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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES JOANA CUNHA SOUZA MODERATO CANTABILE - A POÉTICA DE MARGUERITE DURAS COMO EXPERIÊNCIA DE TRANSCRIAÇÃO ARTÍSTICA ENTRE LITERATURA E CINEMA CAMPINAS 2005

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

JOANA CUNHA SOUZA

MODERATO CANTABILE - A POÉTICA DE MARGUERITE DURAS COMO EXPERIÊNCIA DE TRANSCRIAÇÃO ARTÍSTICA ENTRE LITERATURA E CINEMA

CAMPINAS 2005

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JOANA CUNHA SOUZA

MODERATO CANTABILE - A POÉTICA DE MARGUERITE DURAS COMO EXPERIÊNCIA DE TRANSCRIAÇÃO ARTÍSTICA ENTRE LITERATURA E CINEMA

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Multimeios.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceição Passos

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA JOANA CUNHA SOUZA, E ORIENTADA PELO

PROF. DR. ANTONIO FERNANDO DA CONCEIÇÃO PASSOS

CAMPINAS 2005

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Moderato Cantabile - the poetics of Marguerite Duras as na experiencen of artistic transcration between literature and cinema

Palavras-chave em inglês: Duras, Marguerite, 1914-1996 Motion pictures and literature French literature

Poetics

Área de concentração: Multimeios Titulação: Mestra em Multimeios Banca examinadora:

Antônio Fernando da Conceição Passos [Orientador] Claudiney Rodrigues Carrasco

Adilson Nascimento de Jesus Data de defesa: 28-02-2005

Programa de Pós-Graduação: Multimeios Souza, Joana Cunha, 1976-

So89m SouModerato Cantabile - a poética de Marguerite Duras como experiência de

transcriação artística entre literatura e cinema / Joana Cunha Souza. –

Campinas, SP : [s.n.], 2005.

SouOrientador: Antônio Fernando da Conceição Passos.

SouDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Artes.

Sou1. Duras, Marguerite, 1914-1996. 2. Cinema e literatura. 3. Literatura

francesa. 4. Poética. I. Passos, Antônio Fernando da Conceição, 1943-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

1. Duras, Marguerite, 1914-1996. 2. Cinema e literatura. 3. Literatura francesa. 4. Poética. I. Passos, Fernando da Conecição. II. Universidade estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

JOANA CUNHA SOUZA

ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO FERNANDO DA CONCEIÇÃO

PASSOS

MEMBROS:

1. PROF. DR. Antônio Fernando da Conceição Passos

2. PROF. DR. Claudiney Rodrigues Carrasco

3. PROF. DR. Adilson Nascimento de Jesus

Programa de Pós-Graduação em Artes na área de concentração Artes

Cênicas, Teatro do Instituto de Artes da Universidade Estadual de

Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca

examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do(a) aluno(a).

DATA: 28.02.2005

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A

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AGRADECIMENTOS

Agradeço muito àqueles que entraram neste projeto comigo e sem os quais o trabalho e a vida seriam mais difíceis e teriam menos graça.

Agradeço a Mateus antes de tudo, pela paciência e pela sensibilidade que lhe é tão peculiar. E pelas tantas leituras e sugestões, ainda por cima do meu ombro. A meus amigos Liliana Sanjurjo, Marcelo Vaz Pupo, Rafael Caldas Rodrigues e Fernando Silva, por terem embarcado comigo nessa louca aventura de fazer cinema. A Luiz Cunha, Cristina Sazima, Daniela Antoniazzi e Gerusa Morais pelo apoio de sempre. Aos Cunha, Souza e Cyrineu Munhoz que são minha família. Ao Fernando Passos que sempre me acalmou nas horas de angústia e me apontou o caminho. A Frida e Zen, por deixarem minha vida tão mais feliz!

Agradeço a Marguerite por nos ter deixado uma imensa e vasta fonte de prazer.

Aos problemas e imprevistos que me visitaram muitas vezes, e que agora, finalmente posso apenas rir deles. Afinal, tudo faz parte.

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Camarada, isto não é um livro.

Quem o toca, toca num homem.

(8)

RESUMO

Esta dissertação procura analisar o processo que chamamos de transcriação literária para o cinema. Discute as relações entre romance e filme e as

“noções de equivalência”, tomando a adaptação fílmica como uma forma de tradução, de recriação artística, examinando o papel da representação poética subjetiva na produção e interpretação da obra de arte e nessa transição de linguagens.

Como fonte principal de pesquisa é utilizada a obra da escritora francesa Marguerite Duras, amparada por um suporte bibliográfico e filmográfico. É analisada subjetivamente uma de suas obras já filmadas, “Moderato Cantabile”, 1958, com interpretação do romance e do filme homônimo dirigido por Peter Brook, em 1960, com enfoque no processo de transcriação, bem como no processo de criação desta autora e em meu próprio processo para a produção desta dissertação.

Em um segundo momento, é feita a transcriação em suporte audiovisual de um trecho da mesma obra, desta vez, com minha autoria. O romance Moderato Cantabile transcria-se no curta-metragem Sete Luas.

Desta forma, todos os pontos do processo de transcriação literária para o audiovisual são explorados, pesquisados e experimentados, da teoria à prática.

(9)

ABSTRACT

This thesis tries to analyze the process that we call literary transcreation for the cinema. It discusses the relations between the novel and the movie and "equivalence notions," taking the filmic adaptation as a form of translation, of artistic re-creation, examining the role of subjective poetic representation in the production and interpretation of the work of art and in this transition of languages.

As the main source of research, the work of the French writer Marguerite Duras is used, endorsed by bibliographical and filmographic support.

One of her already filmed works is subjectively analyzed, "Moderato Cantabile", 1958, with an interpretation of the novel and the homonym film directed by Peter Brook in 1960, focusing on the process of transcreation, as well as in the process of creation of this author and in my own process for the making of this dissertation.

In a second moment, the transcription of an excerpt from the same work is made in audiovisual support, this time, with my own authorship. The novel Moderato Cantabile is transcreated in the short film Sete Luas.

In this way, all points of the process of the literary transcreation for the audiovisual are explored, researched and experimented, from theory to practice.

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INDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Andar sobre a água ... 16

Figura 2: Pássaros de passagem ... 19

Figura 3: Peixes prateados voadores ... 21

Figura 4: Anne - Fotografia P&B do filme Moderato Cantabile ... 23

Figura 5: Casa antiga ... 27

Figura 6: Céu ... 29

Figura 7: Marguerite Duras... 34

Figura 8: Cartaz do filme ... 42

Figura 9: Fotografia em still do filme Moderato Cantabile ... 43

Figura 10: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile ... 44

Figura11: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile ... 45

Figura 12: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile ... 47

Figura 13:Peter Brook ... 48

Figura 14: Fotografia em still do filme Sete Luas ... 77

Figura 15: Fotografia em still do filme Sete Luas ... 79

Figura 16: Fotografia em still do filme Sete Luas ... 79

Figura 17: Fotografia em still do filme Sete Luas ... 81

Figura 18: Estrada ... 84

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Sumário

1.INTRODUÇÃO ... 12

2.METODOLOGIA... 14

3.ESCREVER É PRECISO... 15

4.O ENCONTRO ... 15

5.O NÃO E MODERATO CANTABILE ... 18

6.IMPRESSÕES... 22

7.IMPRESSÕES RACIONALIZADAS... 30

8.MARGUERITE DURAS... 33

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ... 37

10. FILMOGRAFIA ... 42

11. ROTEIROS, ADAPTAÇÕES E OBRAS FILMADAS ... 40

12. O FILME ... 45 13.PETER BROOK... 48 14.IMAGENS E SONS...50 15.ROTEIRO... 53 15.1Argumento... 53 15.2Ambiente:... 53 15.3 Imagem ... 54 15.4 Som...54 16.A REALIZAÇÃO ... 77 17.CONCLUSÃO... 83 18.BIBLIOGRAFIA... 85

