado

possível, estando envoltas numa aura de mistério que, com sua exatidão e com a beleza de

suas músicas e ritos, deveria transportar o fiel para o mundo do sagrado. Nesse aspecto, a

liturgia não poderia perder o caráter misterioso e sagrado. Portanto, aberturas e adaptações

litúrgicas eram inconcebíveis, devendo preservar seu caráter sacral, portanto não humano.

Todos os ritos deveriam levar o fiel à esfera do mistério.

Além de rituais e liturgias complexas que garantiriam a manutenção de sua

hegemonia, a Igreja, como busca pela unidade, irá lançar mão do latim como língua oficial,

28 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Igreja Contemporânea. Encontro com a Modernidade. Op. cit. pp. 9-11. 29 Entre os dois Concílios Ecumênicos, o de Trento (1545 -1563) e o Vaticano I (1869-1870), o conteúdo do legado era espesso, doutrinal e de forte peso jurídico.‖ In: LIMA, José da Silva. Teologia Prática Fundamental. Fazei vós, também. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009, p. 59.

30 LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? Op. cit. p. 115.

31―E a moeda de compra do céu chamava-se graça santificante, obtida pelos sacramentos, pela contrição perfeita

e aumentada pelos atos bons feitos com a reta intenção‖. In: Ibidem. p.116.

(23)

diante da decisão protestante de celebrar a liturgia na língua do povo.34 No aspecto

institucional35, o acento será dado sobre a figura do ‗cura das almas‘, ou seja, a Igreja passa a

investir fortemente na formação dos sacerdotes. É depois do Concílio de Trento que se criam

os seminários, com o objetivo de formar moral e intelectualmente os futuros sacerdotes.

No aspecto teológico, ―há uma forte incidência na pedagogia do medo, com um acento na Teologia dos Novíssimos – morte, juízo, inferno e paraíso – com o intuito de converter as pessoas e mantê-las dentro da Igreja‖.36 A alma passa a ocupar lugar central e principal da fé. Salvar a alma era o imperativo colocado ao cristão. Por isso, gradativamente as pessoas foram

conduzidas a direcionar todas as suas energias para a vida futura. Verifica-se um

fortalecimento dessa mentalidade quando alguns agentes da teologia do período anterior

foram retomados, tais como o inferno, a relativização desta vida, o juízo de Deus no final dela

e a prestação de contas dos atos a Deus. Esses temas passam a desempenhar papéis cruciais.

Místicos como Inácio de Loyola, Teresa de Jesus, João da Cruz também contribuíram para o

fortalecimento dessa mentalidade.37

No aspecto dogmático, a partir de uma composição escolástica, o ―enfoque será a repetição de teses bem estruturadas e com excelentes argumentações teóricas, na busca por

formar um ‗edifício perfeito de boa doutrina‘.‖38 Para isso, o catecismo e o sermão

constituíram-se em peças fundamentais. Se os protestantes colocaram nas mãos do povo a

Bíblia para dar-lhes os fundamentos da salvação, a Igreja católica a proíbe39 e utiliza o

catecismo para que as principais verdades da fé estivessem na boca dos fiéis. Ela elabora

34 Cf. BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. Op. cit. p.29.

35 ―La Iglesia en cuanto una estructura política (estados pontificios, alianzas políticas y militares), decae, sometida al ataque constante de las nuevas fuerzas culturales, filosóficas y políticas. Su fortaleza está en el pueblo, las familias, el clero y las parroquias; en los religiosos y en las misiones, las cuales dejaron una rica base para la vida de la Iglesia en todo el mundo‖. In: MCGRATH, Marcos. El Concilio Vaticano II y el Futuro. Revista Medellín, v.22, n. 86, 1996, p. 15.

36 LIBÂNIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo?Op. cit. p. 116.

37 Cf. Idem. A volta à grande disciplina. Reflexão teológica-pastoral sobre a atual conjuntura da Igreja. São Paulo: Loyola. 1983, pp. 42-44.

