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Há erro no cálculo da tarifa?

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68 • Brasil Energia, nº 349, dezembro 2009

Jerson Kelman

Até 2001, as distribuidoras de energia elétrica arcavam com as diferenças, para mais ou para me- nos, entre os itens de despesas – os preços e as quantidades – previs- tos nas revisões e reajustes anuais das tarifas para os 12 meses subse- quentes, e os correspondentes va- lores observados ao final desses 12 meses. Pouco antes do fim do ra- cionamento, em 2001, o governo e as distribuidoras chegaram à con- clusão de que as concessionárias não deveriam ter lucro ou preju- ízo quando exercessem o papel de simples arrecadadoras de receitas para pagamento de despesas não gerenciáveis. Era o caso da com- pra de energia de Itaipu, que flu- tuava com a variação do dólar, dos encargos para manutenção da rede básica e dos encargos que permi- tem os subsídios cruzados entre os consumidores. Ou seja, a inclusão desses itens de despesa na “con- ta de luz” deveria ser economica- mente neutra para as distribuido- ras. Para isso, seria necessário re- alizar correções ex-post dos ines- capáveis erros de previsão. Afi- nal, nem as concessionárias nem a Aneel têm bola de cristal para pre- ver exatamente o que vai ocorrer no futuro.

Com esse entendimento, os mi- nistérios de Minas e Energia e da Fazenda lançaram a Portaria Inter- ministerial MME/MF 025/2002,

estabelecendo um componente financeiro, positivo ou negativo, chamado de CVA (Conta de Com- pensação de Variação de Valores de Itens da parcela A), a ser calcu- lado na data do aniversário de ca- da distribuidora, olhando-se pelo retrovisor para os 12 meses ante-

riores. Esse componente financei- ro, por sua vez, deve ser incluído no cálculo da receita requerida e da tarifa olhando-se para a fren- te, para os próximos 12 meses. A portaria determina que a quantifi- cação da CVA seja feita através da comparação entre o fluxo de paga- mentos previsto no aniversário an- terior e o fluxo de pagamentos efe- tivamente realizado ao longo dos últimos 12 meses.

Com a edição da Lei 10.848, em 2004, as distribuidoras foram submetidas a regras estritas com relação à compra de energia. Sig- nificou perda de liberdade de con-

tratação, que passou a ser feita em leilões organizados pela Ane- el. Por outro lado, resultou no di- reito à neutralidade no repasse dos correspondentes custos. Coeren- temente, a portaria foi reeditada para incluir na CVA os custos re- lacionados à compra de energia.

Dessa maneira, o cálculo tarifário aproximou-se da neutralidade no que diz respeito às despesas não gerenciáveis, mas não alcançou a plena neutralidade.

Os contratos de concessão fo- ram assinados nos anos 1990, após aprovação do TCU. Na época não se cogitava neutralidade para ne- nhuma despesa da concessioná- ria. Pelo contrário: a distribuidora deveria arcar com todos os riscos, inclusive os relativos à variação de quantidade de energia vendida aos consumidores. Nas equações para cálculo do reajuste registradas nos contratos está implícita, embora não enunciada, uma segunda pre- visão: a de que a venda de energia nos próximos 12 meses será igual à dos últimos 12 meses. Como já dito, no entendimento da época, qualquer variação, para mais ou para menos, seria absorvida pela distribuidora. Portanto, não faria sentido falar em erro de previsão.

Tendo, porém, em vista a mu- dança conceitual que ocorreu a partir de 2002, quando se pas- sou a perseguir a neutralidade de

Há erro no cálculo da tarifa?

Com a edição da Lei 10.848, em 2004, as distribuidoras foram

submetidas a regras estritas com relação à

compra de energia

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Brasil Energia, nº 349, dezembro 2009 • 69 itens de custo não gerenciável que

compõem a parcela A, teria sido desejável modificar a metodolo- gia para corrigir ex-post o ines- capável erro de previsão quanto à quantidade de energia a ser ven- dida nos próximos 12 meses. Me- lhor ainda: seria desejável corrigir ex-post a diferença entre o fluxo de receitas previsto no aniversário do ano anterior – que por sua vez é proporcional à previsão da ven- da de energia – e o fluxo de recei- tas efetivamente realizado para pa- gamento da parcela A, consideran- do, inclusive, a inadimplência.

