Realização: IES parceiras:
TÍTULO: PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA INDUZIDA POR SUCCINILCOLINA: RELATO DE CASO CATEGORIA: CONCLUÍDO
ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: Medicina
INSTITUIÇÃO: UNIÃO DAS FACULDADES DOS GRANDES LAGOS - UNILAGO
AUTOR(ES): ISABELLA CRISTINA GARCIA PAIXÃO RIBEIRO, GABRIEL NASCIMENTO MACHADO, THEODORO FRANDO FACHINI, GABRIELA VIEIRA DUARTE
ORIENTADOR(ES): LETÍCIA MENEGOSSI
RESUMO
Os bloqueadores neuromusculares são drogas primordiais na prática anestésica, pois facilitam a intubação orotraqueal e promovem boas condições cirúrgicas para diversos procedimentos, porém administração dessas drogas pode levar a alterações cardiovasculares.
A succinilcolina, bloqueador neuromusculares despolarizante, possui semelhança estrutural com a ACh, aumentando tanto o tônus simpático quanto o parassimpático, sendo o responsável pela causa das disritmias cardíacas. As principais arritmias causadas pela administração desta droga são a bradicardia sinusal, ritmo juncional (nodal) e as arritmias ventriculares.
O desencadeamento de bradicardia em cirurgias, tanto em crianças como principalmente em adultos está geralmente associada à administração de altas doses ou subsequentes de succinilcolina. Este relato de caso tem como objetivo apresentar o uso da Succinilcolina associada ao aparecimento de bradicardia, mesmo sem a utilização de doses repetidas ou altas, na qual acarretou a parada cardíaca na paciente.
INTRODUÇÃO
Os bloqueadores neuromusculares, dentre eles a succinilcolina, são drogas de suma importância na prática anestésica, uma vez que facilitam a intubação orotraqueal e promovem boas condições cirúrgicas, entretanto tais drogas podem desencadear alterações cardiovasculares. Dentre as alterações causadas pelo uso dessas drogas estão as disritmias, principalmente a bradicardia sinusal, ritmo juncional (nodal) e as disritmias ventriculares. O desencadeamento de bradicardia em cirurgias, está associada à administração de altas doses ou subsequentes de succinilcolina, podendo acarretar em parada cardiorrespiratória (PCR).
RELATO DE CASO
MLCLR, feminino, 8 anos, hígida, sem comorbidades, 25 kg, admitida em centro cirúrgico para realização de biopsia de medula óssea, uma vez que a paciente é HLA
idêntico de irmão portador de disceratose congênita e apresentou telômero curto em exame realizado.
No pré-operatório, possuía hemograma normal: glóbulos vermelhos de 4,84 10*/µL;
hemoglobina de 13,7 G/DL; hematócrito de 41%; glóbulos brancos de 7,5 10*3/µL;
plaquetas de 243 10*3/µL.
Foi-se optado por realizar anestesia geral balanceada, uma vez que a abordagem para punção seria via posterior e a paciente ficaria em decúbito ventral. A indução anestésica foi realizada inicialmente com Sevoflurano e, após a paciente dormir, fez- se 100 µg de Fentanil e 25 mg de Succinilcolina. Logo após a administração da succinilcolina, a paciente evoluiu com bradicardia importante, seguida de parada cardiorrespiratória (PCR) em assistolia, a qual fora revertida com 0,5 mg de Atropina e massagem cardíaca, tendo uma duração inferior a 30 segundos. Após reversão da PCR, a paciente foi intubada e a anestesia foi mantida com Sevoflurano em torno de 1 CAM para a paciente.
Finalizado o procedimento, a extubação ocorreu sem intercorrências e a paciente acordou consciente e orientada, sem nenhuma sequela evidente
Figura 1: ficha anestésica da paciente – Acervo relato de caso
OBJETIVOS Objetivos gerais
Relato de caso de uma paciente de 8 anos admitida em centro cirúrgico para realização de biopsia de medula óssea, que após administração do bloqueador neuromuscular despolarizante Succinilcolina, a paciente evoluiu com bradicardia importante, seguida de parada cardiorrespiratória (PCR), que após cerca de 30 segundos foi revertida.
