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do Paraná, como requisito parcial à obtenção dograu de bacharel em Direito.

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O EMBATE PELAS LEIS FABRIS DO SÉCULO XIX E A DEFINIÇÃO DAS IDADES DO TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DAS

NOÇÕES DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito, do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Aldacy Rachid Coutinho

Cufifiba 2009

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LIGIA REGINA KLEIN

O EMBATE PELAS LEIS FABRIS DO SÉCULO XIX E A DEFINIÇÃO DAS IDADES DO TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DAS NOÇÕES DE CRIANÇA E

ADOLESCENTE

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção de Graduação no Curso de Direito, da Faculdade de Direito, Setor de

Ciências jurídicas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:

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1

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ALDACYRACHID COUTINHO Orientador

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FÁBIO/DE ALMEIDA REGO CAMPINHO

Primeiro Membro

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/ RODRIGO ABAGGE SANTIAGO

Segundo Membro

(3)

O EMBATE PELAS LEIS FABRIS DO SÉCULO XIX E A DEFINIÇÃO DAS IDADES DO TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DAS

NOÇÕES DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

ORIENTADORA'

Monografia aprovada como requisito parcial à

obtenção do grau de bacharel em Direito, no Curso de Graduação em Direito, do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná, pela Comissão formada pelos professores:

PROFA. DRA. ALDACY RACHID COUTINHO

PROF. Dr. FÁBIO DE ALMEIDA REGO CAMPINHO

PROF. DR. RODRIGO ABAGGE SANTIAGO

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Á Professora Doutora Aldacy Rachid Coutinho, orientadora, pela perspectiva crítica que imprimiu à disciplina que ministrou, conquistando-me para o estudo das questões trabalhistas; pelas sugestões, confiança e disponibilidade no processo de elaboração deste trabalho.

Aos ilustres membros da Banca de Avaliação, Professores Dr. Fábio de Almeida Rego Campinho e Dr. Rodrigo Abagge Santiago, por concederem seu tempo na leitura atenta e criteriosa desta monografia.

Aos professores da Faculdade de Direito, pela condução da minha formação na área.

Aos dignos funcionários da Faculdade, pela sempre generosa atenção com que acolheram minhas demandas ao longo do curso.

Aos muito estimados colegas de curso, pela amistosa acolhida e partilhamento da vida acadêmica.

Aos amigos do MAIO e do NUPE-MARX, pelo entusiasmo e oxigênio que emprestaram à minha prática militante e pelas inúmeras oportunidades de debate e aprendizagem.

À “Turma da Mafalda”, à “Turma da Padaria Lusitana”, à “Turma da Escadaria”, às outras turmas não batizadas e à Marieli, pela sincera amizade e o colorido da convivência.

À Maria Auxiliadora e Graziela, pelo apoio, idéias, questionamentos, sugestões e incansáveis leituras e revisões do texto

À turma de casa, por darem sentido e alegria à minha vida, sempre.

(5)

Onde gritam as escuras ninfas da cólera.

Os mestres apontam com devoção as enormes cúpulas defumadas;

Mas debaixo das estátuas não há amor,

Não há amor debaixo dos olhos de cristal definitivo.

O amor está nas carnes dilaceradas pela sede, Na choça diminuta que luta contra a inundação;

O amor está nos fossos onde lutam as serpes da fome, No triste mar que embala os cadáveres das gaivotas E no obscurantíssimo beijo picante sob as almofadas Mas o velho das mãos translúcidas

Dirá: amor, amor, amor,

Aclamado por milhões de moribundos;

Dirá: amor, amor, amor,

Entre a áurea seda estremecida de ternura;

Dirá: paz, paz, paz,

Entre o tiritar de facas e bananas de dinamite;

Dirá: amor, amor, amor,

Até que de prata fiquem os seus lábios.

Entretanto, entretanto, entretanto, Os negros que tiram as escarradeiras,

Os rapazes que tremem sob o terror pálido dos diretores, As mulheres afogadas em azeites minerais,

A multidão de martelo, de violino ou de nuvem,

Há de gritar ainda que lhe rebentem as cabeças contra o muro, Há de gritar diante das cúpulas,

Há de gritar louca de fogo, Há de gritar louca de neve,

Há de gritar com a cabeça cheia de excremento, Há de gritar com voz tão desgarrada

Que até as cidades tremam como meninas E rompam as prisões do azeite e da música, Porque queremos o pão nosso de cada dia, Flor de vidoeiro e perene ternura debulhada,

Porque queremos que se cumpra a vontade da Terra Que dá frutos para todos.

Federico Garcia Lorca

(6)

Para Luíza e Bruna, esperança de um novo tempo, Dedico.

iv

(7)

RESUMO ... ...

INTRODUÇÃO ... ...

CAPÍTULO I - TEORIZAÇOES SOBRE A CONSTRUÇÃO DA IDÉIA DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ...

1.1 Teorias predominantes sobre a adolescência: crise e disciplinamento ...

1.2 Um pitada de concretude: a explicação pela criminalidade ... ...

CAPÍTULO II - LUTA DE CLASSES E LEIS FABRIS: O CAPITULO

ESQUECIDO DA HISTÓRIA DA INFANCIA E DA ADOLESCÊNCIA ...

2.1 A fábrica e o individualismo como cenário da emergência da categoria ...

2.2 As leis fabris ... ...

CAPÍTULO III__- DA FÁBRICA À ESCOLA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA CONSTITUIÇAO DA ESCOLA BURGUESA E A SÓCIO-CLASSIFICAÇÃO DOS GRAUS ESCOLARES ...

3.1. A liberação dos trabalhadores mirins e o contingente escolar ... ... 7 6 3.2. Sócio-classiflcação dos graus escolares X seriação ... ... 8 1

CONCLUSÃO ... ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... ...

(8)

Um capítulo importante na seara do Direito do Trabalho diz respeito à situação do menor no universo laboral. O ordenamento jurídico brasileiro contempla

dispositivos claros de proibição e limitação do ingresso das crianças e

adolescentes ao mundo do trabalho, mas, contraditoriamente, reconhece o trabalho do menor na condição de aprendiz. Programas públicos tomam a inserção no trabalho como recurso de ressocialização. Na legislação, os conceitos de criança e de adolescente repousam no recorte etário e não há evidência de que haja algum outro critério a ser considerado na matéria. Esse reducionismo advém da circunstância de se tangenciar a discussão do caráter alienante do trabalho na sociedade contemporânea e redunda em uma posição contraditória em relação às crianças e adolescentes, quando considerado o fundamental papel hominizador da prática laboral: ao proibir o trabalho, o ordenamento protege a população infanto-juvenil das conseqüências deletérias

do trabalho alienado, mas, simultaneamente, nega-lhe acesso ao lócus

privilegiado da formação omnilateral. Na mesma linha, mas fora do campo do direito, as teorias mais correntes sobre o nascimento das noções de criança e adolescente descuram os determinantes materiais e apontam a relevância constitutiva de elementos subjetivos, próprios dos sujeitos dessa faixa etária,

ou, ainda, a inserção do sujeito em práticas sociais voltadas ao

disciplinamento, com ênfase no papel da escola, por meio do sistema de

organização de classes escolares. Entendendo que uma consistente compreensão da necessidade histórica das categorias de criança e

adolescente, na sociedade contemporânea, é necessária para a adequada compreensão das relações dos menores com a esfera produtiva, o presente trabalho objetivou apreender a conformação histórico-material das categorias criança e adolescente, exaustivamente utilizadas na legislação pertinente ao

trabalho do menor, relativizando-se os argumentos das teorizações

conhecidas, em benefício da fundação de tais categorias nos embates sociais pela diminuição da jornada de trabalho, e que culminaram na produção das leis fabris, nos idos do século XIX. Buscou-se, ainda, proceder â refutação da tese

do caráter determinante das classes escolares na constituição dessas

categorias, para o que buscou-se colher, nos indícios da história, elementos

que corroboram a hipótese de que os embates em torno das leis fabris

expressam a mais nítida necessidade da constituição das categorias em estudo.