A esse erro de previsão, ne- cessariamente colocado entre as- pas porque se trata de uma op- ção metodológica, alguns mem- bros da CPI da Conta de Luz, se- guidos pela imprensa, passaram a chamar de erro de cálculo, o que não procede. Se houvesse erro de cálculo as concessionárias que ti- veram receitas observadas nos úl- timos anos superiores às receitas previstas para custeio dos itens da parcela A deveriam devolver os valores cobrados a mais para os consumidores ou para os fundos que gerenciam os recursos deri- vados de encargos (CCC, CDE, Proinfa). Por outro lado, as con- cessionárias e os fundos deveriam receber dos consumidores os va- lores cobrados a menos.

Entretanto, repito que não houve erro de cálculo, e essas de- voluções ou cobranças retroativas não podem ser impostas pela Ane- el. Proceder de forma diferente significaria quebra de contratos, com consequente elevação do ris- co regulatório. Em médio prazo os consumidores sentiriam em seus bolsos o efeito desse retrocesso: ao contrário do que tem sido aprego- ado, as tarifas ficariam mais altas, e não mais baixas.

Como, felizmente, o Brasil tem apresentado crescimento sustentá- vel, o que faz com que os erros de previsão de receita tendam a bene- ficiar as distribuidoras, a Aneel co- gitou, ainda em 2007, que se fizesse um aditivo contratual para alcan- çar a neutralidade total da parcela A, naturalmente para vigorar a par- tir da data da assinatura. Lamenta- velmente, no entanto, as sondagens realizadas pela direção da agência com as distribuidoras, representa- das pela Abradee, revelaram que a ideia enfrentava resistências.

Como alternativa, e tendo em vista que o prosseguimento da ne- gociação com as distribuidoras se afigurava como um processo lon- go e com pequena probabilidade

de sucesso, a Aneel enviou ao Mi- nistério de Minas e Energia, em outubro de 2008, uma proposta de modificação do texto da porta- ria. Em síntese, a proposta substi- tuía o conceito de “fluxo observa- do de pagamentos” pelo de “fluxo observado de receitas”.

Há quem sugira que a Aneel poderia, por sua conta e risco, fa- zer essa substituição. Essa alega- ção, porém, não é correta, porque, conforme sustentado pela Procu- radoria Federal, significaria vio- lação da regra expressamente es- tabelecida no art. 2º da portaria, que trata da apuração do saldo da

CVA. Explico melhor: a portaria, como atualmente redigida, mate- rializa uma exceção à lei do Real, na medida em que autoriza a con- sideração, no cálculo tarifário, da variação de preços em intervalo inferior a 12 meses. Mas não au- toriza a consideração da variação de receitas (tarifas vezes quantida- des). A Aneel propôs nova redação exatamente para que fosse possível fazer essa consideração.

Segundo a cobertura jornalística de uma audiência pública da CPI da Conta de Luz, os dirigentes de distribuidoras teriam manifestado a disposição de aderir à modifica- ção da metodologia de cálculo que a Aneel havia cogitado ainda em 2007. Essa atitude, se confirmada, muda por completo o quadro. Ha- vendo concordância das distribui- doras, seria preferível aprovar um termo aditivo ao contrato de con- cessão, em lugar de insistir no pe- dido de uma nova edição da porta- ria. É o caminho que a Aneel cor- retamente decidiu trilhar logo após a referida audiência.

Para as distribuidoras que ma- nifestarem a intenção de aplicar de modo retroativo a modifica- ção metodológica materializada em aditivo ao contrato de conces- são, possivelmente para reforçar a imagem entre seus consumidores, a Aneel deveria calcular o descon- to a ser aplicado voluntariamen- te nas faturas futuras. Não have- ria nenhuma dificuldade na ope- racionalização dessa suposta com- pensação porque as distribuidoras sempre podem cobrar menos (não mais) em relação ao limite supe- rior estipulado pela agência. Toda- via, o custo da “compensação” de- veria recair sobre os acionistas, pa- ra que não houvesse nenhum im- pacto na qualidade da prestação do serviço.

Não houve erro de cálculo, e essas

devoluções ou cobranças retroativas

não podem ser

impostas pela Aneel

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