18.1Sobre Marguerite Duras ... 94

18.2 Obras de Marguerite Duras:... 87

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1.INTRODUÇÃO

Depois de tanto ler, de tanto pesquisar, depois de tanto escrever, algo ainda não está claro, algo me preocupa. Algo além de definições ou conceitos. Mais que uma preocupação acadêmica, é a preocupação do que isso tudo representa no mundo artístico, literário, cinematográfico. E também no meu mundo, singular. O que pretendo com tudo isto? Como todo esse processo de pesquisa vai fazer parte da vida de forma atuante? Durante o processo, percebo que alguns momentos foram de buscas, outros de encontros, alegrias, prazeres, e outros, principalmente no final, de extremo desgaste. Intelectual, físico, cotidiano. E quando o corpo e o intelecto se desgastam tanto, dessa forma que me sinto agora, percebe-se que algo ainda me move, me guia, e persiste. E aí a pergunta volta. Acredito que esse “algo” que ainda sobrevive é a necessidade da criação artística. É o sentimento e a vontade de produzir arte da forma mais sincera, mais singular possível. Da forma mais pura. Estabelecer novos parâmetros para a interpretação e produção da obra literária e cinematográfica, técnicas tão subjetivas para algo que chamamos de transcriação. Então tento responder à persistente pergunta:

Esta dissertação pretende estabelecer as relações entre literatura e cinema dentro da transcriação literário-audiovisual. O cinema resgatando a criação literária, e buscando produzir elementos tão ricos quanto a linguagem escrita possui para que essa representação poética subjetiva seja o mais verossímil possível. O que o leitor sente diante da obra literária é igual ou tão intensa quanto o que o espectador sente quando assiste a uma produção audiovisual? Sim? Não? Por que? É o cinema buscando provocar com imagens a infinidade de sensações que a palavra escrita pode proporcionar. Mas a pergunta era o que eu pretendo!

Pretendo buscar descobrir esses caminhos e enriquecer a arte, minha ou de quem a produza.

(13)

Para ser grande, Sê inteiro, Nada teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa Põe quanto és no mínimo que fazes.

Assim em cada lago A lua toda brilha Porque alta vive.

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2.METODOLOGIA

A área temática de pesquisa que desenvolvemos, Literatura e Audiovisual, tem como pretensão produzir a arte através da singularidade do processo criativo. Estimula a afirmação da autoria, acima de tudo. O processo reúne a escolha de um texto poético e a análise da produção audiovisual desse mesmo texto; em um outro momento, a elaboração de um roteiro e um filme, a partir do texto escolhido. E com a intenção que este resultado em imagem e som contenha a dimensão poética da obra literária.

Neste processo, a subjetividade e singularidade são a base de tudo, desde a escolha do texto à produção do filme. A leitura do texto é única, a interpretação é pessoal, singular, e a recriação mais ainda. No caso desta dissertação, na qual uma autora é pesquisada profundamente, talvez isto seja ainda mais evidente. Durante todo o processo estabeleci vínculos e relações com Marguerite Duras.

As imagens que criei a partir do texto já têm marcas dessa relação, assim como marcas da minha vida e da vida da autora. O texto é de Marguerite. A leitura e a interpretação são minhas. O processo de criação dessa dissertação é nosso.

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3.ESCREVER É PRECISO

Para escrever sobre transcriação artística, sobre arte enfim, esbarro com o primeiro grande obstáculo: a censura. E confesso não ter sido fácil decodificá-la. Censura, autocrítica, medo talvez. Assumir uma opinião, publicar essa opinião. Posicionar-se em relação à arte dentro de um manuscrito acadêmico que será analisado por tantas vertentes – iguais, diferentes, opostas. Assumir uma dissertação completamente subjetiva. Até mesmo encontrar uma forma de ordenar pensamentos e teorias em linguagem escrita, tentando ainda, transformar em uma prosa poética. Duras diria que qualquer tentativa de organização já seria a ação da censura.

“...porque o trabalho de organização teria sido um ato de censura, e seu efeito, o mascaramento do que sem dúvida é o essencial: o que se ouve nos numerosos silêncios, o que se lê no que não foi dito, o que se tramou involuntariamente enunciou nos erros de linguagem, nos erros de estilo, na imperícia da expressão. ”1

Assim, depois dessas boas falas, o próprio objeto de pesquisa abre-se em um leque infinito de possibilidades e dá sentido ao que chamamos liberdade de expressão e criação. Também demorei a descobrir que toda essa dificuldade, feliz ou infelizmente, faz parte do meu processo de criação.

Escrever sobre a obra de Marguerite Duras é, ao mesmo tempo, fácil e difícil. Fácil porque é um prazer. Simples assim. Claro que há tantos outros motivos provenientes de uma vida inteira dedicada à pesquisa da linguagem - seja escrita, filmada, interpretada dramaturgicamente. Mas o maior, o primeiro e grande, é porque é pura e simplesmente bom; é extremamente prazeroso o que seus escritos me causam – eles fazem... sentir. E provocam todos os sentimentos e sensações, tantos, diversos, do mais sublime ao mais grotesco, do mais sutil ao mais impregnante. Os sentidos são aguçados. Consegue-se sentir a beleza triste de uma consulesa, o desejo de liberdade de uma burguesa reprimida, o cheiro de incesto entre dois irmãos, o medo e a fúria de

11 DURAS, Marguerite, GAUTHIER, Xavière, Boas Falas – Conversas sem compromisso. Rio de janeiro: Editora

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um vice-cônsul, a dor e a fome de uma adolescente grávida expulsa de casa que abandona a infância e encontra a loucura.2 Vivi cada uma dessas histórias.

Por uma outra óptica, é extremamente difícil. Talvez porque faltem palavras para uma literatura tão rica. Percebo só hoje a imensa preocupação de não produzir um texto medíocre para explicar uma obra tão bela e tão intensa. Intensa talvez seja uma definição para Marguerite Duras.

Levei muito tempo para descobrir que não há Marguerite sem entrega. Não há como lê-la, nem como escrevê-la sem entregar-se como ela o faria. Talvez tenha protelado ao máximo antes de admitir que esta dissertação só seria feita se eu me despisse, mostrasse o que sinto, me expusesse. Mesmo sabendo que a obra de arte só é produzida desta forma, foi muito difícil aplicar em mim mesma. Agora me exponho, me dispo da censura e da vergonha. Talvez somente ser sincera. Honesta comigo, com minhas ideias e meus sentimentos, e honesta com quem está lendo agora uma parte de mim e do que penso.

Figura 1: Andar sobre a água

Fonte: Elaborada pela autora

2 Estes são alguns personagens de obras de Duras. Respectivamente, O Vice-cônsul, Moderato Cantabile, Agatha, O

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4.O ENCONTRO

Aos treze anos de idade vi pela primeira vez o livro O Amante3. Achei curioso, pois até então pensava em “amante” como uma palavra feminina. Algum tempo depois ouvi minha mãe sugerindo a meu tio que desse este mesmo livro de presente a uma amiga. Ele, com um discreto sorriso irônico, disse-lhe que não era apropriado. Resolvi então ler aquilo que “não era apropriado”. E fiquei encantada. Talvez nem soubesse exatamente o que aquilo significava, mas lembro-me de que gostei muito do que lia. Alguns anos depois vi o filme homônimo, de Jean-Jacques Annaud. As imagens do livro me vieram automaticamente. A sensação que eu tinha é que já tinha vivido todas aquelas sensações.

Quase dez anos depois reencontrei Duras e repeti esse mesmo processo, novamente com O Amante. Livro, filme, e sensações bem parecidas com as da primeira vez. O interesse aumentou e comecei a buscar a obra Durassiana. Descobri que era muito maior do que imaginava. Ao longo de sua vida ela escreveu quarenta e quatro romances, oito peças de teatro, duas adaptações para teatro, quatro livros transpostos em filmes, quinze filmes que também dirigiu, e dois roteiros. Foi, involuntariamente, uma das principais integrantes do movimento literário criador do “nouveau roman”, e o principal comentário sobre sua obra é que ela utilizava-se da autobiografia, mesclando realidade e ficção a ponto de tornar quase impossível distinguir seus limites.

Fiquei maravilhada e ao mesmo tempo curiosa em saber mais. Muito mais.

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5.O NÃO E MODERATO CANTABILE

O não que foi dado é um profundo sim.

4

Pier Paolo Pasolini

Muitas vezes não sei ouvir, ou acreditar na minha intuição e no meu desejo e dizer não. Toda minha vida foi assim. Sempre que faço isso, de certa forma, me arrependo. E acho que o que chamamos de intuição nada mais é que o nosso sentimento mais sincero, que ainda persiste quando a razão discorda. O não que se diz é um sim à sinceridade do sentimento. Perceber isso é uma questão de tempo.

