A DITADURA MILITAR (1964-1985) NA ÓPTICA DE FILMES DA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA
ICamila Cardoso da Silva
IILeonete Luzia Schmidt
IIIResumo: O presente artigo tem como objetivo conhecer de que maneira filmes do cinema nacional relataram movimentos de resistência e repressão vividos durante o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), haja vista que este foi cenário de muitos filmes nacionais. Para dar conta desse objetivo foi necessário: Identificar nos filmes selecionados imagens, falas e cenários que indicam resistência e repressão; Classificar as imagens, falas e cenários quanto aos objetos (resistência ou repressão); Verificar as imagens, falas e cenários quanto ao lugar e tempo que aparecem no filme; Refletir sobre as imagens, falas e cenários a partir dos referenciais teóricos selecionados. Trata-se de uma pesquisa histórica documental, cujos documentos base foram três filmes: Pra Frente, Brasil (1982), O que é isso, Companheiro?
(1997) e Batismo de sangue (2007). Ambos retratam os chamados “Anos de Chumbo” (1968- 1974), assim denominados por ser um período marcado pela violência, perseguição e morte de pessoas contrárias aos militares. A partir da análise de falas, cenas e cenários dos filmes selecionados foi possível perceber que a resistência e a repressão ali representadas podem ser tomadas como denúncia de um tempo e realidade sombria vivida no país, principalmente para a democracia e a liberdade individual.
Palavras-chave: Cinema Nacional. Ditadura Militar. Resistência. Repressão.
INTRODUÇÃO
A Ditadura Militar brasileira, em específico os Anos de Chumbo, período que cobre os anos de 1968 a 1974, foi o momento que marcou a história do país pela forte perseguição, desaparecimento e morte de militantes que lutavam contra as imposições do governo central.
Ou seja, forte repressão e resistência são marcas na memória do país, principalmente daqueles que viveram e sentiram na pele os horrores daqueles anos.
A preservação da história pode contribuir para manter viva a memória e evitar, por exemplo, que um novo “AI-5”
IVseja instaurado tendo novamente como consequência tortura e mortes. Dentre as formas de expressão artística o cinema é a que se destaca em materializar a
I Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em História da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 2020.
II Acadêmica do curso História da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. E-mail:
camilacardoso767@gmail.com
III Professora Orientadora. Doutora em Educação pela PUC/SP, Professora Titular na Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. E-mail: leonetes@gmail.com
IV O Ato Institucional Nº 5, de 13 de dezembro de 1968, foi um dos amparos legais usados pela Ditadura Militar para legitimar a repressão e uso da violência contra os movimentos de oposição.
visão do seu idealizador sobre uma realidade, e dessa maneira um filme pode contribuir como um registro de preservação da memória de um contexto histórico. A partir da frase de autoria da historiadora Emília Viotti da Costa: “Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”, provoca a perceber a importância da construção de uma memória histórica.
Para isso, é importante revisitar obras que remetem a este período para melhor compreendê-lo e não o repetir. Considerando este entendimento realizou-se uma pesquisa em filmes que retratam o período da Ditadura Militar, especificamente, os chamados “Anos de Chumbo”, durante o qual o governo de Emílio Garrastuzu Médici (1969-1974) exerceu sua tirania a luz do AI-5 — Ato Institucional Nº 5.
Sendo este um dos pilares para a institucionalização da violência na Ditadura Militar.
Entre as medidas nele contidas está a suspensão do habeas corpus, suspensão dos direitos políticos e garantia de um poder tirânico ao presidente da república.
O cenário histórico foi a base para contar histórias de resistência e repressão através do cinema. Com os últimos suspiros da Ditadura Militar e posteriormente com o cinema de retomada nos anos de 1990, muitos filmes e documentários retratando o regime ditatorial foram produzidos. Para efeito da pesquisa que resultou no presente artigo foram selecionados três filmes que remontam a história do país. Entre eles: “Pra Frente, Brasil” (1982) com direção e roteiro de Roberto Farias, “O que é isso, Companheiro?” (1997) com direção de Bruno Barreto e roteiro de Leopoldo Serran e Fernando Gabeira e “Batismo de Sangue” (2007) com direção de Helvécio Ratton e roteiro de Helvécio Ratton e Dani Patarra.