38 LIMA, José da Silva. Teologia Prática Fundamental. Fazei vós, também. Op. cit. p. 60.

(24)

catecismos no formato de receitas e por eles ensina ao povo as orações básicas, criando

hábitos de orar em determinados horários do dia, tais como as orações da manhã e a da noite.

Também a prática da confissão geral dos pecados e o exame de consciência diário, à luz das

verdades eternas, inculcariam nas consciências o medo do pecado, do inferno, do purgatório e

do juízo de Deus.40

Na busca pela reforma, principalmente na formação eclesiástica, a Igreja irá incentivar

continuamente um movimento em prol da neo-escolástica41, tanto para a filosofia como para a

teologia, isso tudo como uma maneira de construir fortes muralhas de autoproteção.42

Diante da liberdade religiosa individual, da valorização das experiências pessoais e do

critério subjetivo da verdade, há um reforço dos aspectos objetivos, da autoridade do

magistério e da prática dos sacramentos.43 Na verdade, a busca era enquadrar os fiéis e

mantê-los dentro do rebanho da Igreja. Essa foi uma das respostas da Igreja pós-tridentina ao colapso

da Cristandade medieval.44

A confecção apologética não foi somente tecida pelas elaborações teológicas diante

dos adversários da fé católica, ou seja, os protestantes. De tempo em tempo a defesa da fé

passa por muitas outras fases. No século XVII, principalmente na França e em especial entre

os jovens da corte e da rica burguesia surgem os libertinos45 e ateus práticos.46 Eles se sentiam

40―O fantasma do juízo de Deus pairava sobre a vida cotidiana do fiel. Ao olhar de Deus nada escapava. Tudo era notado. [...] Coerente com a pedagogia do medo, estava a pregação do binômio purgatório-inferno. Era um cristianismo culpabilizante, dolorista e atemorizante.‖ In: LIBÂNIO, João Batista. O que é Pastoral?Op. cit. pp. 43-44.

41 ―A Neo-escolástica foi um movimento de retorno à doutrina de São Tomás de Aquino. Ela teve seu início no

século dezenove, foi impulsionada pelo apoio vigoroso e decisivo do Papa Leão XIII na evolução cultural do século vinte. De acordo com as diretrizes da encíclica Aeterni Patria, de Leão XIII, de 4 de agosto 1879, os filósofos, ao restaurarem a escolástica, deviam “purificá-la” das sutilezas inúteis e das teses em contradição com as descobertas científicas, e enriquecê-la com as verdades indiscutíveis que a filosofia moderna e a ciência experimental tivessem conquistado.” In: ABBAGNANO, Nicola. Dizionario di filosofia. Milano: TEA, 1993, p. 618. (tradução nossa)

42―A Igreja católica de privilegiada, detentora de autoridade, ela se vê, em consciência e em doutrina, obrigada a reagir: torna-se reacionária, opondo-se ao partido do movimento e do progresso.‖ In: POULAT, Emile. Catolicismo e modernidade. Um processo de exclusão mútua. Concilium, n. 6, p. 17, [jun.] 1992.

43 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Igreja Contemporânea. Encontro com a Modernidade. Op. cit. p. 15. 44 Cf. Idem. Qual o futuro do cristianismo? Op. cit. p. 117.

(25)

emancipados da autoridade religiosa com relação às crenças e às práticas dos costumes.

Alguns instituíram posições radicais de crítica às religiões positivas, outros adotaram posturas

fideístas47 e antirracionalistas, desfazendo-se dos argumentos do cristianismo e das religiões

ao demonstrar a relatividade de muitas informações consideradas universais e absolutas48. Por

influência das obras do filósofo Bacon, eram alimentados do espírito científico com uma

opinião acirrada contra as ciências que se apoiavam na autoridade e não na razão49. Diante

desse quadro, os adversários da fé deixam de ser os reformadores, e a apologética se

concentra na demonstração da necessidade da religião e da positividade do cristianismo. O

investimento passa a ser na construção de uma teodiceia rigorosa instaurada pela luta contra a

irreligião50.

