TRABALHO NA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
C arlos H en riq u e B ezerra Leite*
“O problem a fundam ental cm relação aos direitos do hom em , hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problem a não filosófico, m as político” (Norberto Bobbio, A era dos direitos).
Sum ário: 1 Introdução; 2 Dos direitos sociais aos interesses m etaindividuais; 3 T ipo
logia dos interesses metaindividuais; 4 O m oderno sistem a de acesso coletivo à justiça e a ação civil pública trabalhista; 5 A função prom ocional do M inistério Público do T rabalho; 6 A legitim ação do M inistério Público do Trabalho para prom over ação ci
vil pública em defesa dos interesses difusos e Coletivos; 7 A legitim ação do M inisté
rio Público do Trabalho para prom over a ação Civil pública em defesa dos interesses individuais hom ogêneos; 8. A nálise de um caso; 9 Conclusão.
1 IN T R O D U Ç Ã O
O p resen te estudo, que na verdade contém pequenos trechos de dissertação p es
q uisa científica m ais abrangente por nós elaborada no m estrado da Pontifícia U niversidade C atólica de São P au lo ,1 tem po r objetivo central responder à se
guinte indagação: se o art. 129, inciso III, da C onstituição F ederal só alude gram atical
m ente aos interesses difusos e coletivos e se existe um dispositivo específico n a Lei O rgânica do M inistério P úblico da U nião, que prevê a legitim ação do M inistério P úbli
co do T rabalho apenas para defender os interesses coletivos, com o estender tal legiti
m ação aos interesses individuais hom ogêneos?
P ara satisfazer à indagação, procurarem os, inicialm ente, situar os direitos soci
ais no contexto dos direitos fundam entais. E m seguida, buscarem os o p onto de interse
ção entre os direitos sociais e os interesses m etaindividuais e respectiva tipologia. M ais adiante, analisarem os o problem a à luz do m ovim ento universal de acesso à ju stiç a e a flm ção p recípua da ação civil pública nesse m ovim ento. T ratarem os, no tópico seguin
te, da função prom ocional do m inistério público do trabalho n a n o v a ordem constitucional. P rosseguindo, irem os falar da legitim ação do M P T em defesa dos inte-
* P rocurador R egional do Trabalho. M estre em D ireito das Relações Sociais (PUC/SP). D outorando em D ireito das R elações Sociais (PUC/SP). Professor Efetivo de D ireito do Trabalho da UFES. M em bro da A cadem ia N acional de D ireito do Trabalho.
1. LEITE, Carlos H enrique Bezerra. A legitimação do M inistério Público do Trabalho p a ra pro m o ver a ação civil p ública em defesa dos interesses individuais hom ogêneos no direito p rocessual do trabalho brasileiro. D issertação de M estrado da PUC/SP. São Paulo: B iblioteca N adir G ôuvea Kfouri, 2001. A obra será publicada pela Editora LTr e encontra-se no prelo.
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resses difusos e coletivos. P rosseguindo, tratarem os do objeto central da pesquisa, que é a legitim ação m inisterial para a prom oção da defesa dos interesses individuais h o m o gêneos dos trabalhadores. F inalm ente, apresentarem os as principais conclusões lança
das no desenvolvim ento.
2 D O S D IR E IT O S SO C IA IS AO S IN T E R E SSE S M E T A IN D IV ID U A IS
O s direitos ou interesses m etaindividuais, po r serem híbridos, possuem ora sta- tus negativus, ora sta tu s p o sitivu s, rom pendo, assim , com as clássicas dicotom ias di
reito público-direito privado e direito-interesse.
A fundam entalidade dos direitos ou interesses m etaindividuais é reconhecida em atenção à p reocupação dos E stados e da fam ília hum ana com a qualidade de vida, o desenvolvim ento sustentado e integrado da p esso a h um ana e a preservação da n atu re
za. Eis a razão pela qual a tem ática dos direitos fundam entais encontra-se intim am ente ligada à teoria geral d a cidadania. E esta, p o r sua vez, encontra-se um bilicalm ente lig a da à p reservação e ao respeito da dignidade da pessoa hum ana.
N o caso brasileiro, a C onstituição F ederal de 1988, rom pendo com o perfil lib e
ral e individualista das C artas que lhe antecederam , exalta a integração harm ônica das categorias dos direitos hum anos, incluindo os direitos sociais no rol dos direitos e ga
rantias fundam entais, o que veio a ser confirm ado, posteriorm ente, com a ratificação do P acto Internacional dos D ireitos E conôm icos, Sociais e C ulturais.