Objetivos específicos
Relatar um caso clínico e discutir a fisiologia do bloqueador neuromuscular Succinilcolina, sobre as possíveis arritmias causadas pela droga e por fim os possível diagnósticos da causa da parada cardiorrespiratória.
METODOLOGIA
Estudo descrito do tipo Relato de caso, utilizando-se informações coletadas através do prontuário medico do paciente em questão e de entrevista com seu médico assistente.
DESENVOLVIMENTO:
a. Succinilcolina
Os Bloqueadores neuromusculares (BNMs) são utilizados em anestesia visando anular a transmissão neuromuscular, proporcionando dessa forma relaxamento da musculatura esquelética. Tais drogas dessa classe permitem ao anestesiologista realizar a intubação orotraqueal, também facilitam a ventilação e promovem condições operatórias ótimas. Os BNMs podem ser classificados como despolarizantes (DBNMD), que agem mimetizando a ação da Ach mantendo a despolarização da placa
mioneural por tempo prolongado; e os não despolarizantes, adespolarizantes ou competitivos (DBNMA) que ocupam as subunidades alfa do receptor nicotínico impedindo a ação despolarizante do neurotransmissor. (Uncommon Complication for Commonly Used Drugs: Cardiac Arrest after Administration of Succinylcholine- Mohd et al. Int J Anesthetic Anesthesiol 2018, 5:071).
A Succinilcolina atualmente é único bloqueador neuromuscular despolarizante disponível na prática clínica. Estruturalmente esta droga trata-se de duas moléculas de ACh ligadas entre si, que agem como um agonista do receptor nicotínico. A succinilcolina (SCC) liga-se às duas subunidades alfa do receptor, mimetizando a ACh, resultando então em despolarização da membrana. Essa despolarização resulta rapidamente em contração muscular, observada clinicamente na forma de fasciculações. Posteriormente a despolarização da membrana, o potencial dela deve ser restabelecido antes que uma próxima despolarização possa ocorrer e, até que isso ocorra, o músculo permanece em um estado de relaxamento flácido. (Mathias, J.A., Evans-Prosser, C.D.G.: An investigation into the site of action of suxamethonium on cardiac rhythm, Progress in Anesthesiology, Excerpta Medica Foundation (Amsterdam) 1153, 1970; Schoenstadt, D.A., Witcher, C.E.: Observations on the mechanism of succinylcholine induced cardiac arrhythmias, Anesthesiology 24:358, 1963).
Succinilcolina em dose intravenosa de 1,0-1,5/kg garante bloqueio neuromuscular profundo em 60 segundos, sendo assim mais rápido que qualquer outro bloqueador neuromuscular. Geralmente o bloqueio apresenta resolução espontânea por volta de 10 minutos após a infusão intravenosa. A succinilcolina proporciona um bloqueio de fase I, caracterizado pela ausência de fadiga e de potencialização pós-tetânica à estimulação de nervo periférico. Já o bloqueio de fase II trata-se de um indesejado efeito colateral da succinilcolina que pode ocorrer após grandes ou repetidas doses do bloqueador neuromuscular, onde o bloqueio neuromuscular será prolongado e a estimulação de nervo periférico resulta em fadiga da resposta de quatro estímulos e potenciação pós-tetânica. (Uncommon Complication for Commonly Used Drugs:
Cardiac Arrest after Administration of Succinylcholine- Mohd et al. Int J Anesthetic Anesthesiol 2018, 5:071)
Por via intramuscular a succinilcolina pode ser feita na dose de 3-5mg/kg. Entretanto seu início de ação nesse meio é consideravelmente mais lento do que após administração endovenosa, sendo assim essa via é geralmente utilizada apenas em crianças nas quais não foi possível pelo o acesso venoso. (Uncommon Complication for Commonly Used Drugs: Cardiac Arrest after Administration of Succinylcholine- Mohd et al. Int J Anesthetic Anesthesiol 2018, 5:071).