No século XVIII, surgem os deístas51 e enciclopedistas.52 Eles partiam do dado

fundamental de que o mundo era obra e criação de Deus. Ele, o grande arquiteto e engenheiro,

ao criar uma máquina perfeita, não poderia intervir ou revelar-se, porque deporia contra a

perfeição da criação e, em última instância, contra Ele próprio, o Deus criador53. Dessa forma,

qualquer intervenção reveladora de Deus seria indigna dele. No fundo, há uma clara defesa do

46O ateu prático pode ser compreendido como aquele que afirma o primado da razão na descoberta da verdade. Cultivar a razão e a ciência moderna da natureza é recusar o dogma e, assim, negar o Deus revelado. A confiança nos poderes da razão e da ciência matemática é, com efeito, ateu, por excluir implicitamente toda transcendência.‖ In: Cf. Ibidem.

47Os fideístas atribuíam à fé o papel principal do conhecimento religioso. Reagindo ao racionalismo, perpetuam a oposição entre razão e fé, concebidas como duas entidades independentes, aceitam a concepção

técnico-matemática da ‗razão‘ e reivindicam a mediação da autoridade e da tradição, denunciada pelo racionalismo das Luzes.‖ In: Ibidem. p. 733.

48 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. Op. cit. p. 34.

49 Cf. VERCELLESE, Michele; BIANCHI, Claudia. Sintesi Filosofia. Milano: Antonio Avallardi Editore. 1996. pp.126-129.

50 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. Op. cit. p. 34.

51 O termo deísta era usado para designar aqueles que creem em Deus criador, na providência divina e na imortalidade da alma, mas rejeitam a revelação, e especialmente o dogma trinitário.‖ In: LACOSTE, Jean-Yves, Dicionário crítico de Teologia. Op. cit. p. 513.

52 Os enciclopedistas foram os filósofos que colaboraram na elaboração da obra Enciclopédia ou Dicionário Racional das Ciências das Artes e dos Ofícios. Apesar das divergências, eles concordavam em vários ideais: tolerância religiosa, otimismo a respeito do futuro da humanidade, confiança no poder da razão livre, oposição à excessiva autoridade da Igreja, interesse pelos problemas sociais, entusiasmo pelo conhecimento e pelo progresso, entre outras idéias.‖ In: FERRATER, José Mora. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola. v. 2, 2ª ed., 2005, p. 825.

(26)

naturalismo54, presente só no reino da natureza. Segundo Kant, não há espaço para a

Revelação fora de possíveis conteúdos da razão crítica e da razão prática. O racionalismo

afirma-se como autonomia e pretensão à autosuficiência da razão moderna. Para o filósofo ―a

revelação histórica pertence ao mundo da ―percepção sensitiva‖, que é um degrau infantil a

ser superado pela idade adulta do pensar maduro e autônomo‖.55

O pensamento filosófico tentou realizar a dissolução da teologia, ao insistir no aspecto

obscuro e indemonstrável das verdades sobrenaturais. Para rebater esse ataque, católicos e

protestantes desenvolveram uma apologética de sinais externos, profecias e milagres, na

tentativa de demonstrar a evidencia do fato da Revelação.56

O Concílio Vaticano I foi convocado pelo Papa Pio IX, celebrado de 1869 a 1870 e

encerrado devido à guerra franco-prussiana, que culminou com a invasão57 dos Estados

Pontifícios em Roma, o que exigiu a retirada imediata dos bispos. Segundo Souza, a

Assembléia Conciliar propunha-se, além da condenação dos erros modernos, a definição da

doutrina católica sobre a Igreja. Segundo Nei de Souza, ―o que se realizou, nas três sessões, foi a discussão e aprovação só da Constitutio dogmatica de fide catholica e a Constitutio dogmática prima de Ecclesia Christi, sobre a infalibilidade e o primado do bispo de Roma.58 O Vaticano I foi celebrado num contexto eclesiológico muito tenso e sob debates teológicos

54―La doutrina che ritiene che i poteri naturali della ragione sono piú efficaci di quelli che la filosofia produce o

promuove nell‘uomo. In questo senso Kant diceva: ‗Il naturalista della ragion pura assume per principio che per mezzo della ragione comune senza scienza (Che egli chiama ‗sana ragione‘) si può, rispetto alle questioni più alte che costituiscono il compito si può determinare com maggior sicurezza la grandezza e la distanza della luna ad occhio anzichè per mezzo della matemática‘.‖ In: ABBAGNANO, Nicola. Dizionario di filosofia. Op. Cit. p. 609.