S urge, assim , ao lado da teoria dos direitos fundam entais, a teoria dos interesses m etaindividuais que deita raízes na cham ada “questão so cial”, fruto da “sociedade de m assa” , n a qual são verificadas inúm eras relações sociais, econôm icas e políticas m ar
cadas pelo desaparecim ento da individualidade do ser hum ano, d iante da padronização dos com portam entos e das regras de condutas correspondentes.
3 T IP O L O G IA D O S IN T E R E S SE S M ETA IN D IV ID U A IS
N o ordenam ento ju rídico brasileiro, os direitos ou interesses m etaindividuais, tam bém cham ados de supra-individuais, transindividuais,2 globais ou novos direitos, constituem gênero cujas espécies são os direitos ou interesses difusos, coletivos e indi
viduais hom ogêneos, cujos conceitos estão previstos no C D C (art. 81, par. único, I, II e III).
O critério analítico, didático e até exauriente adotado pelo legislador ao concei
tuar os interesses (ou direitos) difusos e coletivos, não foi estendido aos interesse individuais hom ogêneos, o que redundou na diversidade de posições n a doutrina e na ju risp ru d ên cia no tocante a esses últim os, residindo aqui os principais obstáculos téc
2. A rigor, transindividuais são apenas os interesses ou direitos difusos e coletivos. Os individuais hom o
gêneos são os velhos direitos subjetivos, ou seja, são individuais m esm o e apenas po r decorrerem de um a origem com um recebem um tratamento processualm ente coletivo com vistas à facilitação do aces
so ao Judiciário.
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nicos e ideológicos que têm im pedido o u dificultado o acesso coletivo dos trabalhado
res à justiça.
Os interesses difusos e coletivos são, m aterial e processualm ente, m etaindivi- duais (ou essencialm ente coletivos); enquanto os individuais hom ogêneos, em razão de serem provenientes de u m a causa com um que atinge u niform em ente os seus titula
res, são apenas p rocessualm ente m etaindividuais (ou acidentalm ente coletivos), pois essa q u alidade lhes é atribuída som ente para f ins de tutela ju d ic ia l coletiva.
N ão apenas as definições de interesses difusos e coletivos, m as, tam bém , a sin
tética definição de interesses individuais hom ogêneos, à m íngua de tratam ento n orm a
tivo específico (e expresso) e p o r não se vislum brar q ualquer incom patibilidade, são perfeitam ente aplicáveis nos dom ínios do direito m aterial e processual do trabalho.
D e tal m odo que a classificação dos interesses m etaindividuais guarda relação com o objeto litigioso. V ale dizer, a identificação desses interesses d epende da causa de pedir e do pedido deduzidos em juízo, p ois um m esm o fato (ou ato) trabalhista pode ensejar u m a pretensão difusa, coletiva ou individual hom ogênea.
4 O M O D E R N O SIS T EM A D E A C E S SO C O L E T IV O À JU ST IÇ A E A A Ç Ã O C IV IL P Ú B L IC A T R A B A L H IS T A
A proteção ju d ic ia l dos direitos ou interesses m etaindividuais, que abrangem os difusos, os coletivos e os individuais hom ogêneos, insere-se no cham ado “m ovim ento universal de acesso à ju stiç a ”.
E sse m ovim ento repudia o form alism o ju ríd ico e preco n iza a inserção de outros com ponentes reais, com o os sujeitos, as instituições e os processos, tudo em sintonia com o contexto social, político, social e econôm ico, o que exige do ju rista e do opera
dor do direito o recurso constante a outras ciências, inclusive a estatística, na m edida em que estas lhe p ossibilitarão um a m elhor reflexão sobre a expansão e a com plexida
de dos novos litígios para, a p artir daí, buscar alternativas de solução dos m esm os.
O p roblem a do acesso à Justiça não foi relegado ao oblívio pelo nosso ordena
m ento a partir da C onstituição F ederal de 1988 que, inovando substancialm ente em re
lação à C arta q ue lhe antecedeu, catalogou os princípios da inafastabilidade do contro
le ju risd ic io n a l e do devido processo legal no rol dos direitos e garantias fundam entais.
São esses p rincípios constitucionais que servem de aporte à tem ática do efetivo acesso, tanto individual quanto coletivo, ao P oder Judiciário brasileiro.