Tratando-se de sistema cardiovascular a succinilcolina provoca diminuição da frequência cardíaca (FC) na sua fase inicial de ação, podendo ser bastante intensa após repetidas doses, entretanto ela não leva a parada cardíaca definitiva comumente, mas há casos existentes e relatados. Em virtude da ação em receptores muscarínicos no nó sinoatrial do coração, a SCC pode também causar bradicardia e hipotensão arterial, seguida após alguns segundos de taquicardia e hipertensão, que se deve à estimulação ganglionar autonômica. Em crianças pequenas e em recém- nascidos, bradicardia acentuada é frequentemente observada, dessa forma recomenda-se evitar o uso de SCC em crianças menores, pois existem relatos de parada cardíaca súbita e rabdomiólise em pacientes assintomáticos para doenças neuromusculares, ou síndrome de Duchene, ainda não diagnosticadas. (Revista Brasileira de Anestesiologia - Ano 28 - N.0 5 - Set.-Out., 19'11; Bases do Ensino da Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Luiz Marciano Cangiani, Antônio Fernando Carneiro e Rogean Rodrigues Nunes
O uso e a aplicação da succinilcolina pode causar arritmias de origem ventricular ou supraventricular, sendo certas vezes graves. Há também aumento da incidência e da gravidade da bradicardia e das arritmias após doses de repetição, principalmente associada com anestésicos inalatórios. (Bases do Ensino da Anestesiologia / Editores:
Airton Bagatini, Luiz Marciano Cangiani, Antônio Fernando Carneiro e Rogean Rodrigues Nunes).
b. Arritmias
A administração da succinilcolina, bloqueador neuromuscular despolarizante é muito recorrente em diversos procedimentos cirúrgicos. Tanto a succinilcolina como a acetilcolina ativam o receptor de acetilcolina (ACh) dos músculos estriados, consequentemente levando a despolarização da membrana do músculo estriado e ao
fluxo de íons de potássio. Em comparação a acetilcolina, a succinilcolina produz uma despolarização mais longa da membrana muscular. Acompanhado a isso há um rápido deslocamento de íons de potássio para a circulação, consequentemente levando ao aumento da concentração de potássio sérico de 0,2 a 1 mmol/L em pessoas saudáveis. Esse aumento no nível de potássio é mais do que suficiente para causar arritmia em pacientes, principalmente em paciente já comprometidos e com hemodinâmica comprometida, como em casos de extenso sangramento ou em paciente com via aérea comprometida. Um grande sangramento durante a cirurgia causa hipotensão e taquicardia severa, que em associação aos efeitos colaterais da administração tanto da succinilcolina como de outras drogas usadas na cirurgia pode causar arritmia e consequentemente uma parada cardíaca. Em associação a isso, uma perda de sangue severa pode levar a rabdomiólise, a destruição de células, e a liberação de componentes intracelulares como fosfato, potássio e magnésio, que no geral, também contribui com a hipercalemia e as arritmias. O sangramento também pode causar acidose metabólica, principalmente se o volume de sangue perdido não for reposto adequadamente neste paciente, o que pode exacerbar a hipercalemia.
Uma alta hipercalemia em paciente já debilitados como em casos de queimaduras extensas e uremia, pode levar a arritmia e consequentemente a parada cardíaca.
(Uncommon Complication for Commonly Used Drugs: Cardiac Arrest after Administration of Succinylcholine- Mohd et al. Int J Anesthetic Anesthesiol 2018, 5:071)
Em estudo realizado por Lupprian e Churchhill Davidson em 1960, bradicardia, após admissão de repetida dose de succinilcolina, foi encontrada em 88% dos pacientes, e 80% dos pacientes por Mathias e Evans-Prosser em outro estudo, dessa vez em 1970 em Amsterdam. (Mathias, J.A., Evans-Prosser, C.D.G.: An investigation into the site of action of suxamethonium on cardiac rhythm, Progress in Anesthesiology, Excerpta Medica Foundation (Amsterdam) 1153, 1970; Schoenstadt, D.A., Witcher, C.E.:
Observations on the mechanism of succinylcholine induced cardiac arrhythmias, Anesthesiology 24:358, 1963).
Schoenstadt e Witcher, em estudo feito sobre o mecanismo de arritmias causadas pela succinilcolina em 1963 e 1097, consideraram a colina, que é produzida pela hidrólise da succinilcolina, como sensibilizadora do paciente a subsequentes doses
de succinilcolina. Posteriormente a essa sensibilização, as arritmias foram causadas pelas moléculas inalteradas de succinilcolina. (Bases do Ensino da Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Luiz Marciano Cangiani, Antônio Fernando Carneiro e Rogean Rodrigues Nunes).