55 LIBÂNIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. Op. cit. p. 35. 56 Cf. Ibidem.

57 Em 1850, os domínios papais começaram a perder para a Itália, a Romanha (1859), a região da Úmbria, Marcas (1860), e finalmente Roma (1870). O papa agora estava restrito ao Estado do Vaticano e a Igreja romana não era mais a senhora de mão de ferro da Europa. Fortes conflitos doutrinários dividiam os teólogos de escolas opostas e emergiam novas idéias seculares que o Papa condenou como ―erros modernos‖. Já que a Igreja

experimentava sua derrocada política, a solução era consolidar o resto do poder que ainda existia nas mãos de um agente único, o papa Pio IX. Cf. Ibidem.

(27)

muito delicados. Várias correntes filosóficas59 negavam a possibilidade da Revelação divina,

bem como a capacidade cognoscitiva do homem. Todas essas correntes defendiam o primado

da razão e a sua autonomia frente à Revelação e ao dogma. Dessa forma, essas correntes

negavam o caráter transcendente da Revelação.60 Ao lado dessas correntes de corte

racionalista, havia também as correntes fideísta e tradicionalista que punham em xeque a

própria fé.61

Por razões históricas, o Concílio não conseguiu levar a cabo toda a tarefa que se

propusera e diante do eminente confisco dos territórios pontifícios, terminou por tratar

unilateralmente do poder papal, separado do conjunto da Igreja, ao definir o Primado do

Romano Pontífice e a sua infalibilidade.62 Na verdade, a Igreja tentou assegurar a sua

unidade em torno das contestações à autoridade do papa‖.63 Se Pio XI afirmava que ninguém poderia estar na Igreja de Cristo sem a submissão ao papa,64 já Pio XII termina esse ciclo,

insistindo no aspecto de que o Corpo Místico de Cristo se identifica com a Igreja Católica

Romana. Na encíclica Mystici Corporis de 1943, ele parte do pressuposto de que somente os católicos é que são membros do Corpo de Cristo. O mesmo Pio XII, na encíclica Humani Generis de 1950, torna ―a afirmar que os católicos devem admitir que o Corpo Místico de

59 Dentre essas correntes que compunham o contexto deste Concílio podemos citar o cartesianismo, que pôs em xeque a autoridade da Tradição; a filosofia spinozista, a qual exclui a priori a religião revelada; o kantismo, que diminui as fronteiras entre filosofia e teologia; e a filosofia empírica inglesa, que defendia o primado da observação. In: RIBEIRO, Ari Luís do Vale. A Revelação nos Concílios de Trento e Vaticano II. Revista Trimestral Porto Alegre, v. 36, n. 151, [Mar] 2006, p. 59. Disponível em: <http://revistaseletronicaspucrs.br/ ojs/index.php/teo/article/view/1670/1203.htm>, Acesso em: 20 de julho 2010, 16:47:30.

60 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 297. 61 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da modernidade. Op. cit. p. 381.

62 Cf. Souza, Nei de. O Concílio Vaticano I (1869-1870): uma Fisionomia da Assembléia. Op. cit. pp. 35-36. 63 Butler, um dos melhores historiadores do Concilio Vaticano I, cita afirmações como estas, que atribuem ao papa versos, com um mínimo de rigor, só aplicáveis a Deus: Rerum PIUS tenax vigor, Immotus in te permanens ... (―PIO, vigor permanente das coisas, Que permaneces incomovível em ti mesmo‖); ou estes outros, só

aplicáveis a Cristo: Pontifex, sanctus, innocens, impollutus, segregatus a peccatoribus et excelsior coelis factus

(―Pontífice, santo, inocente, imaculado,separado dos pecadores e feito mais excelso que o céu‖) e, inclusive, o

seguinte hino, que fala do Pontífice-Rei como se fosse o Espírito Santo: Pater pauperum, dator munerum, lumen cordium, emitte coelitus lucis tuae radium(―Pai dos pobres, doador dos dons, luz dos corações, emite do céu o

raio de tua luz‖). In: TILLARD, Jean Marie René. Bispo de Roma. Estudo sobre o Papado. São Paulo: Loyola. 1985, p. 34.