C om efeito, o ortodoxo m odelo liberal-individualista, inspirador do C PC e da parte do processo individual da C L T (Título X , C apítulo III), m ostra-se, portanto, ab
solutam ente inválido, insuficiente, inadequado e ineficaz para solucionar os novos conflitos civis e trabalhistas de m assa.
D aí o surgim ento do processo coletivo, tam bém cham ado de “ju risd iç ão civil coletiva” , que, diferentem ente do processo individual regulado pelo CPC, passou a ser disciplinado, basicam ente, pelo sistem a integrado de norm as contidas na CF, na LA C P, no C D C e, subsidiariam ente, no CPC.
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D o m esm o m odo, a “jurisdição trabalhista” , com a prom ulgação da CF (1988), do C D C (1990) e, m ais tarde, da L O M PU (1993), passou a ser constituída de três siste
m as (ou subsistem as):
a) o prim eiro é destinado aos tradicionais “ dissídios individuais” utilizados p ara solução das reclam ações (rectius, ações) individuais ou plúrim as, sendo seu p ro cessam ento regulado pelo Título X, C apítulo III, da C LT e, subsidiariam ente, pelo CPC, a teor do art. 769 do texto obreiro consolidado;
b) o segundo é voltado para os dissídios coletivos de interesses, nos quais se busca, via Poder N orm ativo (CF, art. 114, § 2o), a criação de norm as trabalhistas ap li
cáveis às partes figurantes do “dissídio coletivo” e seus representados, sendo seu p ro cessam ento regulado pelo Título X , C apítulo IV, da C L T e, subsidiariam ente, o CPC, p o r fo rça da reg ra contida no m encionado art. 769 do texto obreiro;
c) o terceiro e últim o sistem a, po r nós cham ado de “jurisdição trabalhista m e- taindividual”, é vocacionado, basicam ente, à tutela preventiva e reparatória dos direi
tos ou interesses difusos, coletivos e individuais hom ogêneos, no cam po das relações de trabalho.
P ara tornar efetiva a garantia constitucional do acesso dos trabalhadores a essa nova ju risd içã o trabalhista m etaindividual é condição necessária a aplicação aprio- rística do novo sistem a de tutela coletiva integrado pela aplicação direta das norm as contidas n a CF, L O M PU , LA C P e pelo Título III do CDC.
A ju risd iç ão trabalhista m etaindividual inverte, assim , a regra tradicional do art. 769 da CLT. Esta, n ão obstante, continua válida para a im plem entação dos dois p ri
m eiros sistem as m encionados.
D ada a com petência da Justiça do T rabalho para conhecer e ju lg a r a ação civil pública, ex vi do disposto no art. 83, III, da LO M PU , im plica reconhecer que, à m íngua de legislação especial disciplinadora, as disposições contidas na LA C P e na parte p ro cessual do C D C são inteiram ente aplicáveis a este tipo de ação coletiva nos dom ínios do direito pro cessu al do trabalho.
P aralelam ente à m assificação dos m eios de produção e de distribuição, nos quais o trabalho hum ano avulta im prescindível, m ultiplicaram -se não só os direitos so
ciais dos trabalhadores, m as, tam bém , os problem as sócio-econôm icos do m undo do trabalho, com o o desem prego em todas as suas m anifestações; a exclusão social; a d is
p ensa m assiva de trabalhadores dos respectivos em pregos; o aviltam ento dos salários;
o descum prim ento generalizado da legislação trabalhista; o crescim ento do trabalho inform al; a flexibilização in p e ju s (ou desregualm entação); a autom ação; a terceiriza
ção; as discrim inações de toda ordem , p o r m otivo de idade, de opção sexual, de estado civil, de raça; a exploração do trabalho infanto-juvenil; o descuido reiterado com o m eio am biente de trabalho, etc.
D iante desses inúm eros problem as, o trabalhador isolado apresenta-se fragili
zado para vindicar efetivam ente seus direitos sociais, m esm o porque no B rasil não há um sistem a adequado de proteção da relação de em prego contra dispensas arbitrária ou sem ju sta causa.
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Isso ju stific a o fundado receio do trabalhador de que o ajuizam ento de um a de
m anda individual, durante a vigência do contrato de trabalho, im plica, via de regra, a perda do em prego.