(9)

INTRODUÇÃO

Um capítulo bastante relevante do Direito do Trabalho é o que diz respeito ao trabalho do menor. Não obstante a significativa regulamentação sobre o tema,

no mundo contemporâneo ainda persistem práticas laborais que atingem

deleteriamente os direitos das crianças e dos adolescentes. Tal problema avulta também no Brasil. Os últimos dados da PNAD/20081, embora apontem para uma queda nos índices de exploração do trabalho infanto-juvenil, ainda apresentam

um quadro dramáticoz, revelando que mais de 4,5 milhões de crianças e

adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos - constituindo 10,2% do total da população brasileira dessa faixa etária -, trabalharam, no Brasil, nesse ano. Perto de 141 mil crianças com idade entre 5 e 9 anos foram vitimadas pela exploração laboral e, na faixa de idade entre 10 e 13 anos o número de crianças exploradas situou-se perto de 852 mil, muito embora a legislação brasileira não permitida nenhum tipo de trabalho para menores de 14 anos. A maioria, ou seja, 51,6%

desses jovens trabalhadores, atuou como empregado doméstico e um percentual significativo de 35,5% trabalhou em atividade agrícola.3

Não bastasse o espetacular descaso à lei pelo simples fato de se atribuir trabalho a essa população mirim, quando a Constituição Federal expressamente o proíbe, a pesquisa mostra ainda que as crianças e adolescentes que trabalham recebem pouco ou até mesmo nada. Esses trabalhadores ganhavam, em média, menos que o salário mínimo. A média salarial foi de R$ 269,00 mensais em 2008, contra R$ 262,00 em 2007. Além disso, segundo o próprio Ministério do Trabalho, mais de 90% dos casos de trabalho infantil não são remunerados e entre 5 e 17

1 A Pesquisa Nacional por Domicílio, realizada pelo IBGE, referente ao ano de 2008, foi divulgada em 18 de setembro de 2009.

2 Dos dados apurados, extrai-se a seguinte síntese geral de um quadro comparativo da situação do trabalho infanto-juvenil nos anos de 2007 e 2008:

Faixa etária Número de pessoas ocupadas em 2007 Número de pessoas ocupadas em 2008 Diminuição

5 a 17 anos 4,8 milhões 4,4 milhões 7,6%

5 a 13 anos 1,2 milhão 993 mil 19,2% 5 a 9 anos 158 mil 141 mil 10,7%

10 a 13 anos 1 milhão 852 mil 20,4%

3ln httpzl/www.noticias.uoI.com.br/especiais/pnad/, acessado em 20/09/2009.

(10)

anos o índice é de 32,3% nessa condição. Acrescente-se a isso que boa parte dessas crianças e adolescentes realizam dupla jornada, assumindo tarefas domésticas no próprio lar. De fato, a PNAD constata que 57,1% das pessoas ocupadas e com idade entre 5 e 17 anos também exercem afazeres domésticos.

Por uma questão cultural, isso acontece principalmente entre as mulheres (83,3%). Acrescente-se que o trabalho doméstico, seja realizado para terceiros ou

para a própria família, nem sempre é captado pelas estatisticas, vez que,

realizando-se em domicílio privado, tende a escapar aos olhos das instituições de

pesquisa. Embora em uma cadeia formal também seja possível ocultar a

exploração do trabalho infanto-juvenil, o trabalho doméstico é ainda mais oculto.

Não obstante, a própria PNAD apurou que apenas 9,7% dos empregados

domésticos de 14 a 17 anos têm carteira de trabalho assinada.

O rendimento médio mensal domiciliar per capita das pessoas de 5 a 9 anos que trabalham atinge R$ 186,00, ao passo que das pessoas entre 16 e 17 anos é de R$ 394,00.

Tal panorama se verifica em tempos em que o ordenamento jurídico brasileiro, à luz da nova principiologia constitucionalista, busca dar proteção às crianças e adolescentes por meio de dispositivos da própria Constituição Federal, bem como de legislação especial, com destaque para o ECA e, na específica seara do trabalho, além da própria CLT que consagra o capítulo IV ao tema da proteção do trabalho do menor, é de se lembrar outros diplomas, como a Lei de Aprendizagem.

Os estudos sobre tais legislações ainda não lograram esgotar o manancial de questões a analisar, em assunto que contempla uma dramática questão social.

O problema é grave e está a exigir um esforço amplo dos estudiosos para consolidar conhecimentos que melhor contribuam para uma correta compreensão do tema.

A questão é tanto mais complexa quanto tangencia a dimensão

extremamente contraditória da condição do trabalho infanto-juvenil no presente modo de produção. Com isto, se quer lembrar o fato de que os níveis inaceitáveis de intensificação do trabalho individual, com repercussão notadamente deletéria

(11)

sobre a criança ou o jovem ainda em desenvolvimento, convivem com outro fato irrecusável: o de que o exercício do trabalho, a prática laboral - evidentemente que depurada do caráter alienante de que se reveste sob a fomia capitalista - é a condição, por excelência, da formação geral do indivíduo. Somente pela via da integração no processo laboral se logra produzir, nos sujeitos, as condições reais de apropriação e/ou desenvolvimento do conjunto mais rico e mais denso de

conhecimentos e habilidades, compatível com o grau contemporâneo de

desenvolvimento das forças sociais.

O impasse se impõe, face às relações sociais de produção que, sob o capitalismo, conferem-lhe um conteúdo alienante. Sobre a completa subsunção do trabalhador ao capital, diz Coutinho, referindo-se à empresa atual:

A empresa é, também, o espaço no qual o individuo, exercendo funções específicas, dentro de uma estrutura hierárquica de poder e divisão do trabalho, deve se constituir enquanto sujeito, dando-lhe sustentação, um

lugar de prova do seu corpo, além dos limites. Onde deveria proporcionar a auto-realização do trabalhador, é o campo da sua dominação, das punições e castigos, da hegemonia produzida pelo capital*

É nessa condição de meio de existência e, ao mesmo tempo, de negação da vida, que o trabalho, sob a égide do capital, se impõe aos sujeitos. Essa contradição intrínseca ao trabalho nesta forma contemporânea se evidencia claramente no próprio texto constitucional, na medida em que, no título dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais, entre os direitos sociais acolhe, ao mesmo tempo, dispositivos que se entende excludentes, desde que se considere o caráter hominizador do trabalho, quais sejam:

Art. 6°: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7°: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (.__) XXIII: proibição de trabalho notumo, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na

4 COUTINHO, A. R. Poder punitivo Trabalhista, p. 74.

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condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos. (Grifos da

autora)

Como se vê, o mesmo te›‹to contém garantia e proibição do trabalho.

A contradição, entretanto, não se limita ao texto constitucional. Assim é que a Lei 8.069/90, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescentes, dispunha, na sua versão original, a proibição de “qualquer trabalho a menores de quatorze

anos, salvo na condição de aprendiz”. Esse dispositivo foi revogado em

decorrência da nova redação do inciso XXXIII do Art. 7° da Constituição Federal, estabelecendo a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, sa/vo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos". Não obstante a alteração etária,

verifica-se em ambos os momentos a presença da idéia do trabalho como

instância educativa, de sorte que os menores hão de ser protegidos dos efeitos negativos do trabalho, exceto quando estiverem na condição de ter que “aprender a trabalhar”. Deduz-se que a mera condição de aprendizagem realiza o portento de expurgar do trabalho todos os malefícios da alienação, podendo, portanto,

incidir sobre menores de 16 e maiores de 14 anos. As razões, quer das

proibições, quer das permissões para o trabalho não são expressas, resolvendo­

se tudo por uma régua etária que, em si mesma, pouco diz.