(28)

Cristo e a Igreja Católica são uma única e mesma coisa‖.65 Segundo Libânio, a morte de Pio

XII não foi simplesmente o fim de um pontificado, mas o de uma era da Igreja. Dez séculos

de modelo eclesiástico recebiam um golpe de morte‖.66 Tanto os fatores externos como

internos irão provocar o desmoronamento dessa concepção de Igreja.

1.3 O interesse do Magistério da Igreja pelos Meios de Comunicação

No período pré Concílio Vaticano II, as intervenções do Magistério da Igreja, com

seus documentos oficiais 67 limitaram-se unicamente aos instrumentos de comunicação. Eles

não negavam o valor da imprensa, mas suas preocupações estavam voltadas para os perigos

de seu uso e abuso. As questões mais contundentes concentravam-se nos problemas da fé e

moral. Papas, concílios, sínodos, bispos tinham uma exagerada preocupação quanto à forma

de comunicar e a adequada utilização dos meios, como por exemplo: espetáculos, artes

figurativas – pinturas e esculturas – teatro, livros, periódicos, mais tarde rádio, cinema e TV. Ao lermos minuciosamente as intervenções do magistério, elas possuem um caráter de cautela

e condenação com relação à utilização daquele determinado instrumento de comunicação. Tal

atitude é justificável, porque a tipografia contribuiu em muito para o abalo das estruturas da

instituição Igreja Católica, sobretudo com o uso dado pelos protestantes.

Nos séculos XVII e XVIII com a Revolução Industrial, o capitalismo começa a

firmar-se. Com isso, o anseio político pela democracia ganha força através da Revolução Francesa

geradora de um ―novo tipo de sociedade baseada na consagrada tríade: liberdade, igualdade e fraternidade‖.68 O surgimento de uma sociedade laica fortalece as bases de separação entre a

65Pio XII, Carta Encíclica Humani Generis. [12.08.1950] AAS 42 (1950), p. 571.

66 LIBÂNIO, João Batista. Contextualização do Concílio Vaticano II e seu Desenvolvimento. Cadernos Teologia Pública. Op. cit. p. 8.

67 Devido ao grande número de documentos, delimitar-nos-emos àqueles que avaliamos mais significativos em termos de conteúdo. Cientes da relevância dos demais, acreditamos que a revisão e a análise do conjunto total dos documentos exigiria outra pesquisa.

(29)

Igreja e o Estado.69 E a Igreja teve que se defender contra os propugnadores da liberdade,

principalmente através do uso da imprensa, inventada por Gutenberg, em meados do século

XV.70 A postura da Igreja, a partir do século XVI se ―definirá pelo ‗contra‘: será ‗contra‘ a

Reforma (1521), ‗contra‘ as Revoluções (1789) e ‗contra‘ os valores relativos à liberdade de

consciência e liberdade de opinião‖.71

Os pronunciamentos do magistério da Igreja especificamente sobre comunicação

social começaram com o Papa Gregório XVI (1831-1846). Ele escreve a encíclica Mirari vos72 em 1832 e manifesta uma preocupação com os meios modernos de difusão das idéias e das opiniões. Com uma mentalidade repressiva, principalmente com relação à imprensa e sua

liberdade, ele condena tudo aquilo que era contrário à fé católica. Esse documento marca uma

oposição ambivalente, para não dizer negativa e moralista do magistério da Igreja diante dos

instrumentos de comunicação. Tal posicionamento desenvolveu-se, com muito mais

intensidade e rigor, com os pontífices Pio IX, Leão XIII, Pio X, Pio XI e Pio XII.