5 A F U N Ç Ã O P R O M O C IO N A L D O M IN IS T ÉR IO P Ú B L IC O D O T R A B A L H O É, pois, sob o influxo dessa realidade social, econôm ica, p o lítica e ju ríd ic a que há de ser exam inada a questão da legitim idade ativa do M inistério P ublico do T rabalho na tem ática da defesa dos interesses m etaindividuais trabalhistas.
A bem ver, se a atuação do M inistério P úblico do T rabalho com o custos legis teve seu apogeu n a concepção liberal-individualista que influenciou a form ação histó
rica do direito positivo brasileiro, pode-se dizer que, com a prom ulgação da C onstitui
ção F ederal de 1988, instituidora do E stado Social, a atuação com o órgão agente passa a ser a sua função institucional m ais im portante para que ele p o ssa p ro m o v e r a defesa dos referidos interesses.
A previsão da A C P na seção constitucional reservada ao M inistério Público, aliada à função p rom ocional que lhe foi com etida, e b em assim à independência insti
tucional e ao p resum ido preparo técnico dos seus m em bros, estão a revelar a “ sua m e
lhor p osição p ara o ajuizam ento dessa ação.”
Isso não im pede, contudo, que outros órgãos e instituições, legalm ente autori
zados, tam bém p o ssam ajuizar a ação coletiva, um a vez que a legitim ação n a tem ática dos interesses m etaindividuais é concorrente e disjuntiva.
6 A L E G IT IM A Ç Ã O D O M IN IS T É R IO P Ú B L IC O D O T R A B A L H O PA R A P R O M O V E R A Ç Ã O C IV IL P Ú B L IC A EM D E F E S A D O S IN T E R E S S E S D IF U SO S E C O LETIV O S
N ão o bstante a literalidade do art. 83, III, da LO M PU , afígura-se-nos que os m étodos de interpretação extensiva, sistem ática e teleológica, som ados aos aspectos axiológicos decorrentes dos problem as políticos, sociais e econôm icos já m en cio n a
dos, autorizam dizer que o M inistério P úblico do T rabalho detém legitim ação ativa para prom over A C P trabalhista que tenha po r objeto a defesa tanto dos interesses ou di
reitos difusos quanto dos coletivos.
E ssa legitim ação autônom a para condução do processo encontra p erm issão no sistem a integrado pelas norm as prescritas na CF (art. 129, III), na L A C P , no CD C (arts. 81 usque 90; 103 e 104) e na L O M PU (arts. 83, III, e 84 c.c. 6o, V II, d).
P or considerarm os a legitim ação autônom a para a condução do processo um tercium gem is, afígura-se-nos m elhor não rotulá-la de “ ordinária” ou “ extraordinária” , pois isso desaguaria, a nosso sentir, no equívoco com etido pelos que insistem em ex
p licar essa n ova m odalidade de legitim ação a d causam p o r m eio do sistem a liberal-in
dividualista do C P C brasileiro, inaplicável, com o vim os, ao sistem a de proteção aos di
reitos difusos e coletivos.
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7 A L E G IT IM A Ç Ã O D O M IN IS T ÉR IO P Ú B L IC O D O T R A B A L H O PA R A P R O M O V E R A A Ç Ã O C IV IL P Ú B L IC A EM D E FE S A D O S IN T E R E SSE S IN D IV ID U A IS H O M O G Ê N E O S
C om relação à ação civil pública para defesa dos interesses individuais h o m o gêneos, o legislador brasileiro foi encontrar inspiração nas class actions f o r dam ages do direito norte-am ericano.
E ntre os objetivos básicos desse instrum ento paradigm a, destacam -se:
a) p erm itir a aglutinação de diversos litígios individuais num a única de
m anda;
b) am enizar algum as das barreiras psicológicas e técnicas que im pedem ou d ificultam o acesso ju d ic ia l individual da parte fraca;
c) desestim ular condutas sociais indesejáveis.
L evando em conta tais objetivos, que se identificam no contexto social, econô
m ico, político e ju ríd ic o nacional, nosso legislador, adaptando o sistem a de com m on law ao sistem a de civil law , conferiu a legitim ação ativa nas ações coletivas destinadas à defesa de interesses ou direitos individuais hom ogêneos, não aos indivíduos, m as a algum as instituições, entre elas o M inistério Público.