Disse muitos “nãos” para estar aqui agora. Disse não à profissão que havia escolhido e que me sustentava, me afastei da minha cidade, das minhas raízes, do mar e das pessoas que amo. E não me arrependo de nada. Mas também sinto uma profunda tristeza. O sentimento mais forte em mim é o de solidão. E de que sou sempre estranha nos lugares por onde ando. As ruas não são familiares, as casas não me dizem nada. Não sinto mais o cheiro da minha casa, de dendê misturado com mar. E nunca achei que esse cheiro seria ainda hoje tão nítido na minha lembrança. E também nunca pensei que ficaria tão apegada à minha cidade. Sempre quis sair, buscar coisas novas, outras culturas, ver pessoas diferentes, com ideias diferentes.

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Figura 2: Pássaros de passagem

Eu não sou da sua r ua, eu não sou o seu vizinho eu mor o muit o l onge, sozinho.

Est ou aqui de passagem.

E u n ã o s o u d a s ua r ua , eu n ã o f a lo a su a lí n gu a , m in ha vida é d ife r en te d a sua . E st o u a qu i d e pa ssa ge m .

Esse mundo não é meu. Esse mundo não é seu. 5

Fonte: Elaborada pela autora

O fato é que apesar de perdas, saudades e cheiros, eu precisava (re)encontrar algo grande e sincero como a arte, e deixar-me envolver por ela. Grande e sincero como

5 Música “Eu não sou da sua rua” de Branco Mello e Arnaldo Antunes.

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Marguerite. Precisava parar de ouvir o que pensam os outros e ouvir o que estava em mim.

Muitas vezes quis dizer não a Moderato Cantabile. Mas não conseguia. Não conseguia digeri-lo completamente, engasgava. Foi o único livro de Duras que eu não absorvi totalmente, e talvez por isso tenha decidido escolhê-lo para trabalhar. Depois de ler tantas e tantas vezes, acho que só hoje consegui devorá-lo com apetite e digeri-lo. Agora Moderato Cantabile já faz parte de mim.

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A minha infância tem gosto de jambo. Vermelho intenso por fora, branco e macio por dentro. Bom... A minha infância tem gosto de terra molhada, de groselha verde e cacau. Subir no pé de tamarindo, comer manga com sal, montar a cavalo, nadar no rio, pisar na lama andando descalça no mato sem ter medo de cobra. A minha infância não tem cheiro de medo.

Tem cheiro de mato, cheiro de mar, cheiro de vida.

Sempre a procura dos peixes voadores prateados dos meus sonhos.

Figura 3: Peixes prateados voadores

Fonte: Elaborada pela autora

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8.IMPRESSÕES

Uma mulher, um grito, uma morte, um renascimento. Moderato Cantabile caracteriza um ciclo na vida de uma mulher, e começa pelo final. A dor, a morte, o renascimento, uma nova dor, uma nova morte. Uma mulher anulada, morta. E a solidão que predomina.

Uma vida com medidas e regras, sem liberdade, sem paixões sem emoções. Uma vida morna. Anne Desbaredes, uma jovem burguesa, bonita e solitária, casada com o homem mais poderoso de uma pequena cidade portuária, tem ao seu lado um filho no qual projeta a si mesma e vê toda a sua desordem, desobediência e liberdade com grande admiração.

Com a noite vem um estremecimento, depois um grito, que sofre e suplica algo, e a morte. Daquele grito e daquela morte surge a possibilidade de uma nova vida. Na verdade, surge a possibilidade ao menos de sentir novamente alguma emoção.

E algo impressiona - quando ela suplica ao filho que aprenda a tocar piano, que isso lhe é necessário. E ela lhe diz – “É preciso.”6 Cada recusa da criança é uma negação ao único prazer que lhe resta. As aulas de piano satisfazem essa mulher no papel de mãe.

Moderato cantabile é o nome da sonatina de Diabelli. Moderato cantabile, “moderado e cantante” e, mais que mero título da partitura, dá ritmo à narrativa e à vida dessas personagens.

O cenário é um café na beira da praia. O horário é sempre o mesmo, o pôr do sol, o cair da noite. Depois daquele dia Anne volta ao cenário do crime como que à procura de algo. Talvez, como um grande chavão, à procura de si mesma. Pede um copo de vinho, dois. Finge não saber do crime e inicia um diálogo com um homem rude e humilde, que fora empregado das Fundições da Côte, pertencente ao seu marido. O envolvimento dos dois gira sempre em torno daquele crime, um assunto simbólico para ambos.

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Figura 4:Anne - Fotografia P&B do filme Moderato Cantabile

Fonte<:www.alamy.com>

Penso que aquelas duas pessoas são extremamente infelizes e, como todos, estão `a procura de algum caminho que lhes traga um pouco de prazer. Ele busca Anne. Anne busca alguém. Qualquer alguém. - Muito prazer, meu nome é Chauvin.7

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Como acontecera e por quê? E as explicações vêm de acordo com a evolução deste estranho relacionamento, o qual surpreende a todos da pequena cidade. Eles encontram razões tão verdadeiras para o crime que é impossível não concluir que falam de si mesmos. Ele fala constantemente dela, como se já a conhecesse, ou já a observasse há muito tempo. Ele a conduz. E uma história, a deles, é construída.

Passam a se encontrar diariamente. O vinho que Anne toma desde o primeiro dia naquele café a beira mar, ao lado daquele homem desconhecido e rude, permite que sinta e fale coisas de sua vida, de seus desejos, o que não faz parte do seu cotidiano, e por isso a atrai tanto. E quanto mais vinho, maior a sua sensação de liberdade. Todos os dias, como um ritual, no fim da tarde, ela aparece naquele café, com o seu filhinho. Esta criança ganha liberdade e independência no momento em que Anne dá vazão aos seus desejos e inicia sua relação com aquele homem. É o momento em que ele sai das aulas de piano, que ele não deseja, e encontra outras crianças, as brincadeiras, a alegria.

O nome desse homem é Chauvin, dito muito depois do primeiro encontro. E é neste momento que ela o percebe como homem, como ser humano e não apenas como uma fuga.

“Quando, por sua vez, ele se levantou e ficou de pé, Anne Desbaredes deve ter notado que ele era ainda jovem, que o crepúsculo refletia-se em seus olhos tão límpido quanto nos de uma criança. Ela perscrutou através do olhar a sua matéria azul.”8

“- Adormecida ou desperta, numa atitude decente ou não, passavam por cima da sua existência.

Anne Desbaredes debateu-se, culpada, e no entanto concordando. - Você não deveria – disse ela –, eu me lembro, tudo pode acontecer. - Sim.

A partir desse momento, ela não deixou mais de olhar apenas para sua boca, na luz que restava do dia.

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- (...) Em junho do ano passado, daqui a alguns dias fará um ano, você estava de frente para ele, no pórtico, pronta para nos receber, a nós, o pessoal das Fundições. Sobre seus seios seminus havia uma flor branca de magnólia. Meu nome é Chauvin.”9

Tudo se intensifica, o envolvimento dos dois, o vinho, as explicações para a morte e para aquele, ou este, homem tê-la matado. A cada dia eles se entregam um pouco mais.

Em um desses dias ela se demora mais que de costume, e um jantar em sua casa, com convidados de seu marido, a espera. Ela chega bêbada, e põe entre seus seios uma flor de magnólia, cujo perfume intenso é percebido por todos. Foi vestida assim, com a flor entre os seios que se viram pela primeira vez, Anne e Chauvin. Ela acaba por não conseguir disfarçar sua embriaguez. Ela esmaga aquela flor entre os dedos. Na grade da sua casa um homem a espera. Ela sabe disso.

Neste momento, assim como a flor de magnólia é despedaçada, algo se rompe na relação dos dois. Aquele homem espera que algo aconteça, talvez que ela vá ao seu encontro, que deixe aquela casa e aquela vida de convenções que tanto a sufoca. Isso não acontece. Ele cansa de esperá-la e se vai.

“(...) À medida que se afasta, o cheiro das magnólias diminui, dá lugar ao cheiro do mar.

(...) Quando os convidados se dispersarem irregularmente no grande salão contíguo à sala de jantar, Anne Desbaredes desaparecerá, subirá ao primeiro andar. Olhará o bulevar pela janela do grande corredor de sua vida. O homem terá ido embora. Ela irá ao quarto do filho, deitará no chão, ao pé do leito, sem dar atenção à magnólia que irá esmagar entre os seios, não restará nada.”10

De certa forma isso tudo ainda a espanta. Lá estava ela... na casa antiga, que lhe era tão comum e ao mesmo tempo tão desconhecida. Tão próxima, e muito além. Olhava aquela árvore com flores de um cheiro intenso, contrastando o verde da folha com o azul negro do céu. Enjôo. A paisagem era a mesma, mas os olhos eram outros.