É de se mencionar, ainda, a Lei 11.788/2008, que dispõe:

Art. 1°: Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na

modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

§ 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de

integrar o itinerário formativo do educando.

5 O primeiro Código de Menores veio à luz, no Brasil, em 1927, como resultado de uma consolidação da legislação existente sobre o que se entendia, no âmbito jurídico, por “menor". Na década -de 70, sob .o regime da ditadura militar, aprovou-se, por uma corporação de magistrados, um novo código que vigorou de 1979 a 1990, de cariz nitidamente criminalizador do menor. Em 1990, é aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente, desenhando um novo cenário para os direitos de crianças e adolescentes já sob o espírito da nova Constituição Federal, na qual se definem desde já os marcos de atenção à criança e ao adolescente. Conforme VIANNA, Direito Infanto-Juvenü, Teoria, Prática e Aspectos Multidisciplinares, passim.

(13)

Como se depreende, há aqui o claro entendimento do trabalho como dimensão constitutiva da formação do sujeito.

É de se destacar, entretanto, que a pennissão para o trabalho na condição

de aprendiz se encontra restringida pela presença de uma fiscalização da

aprendizagem, seja na modalidade empresária, seja na modalidade escolar:

Art. 3°: O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:

l - matrícula e freqüência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino;

ll - celebração de tem1o de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;

lll - compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.

§ 1o O como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei eo por menção de aprovação final.

§ 2o O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer contida no termo de compromisso caracteriza vinculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legslação trabalhista e previdenciária.

Por tal razão, é lícito supor que os dispositivos legais mencionados se estribam na insuficiente idéia de que o caráter danoso do trabalho advém apenas de condições insalubres - tal como as prevê a lei - e de eventuais maus tratos

impostos por superiores - patrões, supervisores, capatazes, etc. - a que os

sujeitos estiverem submetidos. Não se avança na perspectiva de compreensão do processo de alienação inerente à produção capitalista, como se o trabalho, qualquer que fosse sua forma histórica, tivesse em si mesmo apenas influências

benfazejas, correndo, as deletérias, por conta de distorções externas: a insalubridade do ambiente ou a maldade do empregador ou preposto no

tratamento para com os subordinados.

Não bastasse a contradição entre educação e trabalho expressa nestas legislações mais relevantes, programas governamentais há que vêem no trabalho

(14)

o Iócus privilegiado da ressocialização de adolescentes em conflito com a lei. A titulo de exemplo, cite-se, no Paraná, o Programa Aprendiz.

O Programa Estadual de Aprendizagem para o Adolescente em Conflito com a Lei - ou Programa Aprendiz - do governo do Estado do Paraná, criado pela Lei 15.200/06, resulta de um longo processo em que diversas instituições e órgãos do poder público se uniram para elaborar e propor uma alternativa de inclusão social aos adolescentes com idade entre quatorze e dezoito anos, submetidos a medidas sócio-educativas ou beneficiados pela remissão. Desde abril 2004, com efeito, vêm se desenvolvendo ações de inserção de adolescentes em conflito com a lei em programas de aprendizagem.

O objetivo do Programa - cujo embrião encontra-se no Projeto Super­

Ação integrada ou “Programa Adolescente Aprendiz” - contempla a inclusão social de adolescentes que estejam cumprindo alguma medida sócio-educativa

em meio aberto, vale dizer, Liberdade Assistida, Prestação de Serviços

Comunitários ou Semi-liberdade, em decorrência de ato infracional. lntenta criar, para esses adolescentes, oportunidade de ingresso no mercado de trabalho e, para tanto, .propõe um processo de profissionalização na área administrativa, seja pela aprendizagem técnico-profissional garantida pela oferta de vagas de auxiliar administrativo-aprendiz, para contrato anual, nos órgãos da Administração Pública Estadual Direta, Autárquica e Fundacional e Empresas Públicas, seja pelo ingresso em cursos de qualificação, ofertados pela Secretaria de Estado da Educação, bem como pelo acompanhamento na escolarização regular. É função

do Programa, portanto, integrar instituições sócio-educativas e órgãos da administração pública no esforço comum de proporcionar uma formação

profissional aos adolescentes em conflito com a lei, acompanhando-os no desempenho laboral e em seus processos educacionais.

Vê-se, pois, que aquilo mesmo de que o Estado pretende proteger a criança e o adolescente é aqui reivindicado como panacéia para a delinqüência juvenfl.

A dificuldade de que padece a legislação para bem equacionar a íntima relação entre trabalho e formação humana advém, por um lado, do problema real

de sofrimento e alienação inerentes à forma do trabalho na sociedade

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contemporânea, negligenciado e tangenciado por meros critérios etários de limite de entrada para a esfera produtiva; por outro lado, da própria do mercado

de mão-de-obra, que oscila sob ritmos não regulares de incremento e

enxugamento - onde incidem, ainda, escolhas que consideram vantagens e/ou desvantagens relativas à absorção de trabalhadores sob critérios de gênero e de idade.

Disto resulta que à oscilante lógica do mercado, que ora requer sangue infanto-juvenil, ora o despreza por pouco lucrativo, vai a legislação tentando adaptar-se, incorrendo em igual oscilação que se traduz na incoerência apontada:

ora se abomina o trabalho, como indigno da criança e do adolescente, ora se o exalta como “corretivo” aos delinqüentes que arrostam o sistema. Ora se faz a exaltação da escola, como “o” lugar das crianças e jovens, ora se faz a apologia do primeiro emprego, do estágio e congêneres.

Por fim, e no que, sobretudo, interessa a este trabalho, dita negligência implica em que, abandonando-se a compreensão da forma geral do trabalho sob a égide do capital e seus efeitos sobre os sujeitos, resta definir uma tentativa de preservação da própria reprodução da força de trabalho pela via de uma proteção de crianças e jovens, a partir do ralo critério da idade, que nada explica, mas

garante o já referido movimento de Afinal, a partir de um critério tão

vago, fácil fica avançar ou recuar o indicador métrico para uns anos a mais, uns anos a menos.

Não se pode negar que o problema da incompatibilidade entre o trabalho e

a formação é, sem sombra de dúvida, o de maior vulto na educação contemporânea. Não tem tido, entretanto, a atenção mais acurada dos pesquisadores, Não raro, se confunde a forma concreta de trabalho sob o

capitalismo - o trabalho alienado - com a própria “natureza” do trabalho. A partir desse reducionismo, alguns abraçam sem restrições a idéia de uma formação orientada para o mercado de trabalho, desde tenra infância. Outros, absorvidos no tema da cidadania e sem ânimo para contestar as condições de produção que conformam o trabalho alienado, empenham-se numa cruzada de proteção, impermeável não só aos fatores danosos do trabalho, mas, na mesma medida, às

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mais necessárias e benfazejas mediações que a vida e o desenvolvimento individuais requerem e que só se encontram na prática laboral.

Nesse passo, uma adequada compreensão das categorias infância e

adolescência, largamente utilizadas na legislação pertinente ao trabalho do menor sob o magro critério da faixa etária, assume relevância considerável.

Com efeito, somente a partir da compreensão do processo histórico de construção dessas categorias é possível incrementar análises mais consistentes que, no manejo do tema, não incorram em apreensão reducionista do trabalho que o tomam independentemente das relações sociais para aflnná-lo ora como dotado. de absoluta positividade, ora para nele reconhecer uma “natureza”

absolutamente abominável. Em síntese, impõe-se não dissociar a critica ao trabalho alienado e o papel do trabalho como princípio educativo, nos tennos ressaltados por Gramsciô.