Tendo em vista que os arts. 129, III, da CF e 83, III, da L O M PU não m encio
nam , expressam ente, os interesses individuais hom ogêneos, há três teorias que p ro cu ram ju stific a r a legitim ação a d causam do M inistério P úblico do Trabalho: a restritiva, a eclética e a am pliativa.
A teoria restritiva u tiliza apenas a interpretação gram atical dos artigos citados e sustenta, em linhas gerais, a inconstitucionalidade dos m esm os.
A eclética em prega a interpretação sistem ática dos artigos 129, III, e 127, da C F, e adm ite condicionalm ente a legitim ação do M P, isto é, apenas p ara d efender in te
resses individuais hom ogêneos indisponíveis ou que tenham relevância social.
F inalm ente, a teoria am pliativa, com a qual concordam os, vale-se da interpreta
ção sistem ática, extensiva e teleológica, na m edida em que invoca os arts. 129, IX, e 127 da CF, com binados com o art. 1o do CDC. E ssas norm as aplicadas de form a in te
grada, autorizam a ilação de que a defesa de qualquer interesse individual hom ogêneo constitui m atéria de ordem pública e de interesse social, cuja defesa se am olda ao perfil institucional do M inistério Público.
U m quadro sinóptico facilita a com preensão da legitim ação do M inistério P ú blico do T rabalho em tem a de interesses ou direitos individuais:
Interesses ou Direitos Legitimação do M PT
Individuais não-homogêneos disponíveis ou “interesses in
dividuais puros”
Não detém legitimação ad causam
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Individuais não-homogêneos indisponíveis
Legitimação ativa permitida em alguns casos expressamente previstos em lei.
Individuais homogêneos dis
poníveis
Legitimação ativa permitida, pois os interesses individuais ho
mogêneos dos trabalhadores são direitos sociais (CF, arts. 129, III e 127 capuf. LOMPU, art. 83, III, 6°, VII, d; LACP, arts. 5o
e 21: CDC, arts. 81, par. único, III, 8 2 ,1, 91 e 92) Individuais homogêneos in
disponíveis
Legitimação ativa permitida incondicionalmente (CF, art. 129, III, 127, caput; LOMPU, art. 83, III, 6°, VII, d; LACP, arts. 5°
e 21; CDC, arts. 81, par. único, III, 8 2 ,1, 91 e 92)
8 A N Á L IS E D E U M CA SO
P ara dem onstrar os equívocos, data m axim a venia, que têm sido observados no âm bito do Judiciário T rabalhista a respeito da legitim ação do M inistério P úblico do T rabalho para defender interesses individuais hom ogêneos, trazem os à coleção o se
guinte julgado:
“A Ç Ã O C IV IL PÚ B LIC A . D IR EITO S IN D IV ID U A IS H O M O G Ê N E O S. IL E G IT IM ID A D E D O M IN IS T ÉR IO PÚ B L IC O D O T R A B A L H O . N ão se v erifica a legitim idade do M inistério P úblico do T rabalho p ara propor ação civil pública, objetivando o reconhecim ento de despedida sem ju s ta causa de em pregados e conseqüentes, ainda que decorrente de u m m esm o fato. N ão se está diante de direito não individualizável ou não divisível, m enos ainda indis
ponível, pois se discute apenas as conseqüências da participação em greve, ain
da m ais considerada abusiva. N o conceito de direitos individuais hom ogêneos não se d eve d eixar im pressionar-se pelo núm ero dos interessados, m as sim pela natureza m etaindividual do direito. R ecurso de revista conhecido e d esprovido”
(T S T -R R 596135/1999, Ac. 2a T, R el. M in. V antuil A bdala, D J 16.03.2001).
P ercebe-se, claram ente, que o v. acórdão trata de um recurso de rev ista em er
gente de um a ação civil p ú b lic a prom ovida pelo M inistério P úblico do T rabalho em defesa de interesses individuais hom ogêneos de em pregados que foram despedidos em m assa p o r terem p articipado em greve considerada abusiva.
O ju lg a d o reconhece acertadam ente que se cuida de interesses individuais h o m ogêneos, porque “ decorrentes de um m esm o fato” (ato patronal de despedida em m assa de trabalhadores que participaram de greve), m as equivoca-se ao m encionar que, por não se estar “ diante de direito não individualizável ou não divisível, m enos ainda indisponível” , o M inistério P úblico do T rabalho carece de legitim idade ad causam para defendê-los.