RESULTADOS
Com a análise do caso da paciente, junto a estudo e pesquisa paralela, conclui-se que a principal hipótese diagnóstica foi o uso da succinilcolina, desencadeando bradicardia e assistolia, já que a parada cardiorrespiratória (PCR) ocorreu logo após administração da mesma.
Vale ressaltar que repetidas doses de succinilcolina podem desencadear arritmias e consequentemente uma parada cardiorrespiratória, entretanto neste caso, não foram usadas doses além do limite para o paciente (dose intravenosa de 1,0-1,5/kg) e sendo usada apenas uma vez, evitando a repetição de doses. A paciente não possuía dosagem de potássio, entretanto, não apresentou alterações na monitorização pelo cardioscópio que pudessem sugerir hipercalemia. Ainda assim, mesmo dentro da forma de administração preconizada da droga e com exames e monitorizações dentro do padrão fisiológico, a paciente evoluiu com bradicardia, assistolia e consequentemente com parada cardiorrespiratória.
Existem relatos de casos e estudos que apontam a possibilidade da succinilcolina causar bradicardia principalmente em crianças, mesmo sendo feita administração com doses recomendadas e com paciente sem qualquer alteração que pudesse desencadear maiores problemas, como arritmias e parada cardiorrespiratória intraoperatória, dessa forma, demonstrando a possibilidade de ocorrer tais complicações ao uso do bloqueador neuromuscular na prática anestésica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados obtidos e da revisão bibliográfica ficou constatado que o uso da Succinilcolina, independente do uso de doses altas, normais e subsequentes, pode
acarretar em parada cardiorrespiratória (PCR) em alguns pacientes, principalmente em crianças.
FONTES CONSULTADAS
Uncommon Complication for Commonly Used Drugs: Cardiac Arrest after Administration of Succinylcholine- Mohd et al. Int J Anesthetic Anesthesiol 2018, 5:071;
Lupprian, K.G., and Churchill-Davidson, H. C.: Effect of suxamethonium on cardiac rhythm, Brit. Med. J. 2:1774, 1960;
Mathias, J.A., Evans-Prosser, C.D.G.: An investigation into the site of action of suxamethonium on cardiac rhythm, Progress in Anesthesiology, Excerpta Medica Foundation (Amsterdam) 1153, 1970;
Schoenstadt, D.A., Witcher, C.E.: Observations on the mechanism of succinylcholine induced cardiac arrhythmias, Anesthesiology 24:358, 1963.
Tutorial de anestesia da semana- Farmacologia dos bloqueadores neuromusculares e anticolinesterasicos;
Revista Brasileira de Anestesiologia - Ano 28 - N.0 5 - Set.-Out., 19'11;
Succinilcolina: 50 Anos de Soberania- Rev Bras Anestesiol 2002; 52: 4: 513 – 516;
Bases do Ensino da Anestesiologia / Editores: Airton Bagatini, Luiz Marciano Cangiani, Antônio Fernando Carneiro e Rogean Rodrigues Nunes
Gronert GA (2001) Cardiac arrest after succinylcholine: Mortality greater with rhabdomyolysis than receptor upreg- ulation. Anesthesiology 94: 523-529.
Wood B, Ismail K. A cardiac arrest following the administration of succinylcholine. Acta Anaesthesiol Belg. 2016;67(2):97-99. PMID: 29444395.
Al-Takrouri H, Martin TW, Mayhew JF. Hyperkalemic cardiac arrest following succinylcholine administration: The use of extracorporeal membrane oxygenation in an emergency situation. J Clin Anesth. 2004 Sep;16(6):449-51. doi:
10.1016/j.jclinane.2003.09.020. PMID: 15567650.
Schulte-Sasse U. Herzstillstand bei Kindern nach intravenöser Injektion von Succinylcholin im HNO-Operationssaal [Heart arrest in children after intravenous injection of succinylcholine in the ENT operating room]. HNO. 1995 Nov;43(11):676-9.
German. PMID: 8530317.