9 Ibidem, pp. 81 e 83. 10 Ibidem, pp. 151 e 153.

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Estar ali ou sair de lá? Estar lá ou sair de si? E esperava a voz de alguém que ainda lhe era estranho.11

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Figura 5: Casa antiga

12 Fonte: arquivo pessoal

Dois dias depois ela volta ao café, mas sozinha, sem seu filho. Ela conta que não vai mais levá-lo às aulas de piano. Fala que vomitara aquele vinho na última vez,

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como acontecera e porque acontecera. E ele lhe diz que está cansado. Neste momento ela percebe que acabou, que esses encontros não voltarão a acontecer, e que já havia feito a sua escolha. O filho era ao mesmo tempo o que a alegrava e o que a prendia àquela casa, àquele marido. Não podia deixá-lo, Chauvin sabia.

Com o fim, surge também a possibilidade do recomeço – da morte o renascimento:

“Anne Desbaredes não chegou a chorar. Recobrou uma voz razoável, desperta por um instante.

- Ela não falará nunca mais – disse então.

- É claro que sim. Um dia, de manhã, de repente, ela encontrará alguém que vai reconhecer, e não poderá deixar de dar bom-dia. Ou então ouvirá uma criança cantar, o dia está bonito, e dirá, o dia está bonito. Vai recomeçar.”13

Voltam a falar do crime e da necessidade tão absoluta de que a morte viesse determinar o fim daquela relação. Só a morte o faria. Falam desses motivos e sentimentos tão intensos. Ela fala do medo que sente. Seus lábios se tocam. E por fim, a última coisa a ser dita.

- Eu queria que você estivesse morta – disse Chauvin. - Eu estou morta – disse Anne Desbaredes.14

E ela se vai.

Marguerite tem o poder de caracterizar os sentimentos, as emoções dos personagens e das cenas através da descrição do ambiente, do tempo. Os adjetivos são sinestésicos, têm cor, gosto, cheiro e textura. Mais que isso, conseguem descrever tão bem cada sensação a ponto de ser possível vivê-la.

13 DURAS, Marguerite. Moderato Cantabile. Rio de Janeiro: José Olympio, 198, p. 165. 14 Ibidem, p.169.

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Penso nesse texto como penso em mim, em minha vida. Nessa mulher tão cheia de morte, e tão solitária como tantas vezes me sinto.

Talvez eu possa me dizer só.

Toda minha vida foi rodeada por pessoas. Muitos conhecidos, poucos amigos.

Mas sempre muitos assuntos, muitas coisas a fazer, muitas coisas para planejar, pensar, dizer, sentir.

Hoje me sinto só.

Não tenho muitos assuntos a pensar nem tantas coisas a fazer. Tenho apenas Anne, Marguerite e Joana para me ocupar.15

Figura 6: Céu

16

15 Texto de minha autoria.

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7.IMPRESSÕES RACIONALIZADAS

É interessante pensar como este romance foi escrito há quase meio século. E é necessário fazer algumas considerações a respeito do universo em que foi criado, não só sobre um contexto histórico, social, como do universo singular da autora.

Nos anos de 1950 – 1960 na França contestações e renovações surgiam, um fenômeno cultural que resultou a união de diferentes modalidades de arte. No cinema, a revolta diante da castração do cinema comercial e a afirmação de um cinema de autor. Surge a Nouvelle Vague e, entre seus pioneiros, Alain Resnais com Hiroxima, Mon

Amour!, cujo roteiro fora escrito por Duras. Na literatura, também surgem contestações

em relação à narrativa clássica. Aparecem Ainda novas influências na dramaturgia, em alguns casos denominada de teatro da crueldade, de Antonin Artaud. Nos três casos – cinema, literatura e dramaturgia - Marguerite Duras estava presente, dedicando-se a pesquisas e criações.

Sobre o universo durassiano assinala-se, além de tantas influências, o aspecto autobiográfico que permeia toda a sua obra. Na verdade, o aspecto autobiográfico acontece porque, enquanto escreve, Duras coloca tudo de si - o mesmo sentimento que a habita, em cada momento, é passado para o livro.

Em 1954, Duras inicia um longo e conturbado romance com um sedutor jornalista, Gerard Jarlot. Não o ama, mas sofre com sua inconstância e com os diversos outros romances que ele possui. E ela cai na armadilha de uma amor sem amor, melhor que nenhum outro, por estar tão próximo ao sonho, e pior que todos, já que não oferece nenhum meio para dele se desfazer. Entre 1954 e 1958 ela escreve muito, mas publica só Le Square, que passa pouco percebido. Falta dinheiro. Surge o cinema em sua vida na forma de um convite de Alain Resnais para escrever um roteiro. Surge Hiroshima, Mon

Amour!. Depois, ao assistir ao filme fica estarrecida em reconhecer o que escreveu: “Não

achava que fosse possível ver uma imagem mental”17, e fica tão maravilhada que o toma

17 LEBELLEY, Frédérique. Marguerite Duras. Uma vida por escrito. Tradução de Uéliton de Oliveira e Vilma

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como seu. Nesse período Jarlot a deixa e ela não consegue se refazer dessa ruptura. Entrava em uma crise profunda. A mãe Marguerite que antes era carinhosa e permissiva em excesso, agora briga muito, por pequenas coisas, e obriga seu filho a ter aulas de piano, contra a vontade dele. Entra em análise e o terapeuta declara que ela não precisa de análise, precisa escrever. Cria, então, Moderato Cantabile.

Duras nunca permitiu que o limite entre autobiografia e ficção ficasse claro em suas obras mas, neste contexto, ficam claras as influências de sua vida e de seus sentimentos na sua literatura. “A história de minha vida, de sua vida, não existe, ou então, no caso, não passa de lexicologia. É na retomada do tempo pelo imaginário que o sopro é restituído à vida, nada é verdadeiro no real, nada.”18

Há de se perceber que a história de Moderato Cantabile se passa na França, enquanto que todas as suas obras anteriores se passam na Ásia, espaço de sua infância. A França é onde viveu desde a idade adulta. É o tempo presente de Duras.

Moderato Cantabile, é moderado e cantante por ser basicamente composto por diálogos, não ter um clímax e não ter um fim, e uma tensão latente em toda a obra - tudo isso tem influência no ritmo.

O espaço temático de Moderato Cantabile é pertinente à obra de Duras. Um amor livre, que contraria os padrões burgueses de bom comportamento. Uma relação sensual e intensa, construída em encontros passageiros, mas sem perspectivas, pois parte de universos inconciliáveis. É um conflito presente em diversas de suas obras como

Hiroshima, Mon Amour19! filme de Alain Resnais roteirizado por Duras em 1959, Agatha20, de 1981, O Amante21, 1984. Isto caracteriza uma renovação da técnica romanesca.

Observa-se também o aspecto econômico e social, explorando os contrastes aqui representados pela burguesa e o operário. Ela, com nome e sobrenome, casa, família. Ele, ex-funcionário do marido dela, cujo nome só é revelado depois de vários

18 Ibidem.

19 DURAS, Marguerite. Hiroshima, Mon Amour. Paris: Gallimard, 1997. 20 DURAS, Marguerite. Agatha. Rio de Janeiro: Editora Record, 1981. 21 DURAS, Marguerite. O Amante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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capítulos. Ele é o homem que chega à sua casa, pára na grade, mas não entra. Ela invade seu espaço, o café dos operários. Entra, permanece, retorna sempre que quer.

Explora também o espaço da mulher, especificamente da mulher objeto, cheia de limitações e regras impostas pelo meio social em que vive. Vale ressaltar que Marguerite Duras, que costuma focalizar criticamente o universo feminino, alguns anos mais tarde passa a integrar o movimento feminista e, conseqüentemente, o grupo da editora francesa das mulheres, a Éditions des Femmes.

As inovações literárias são muitas nesta obra. O papel do narrador é bruscamente reduzido e em seu lugar surgem diálogos - em sete dos oito capítulos do livro. Assim torna-se possível dar voz direta aos personagens, e assim perceber sua forma de pensar e de sentir. O aspecto psicológico dos personagens passa a ser o foco principal.