Daí porque, pretende-se justificada a presente monografia, em que se objetiva apreender a conformação histórica das categorias criança e adolescente, exaustivamente utilizadas na legislação pertinente ao trabalho do menor, como uma altemativa à sua fixação a partir de critérios principalmente etários.

Entende-se que para melhor compreensão de dispositivos legais que se valem do conceito de criança e adolescente - fulcrais no debate sobre o trabalho infanto-juvenil - impõe-se uma investigação sobre o processo que, no curso da história, faz emergir tais categorias. O entendimento das razões históricas de distinção mais rigorosa da infância e da adolescência pode fornecer elementos que, ao -indicarem sua relação com o processo de trabalho, indiquem também

vertentes de pesquisa relevantes para o enfrentamento da citada

incompatibilidade entre educação e trabalho.

6 Ver, a respeito, GRAMSCI, Antônio. Cademos do Cárcere. Esta temática, não obstante a pertinência ao tema em pauta, não será aqui desenvolvida, em razão dos limites do trabalho monográfico, preferindo-se avançar para as determinações históricas das categorias infância e adolescência.

(17)

A partir dessa premissa, a presente monografia objetiva desenvolver um estudo inicial sobre na emergência das categorias infância e adolescência, sem a pretensão de esgotar o tema..

Estabelece-se, como hipótese orientadora, a idéia de que, diferentemente do que postulam as teorizações mais reiteradas sobre as razões de emergência daquelas categorias na modernidade, elas decorrem de embates sociais que convulsionam a base produtiva da nova sociedade e se expressam na forma das leis fabris que vêm à luz no século XIX.

O trabalho, apoiado exclusivamente no estudo bibliográfico, estrutura-se, metodologicamente em uma perspectiva materialista, adotando a idéia de que a

“verdade” é, nas sociedades classistas, expressão de uma necessidade prático­

politica demandada pelas condições materiais em que se encontram as classes sociais historicamente situadas.

Nessa linha, na abordagem sobre as teorizações relativas às noções de

infância e ,^ 7 , tratando-se de objeto afeto às relações humanas, cuida­

se de não carrear a investigação pela via do pressuposto de uma pretensa

“natureza humana”, dado que tal via, apoiando-se no Espírito, desemboca no idealismo, que se quer evitar; apoiando-se em “leis da matéria” descamba para o materialismo vulgar, de cunho biologicista.

O percurso que se impõe é o da compreensão dos fenômenos humanos por meio de sua constituição histórica, na perspectiva da dialética materialista. Tal instrumental teórico-metodológico permite enfrentar as armadilhas da abstração decorrentes do processo de categorização, como preleciona Lucien Sever:

Em que consiste a armadilha da abstração? No fato de que a utilização de um conceito geral (por exemplo “o homem”) para designar um conjunto de objetos particulares (neste caso, “os indivíduos humanos"), a utilização tão constante que parece justificar-se a si própria e expressar a lógica mais indiscutível, induz subrepticiamente, se não se está atento, conseqüências teóricas capitais e completamente infundadas. Com efeito, ao abstrair o conceito (o homem) a partir de objetos particulares tal como eles existem (os indivíduos), já se aceitou a via que conduz, salvo sobressalto crítico, a atribuir as propriedades gerais que designam o conceito (as "propriedades do homem") aos objetos em si mesmos que

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são os pontos de partida da abstração (neste caso, aos individuos tomados isoladamente).7

E prossegue, em síntese esclarecedora:

Em outras palavras, admite-se, mesmo antes de qualquer reflexão explicita sobre o problema da “natureza humana”, que estas propriedades (aquilo que a filosofia chama classicamente de essência) existiriam nos individuos isolados, que elas lhes seriam inerentes, que elas expressariam sua natureza. Eis porque não somente enunciados

"filosÓficos” como “os não possui essência", mas também

asserções de aparência puramente científica como “o homem é um fabricante de instrumentos” ou “um sujeito relacional* ou “um ser de desejo" comportam em sua fonna lógica (“o homem é...”) o risco de uma

aceitação e, por isso mesmo, terrível, de todo o

naturalismo antropológico, pois Ievá-las ao pé da letra significa admitir que a humanidade (o “ser-homem”). se ,mntifica essencialmente aos indivíduos humanos considerados em seus traços gerais, e que portanto na fonna da individualidade - isto ê, no terreno psicológico - que é preciso colocar todos os problemas fundamentais das ciências humanas e buscar sua solução.”

No que tange às leis fabris - que se situam no campo dos direitos sociais -, empregou-se, mais especificamente, o esquema teórico exposto por Saes para o trato dos chamados direitos sociaisg.

No desenvolvimento de seu esquema, primeiramente, o autor expõe sua concepção de direitos sociais, desenvolvendo a distinção entre os direitos sociais e as liberdades civis. Quanto aos direitos civis, pela forma-sujeito de direito, que

vigora na sociedade. capitalista, o ,Estado converte todos os homens ­

independentemente de classe - em pessoas capazes de praticar atos de vontade.

Essa fizgura jurídica é elemento essencial do modo de produção capitalista, corporificando-se em direitos civis ou liberdades fundamentais de ir e vir, de movimentar-se., de assinar contratos. Sem essas liberdades, não se poderia estabelecer o assalariamento como forma específica de relação de exploração

' SÊVE, Lucien. Psicanálise e Materialismo Histórico, p. 189.

8 Idem, ibidem.

9 Embora o autor desenvolva esse esquema para realizar uma análise dos direitos sociais e transição para o capitalismo, no caso específico da primeira república brasileira, entende-se que ele tem validade para o estudo aqui desenvolvido.

(19)

capitalista de trabalho, de uma relação entre partes contratantes

igualmente dotadas da capacidade de praticar atos de vontade”1°.

Os direitos sociais, por sua vez, consistem “na projeção da forma-sujeito de direito numa outra esfera, distinta da esfera do mercado de trabalho: a esfera da reprodução da força de trabalho”".

Nessa. moldura, o autor conclui que enquanto as liberdades civis

oonfiguram elementos essenciais do modo de produção capitalista, os direitos sociais, “não obstante a relevância que possam ter para os trabalhadores em uma sociedade capitalista concreta”12, não o são. Explica, porém, que tal característica dos direitos sociais não significa que qualquer ação de proteção à reprodução da força de trabalho seja desnecessária à reprodução ampliada do capitalismo. Não sendo essencial, mas necessária para o resguardo mínimo da reprodução da força de trabalho, essa ação não tem obrigatoriamente de assumir a forma da atribuição, por parte do Estado, de direitos aos trabalhadores, podendo mesmo ser implementada individualmente pelas empresas capitalistas” ou por políticas filantrópicasprivadas'4.

Obsen/a-se, assim, que os direitos sociais não afloram como decorrência natural dos direitos civis ou liberdades civis elementares. Ainda que as liberdades civis possam ter servido de apoio para a reivindicação de direitos sociais, estes só emergem num processo de luta entre capital e trabalho, em que não raro tais aspirações são vistas pelo capitalista como “violação ou defonnação dos direitos

civis"15.

'° SAES. Décio. Direitos Sociais ea Transição para o Capitalismo: o Caso. da Primeira. República Brasileira (1889-1930), p. 26.

" idem, ibidem.

ldem, p. 27.

ldem, p. 25.

Í' idem, passin-_

*S idem, p. 26.

(20)

Por esta razão, o autor aponta a inconveniência de se considerar a

conquista de direitos sociais como “uma etapa necessária e irreversível da evolução política de qualquer sociedade capitalista”'6.

Num segundo momento, o autor discute o caráter universal, ou não, das prerrogativas albergadas nos direitos sociais, para concluir que as teorizações que postulam uma tendência universalista desses direitos têm o vício de focar exclusivamente a fonna-sujeito de direito que se exprime no plano jurídico

constitucional", deixando sistematicamente de analisar “o processo de corporificação da forma-sujeito de direito em prerrogativas concretas:

corporificação essa que ocorre por intemwédio da criação de uma legislação ordinária”.