O Papa Pio IX (1846-1878) em sua primeira encíclica Qui Pluribus atribuiu a causa dos males modernos ao racionalismo que negava a religião cristã. Ele analisa o papel da

imprensa e conclui que ela é ―utilizada para ‗conspiração‘ socialista e comunista‖73 no que se

refere à organização de massa. O papa declara que não se pode reconciliar com a civilização

do progresso e do liberalismo e pede aos bispos que também escrevam livros para responder

69 Cf. PEREZ, Gabriel Jaime. La Comunicación Social en el Magisterio de la Iglesia. Santafé de Bogotá, 1997, p. 29.

70 O livro, que acreditava ser um ‗depósito do saber‘, passa a cumprir também uma outra função: propagar as idéias de liberdade. Nos séculos XVII e XVIII a grande imprensa, de herética torna-se agnóstica e atéia. A

liberdade da imprensa e de pensamento se afirma como um irrenunciável direito civil. Enfim, ―a invenção da

imprensa passa a ser o fenômeno que mais contribuiu, para determinar uma das maiores mutações da história da

civilização‖. In: GIOVANNINI, Giovanni (coord.) et al. Evolução na Comunicação: do Silex ao Silício. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 88.

71 BOFF, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 102.

72 Gregório XVI, em sua encíclica considera um erro acreditar que a liberdade era um desenvolvimento da Igreja, e, segundo o papa, era necessário opor-se à imprensa ruim com uma boa imprensa católica.

(30)

aos revolucionários. Pio IX em seus 32 anos de pontificado, através das Encíclicas Nostis et Nobiscum, Inter Multiplices Angustias, Quanta Cura, que anexa um catálogo com 80 proposições em que aponta os principais erros74 do seu tempo, o Syllabus.75 O Papa Pio IX

manifesta uma mentalidade de oposição à imprensa como veículo de difusão das idéias

‗modernas‘ e elenca doutrinas perniciosas. É em seu pontificado que circula pela primeira vez

o jornal católico Osservatore Romano, com a finalidade de servir de defesa ao papado e contra as calúnias atiradas à Santa Sé. Com a criação desse jornal (1º de junho de 1861) tendo

como proprietários dois leigos católicos76, a Igreja se prepara para uma significativa mudança

de tática durante o papado de Leão XIII (1878-1903).

Com Leão XIII a vida eclesial toma novos rumos, com uma maior flexibilidade em

relação à imprensa e às novas tecnologias da época, ou seja, rádio e cinema. O papa passa a

considerar as imprensa como um importante instrumento de opinião e que a Igreja poderia

utilizar-se desse recurso. Mas mesmo ao realizar em 1879 uma primeira audiência coletiva

com todos os jornalistas profissionais e incentivar a formação de associações de jornalistas na

Hungria, França, Holanda e Alemanha, Leão XIII permanece como os seus antecessores com

discursos tradicionais.77 Isso é verificado em sua encíclica Imortale Dei78, de novembro de 1885. Ele dirá que ―não basta lastimar o passado, é necessário ‗opor escrito a escrito‘,

74 Entre tais erros está o de considerar como ―falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manifestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos

costumes e dos espíritos dos povos, como contribua pra a propagação da peste do indiferentismo‖. PIO IX. Syllabus, nº 79. Disponível em: <http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos& subsecao=encícli cas&artigo=silabo&lang=bra>. Acesso em: 27 julho 2010, 15:10:29.

75 PIO IX, Carta Encíclica Quanta Cura [8.12.1864] A.S.S. 3 (1867-1868), pp. 160-167. In: Enchiridion delle Encicliche. vol.2, Bologna: Edizioni Dehoniane, 2002, pp. 500-545.