Destacam-se alguns itens presentes em Moderato considerados como ruptura com os recursos narrativos adotados até então:

- Perspectiva fenomenológica, que considera só o fenômeno e não suas causas, o que privilegia a descrição – o olhar. Essa técnica se aparenta com a da linguagem cinematográfica, motivo pelo qual o nouveau roman tem sido chamado de

école du regard ou “escola do olhar”.

- Não só se procede a uma recusa do modelo sartriano de narrativa que valoriza a significação e o conteúdo, como também se rejeita todo e qualquer psicologismo envolvendo a construção do personagem. Por isso este perde seus contornos e motivações, tornando-se reconhecível apenas como uma voz dialogante, dispensando assim o nome e características exteriores.

- Conseqüentemente, com a redução do papel do narrador, predomina o diálogo quase auto-suficiente.

Talvez por isso não seja gratuita a concentração de tempo, lugar e ação desse romance, que explicita uma tensão constante, porém revestida pelo tédio do casamento burguês. A ação da narrativa se distribui como vimos em oito capítulos, dos quais sete basicamente dialogados e apenas um narrado. Tudo se distribui em três espaços e 10 dias, durante os quais há duas aulas de piano na casa da professora, um jantar de gala

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na mansão da protagonista e sete encontros no café, onde ela bebe e conversa com Chauvin, as mãos de ambos se tocam, os lábios se roçam, e os clientes fingem não ver. Moderato Cantabile torna-se um marco na vida da escritora Marguerite Duras. Vem com uma reviravolta em sua forma de escrever. Antes falava sempre do passado, agora fala de si, do agora, no momento em que escreve e, portanto, vive. A escrita que antes era leve, sem preocupações estilísticas, agora se torna inspirada e gloriosa.

Assim, ao romper com as técnicas romanescas da narrativa, Duras passa a integrar a nova corrente literária francesa, o nouveau roman e a fazer parte da editora Minuit, famosa por lançar novos talentosos escritores. Despreza o rótulo por achar absurda a idéia de uma moda na escrita. Os amigos do novo romance, chama-os de homens de negócios.

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8.MARGUERITE DURAS

Por que algumas pessoas têm necessidade de viver duas vezes?

Uma quando vivem, a outra quando escrevem? E por que a segunda vez é a mais importante? Isso é tão mais misterioso como concluir que as horas de sonho são mais importantes que as de vigília... O dia é legível, a noite é ilegível. O escritor é aquele que pode ler a noite.

A gente nunca sabe aonde um bom escritor quer nos levar... Marguerite Duras22

Figura 7: Marguerite Duras

Fonte: <http://www.livres-online.com>

Assim é Marguerite Duras. Não se sabe exatamente o que ela pretende quando escreve. É uma obsessão? Uma busca? Ou um encontro? Acredito que escrever para ela seja a própria vida. É-lhe inerente. Nada se pretende, nada se rotula. Mais que arte pela arte, é arte para continuar vivo. Marguerite Duras nasceu Marguerite Donnadieu em 1914, na Indochina, então colônia francesa, atual Vietnã. É criada pela mãe professora, juntamente com dois irmãos. Seu pai volta à França para curar-se de uma doença, e lá fica até morrer. O luto faz com que a família perca as condições burguesas, e não permite o mesmo nível econômico de vida. Vivem humildemente. Marguerite volta

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à França somente aos dezessete anos. Lá estuda direito, matemática e ciências políticas. Mais tarde passa a dedicar-se à literatura e adota o sobrenome Duras.

Durante a Segunda Guerra Mundial integra-se à Resistência, liderada por François Miterrand, que se torna um de seus poucos e eternos amigos. Anos mais tarde, publicará o romance La Douleur, que relata esse período com enfoque na prisão e o envio de seu então marido Robert Antelme a um campo de concentração nazista. Para ajudar Antelme, Marguerite teve uma relação com um colaborador da Gestapo, que seria depois torturado sob suas ordens e condenado à morte em razão do seu testemunho determinante. Antelme é finalmente solto.

Ela escreve. Produz um manuscrito, seu primeiro romance, e o envia à Editora Gallimard. É recusado. Seu primeiro filho, ainda com Antelme, nasce morto, em 1942. No mesmo ano casa-se com Dyonis Mascolo. Mais tarde volta a trabalhar nesta mesma obra. Retoca, recheia. Ela não consegue imaginar que possa ser recusado novamente. Não admite que acabe em outra morte, antes de nascer. Ameaça jogar-se na água se não for aceito. Antelme fica extremamente preocupado e então coloca o manuscrito em baixo do braço e põe-se a percorrer editores. Negocia com amigos influentes e diz-lhes: “Se não aceitar ela se mata!”. Finalmente, as Éditions Plon o publicam com o título de Les

Imprudents. Curiosamente, no final de sua vida, com quase toda sua obra terminada,

Duras tentará proibir a reedição. Dirá que há imperfeições demais!

Em 1944 publica seu segundo livro, La Vie Tranquille. Em 1947 nasce seu único filho, Jean Mascolo. No mesmo ano Duras filia-se ao partido Comunista, do qual vai se desligar anos mais tarde. Ela sempre assumiu posições revolucionárias e agia pela razão antagonista, pelo direito da contradição. Odiava rótulos, conceitos, dogmatismos. Em 1950, publica Un barrage contre le Pacifique, que lhe dá renome internacional. Nesta obra ela fala da mãe, da família. Narra a vida estranha de uma viúva francesa e de seu filho, implicados nos sofrimentos impostos pela corrupção do ambiente colonial francês em que vivem. Seguem-se outros romances, e em 1955 publica Le

Square, que também impressiona por sua narrativa singular.

O próximo livro que escreve é Moderato Cantabile, 1958, que revoluciona a vida pessoal da escritora – Marguerite não fala mais do passado, fala do agora, não do que viveu, mas do que está vivendo. Do seu Romance com o jornalista Gérard Jarlot e

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sua posterior separação nasce o roteiro Hiroshima, Mon amour!, 1959, filmado por Alain Resnais, e em seguida faz uma espécie de adaptação de seu livro Moderato Cantabile para o filme homônimo, dirigido por Peter Brook. A partir daí envereda pelos caminhos das possibilidades da linguagem. Escreve roteiros para teatro, cinema, passa a dirigir seus próprios roteiros, a usar sua voz, como em India Song, 1973, ou atuar em alguns deles, como em Le Camion, 1977, com Gérard Depardieu.

Em 1984 publica L’Amant, e com ele ganha o prêmio Goncourt, além de mais fama e dinheiro. L’Amant torna-se o mais polêmico de seus livros. Nele, Marguerite relata o romance que teve com um chinês, bem mais velho e muito rico, na conturbada adolescência, por influência da mãe, e por dinheiro.

Marguerite se afasta dos amigos e não tem mais amantes, vive solitária no auge do seu alcoolismo. Passa dois anos se correspondendo com alguém que não conhece. Yann Andréa é seu nome e um dia bate à sua porta e anuncia: “Pronto, agora eu vou ficar aqui. Não quero mais nada além de conhecer você ou morrer." É com esse homem, 38 anos mais novo, que Marguerite passa os últimos 15 anos de sua vida, escrevendo e publicando até o fim. Morre em 1996, aos 82 anos e com um único desejo irreprimível e compulsivo até o leito de morte – o de ser amada.