Para o historiador Marc Ferro (1992, p. 85), “Não é suficiente constatar que o cinema fascina e inquieta: os poderes públicos e privado pressentem também que ele pode ter um efeito corrosivo e que, mesmo controlado, um filme testemunha”. A partir desse entendimento é possível refletir que um filme desempenha um papel de testemunha, e como tal, para a história, tem o papel de fonte que deve ser estudada e analisada. O filme tem a característica de mostrar tanto o período que é retratado quanto a intensão do momento que ele é desenvolvido, dessa maneira essas duas intenções ligam passado e o presente. Nesse sentido história-cinema, Nóvoa (1995) pontua que:
Quando o historiador passou a observar o filme, para além de fonte de prazer estético e de divertimento, rapidamente ele o percebeu como agente transformador da história e como registro histórico. Neste momento, tornou-se inevitável a cunhagem do binômio cinema-história. Esta busca traduzir a importância que a relação cinema- história adquiriu ao longo do século XX, mas é muito breve para dar conta dos problemas teóricos e epistemológicos que a relação impõe. É possível afirmar que, desde que a história foi fundada por Heródoto e Cia., nunca nenhum elemento ou
agente histórico foi tão importante a ponto de ter a sua designação associada à palavra história. Nenhum documento se impôs tanto, de tal modo a fazer jus a uma elaboração teórica, como ocorreu com o filme.
Assim, infere-se que os filmes nacionais sobre o período dos Anos de Chumbo têm um papel fundamental de denúncia da violência e anúncio das liberdades democráticas.
Considerando esse entendimento e que a Ditadura Militar brasileira foi um fato de extremo impacto para a liberdade e a democracia, destaca-se a seguinte questão problema: De que maneira os filmes nacionais sobre o período militar (1964-1985), em específico os Anos de Chumbo (1968-1974), conseguiram relatar movimentos de resistência e repressão deste regime?
O presente trabalho tem como objetivo geral: Conhecer de que maneira os filmes do cinema nacional sobre o período militar (1964-1985) relataram movimentos de resistência e repressão desse regime.
Para dar conta desse objetivo foi necessário: Identificar nos filmes selecionados imagens, falas e cenários que indicam resistência e repressão; Classificar as imagens, falas e cenários quanto aos objetos (resistência ou repressão); Verificar as imagens, falas e cenários quanto ao lugar e tempo que aparecem no filme; Refletir sobre as imagens, falas e cenários a partir dos referenciais teóricos selecionados.
A pesquisa para Mauri Heerdt e Vilson Leonel (2007, p. 61) é: “[...] um processo de investigação que se interessa em descobrir as relações existentes entre os aspectos que envolvem os fatos, fenômenos, situações ou coisas”, no caso do presente artigo A Ditadura Militar (1964-1985) na óptica de filmes da cinematografia brasileira. Trata-se de uma pesquisa histórica documental, cujo documento base de análise será o filme. Pois, Rodrigo de Moura e Cunha (2006, p. 75-76) aponta que:
Um filme diz tanto quanto for questionado, sendo infinitas as possibilidades de leitura de cada filme. Assim, o cinema como fonte de conhecimento histórico, expressa seu valor documental, sobretudo, ao manifestar sua capacidade de atingir “zonas ideológicas não-visíveis” da sociedade. Um filme vai sempre além de seu conteúdo, escapando mesmo a quem faz a filmagem.
Os documentos analisados foram filmes que tem como tema a Ditadura Militar (1964-
1984) mas com recorte os “Anos de Chumbo”. Foram selecionados três filmes: “Pra frente,
Brasil” de 1982 que foi realizado nos últimos suspiros da Ditadura Militar. Os outros filmes
foram idealizados no período de retomada do cinema nacional nos anos 1990 o que trouxe
novamente a temática com: “O que é isso, Companheiro?” de 1997 e “Batismo de sangue” de
2007.
A escolha destes filmes se deu inicialmente por se tratar do mesmo contexto histórico, as narrativas dos filmes conversam entre si mostrando o momento da alta perseguição, tortura e a resistência em diferentes setores da sociedade brasileira, a classe média, jovem, estudantil e os religiosos que se opuseram ao governo. É de relevância destacar que além do contexto histórico esses filmes são marcos para a cinematografia brasileira, quase todos foram reconhecidos em festivais de cinema, tanto nacionalmente quanto internacionalmente. E todos os filmes são encontrados facilmente na internet.
Para a análise dos filmes foram realizadas leituras de bibliografias que tratam do tema, entre elas está a obra do jornalista Elio Gaspari acompanhada de artigos sobre o tema encontrado na internet e em sites de periódicos. Outra fonte fundamental foi o site Memórias da Ditadura
Vdescrito como “O maior acervo online sobre a história da ditadura no Brasil”.
