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Novas peripécias automotivas

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O Estado de São Paulo

Quinta-feira, 25 de janeiro de 1996

Novas peripécias automotivas

MARCELO DE PAIVA ABREU*

Durante o primeiro ano do governo Fernando Henrique as novas medidas automotivas adotadas incluíram o aumento de tarifas de importação, proposta de estabelecimento de cotas de importação e concessões fiscais a montadoras dependentes de seu desempenho em termos de exportação e investimento. O governo, com base em pretensa ameaça à estabilidade do balanço de pagamentos e apesar de reticências do Itamaraty, pretendeu limitar as importações a despeito dos compromissos brasileiros na Organização Mundial de Comércio (OMC). Quando essa intenção foi bloqueada pela reação de outros países integrantes da OMC, a estratégia deixou de ser “deixa que o Itamaraty resolve” e passou a ser “carona no Mercosul”. Abandonou-se, com relutância, a ideia das cotas e insistiu-se no sistema de incentivos a investimentos estrangeiros.

Dado que o Brasil não tinha tal sistema em vigor durante o período em que seria possível legalizá-lo, pensou-se em convencer à OMC de que de fato existia um regime automotivo do Mercosul, que incluiria o regime brasileiro. Essa segunda linha de ação também padecia da fraqueza de subestimar a capacidade de os outros países integrantes da OMC digerirem política que conflitava frontalmente com os acordos que acabavam de entrar em vigor.

Agora, parece haver prevalecido algum bom senso. Decidiu-se que o Brasil solicitará um waiver à OMC com relação aos aspectos da mais recente edição da medida provisória automotiva que violam as regras relativas a incentivos ao investimento direto. O governo estaria envolvido em gestões políticas com os principais parceiros comerciais do País para que concordem com essa postulação. E mais, já teria segurança quanto a uma reação positiva dos EUA, da União Europeia e do Mercosul. É difícil, entretanto, ver os excluídos das benesses do sistema proposto concordando com o waiver brasileiro. Esses excluídos abarcam desde produtores na União Europeia – Peugeot, BMW, Rover – e, em menor medida, nos EUA, até os coreanos e quase todos os japoneses. Que concessões estaria disposto a fazer o Brasil aos parceiros comerciais para assegurar a sua boa vontade na OMC? No caso dos asiáticos parece difícil encontrar base concreta para essa possível contrapartida. Que setores comerciais brasileiros teriam seus interesses prejudicados para beneficiar as montadoras? Essa negociação é do tipo “soma zero”, isto é, o benefício de um setor depende do prejuízo de outro. Que setor será oferecido em sacrifício em Genebra?

Um dos importantes elementos da estratégia de defesa do neoprotecionismo automotivo no seio do governo é estimular a concentração do debate em temas que são de procedimento e não de substância. Isto é, nunca foi respondida decentemente a pergunta; este regime automotivo faz sentido do ponto de vista econômico? O argumento, brandido especialmente pelo Ministério do Planejamento, de que esta é a única forma eficaz de atrair novos investimentos de montadoras é difícil de aceitar. Que montadora responsável acreditaria hoje na estabilidade das regras relativas ao setor automotivo no Brasil? Se chegaram a acreditar no início de 1995, certamente deixaram de fazê-lo com o carnaval de marchas e contramarchas desde então.

As montadoras que operam no Brasil demandam do governo – ou pudicamente se calam quando as mais agressivas demandam – regras de funcionamento típicas do passado, quando o

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investimento direto no País era atraído pelo eldorado de superlucros permitidos pela proteção praticamente absoluta do mercado doméstico. Os tempos são outros, as montadoras já tiveram tarifa proibitiva, proteção absoluta, Befiex. O investimento estrangeiro que interessa ao Brasil é o que é atraído por vantagens comparativas genuínas. O que se requer para atraí-lo é redução do custo Brasil. A impressão que se tem é que o governo tenta compensar as dificuldades de redução do custo Brasil com a adoção de políticas de favorecimento a setores específicos selecionados de acordo com critérios não divulgados publicamente. A síndrome de “mamãe eu também quero” alastra-se para outros setores, como, por exemplo, o de eletrodomésticos, que pleiteia a manutenção das tarifas de importação extremamente altas concedidas na esteira do nervosismo pós-crise mexicana.

Acumulam-se episódios em que o governo abandona seu projeto de desmantelamento das iniquidades mais gritantes na distribuição dos favores do Erário: devolução do Banespa ao Estado, de São Paulo, injeção de recursos públicos em bancos privados, propostas insatisfatórias de reforma da Previdência e do setor público. É razoável admitir que o politicamente possível às vezes é insuficiente do ponto de vista econômico. O problema é que no Brasil, hoje, o politicamente possível está sendo sempre insuficiente para assegurar as condições mínimas para a consolidação da estabilização e a volta ao crescimento sustentado.

Crescem as dúvidas quanto à possibilidade de: obtenção continuada de resultados com a aplicação da estratégia do homem cordial em um quadro político marcado por grande resistência à mudança dentro e fora da coalizão governamental.

* Marcelo de Paiva Abreu é Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

Referências

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