“Não podemos fazer mais que amar – ou execrar – essa pequena mulher provocante, rodeada dos seus fantasmas (...). Essa pequena mulher, que roda sobre ela mesma como uma valsa solitária, terá sido uma senhora? Foi sobretudo uma mulher voraz de uma literatura que é um grito de amor ao longo de todas as páginas. Uma Piaf.”23

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9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. Les Impudents, Plon, 1943, 2. La Vie tranquille, Gallimard, 1944,

3. Un barrage contre le Pacifique, Gallimard, 1950, 4. Le Marin de Gilbraltar, Galimard, 1950,

5. Des petits chevaux de Tarquinia, Gallimard, 1953,

6. Des journées entières dans les arbres, "Le Boa", "Madame Dodin", "Les Chantiers", Gallimard, 1954,

7. Le Square, Gallimard, 1955,

8. Moderato Cantabile, Les Editions de Minuit, 1958, 9. Les Viaducs de la Seine et Oise, Gallimard, 1959, 10. Hiroshima mon amour, Gallimard, 1960,

11. L'après-midi de M. Andesmas, Gallimard, 1960,

12. Le Ravissement de Lol V. Stein, Gallimard, 1964,

13. Théâtre I: les Eaux et Forêts - le Square - La Musica, Gallimard, 1965,

14. Le Vice-Consul, Gallimard, 1965, 15. L'Amante Anglaise, Gallimard, 1967,

16. Théâtre II: Suzanna Andler-Des journées entières dans

les arbres-Yes, peut-être-Le Shaga-Un homme est venu me voir, Gallimard,

1968,

17. Détruire, dit-elle, Les Editions de Minuit, 1969,

18. Abahn Sabana David, Gallimard, 1970,

19. L'Amour, Gallimard, 1971,

20. "ah! Ernesto", Hatlin Quist, 1971,

21. India Song, Gallimard, 1973,

22. Nathalie Granger, suivi de "La Femme du Gange", Gallimard,

1973,

23. Les Parleuses, avec Xavière Gauthier, Minuit, 1974,

24. Le Camion, suivi de "Entretien avec Michelle Porte", Les

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25. L'Eden Cinéma, Mercure de France, 1977,

26. Le Navire Night, suivi de Cesarée, les Mains mégatives,

Aurélia Steiner, Mercure de France, 1979,

27. Vera Baxter ou les Plages de l'Atlantique, Albatros, 1980,

28. L'Homme assis dans le couloir, Les Editions de Minuit,

1980,

29. L'Eté 80, Les Editions de Minuits, 1980,

30. Les Yeux verts, Cahiers du cinéma, n°312-313, juin 1980 et

nouvelle édition, 1987,

31. Agatha, Les Editions de Minuit, 1981,

32. Outside, Albin Michel, 1981,

33. L'Homme atlantique, Les Editions de Minuit, 1982,

34. Savannah Bay, Les Editions de Minuit, 1982, 2ème edition

augmentée 1983,

35. La Maladie de la mort, Les Editions de Minuit, 1982,

36. Théâtre III: -La Bête dans la jungle, d'après H. James, adaptation de J. Lord et M. Duras,-Les Papiers d'Aspern, d'après H. James, adaptation deM. Duras et R. Antelme,-La Danse de mort, d'après A. Strinberg, adaptation de M. Duras, Gallimard, 1984,

37. L'Amant, Les Editions de Minuit, 1984,

38. La Douleur, POL, 1985,

39. La Musica deuxième, Gallimard, 1985,

40. Les Yeux bleus Cheveux noirs, Les Editions de Minuit, 1986,

41. La Pute de la côte normande, Les Editions de Minuit, 1986,

42. La Vie matérielle, POL, 1987,

43. Emily L., Les Editions de Minuit, 1987, 44. La Pluie d'été, POL, 1990,

45. L'Amant de la Chine du Nord, Gallimard, 1991,

46. Le Théâtre de l’Amant Anglaise, Gallimard, 1991, 47. Yann Andréa Steiner, POL, 1992,

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48. Écrire, Gallimard, 1993,

49. Le Monde Extérieur, POL, 1993,

50. C’est Tout, POL, 1995,

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10. FILMOGRAFIA

1. La Musica, coréalisation (Paul Seban), Production: Les films RP, distribution: Les Artistes Associés 1966.

2. Détruire, dit-elle, production: Ancinex, Madeleine Films, Distribution: SNA, 1969.

3. Jaune le soleil, production: Albina Productions, non distribué, 1971.

4. Nathalie Granger, production: Luc Moullet et Cie, Laboratoire: Les Films Molière, 1972.

5. La Femme du Gange, production: Service de la Recherche de l'ORTF, 1973.

6. India Song, coproduction: Sunchild, Les Films Armorial, S. Damiani, A. Valio-Cavaglione, distribution: Josepha Productions, 1975.

7. Baxter, Vera Baxter, production: Stella Quef(Sunchild), INA, distribution: Sunchild, 1976.

8. Son nom de Venise dans Calcutta désert, coproduction: Cinéma 9, PIPA, Editions Albatros, 1976.

9. Des journées entières dans les arbres, production: Jean Baudot (Théâtre d'Orsay), distribution: Gaumont, 1976.

10. Le Camion, production: Cinéma 9 (Pierre et François Barrat) et

Auditel, distribution: Les Films Molière, 1977.

11. Le Navire Night, production: MK2, Gaumont, Les Fimls du Losange,

distribution: Les Films du Losange, 1979.

12. Césarée, court-mètrage, production: Les Films du Losange,

Laboratoire: LTC, 1979.

13. Les Mains négatives, court-métrage, production: Les Films du

Losange, Laboratoire: LTC, 1979.

14. Aurélia Steiner-"Melbourne"-, court-métrage, production: Paris

Audiovisuel, Laboratoire: LTC, 1979.

15. Aurélia Steiner-"Vancouver"-, court-métrage, production: Les Films

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16. Agatha ou les lectures illimitées,Berthemont, INA, Des femmes

filment, distribution: Hors Champ Diffusion, 1981.

17. L'Homme atlantique, production: Berthemont, INA, Des femmes

filment, distribution: Hors Champ Diffusion, 1981.

18. Les Enfants, en collaboration avec Jean Mascolo et Jean-Marc

Turine, production: Berthemont, INA, Des femmes filment, distribution: Hors Champ Diffusion, 1981.

11. ROTEIROS, ADAPTAÇÕES E OBRAS FILMADAS

1. Hiroshima mon amour, réalisation Alain Resnais, 1960, publié par Gallimard.

2. Une aussi longue absence, réalisation H. Colpi, avec G. Jarlot, Gallimard, 1961.

3. Sans merveille, réalisation M. Mitrani, avec G. Jarlot, court-métrage inédit. 4. Nuit noire, Calcutta, réalisation M. Karmitz, court-métrage inédit.

5. "Les rideaux blancs", réalisation G. Franju, court-métrage inédit inclus dans Un instant de paix, 1965.

6. La Voleuse, réalisation J. Chapot, inédit, 1966.

7. Un barrage contre le Pacifique, réalisation René Clement, 1958. 8. Moderato Cantabile, réalisation Peter Brooke, 1960.

9. Le Marin de Gibraltar, réalisation Tony Richardson, 1967. 10. L’Amant, réalisation Jean-Jacques Annaud, 1985.

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Figura 8: Cartaz do filme

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12. O FILME

Moderato Cantabile foi filmado em 1960 sob a direção de Peter Brook. A própria Marguerite e seu ex-companheiro, Gerard Jarlot, fizeram a “adaptação” do romance. A atriz Jeanne Moreau faz o papel de Anne Desbaredes e Jean-Paul Belmondo faz o papel de Chauvin. O filme tem 91 min, todo em preto e branco.

Figura 9: Fotografia em still do filme Moderato Cantabile

Fonte:<:www.alamy.com>

Recriar, ou transcriar, uma obra literária tão sutil e subjetiva certamente não é fácil, mas o filme de Brook é sensível, bonito, poético e alcança algumas das emoções que o romance proporciona. É importante também o fato de que eu discordo de muitas de suas interpretações, e que, é claro, faria diferente. Por mais que o filme tenha, de certa forma, evocado as mesmas sensações que o romance, a leitura continua sendo única, e é impossível interpretar tudo da mesma maneira. É a confirmação da singularidade na criação e transcriação da obra de arte.

Achei que alguns aspectos do filme foram extremamente bem sucedidos. O primeiro foi a escolha dos atores. Depois de assistir ao filme fica difícil pensar em Anne Desbaredes e Chauvin sem vincula-los à imagem de Jeanne Moreau e Jean-Paul Belmondo. Antes de assistir, ao saber quem eram os atores, achei por um instante que a beleza de Belmondo poderia atrapalhar, mas estava enganada. A atuação dos dois foi perfeita. A direção de Brook também foi muito boa, de uma sensibilidade extrema,

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peculiar a este diretor. O filme em preto e branco também contribui para o aspecto lúdico, poético. As locações escolhidas, a ambientação, tudo mostra um extremo cuidado do diretor.

Figura 10: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile

No entanto, acho que falta um pouco de movimento ao filme, planos diferentes, menos concretos, que evidenciem mais o tempo psicológico dos personagens. Quando há externas são usados os planos gerais e às vezes uma panorâmica, bem colocada, causando um efeito interessante; por exemplo, uma panorâmica que acompanha a atriz entrando no café, continua, fecha em primeiro plano na janela lateral que se abre mostrando a entrada dela por dentro. Ou o travelling que acompanha o ator, sem mostrá-lo, enquanto as luzes vão se acendendo.