V ê-se, claram ente, que o v. acórdão se afina com a teoria restritiva, razão pela qual, com o já apontado, não analisa a questão da legitim ação sob o enfoque:
a) da democratização do acesso do cidadão-trabalhador ao Judiciário Trabalhista co
m o d ireito fu n d am en tal;
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b ) da n atureza m etaindividual da tutela dos interesses individuais h o m o gêneos que, com o j á dem onstrado, são m aterialm ente individuais m as p ro ce s
sualm ente coletivos.
A rigor, o decisório sob exam e aflora-se em desarm onia com o sistem a integra
do de acesso à Justiça do Trabalho, im pedindo, assim , o exercício p leno da “ju risd ição trabalhista m etain d iv id u al”, com evidentes reflexos negativos e prejuízos para os tra
balhadores e p ara a sociedade com o um todo.
C om efeito, a extinção do processo p o r ilegitim idade do M inistério P úblico do T rabalho im plicará o ajuizam ento de inúm eras ações individuais, o que resultará, à evidência, no aum ento do volum e de processos no Judiciário T rabalhista3 com todas as conseqüências nefastas que disso resulta para o trabalhador, m áxim e se consideram os a possib ilid ad e de inúm eras sentenças díspares a respeito do m esm o fato.
A lém disso, o custo operacional e financeiro de cada processo redundará em m aiores despesas p ara o próprio Judiciário T rabalhista e, em últim a análise, p ara a so
ciedade que, com o é sabido, arcará com a conta final da necessidade de aum ento do n ú m ero de ju íz es, servidores, im óveis, equipam entos etc.
A C o rte p o d eria até ju lg a r im procedente o p edido, caso tivesse entendido que a p articipação dos trabalhadores em greve declarada abusiva constituiria ju sta causa para a dispensa. M as aí tratar-se-ia não m ais de condição da ação (legitim idade ativa), e sim do m eritum causae.
9 C O N C L U SÃ O
C om o síntese dos principais pontos abordados neste singelo trabalho, apresen
tam os as conclusões que se seguem .
Os direitos sociais e a respectiva proteção ju d ic ia l dos trabalhadores integram o elenco dos direitos fundam entais de segunda ou de terceira dim ensão, estando, desse m odo, com preendidos no m oderno conceito de cidadania e esta, p o r sua vez, guarda estreita relação com o p roblem a do direito ao acesso - individual e coletivo - dos traba
lhadores ao P o d er Judiciário.
D esse m odo, as questões atinentes à legitim ação m inisterial p ara defender inte
resses individuais hom ogêneos trabalhistas encontram -se indissoluvelm ente ligadas à tem ática da dignidade da p esso a hum ana e do valor social do trabalho, isto é, a ques
tões que d ecorrem da p rincipiologia que fundam enta o próprio E stado dem ocrático de direito brasileiro, cuja guarda foi confiada ao M inistério P úblico, com o um todo, e ao M inistério P úblico do T rabalho, em particular, pois este, no exercício específico da sua função p rom ocional, tem a m issão institucional e perm anente de zelar p ela defesa o r
dem ju ríd ic a trabalhista e dos direitos ou interesses sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores (CF, art. 127, caput).
3. Segundo o próprio TST, cerca de 2 m ilhões de dem andas são ajuizadas anualm ente na JT.
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A defesa, pois, dos direitos ou interesses individuais hom ogêneos dos trabalha
dores enquadra-se perfeitam ente na m oldura do art. 127 ca p u t da CF, seja porque são interesses ou direitos sociais,,seja porque são, via de regra, individuais indisponíveis (C LT, arts. 9o, 444 e 468).
R espondendo à pergunta central deste trabalho, é possível dizer que nos do m í
nios do direito processual do trabalho, tanto do ponto de vista da teoria am pliativa quanto do p onto de vista de teoria eclética, o M inistério P ublico do T rabalho estará sem pre legitim ado para defender, po r via da ação civil pública, os interesses individu
ais hom ogêneos dos trabalhadores, ainda que estes sejam m aterialm ente disponíveis.
A final, vivem os a era dos direitos, com o diz Bobbio. M as de n ad a adianta p ro clam á-los, sem , no entanto, garanti-los.
É preciso, pois, que se instaure entre nós um a nova m entalidade entre os culto
res do direito m aterial e processual do trabalho, de m odo a que os direitos o u interesses individuais hom ogêneos deixem de ser m era aspiração do cidadão-trabalhador e se tor
nem garantia efetiva de acesso à Justiça.
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