Com efeito, concretamente o que se verifica é uma tendência a atribuir direitos sociais a grupos específicos, e não ao conjunto dos trabalhadores, embora, como lembra Saes, “a homogeneização relativa das prerrogativas sociais dos diferentes segmentos das classes trabalhadoras é teoricamente possível, pois em si mesma ela não traria um risco econômico absoluto ao capitaIismo”19.

Destarte, uma possível homogeneização não pode ser tomada como tendência irreversível, “nem mesmo como a tendência dominante na evolução dos direitos sociais em qualquer formação capitalista”2°.

A razão está em que “a distribuição de direitos sociais aos diversos segmentos das classes trabalhadoras é condicionada permanentemente pela diferente importância estratégica dos pontos de vista econômico e político, de cada segmento das classes trabalhadoras para a fração capitalista hegemônica,

1° idem, ibidem.

17 Sobre o plano constitucional, tido como o plano jurídico “supremo”, o autor faz ressalva fundamental, mitigadora do atual entusiasmo pelo novo constitucionalismo, que se entende pertinente registrar: “o plano constitucional é o plano jurídico supremo tão somente para a ideologia jurídica constitucional-liberal que habitualmente predomina no seio do aparelho de Estado capitalista e também se impõe às classes sociais de qualquer fonnação social capitalista.

A uma sociologia crítica das formas jurídicas incumbe destruir essa ilusão, evidenciando que é no direito privado, e não do direito constitucional, que se encontram definidas, autorizadas e legitimadas as relações sócio-econômicas vigentes numa ,formação social qualquer.” idem, p. 27.

'° Idem, p. 28.

19 ldem, p. 28.

2° Idem, ibidem.

(21)

bem como pela capacidade de luta diferenciada que caracteriza os diversos segmentos das classes trabalhadoras”21.

Exposto o conceito de direitos sociais, Saes passa a desenvolver

argumentos de sustentação a um esquema teórico para a análise da evolução dos direitos sociais numa sociedade capitalista. Inicia pela análise crítica das proposições de Santos (1979), O'Connor (1977) edeammaud (1984).

Os primeiros propõem um sistema explicativo binário: Santos, apoiado na altemância de exigências da acumulação de capital e de exigências de equidade;

O'Oconnor, na contradição permanente entre acumulação e legitimação. O problema, em ambos os casos, é o caráter excessivamente genérico e abstrato das categorias em jogo.

Jeammaud, por seu turno, postula a existência de uma relação entre a legislação do trabalho e as fases do capitalismo. A partir dessa relação, propõe três etapas evolutivas para a legislação relativa ao trabalho assalariado:

Na fase da acumulação primitiva, implantar-se-ia uma legislação abertamente repressiva, destinada a propiciar, pela via coercitiva, força de trabalho aos capitalistas emergentes. Na fase do capitalismo liberal, implantar-se-ia um liberalismo contratual integral. E numa fase posterior (supostamente a do capitalismo monopolista), instaurar-se-ia um direito próprio ao trabalho assalariado, destinado a proteger a força de trabalho

contra uma exploração intensa demais, perigosa para a própria

sobrevivência. do capitalismo.”

A positividade do esquema analítico de Jeammaud ê a introdução das fases do capitalismo como fator explicativo. Mas, ainda aqui o problema é o caráter demasiado genérico e abstrato da caracterização das fases propostas, onde cada uma corresponderia a uma exigência econômica especifica do Capital em geral.

Na lição de Saes,

As exigências econômicas do capital, em cada fase do desenvolvimento capitalista são na verdade exigências econômicas especificas das diferentes frações capitalistas (comercial, industrial, bancária, financeira).

:_ idem. ibidem Z idem. p. 30.

(22)
(23)

No aspecto formal, foram seguidas as orientações do ilustre professor Eduardo Oliveira Leitezô.

A monografia encontra-se estruturada em 3 capítulos. No primeiro, se buscou expor os elementos mais marcantes das teorias atuais existentes sobre a construção da idéia de criança e adolescente. No segundo, tratou-se de trazer à

temática o papel da luta de classes e das leis fabris na construção dessas

categorias. No terceiro, buscou-se esclarecer a noção de classe nos sistemas públicos de ensino, intentando-se superar a confusão entre classe e série. Estas obsen/ações permitem relativizar, ao menos, a afirmação costumeiramente aceita de que a necessidade de classificar os educandos nas respectivas séries foi determinante para a emergência das categorias em estudo.

* LEITE, Eduardo de oliveira. A Monografia Jurídica.

(24)

CAPÍTULO AI

TEORIZAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DA IDÉIA DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A questão das “idades da vida”27 perpassa ea história humana, traduzindo­

se em distintas práticas de iniciação, ritos de passagem, modalidades de formação, ou simplesmente em mudança no grau de inserção em certas

atividades essenciais do grupo.

Embora a referência para a demarcação dessas fases seja, via de regra, a idade, é evidente que, por traz desse marco, o que é detenninante, em última análise, é a capacidade” - física e psíquica” - de desempenhar determinadas práticas e funções sociais, ligadas à reprodução da vida. Entre tais práticas destacam-se as atividades produtivas de todo gênero - desde as formas mais

primitivas como a coleta e a caça, até as formas mais complexas que se

enquadram nas condições contemporâneas de produção - e a reprodução da espécie, o que implica a capacidade de gerar, de sustentar, de proteger e formar os filhos até sua própria autonomia.

Considerando que tais funções e práticas se transformam - mesmo

substancialmente - de época para época, de sociedade para sociedade e,

inclusive, no interior de uma mesma sociedade em relação a distintos grupos sociais, é compreensível que tais fases apresentem diferenças quanto à precisão de idade e, mesmo, quanto à relevância atribuída ea certa fase em um ou outro contexto concreto.

27 Título do primeiro capítulo da obra referencial de Philippe Ariès, História Social da Criança e da Família.

28 Não se trata, aqui, de capacidade jurídica.

29 Sob a esfera psíquica consideramos todas as condições não físicas, tais como intelectual, moral, emocional.

(25)

Na literatura atinente à história da educação3°, registra-se que, nas sociedades anteriores â emergência do capitalismo, a observância de diferentes faixas etárias apóia-se nas condições de participação efetiva nas funções sociais, ou seja, nas práticas produtivas e políticas- A capacidade - física e psíquica - de arcar com tarefas e atribuições impostas pelo grupo é o elemento decisivo na percepção das fases da vida. Assim, essas fases não são tomadas como objeto de preocupação, em si mesmas. Tendo como referência a condição adulta, tais etapas servem como indicativos para a atribuição de tarefas e funções. Em outros termos, é o grau de dependência que -detennina as “idades da vida”.

Em regra, por volta dos sete anos de idade a criança atinge um patamar

significativo de desenvolvimento, ao qual corresponde relevante grau de autonomia, comparativamente aos primeiros anos de existência. Esta é,

provavelmente, a explicação mais acertada para o fato de essa idade representar

um marco do desenvolvimento dos sujeitos, presente em todas as épocas

históricas.