Outra questão é a luz, sempre muito forte, estourada, excessiva. Às vezes até causando cenas bonitas e efeitos interessantes, como nas externas e na cena do crime, mas às vezes prejudicando, dominando a imagem, principalmente o rosto dos atores. Infelizmente a cópia do filme que foi encontrada no Brasil, em suporte VHS, pode estar muito prejudicada pelo tempo e pelas reproduções, dificultando assim uma melhor análise da luz e da fotografia. Não se sabe qual exatamente o que foi feito intencionalmente pelo fotógrafo Armand Thirard.

Acho importante Brook ter sido fiel ao andamento do romance – moderado e cantante – sem clímax, sem altos e baixos. Este ritmo permanece durante todo o filme. A cena inicial, que poderia ser forte, chocante, foi bela, sutil. Mostrou o mais importante naquela relação e naquele assassinato – o amor que existia entre eles, o amor

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incondicional, ao extremo. Ainda assim, eu não concretizaria, em imagem, a cena do crime. Pra mim o grito é um elemento muito subjetivo, simbólico, para ganhar uma autoria tão explícita.

Figura11: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile

Também achei interessante a nomeação da criança, Pierre. Pode se pensar nele apenas como uma projeção da mãe, e por isso não nomeá-lo; por outro lado, embora a identificação realmente exista, ele é um personagem de extrema importância no enredo – demais para não ter um nome, independente daquela mãe. Talvez seja exatamente por causa dele que Anne Desbaredes não consegue ir embora daquela vida que tanto odeia.

Dos aspectos que me incomodam no filme o maior talvez seja a imagem do mar, que nunca aparece por inteiro, nítido, e que me é sempre muito presente na leitura do livro. Talvez pela minha relação pessoal com o mar, por essa imagem ter sido sempre tão presente e tão importante em minha vida. E talvez ainda por, neste momento, estar longe dele, e a lembrança, a imagem, o cheiro, serem sempre tão recorrentes.

Algo que também me incomoda é que no filme eles se encontram diversas vezes fora do Café Gironde. Novos ambientes são criados como um café abandonado, um bosque, uma balsa. Para mim o Café Gironde é o único espaço que lhes seria

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permitido. Primeiro por ser o mundo dele, no qual ela pode entrar a qualquer momento que ele sempre estará a sua espera. Depois por aquele ter sido o lugar do crime, daquela morte, assunto e fato que liga os dois. Acho também que a intimidade que os dois adquirem acontece muito rápido, já no segundo encontro. Chauvin diz seu nome também muito cedo e parece que a atração física dos dois é quase que incontrolável. No romance tudo isto acontece muito lentamente, e a atração dela por ele não existe, ou não fica evidente no começo. Ele a quer, mas ela busca qualquer alguém. Depois sim, ela passa a vê-lo como homem. No filme ele a segue, vai várias vezes à sua casa e apenas olha através da grade, pelo lado de fora. E os dois chegam a dizer que se amam. Tudo em sete dias.

No filme Chauvin também não me parece um homem rude, operário das fundições. É bonito, sempre barbeado, bem arrumado, diversas vezes de terno e gravata. Minha leitura no romance é de alguém bem mais humilde, rude, mas de uma certa forma atraente e charmoso.

O marido também aparece mais vezes no filme que no livro. Creio que fica muito presente, apesar de evidenciar a relação ruim do casal. Ele aparece também no final, quando procura por Anne e vai buscá-la no café. Também não concordo com o final que foi dado no filme. Depois do jantar, Anne vai ao quarto do filho, e vomita ao pé da cama; o marido a surpreende mas depois, na mesma noite, ela vai ao encontro de Chauvin. Ela havia marcado este encontro anteriormente. Ela vai em busca dele, e ele é quem decide a situação e vai embora. Minha leitura do final é bem diferente. Acho importante o fato de que Anne não vá ao encontro de Chauvin naquela noite. É justamente isso que evidencia a sua resposta, que aquela relação não é possível. Ela só aparece dois dias depois, sem o filho, marca do seu sofrimento. Ela escolhe o final, e não ele. Acho bonito ter permanecido o texto final, do desejo de morte, e do mesmo grito do início se repetir.

O filme tem cenas bonitas, um roteiro bem construído, é leve, sutil, mas conta a história de um romance, uma relação de amantes, não de um conflito psicológico de

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uma mulher, como eu enxergo. É linear demais. Concordo com Duras quando diz que “Peter Brook se enganou de assunto”24, mas pode ter acertado na forma.

Figura 12: Fotografia digital do filme Moderato Cantabile

24 LEBELLEY, Frédérique. Marguerite Duras. Uma vida por escrito; Tradução de Uéliton de Oliveira e Vilma

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13.PETER BROOK

Figura 13:Peter Brook

Fonte:<http://www.mymovies.it>

Nascido em Londres, em 1925, Peter Brook dirigiu, aos dezoito anos, seu primeiro espetáculo. Aos vinte já era conhecido como diretor de teatro dos palcos ingleses, confiou em seus instintos e em sua interminável necessidade de descobrir novas maneiras de interpretar. Assim, Brook foi o pioneiro do movimento do teatro experimental inglês.

Sua primeira formação foi em artes, na Oxford University, aonde mais tarde viria fundar a Oxford University Fil Society. Brook explorou ao máximo e expandiu os limites do espetáculo teatral. Entre suas montagens que fizeram sucesso na fase londrina do encenador estão: Marat-Sade (1964) e Sonhos de uma Noite de Verão (1970), comédia de William Shakespeare na qual Brook fundiu o teatro com artes circenses, dando início a uma tendência cujos vestígios são percebidos até hoje em seus trabalhos. Em

Marat-Sade é claramente visível a forte influência do teatro da crueldade, de Antonin Artaud. A

ação da peça se passa em um hospital e os personagens são loucos. Os temas centrais – loucura, crime, espetáculo - ofereciam a possibilidade de explorar ao máximo o jogo físico dos atores e chegar a uma angústia propriamente metafísica, proveniente do jogo de espelhos no qual o espectador era envolvido.

Brook sempre disse que dirigiu peças com um olhar cinemático. Sua estréia atrás das câmeras ocorreu em 1953 com o filme de Rei Lear, também de Shakespeare, rodado

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para a TV. Também em 1953, ele finaliza seu primeiro longa-metragem para o cinema

Ao pé do Cadafalso (The Beggar’s Opera), com Laurence Olivier e Yvone Furneux.

Sete anos mais tarde Brook dirige Moderato Cantabile, que recebe o título em português de Duas Almas em Suplício, 1960, com Jeanne Moreau e Jean-Paul Belmondo, um de seus mais respeitados filmes. O filme é um triunfo em Cannes, onde ganha prêmio pela interpretação feminina. Em seguida filma o texto de Peter Weiss,

Marat-Sade, já encenado no teatro com grande sucesso, com o título de A Perseguição e Assassinato de Jean Marat. Também obtém grande êxito.

Em 1974, já consolidado como um dos maiores diretores do século XX, troca Londres por Paris. Ocupou o Théatre des Bouffes du Nord e criou um projeto de investigação teatral que deu início a uma nova fase de sua carreira. Escreveu inúmeros artigos e três livros sobre teatro: O Teatro e seu espaço, O Ponto de Mudança, A Porta

Aberta e uma autobiografia, Fios do Tempo.

Em 1989, Brook surge com uma minissérie para TV, Mahabarata. Sua última participação no cinema foi como ator, em 1996, no filme de Al Pacino, Ricardo III.

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14.IMAGENS E SONS

Depois de ler o livro Moderato Cantabile, minha primeira reação foi procurar a sonatina de Diabelle. Ouvir aquela música, perceber concretamente aquele andamento que rege todo o enredo do livro. A música é simples, calma, de fato moderada e cantante. A melodia me remete à criança, de um tom quase infantil, ingênuo, porém melancólico.

As primeiras imagens e sons que imaginei foram, em sua maioria, isolados, desorganizados. E é difícil e extremamente importante aceitar essa desorganização quase primária, pois ela é a primeira concretização do sentimento, a mais pura, com menor interferência da nossa tendência de racionalização. Essas imagens e sons têm um grande caráter simbólico e precisam ser preservadas, ou respeitadas. A partir deles será possível, posteriormente, organizar um roteiro e imaginar como seria esse romance filmado, como seria essa história e essas sensações em imagem e som.