76 Cf. Ibidem.

77Nas Encíclicas Diuturnum (1881) Imortale Dei(1885)

, Leão XIII reafirma que a Reforma protestante, subtraindo o homem à direção eclesiástica, despedaçou o feliz convívio social que a Igreja havia assegurado durante o período medieval. Da Reforma derivou todo o mal estar da modernidade: as revoluções e o comunismo/ anarquismo. Para o papa, só será possível confrontar com eficácia esta temível degeneração da vida coletiva com a condição de que os governantes voltem a aceitar os ensinamentos papais e a vida coletiva volte a estar „sob o influxo da religião‟.” In: COUTINHO, Sérgio Ricardo. Cristandade: ainda um conceito válido para compreendermos o catolicismo contemporâneo? Horizonte Teológico, n. 6, [jul./dez.], 2004, p. 37.

78 Na encíclica Imortale Dei

, o papa afirma que “a profissão íntegra da fé católica é absolutamente incompatível com as opiniões que se aproximam do “racionalismo” e do “naturalismo”, e cujo capital é destruir completamente as instituições cristãs e estabelecer na sociedade a autoridade do homem em lugar da de Deus. In: Cf. LEÃO XIII. Encíclica Imortale Dei. nº 59. Disponível em: <http://www.vatican.va/ holy_father/ leo_xiii/

(31)

‗publicação a publicação‘.‖79 Segundo ele, a imprensa pode muito bem contribuir para a

educação de massa, diminuir a violência e favorecer o respeito ao direito civil, mas ela deve

estar a serviço da Igreja católica. Os católicos precisam ter uma postura crítica diante da má

informação, na defesa da verdade, e fundar oficinas diocesanas de imprensa80. Na verdade,

havia da parte da Igreja a idéia de que imprensa, rádio e cinema poderiam ser utilizados para

difundir o bem, de modo a combater o mal que vinha sendo disseminado pela sociedade,

através dos próprios meios.

Já o Papa Pio X (1903-1914) coloca-se contra o modernismo. Em sua encíclica Pieni L'Animo, de 1906, proíbe até os seminaristas de lerem jornais e revistas.81 Quanto aos sacerdotes, eles não eram autorizados a publicar qualquer tipo de assunto; desde tema

religioso, moral ou meramente técnico, tudo deveria ter a licença de seu superior.82 Segundo

Pio X, em sua outra Encíclica Pascendi Dominici Gregis (1907) - que trata sobre as doutrinas modernistas, ele vai um pouco além: proíbe aos sacerdotes seculares tomarem a direção de

jornais ou periódicos sem prévia autorização do Ordinário, e atribui aos bispos a competência

de providenciar para que os livros dos modernistas já publicados não sejam lidos e as novas

publicações sejam proibidas83.

79 PUNTEL, Joana Terezinha. A Igreja e a Democratização da Comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 33.

80 Cf. PEREZ, Gabriel Jaime. La Comunicación Social en el Magisterio de la Iglesia. Colección Iglesia en Mission, n. 6. CELAM, Santafé de Bogotá, 1997, p. 31.

81Seminarians are absolutely forbidden to take part in external activities. Accordingly. We forbid them to read newspapers and periodicals, excepting, in the case of the latter, those with solid principles and which the Bishop

deems suitable for their study‖. In: PIO X. Carta Encíclica Pieni L'Animo. nº 6. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/encyclicals/documents/hf_px_enc_28071906_pienil'animoen.html >. Acesso em: 27 julho 2010, 15:53:15.

82 Clerics are forbidden to direct newspapers or periodicals without the previous consent of the Ordinaries. Similarly, without the previous consent of the Ordinary, no cleric can publish any kind of writing, be it concerned with a religious, moral, or merely technical subject. Before the founding of circles and societies their

rules and constitutions must be examined and approved by the Ordinary.‖ In: Ibidem. nº 12.