Nas sociedades primitivas, por exemplo, por volta dos sete anos de idade atribuía-se à criança a responsabilidade de contribuir para o sustento do grupo. O menino passava, então, a participar das atividades dos mais velhos, completando sua formação até ele próprio atingir a idade adulta. Nessa fase, a convivência intensa com todos os membros do grupo, facultando a observação e a imitação das práticas dos adultos, realizava o aprendizado necessário à conformação de sua própria adultidade, conforme ensina Ponce:

Na comunidade primitiva, as mulheres estavam em pé de igualdade com os homens, e o mesmo acontecia com as crianças. Até os 7 anos, idade a partir da qual ia deviam viver às suas proprias expensas, as crianças acompanhavam os adultos em todos os seus trabalhos, ajudavam-nos na medida das suas forças e, como recompensa, recebiam a sua porção de alimentos como qualquer outro membro da comunidade. A sua educação não estava confiada a ninguém em especial, e sim à vigilância difusa do ambiente. Mercê de uma insensível e espontânea assimilação do seu meio ambiente, a criança ia pouco a pouco se amoldando aos padrões reverenciados pelo grupo. A convivência diária que mantinha

3° ARiEs (1981), cAMB| (1999), MANAcoRDA (2006), MEssER (1935), MoNRoE (1983), PoNcE 1985), MARRou (1975) entre outros.

(26)

com os adultos a introduzia nas crenças e nas práticas que o seu grupo social tinha por meihoresdçgrifo do autor).31

Sobre sua indistinção relativamente aos adultos, o autor esclarece que

“As crianças se educavam tomando parte nas funções da coletividade. E, porque

tomavam parte nas funções sociais, elas se mantinham, não obstante as

diferenças naturais, no mesmo nível que os adultos”.

Na Antiguidade e no Medievo, épocas já marcadas pela divisão da

sociedade em classes distintas e antagônicas, os processos educativos se

distinguem, consoante a classe a que pertencem os educandos. Os filhos das classes subordinadas educavam-se pela inserção em tenra idade, nas atividades

laborais e culturais dos adultos. Dessa inserção resultava uma educação

espontânea, fundada na prática, para a qual a idade tinha pouca importância após

os anos iniciais de vida - por volta dos sete anos - marcados por absoluta

dependência dos cuidados de um adulto”.

Quanto à educação dos tiihos das classes dirigentes, tratava-se de

educação distinta, evidentemente, orientada para a formação de um outro tipo de adulto. Entretanto, também aqui as idades são de pouma relevância, não sendo a infância objeto de muitos cuidados. Não obstante, a idade de sete anos é referida como um marco distintivo entre maior ou menor dependência-independência.

Na Antiguidade, ao lado do aparecimento de uma opressiva subordinação a que são submetidos a mulher e os filhos, registra-se uma indiferença em relação à infância. Na lição de Cambi:

A infância não é valorizada em toda a cultura antiga: é uma idade de passagem, ameaçada por doenças, incerta nos seus sucessos; sobre ela, portanto, se faz um mínimo investimento afetivo, como salientou Ariès para as sociedades tradicionais em geral. A infância cresce em casa, controlada pelo “medo do pai", atemorizada por figuras míticas semelhantes às bruxas (as Lâmias, em Roma), gratificada com brinquedos (pense-se nas bonecas) e entretida com jogos (bolas, aros, armas rudimentares), mas sempre colocada à margem da vida social. Ou então por esta brutalmente corrompida, submetida à violência, a estupro, a trabalho, até a sacrifícios rituais. O menino - em toda a Antiguidade e r PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes, p.18.

* uam, p.19

* cmfomze PoNcE (1985) e MANACORDA (2006).

(27)

na Grécia também - é um “marginal” e como tal é violentado e explorado sob vários aspectos, mesmo se gradualmente -- a partir dos sete anos, em geral - é inserido em instituições públicas e sociais que lhe

uma identidade, lhe uma função e exercem sobre ele

também uma proteção.”

Porém, aqui também a idade de sete anos marca um momento importante de transição. O mesmo autor lembra que em Esparta, aos sete anos, os meninos eram retirados de suas familias e submetidos a uma “formação de tipo que deveria favorecer a aquisição da força e da coragem”35.

O mesmo registro encontramos em Ponce: “Aos sete anos, o Estado apoderava-se do jovem espartano e não mais abria mão dele. De fato, até aos quarenta e cinco anos pertencia ao exército ativo, e até aos sessenta à reserva”.36 Em Roma, destaca-se em primeiro plano a função educadora do pai, que conduz o filho na transição da infância à condição adulta, transmitindo-lhe seus conhecimentos e introduzindo-o nos exercícios físicos militares. Manacorda registra que:

Após os sete anos a criança passava mais diretamente sob a tutela do pai, do qual aprendia, se já não tivesse aprendido com a mãe, os primeiros rudimentos do saber e as tradições familiares e pãtrias, dos quais era especialmente treinada nas exercitações fisicas e militares.37

Do período medieval, Ariès recolhe um texto em que as idades

correspondem aos planetas, em número de 7, de modo que as “idades da vida”

se contam de sete em sete anos- Sobre a primeira idade, diz o texto.:

A primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é chamado de enfant (criança) que quer dizer não-falante, pois nessa idade a pessoa não pode falar nem formar perfeitamente suas palavras, pois ainda não tem seus dentes bem ordenados nem

firmes, como dizem lsidoro se Constantino.”

34 CAMBI, Franco. História da Pedagogia, pp. 81-82.

35 idem, p. ss.

35 PONCE, op. cit., p. 40

MANACORDA, Mário Alighierot História da Educaçãou da Antiguidade a nossos dias, p. 76.

Le Grand Propriétaire de toutes choses, Livro Vl, in ARIÊS, Philippe. História Social da Criança e da Família, p. 6.

37

$

(28)

Conclui-se - e é de se destacar, para os fins deste trabalho - que, até a feudalidade, o relevante no que tange as “idades da vida” consiste em distinguir a

condição de alta dependência, ou seja, a criança até os sete anos de e a

condição adulta, de plena autonomia. Assim, o que regula as “idades da vida”

nas sociedades pré-capitalistas, é, de um lado, o grau de dependência dos sujeitos e, de outro, a sua capacidade de suportar os encargos e obrigações que a reprodução social da comunidade lhes impõe. Nesse sentido, o fim do periodo marcado pela maior dependência - a idade aproximada de sete anos - configura o momento de transição mais marcante, não se apresentando a necessidade

material de maior rigor na distinção de quaisquer outras fases de

desenvolvimento.

Como lembra Becker (1985):

O fenômeno da puberdade provavelmente nos acompanha desde os primórdios do ser humano. Já não se pode dizer o mesmo do fenômeno da adolescência, nem da importância que a sociedade lhe dá. O conceito de adolescência, como ele é hoje considerado, é bastante recente. Até o século XVIII, a adolescência foi confundida com a infância. Nas escolas Jesuíticas, garotos de 13 a 15 Anos eram chamados indistintamente de crianças ou adolescentes. A noção do limite da infância estava mais ligado à dependência do individuo do que à puberdade.”

As profundas transformações por que passa a sociedade vão fazer com que não só se estabeleça firmemente uma distinção entre infância e idade adulta, como também a própria infância se divide, dando origem a outras fases de desenvolvimento. A adolescência toma assento na temática das “idades da vida”.

1.1 Teorias predominantes sobre a adolescência: crise e

disciplinamento

As primeiras teorizações sobre a adolescência são desenvolvidas já nos albores do século XX, mas ainda nos marcos do positivismo científico do século XIX. Quem dela se ocupa é a medicina higienista., sob o enfoque da eugenia”.

3° BECKER. o que é adolescência, pp. 57 - se.

'° Cabe lembrar a presença dos postulados eugenistas no Direito, mormente no Direito Penal, graças à influência das teorizações de Ferri, Lombroso e Garofalo.

(29)

O projeto higienista se orienta por um ideal de adulto - depurado de quaisquer formas de degradação física e moral - que haveria de ser forjado graças a um severo controle da infância e da adolescência.