O primeiro sentimento em relação ao filme foi a percepção da música, do ritmo que envolve o enredo, sempre moderado, sem picos. Som de piano sempre. E às vezes um imenso silêncio e o barulho do mar. Penso em imagens dessa mulher, muito bonita, com o mar ao fundo. E uma criança doce e cheia de vida. Penso que o mar é sempre o espaço que se forma entre o que ela tem e o que busca. São os momentos de profunda solidão daquela mulher que tem seu filhinho como quase um cúmplice, mesmo uma projeção, sempre solidário aos seus desejos. São momentos de reflexão, de constatação da morte, ou da ausência de vida.

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Entre mim e mim

há vastidão bastante para a navegação

dos meus desejos afligidos

25

Minha cena inicial é de praia, areia, pés, câmera na mão, movimentos rápidos e desordenados, e por fim o grito. O crime não é mostrado, talvez apenas vozes em off, em um fundo branco, estourado que chegue a causar incômodo.

As cenas seguintes são no café, que imagino bem simples, mas com uma bela paisagem ao fundo, perto das fundições. O café tem cheiro de mar e tem o cheiro dos homens que passam por lá todos os dias.

O homem que espera por Anne tem uma beleza masculina, de traços fortes e personalidade rude. Esse homem já havia percebido Anne Desbaredes muitas vezes. Ele a conhece, sabe quem ela é. Já havia ficado em frente à sua casa durante a noite, percebendo, imaginando o que poderia estar acontecendo ali.

Anne encontra esse homem uma vez no café. Bebe muito vinho, conversa, e sabe que terá que voltar àquele lugar. Os encontros sempre acontecem dentro daquele lugar, como se fosse o único espaço que lhes pertencesse. Nunca sairão dali juntos. E sempre acontece no fim do dia, na mesma hora, no ocaso. Eles ficam isolados, numa

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mesa ao fundo, sem ninguém por perto. O rosto do homem não aparece muito no início, vai se mostrando aos poucos, com a intensidade dos encontros e dos sentimentos entre eles. É preciso lembrar que este homem não tem nome no início.

Paralelo aos encontros, ao fundo, o filho brinca e encontra uma certa independência. Finalmente aquela mãe o deixa fazer o que ele quer, o deixa só. E ele encontra alegria nisto.

Vejo sempre Anne saindo do café, sempre perturbada pelo vinho - e por uma emoção nova - mas feliz. Em um dia específico esta cena fica diferente, e mais marcante. Ela toma mais vinho que de costume, sua feição se altera, e desta vez é seu filho quem a conduz.

Nesta mesma noite, chegando em casa, vem a cena do jantar. Um jantar formal, com amigos de seu marido, provavelmente pessoas ricas da sociedade. Anne está bêbada e perceptivelmente diferente, perturbada. Há uma grande mesa, com muitas pessoas presentes, bem vestidas, com gestos e feições artificiais. Nota-se que Anne, apesar da aparência, não faz parte – ou não quer fazer – daquele grupo de pessoas. Imagino a visão de Anne daquele jantar: as pessoas falam, mexem os lábios, mas ela não ouve nenhum som. Silêncio. Os rostos às vezes ficam retorcidos, deformados. Ela esmaga a flor de magnólia que está entre os seus seios, no decote do vestido. Recusa a comida que lhe é servida, bebe mais vinho e continua sem ouvir nada, somente a sensação daquela flor se despedaçando entre seus dedos. Ela sabe que lá fora alguém a espera. Isso é a única coisa que importa naquele momento, mas ela não pode sair dali.

Em seguida vejo a cena daquele homem, agora já nomeado, Chauvin, segurando forte as grades da casa dos Desbaredes. Uma casa grande, bonita, com um jardim na frente. O portão está entreaberto, mas ele não entra. Espera um pouco e vai embora em seguida.

Por último, o encontro final dos dois, no café. Ela chega sem o filho, e tem uma expressão diferente. Não está tão bonita e arrumada como de costume. Ele a espera, mas também diferente, com frieza e sem alegria em vê-la. Eles se sentam ao fundo e percebe-se que algo se quebrou naquela relação. Conversam, suas mãos se tocam, e por fim seus lábios se tocam, de leve. E ela sai do café e vai embora andando a beira-mar.

(53)

15.ROTEIRO

SETE LUAS

15.1Argumento:

Uma mulher, um grito, uma morte, um renascimento. Moderato Cantabile caracteriza um ciclo na vida de uma mulher, e fala da possibilidade de uma nova vida, e do preço que se deve pagar por isso.

Sete Luas fala de sentimentos profundos e dos anseios da alma humana.

15.2Ambiente:

O cenário é um café na beira da praia. O horário é sempre o mesmo, o pôr do sol, o cair da noite. E as explicações vêm de acordo com a evolução de um estranho relacionamento, o qual surpreende a todos da pequena cidade.

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15.3 Imagem 15.4 Som

1. EXT. PRAIA.

Imagens rápidas e desorganizadas da areia da praia.

Letterings de abertura.

SETE LUAS

Som de mar e vento. Trilha.

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Nome do filme em branco. O nome se expande e toma toda a tela, estoura.

2. EXT. DIA. BEIRA-MAR

PC. Anne Desbaredesanda pela praia com seu filho. Travelling ou câmera na mão acompanham-na.

Corta para Anne entrando no café, ainda em PC. A criança se solta da mão da mãe e vai brincar no parque em frente ao café. Anne a incentiva, sorri e entra no café, lentamente, olhando em volta.

2. INT. DIA. CAFÉ.

PA dela entrando no café, de dentro, e parando junto ao balcão. Pede à garçonete

Grito de mulher

Música

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que está do lado de dentro do balcão um copo de vinho.

Ela percebe que há um homem ao seu lado, também em pé.

Chauvin a cumprimenta.

Ao vê-la olhar ao redor, como que procurando algo, ele diz:

Barulho do Café – poucas vozes, pratos batendo de leve.

Anne - Um copo de vinho, por favor.

Chauvin – Boa tarde!

Anne - Estou reconhecendo o senhor.

Chauvin - É... Foi um crime.

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Ele se dirige a uma mesa ao fundo, ela hesita um pouco, mas o segue. Eles se sentam. Ela bebe o vinho quase todo com um certo nervosismo e sorri de leve. Depois diz:

Ela tem um sobressalto, quase imperceptível.

PP no rosto dela. Seus olhos por uns momentos se tornam um tanto vagos.

C - É natural.

A - Ah, eu não sabia, imagine.

C – Gostaria de se sentar um instante?

A – Não sei. Pode ser.

A - O grito foi tão forte que, na verdade, é muito natural que se procure saber. Eu dificilmente poderia evitar.

C - O que eu sei é que ele lhe deu um tiro no coração. / Eles se amavam.

(58)

PM dos dois.

Ela tomou um gole grande do vinho e voltou a sorrir.

A - Ao ver o que ele fez com ela, / como se, viva ou morta, isso não tivesse mais importância, / você acredita que é possível chegar... a isso... a não ser... por desespero?

C - Eu não faço idéia. // Você sempre passeia pela cidade?

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Desconcertada, pega o copo de vinho vazio. Percebe o deslize. Ela se recompõe.

Olha para o lado de fora e percebe a hora.

Ele faz sinal pedindo mais vinho.

A garçonete traz uma jarra. Ele a serve.

A - Sim, passeio com meu filho todos os dias.

C - Há muito tempo que você passeia com ele/ ... nas praças ou à beira-mar.

Você é a Sra. Desbaredes. A mulher do diretor das Fundições da Cote. Você mora no Bulevar de la Mer.

A - Eu queria tanta coisa ao mesmo tempo para essa criança que não sei como fazer, por onde começar. E faço tudo errado..

A - Preciso voltar para casa. Já é tarde.

C - Eu gostaria que você tomasse outro copo de vinho..

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Sorri desconcertada.

Ela bebe.

A - Para uma mulher, é difícil encontrar uma desculpa para entrar num café, / mas eu me disse que, apesar de tudo, eu era capaz de encontrar uma. Um copo de vinho, por exemplo, a sede...

C - Fale mais.

A - Eu moro na última casa do bulevar de la Mer, á última quando se sai da cidade. Logo depois das dunas.

Referências

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