(32)

Em 1912, durante o pontificado de Pio X, um decreto da Sagrada Congregação, ao se

pronunciar sobre cinema, coloca uma proibição. ―Proíbe nas Igrejas qualquer sala de

projeção84 e de espetáculos cinematográficos‖.85 Ao buscar precaver-se contra as ‗idéias

modernistas como o evolucionismo e o positivismo‘, o Papa Pio X introduz o imprimatur e o

nihil obstat. Na verdade, cada diocese deveria montar um departamento de censura para verificar, avaliar e aprovar os trabalhos a serem publicados.86

A Igreja percebia o potencial dos novos instrumentos de comunicação, mas tinha

dificuldade em admitir suas potencialidades, bem como seu aspecto positivo. Com o

pontificado de Pio XI, uma das tecnologias que despertou grandes debates no interior da

Igreja foi o cinema. Em 1928, ele cria a Organização Católica Internacional para o Cinema

(OCIC), em 1931, inaugura a Rádio Vaticana,87 e, em 1936, ele dedica uma encíclica

inteiramente sobre o cinema chamada Vigilanti Cura.88 Em Pio XI há um salto qualitativo na

visão dos meios de comunicação em relação a todos os papas precedentes. Ele passa a

considerar o cinema como um sadio instrumento de educação, reconhecendo que o

‗espetáculo universal‘, que crescia a cada dia tanto no número de espectadores como de salas,

influenciava multidões de todas as classes sociais, numa forma popular de divertimento. Do

Papa Gregório XVI até Pio XI, havia uma compreensão particular de cada meio de

comunicação. Por isso, os escritos ora se destinavam à imprensa, ora ao rádio, ora ao cinema,

ou a TV.

84 PEREZ, Gabriel Jaime. La Comunicación Social en el Magisterio de la Iglesia. Op. cit. p. 32.

85―aunque sean honestos y piadosos y dirigidos a favorecer la formación religiosa de los fieles‖. In: Ibidem. 86 Cf. PUNTEL, Joana Terezinha. A Igreja e a Democratização da Comunicação. Op. cit. p. 34.

87 Cf. PEREZ, Gabriel Jaime. La Comunicación Social en el Magisterio de la Iglesia. Op. cit. p. 33.

(33)

Com Pio XII, todos os instrumentos de comunicação são compreendidos como meios

de comunicação social. Dessa forma é que, em 1957, ele trata o rádio, o cinema e a TV numa

encíclica denominada Miranda Prorsus, dando-lhes as boas vindas, apesar das manifestações de inquietude em relação a essas tecnologias. A encíclica é caracterizada como uma

advertência pastoral, baseada em duas premissas: a primeira reconhece que as novas

tecnologias são ―dons de Deus‖, ―inventos maravilhosos da técnica‖, ―frutos do engenho e do

trabalho humano‖; e a segunda premissa lembra da responsabilidade que os homens e mulheres devem ter diante das novas tecnologias da comunicação. Aqui, o tom da carta passa

a ser, assim como o da Vigilanti Cura, de cautela e vigilância. O documento condena o uso da comunicação para interesses econômicos e políticos e alerta para a formação crítica dos

espectadores. Segundo Pio XII, ―a comunicação deve favorecer e desenvolver a cultura humana e os valores espirituais da sociedade‖.89 Segundo Soares, Pio XII atribuía aos meios

de comunicação uma hipoteca social, ou eles se colocam a serviço do que a Igreja denomina

como ―verdade‖, ―justiça‖, ―decência‖ ou não tem direito à existência‖.90

1.4 Os desafios socioculturais da Modernidade

As mudanças profundas e as mutações culturais geraram novos paradigmas sociais,

científicos, éticos, filosóficos e religiosos. Com a Modernidade91, o mundo perde suas

características teocêntricas para dar lugar a uma visão de caráter antropocêntrico.92 A modernidade apresenta-se com suas características próprias, entre elas uma insatisfação direta

diante da herança cristã. A Modernidade, no plano das grandes transformações

89 Idem. pp. 43-44.

90 OLIVEIRA SOARES, Ismar de. Do Santo Ofício à Libertação: O discurso e a prática do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil sobre a comunicação social. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 91.

91 Adotamos a explicação do conceito do professor Zilles. ―Por modernidade entendemos um processo histórico -cultural complexo de transformação de mentalidades no Ocidente, num processo que se desenvolve, em sentido mais estrito e de maneira consciente do século XVII até meados do século XX, com consequências na atualidade

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