Essas fases da vida colocam-se, assim, sob o foco de numerosos estudos que constroem uma compreensão do adolescente marcada por uma idéia de crise. O adolescente é visto como um ser biológica e psicologicamente em transição das peias dos instintos irracionais para a forma adulta, já então dotada das luzes da razão. Como uma expressão do instinto, a sexualidade tornou-se o foco de problematização dos especialistas, assumindo um duplo caráter: de um lado, manifestação de bestialidade e, de outro, fonte de vida. O adolescente que emerge da visão médica é um ser em crise, rebelde; nem adulto, nem criança;

incapaz de um controle adequado de seus impulsos, mas em quem a sexualidade aflora sensiveImente'“. O caráter decisivo desse momento requeria que essa fase fosse rigorosamente vigiada e, ao mesmo tempo, se submetessem os jovens a um conjunto de atividades orientadas para uma formação conforme os ideais da época­

Uma tal concepção fundava-se em um ponto de vista naturalista, em que as leis biológicas constituíam o elemento determinante por excelência.

Na moldura de uma critica a tais postulados, as teorias hoje

predominantes postulam uma dimensão histórico-sociológica das fases da vida.

Dentro desta linha, cujo referencial encontra-se em Ariès, observa-se uma

tendência geral de considerar a infância e a adolescência como um

acontecimento datado, resultante de uma “invenção” histórica. Dita invenção funda-se na emergência de um “sentimento” acerca da adolescência”. Esse sentimento fundador da infância e da adolescência decorre de múltiplos fatores, sobressaindo-se, entre eles, por um lado, a diminuição do índice de mortalidade itfantil - o que estimularia os pais a desenvolver o sentimento de afeto pelos

`" BARRÁN, J. P. E/ Adolescente, uma Creación dela Modemidad?.

Q Irineu Colombo expressa-se nestes termos: “A partir do século XVI começaram a aparecer sentimentos novos em relação à criança. O primeiro sentimento de infância está ligado à graça, à gentileza, à ingenuidade da criança, fonte de distração e encanto do adulto, sentimento chamado por Ariès de 'paparicação', em que as pessoas admitiam sentir o prazer e a afeição pela graciosidade infantil”. COLOMBO. Irineu. Adolescência Infratora Paranaense: História, Perfil e Prática Discursiva, p_27.

(30)

pequenos - e, por outro lado, o adensamento de processos disciplinares,

exercidos pelas mais diversas instituições sociais da época - com relevante papel atribuído à escola -, como resposta, no entendimento desses autores, a uma necessidade histórica de contínuo investimento físico, pedagógico e moral com o intuito de produzir o adulto “ideal"43.

Nessa orientação, para Reis e Zioni, a adolescência é conformada pela escola e pelo exército e é da observação dessas duas instituições que emerge a adolescência como nova realidade psicológica.44

Maria Rita César45 apóia-se em Foucault para demonstrar que o tema da

adolescência emerge de novas formas de poder, instauradas pelas novas

relações sociais. Essas relações de poder transcendem relações políticas e econômicas e adentram as novas instituições sociais, tais como a própria família, a fábrica, a escola, o hospital e a prisão. No interior dessas instituições, o poder

disciplinar atua - articulado à vigilância e ao exame - sobre o corpo individualizado, forjando-o conforme as necessidades de precisão dos

movimentos requeridos pelas atividades humanas”. Por outro lado, o Estado conforma e concentra uma outra forma de poder - o biopoder -, exercido sobre a forma de política estatal, que incide já não sobre o corpo individualizado, mas sobre o corpo da população, cuja vida busca administrar”. Nos marcos dessa sociedade disciplinar”, uma forma de controle realiza-se pelo Estado médico­

higienista e pela polícia pedagógica, imbuídos da idéia de fortalecimento corporal e moral dos jovens. No entendimento de César,

Ao empregar seus métodos intervencionistas e normatizadores visando uma melhoria da qualidade de vida da população, a medicina européia não se limitou apenas à restrita célula familiar, mas alcançou também as

instituições educacionais e correcionais, fundamentais para a 43 WALKERDINE in CESAR, Maria Rita de Assis. A Invenção da Adolescência no Discurso Psicopedagógico, P. 166.

44 REIS, O. A. e ZIONI, F. O lugar do feminino na construção do conceito de adolescência. Rev.

Saúde Pública. Dez. 1993, v. 27, n. 6, pa. 472-477.

45 CÉSAR, M. R. A., op. cit.

4° FoucAu LT, M. Mierefisieâ do Poder.

” FOUCAU LT, M. Em defesa da Sociedade.

48 Sobre o disciplinamento como uma condição inerente à organização da sociedade nos marcos da lógica mercantil, ver, por todos, COUTINHO, A; R., op. cit.

(31)

caracterização da adolescência. Da mesma fomta que a invenção da família foi concomitante à problematização da infância pela ciência, a reorganização das instituições escolar e correcional, por meio das políticas médicas, foi fundamental para a posterior invenção da adolescência pela psicopedagogia.”

Ariès, por seu turno, constata que o colégio tornou-se um instrumento para a educação da infância e da juventude em geral e observa que há uma correlação entre a evolução da instituição escolar e a evolução do sentimento das idades e da infância. Diz, a respeito, que “no início o senso comum aceitava sem dificuldade a mistura das idades” mas “chegou um momento em que surgiu uma repugnância nesse sent¡do".5°

Essa repugnância, na leitura de Ariès, foi sendo construida ao passo em que se estabeleciam as classes escolares a partir do critério de idade:

No início do século XVII, a classe não possuía a homogeneidade demográfica que a caracteriza desde o fim do século XIX, embora se aproximasse constantemente dela. As classes escolares que se haviam forrnado por razões não demográficas serviriam gradualmente para enquadrar categorias de idades, não previstas de inicio. Existia, portanto, uma relação despercebida entre a estruturação das classes e as idades, despercebida porque estranha os (sic) hábitos mais comuns. (...) O período da segunda infância-adolescência foi distinguido graças ao estabelecimento progressivo e tardio de uma relação entre a idade e a classe escolar. Durante muito tempo, no século XVI e até mesmo no século XVII, essa relação foi muito incerta.5'

O autor é taxativo quanto ao papel das classes escolares na conformação da categoria da adolescência, como se depreende da afirmação: “Sem o colégio e suas células vivas, a burguesia não dispensaria às diferenças mínimas de idade de suas crianças a atenção que lhes demonstra, e partilharia nesse ponto da relativa indiferença das sociedades popuIares”.52

A mesma posição encontra-se em Becker:

Com a ascensão da burguesia como classe dominante, houve mudanças na estrutura escolar, surgindo a fom1ação primária e secundária. Assim

4° CÉSAR, M. R. A., pp. pu., pp. 43-44.

5° AR|Es, P., pp. pai., p. 110.

51ARIÊS, pp. pu., p. 112 52 ARIÊS, P., pp. pu., p. 115.

(32)

se estabeleceu gradativamente uma relação entre idade e classe escolar, e a adolescência passou a ser melhor distinguidasa.

Todavia, ao papel da escola os autores juntam outros fenômenos relevantes para a construção da idéia de adolescência. Esses fenômenos

coincidem num aspecto: a preocupação da sociedade com as práticas rebeldes dos jovens, bem como os meios e dificuldades de seu controle.

1.2. Uma pitada de concretude: a explicação pela criminalidade

Um outro elemento, portanto, - a percepção dos determinantes sociais na criminalidade juvenil - é acrescido à história da construção da idéia de infância e adolescência, quando, nos Estados Unidos da América, o estado de lllinois

aprova, em 1899, uma lei com profundas implicações para a juventude

americana: trata-se da Lei do Juizado de Menores, que regulamenta o tratamento e o controle de crianças dependentes, negligenciadas e delinqüentes. Nos termos dessa lei define-se delinqüente como a criança com menos de 16 anos que violasse qualquer lei do estado ou da cidade ou postura municipal. A mesma lei autorizava a instituição de um tribunal juvenil, especializado no trato dos conflitos que envolvessem os adolescentes. Tal medida constitui, na interpretação de Jon Savage (2009), “um passo crucial na construção da adolescência como um estágio de vida distinto .1154

Resultado de um percurso de luta que tem à frente organizações como o Hull House e Chicago Women's Club, o tribunal fundamenta-se em uma nova visão sobre a delinqüência juvenil: afastando-se da perspectiva determinista e puramente punitiva, característica da sociologia criminalista da época, postula, ao

53 BECKER, op. cit., p. 58.

54 SAVAGE, Jon. A Criação da Juventude: como o conceito de Teenage revolucionou o século XX, p. 14. Jornalista e escritor, Savage, não obstante situar-se fora dos círculos acadêmicos, realiza uma exaustiva investigação - fundada em rica documentação - e oferece uma elaborada interpretação sobre o aparecimento do conceito de adolescência. Ao buscar entender o teenage, encontra-se diante do desafio de perscrutar sua pré-história. O resultado desse trabalho toma a forma de um livro que “conta a história da tentativa, por dois continentes diferentes, por mais de meio sculo, de oonceitualizar, definir e controlar a adolescência".

(33)

contrário, o entendimento de que essa delinqüência decorria das más condições sociais em que esses jovens cresciam.

Assim, na leitura de Savage (2009) a necessidade de interpretar os anseios juvenis nasce do reconhecimento da delinqüência juvenil como um grave problema social, agravado certamente pelas vicissitudes dos imigrantes na América, a não aceitação, pelos jovens, da condição de proletários, o surto de oferta de empregos para jovens entre 14 a 18 anos, o surgimento da indústria do sonho e do desejo (economia do sonho, economia do desejo), como condições para a emergência de gangues e grupos rebeldes, transgressores, delinqüentes.

A idéia do Tribunal intentava enfrentar, por um lado, a prática comum de reunir jovens e adultos nas prisões, colocando indivíduos ainda infantes em

estreita convivência até com os mais violentos criminosos, encontrava

ressonâncias negativas no seio de importantes setores da sociedade, sobretudo

pela ineficácia das medidas no controle da criminalidade. Por outro, a

ambigüidade da legislação relativa aos jovens: se, por um lado, o direito civil enquadrava como crianças os sujeitos com até 21 anos de idade, nada impedia, no campo do direito penal, se admitisse que esses mesmos sujeitos fossem encaminhados ao sistema prisional e, portanto, tratados como adultos.

Neste quadro, o problema da precocidade juvenil põe em xeque as definições de idade então vigentes. Como esclarece Savage:

Com a precocidade juvenil identificada como o principal problema, as definições de idade existentes tinham se tomado inadequadas para lidar com as complexidades da vida na cidade. Visando proteger os infratores mais jovens de criminosos empedemidos, o Ato do Juizado de Menores oferecia um ponto de corte entre a infância e a idade adulta. lniciava também uma abordagem flexivel e preventiva ao tratamento da

delinqüência.55

É evidente que, ao lado dos aspectos positivos, mormente quanto ao esforço de proteção da criança, ressalta o intento de, pelo estratagema da divisão da infância em outras fases intermediárias, realizar o interesse de permitir a responsabilização criminal a partir de uma certa faixa etária. Para esta última

55 SAVAGE, op. cit. p. 80.

(34)

finalidade, é de todo inadequado considerar criança um jovem de 16 anos. É o que reconhece Savage (2009), ao afirmar que:

Nos fins dos anos 1890, as autoridades estavam buscando ativamente encurralar a juventude americana. Fossem as gangues urbanas

selvagens, os jovens assassinos monomaniacos ou a simples incidência

de delinqüência juvenil, a questão do controle tinha se tomado premente .1156

Ao lado das medidas judiciais, desenvolvia-se uma estratégia de atenção positiva, fulcrada no incentivo ao ingresso e permanência na escola, como forma, inclusive, de retardar seu ingresso na vida adulta.

Essas significativas mudanças, todavia, não tinham, ainda, produzido um conceito que distinguisse os sujeitos:

Durante o século XIX, a puberdade não era considerada uma fase distinta da vida. Embora os homens alcançassem a idade adulta ao entrar no mundo do trabalho, do exército ou do casamento, o tempo passado para alcançar essa meta variava.

(...) Esse período sem nome era reconhecido como um tempo de flutuação, até de “semi-dependènc¡a": se era chamado de alguma coisa, era de “juventude".57

Entretanto, em uma conferência que proferiu no American Institute of lnstruction, em 5 de julho de 1898, o psicólogo americano Stanley Hall, que há algum tempo vinha se dedicando ao estudo sobre a segunda década da vida,

definiu alguns traços e denominou “teenage”58 à fase que se situa,

aproximadamente, entre os 13 e os 19 anos.

Marcado pela influência das concepções biologizantes, Hall procura interpretar os fenômenos da adolescência articulando conhecimentos da biologia

e sociologia. Nesse diapasão, concebe os problemas da juventude como decorrentes, não apenas de determinaçxões biológicas, mas também de

vicissitudes sociais. E o que, com clareza, sintetiza Viviane Magro (2003),

5° sAvAGE, op. cn., p. 82.

57 sAvAcE, op. zu., p. 82.

58 A denominação, obviamente, valeu-se do vocábulo "teen", constitutivo, na língua inglesa, dos numerais da série de 13 a 19.

(35)

analisando a obra Adolescence: its psychology and its relations to physiclogy, anthropology, sociclogy, sex, crime religion and educatíon5°:

Nesta obra observam-se influências marcantes da teoria da evolução de Darwin, para explicar o desenvolvimento do ciclo de vida humana, e da filosofia de Rousseau, na distinção entre mentalidade infantil - enquanto primitiva e selvagem - e mentalidade adulta, caracterizada como racional e ¢¡v¡|¡zada6°.

A preocupação de Hall era, como esclarece Calligaris, a precocidade dos jovens de seu tempo, os quais “lhe pareciam chegar cedo demais às ruas, às fábricas, aos braços de parceiros sexuais e também às prisões”6'.

Para Hall, a adolescência era uma época perigosa e trabalhosa. Entendia,

entretanto, que as dificuldades que permeavam essa idade eram naturais,

próprias dessa fase da vida. Daí porque, concluía que os jovens necessitavam de proteção por mais tempo que o costumeiro à época.

“Ele foi à luta para que os benefícios da infância se prolongassem”, diz Calligaris. E conclui: “suas palavras foram decisivas para que, aos poucos, os adolescentes fossem escolarizados tão obrigatoriamente quanto as crianças.

Inaugurou-se assim uma tendência que hoje empurra a escolaridade obrigatória (e com ela a adolescência) para além dos 20 anos de idade”62.

Enfim, ao que se depreende, sob a convulsão da criminalidade juvenil, o

mundo adulto passa a dar voz aos jovens e, como ressonância mesmo da

experiência de ser ouvida, reforça-se na juventude a noção de sua própria importância. Na ciranda em que revolta e controle se dão as mãos, uma nova fase de desenvolvimento se impõe: eis, segundo os autores acima, o nascedouro da adolescência.

Em uma leitura mais recente, de fundamentação psicanalítica, Contardo Calligaris (2000) propõe uma explicação para o fenômeno da rebeldia - e,

5° Trata-se, pelo seu pioneirismo, de obra referencial no campo da psicologia do adolescente.

Sobre essa obra, diz CALLIGARIS (2000, p. 76): “E a obra fundadora dos estudos sobre adolescência. Hall pode ser considerado o criador da adolescência, seu inventor.”

6° MAGRO, Viviane Melo de Mendonça. Meninas do grafitti: educação, adolescência, identidade e gênero nas culturas juvenis contemporâneas. p. 33.

6" cAr_L|GAR|s, op. cri., p. 77.

62 Idem, ibidem.

Referências

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