O resultado desse processo de estudos teóricos referente ao tema, levantamento, organização e análise dos dados coletados resultaram no artigo que foi organizado nos seguintes itens: Contexto da Ditadura Militar e O que revelam os filmes, este último subdividido em vários itens.
CONTEXTO DA DITADURA MILITAR
O processo de instauração de ditaduras foi um período histórico que ocorreu durante o século XX em quase toda América Latina. O contexto mundial se estendia em uma crescente desordem política e econômica, que, por consequências do fim da Segunda Guerra Mundial o mundo encontrava-se dividido em uma bipolarização econômica, tecnológica e social entre países socialistas e capitalistas chamado de Guerra Fria. Por estratégias e interesses políticos e econômicos o Brasil se manteve ao lado do bloco capitalista.
É nesse contexto em que ocorreu importantes passos que culminaria no Golpe Militar de 1964, que colocaria fim em uma república eleita democraticamente. O pico da tensão interna iniciou com a posse
VIde João Goulart, como presidente da república, em 1961. Conhecido popularmente como Jango, entrou no governo com o projeto das reformas de base, entre elas a polêmica reforma agrária que pretendia distribuir os latifúndios improdutivos, o que consequentemente não agradou a elite conservadora. A população acusou o presidente de tentar aproximar o país a um modelo comunista vinculado a China. Um marco para esse momento de
V Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/. Acesso em: 29 jun. de 2020.
VI A posse de João Goulart vem com a desistência do cargo de presidente da república de Jânio Quadros que ficou apenas sete meses no poder, sua justificativa foi que forças terríveis o obrigavam a renunciar.
inquietação da elite sobre os movimentos do governo foi a resposta aos comícios de Jango na Central do Brasil, com a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, organizada pelo IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, através da União Cívica Feminina. A marcha ocorreu no principal centro econômico do país, São Paulo.
O IPES foi um órgão fundamental para criticar o governo e patrocinar propagandas anticomunistas, agindo contra as políticas de Jango. Segundo Schwarcz e Starling (2015, p.
441), o IPES reunia o interesse de empresários brasileiros, diretores de empresas multinacionais, militares, jornalistas e estudantes. Além das propagandas anticomunistas esse órgão trabalhou com outros setores da sociedade brasileira tramando uma conspiração para destituir Jango da Presidência da República através de um golpe.
O golpe foi estimulado e patrocinado pelos Estados Unidos, que agia debaixo dos panos através das suas multinacionais no país e com a CIA – Central de Inteligência Americana. Um dos marcos da participação no golpe foi o auxílio da base norte-americana, “[...] uma força- tarefa naval aguardava autorização para se movimentar em direção ao Brasil. A força-tarefa integrava a Operação Brother Sam” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 446) acabou não sendo necessária essa ajuda naval para o golpe, mas em todo caso os Estados Unidos estava disposto.
Com toda essa movimentação a ideia de um golpe seria inevitável, Gaspari (2014, p.
52) aponta que um golpe da esquerda manteria Jango no poder e o contrário seria o poder executivo do país nas mãos dos militares. Pouco provável foi imaginado que o resultado do conturbado ano de 1964 culminaria em uma ditadura que se estenderia ao longo de vinte e um anos com cinco militares ocupando o cargo de maior poder político no país.
O primeiro militar no poder ficou encarregado de terminar o mandato de Jango.
Humberto de Alencar Castello Branco ocupou o cargo de presidente entre 1964 até 1967. Para Lilia Schwarcz e Heloisa Murgel Starling (2015, p. 448-449):
A posse do general Castello Branco era o prelúdio de uma completa mudança no sistema político, moldada através da colaboração ativa entre militares e setores civis interessados em implantar um projeto de modernização impulsionado pela industrialização e pelo crescimento econômico, e sustentado por um formato abertamente ditatorial. A interferência na estrutura do Estado foi profunda. Exigiu a configuração de um arcabouço jurídico, a implantação de um modelo de desenvolvimento econômico, a montagem de um aparato de informação e repressão política, e a utilização da censura como ferramenta de desmobilização e supressão do dissenso.
Lilia Schwarcz e Heloisa Murgel Starling (2015, p. 449) caracterizam que o governo de
Castello Branco não foi moderado, e que inclusive acabou servindo para institucionalizar as
soluções que limitavam as competências dos demais poderes, lançou as bases para estrutura de
repressão que garantiu longevidade ao período militar, principalmente com a criação dos Atos Institucionais, em especial o Ato Institucional nº 3 que previa eleições indiretas para presidente, levou a cassação de mandatos públicos e reforçou o poder executivo e o Ato Institucional nº 2 que instituiu o bipartidarismo com os partidos ARENA – Aliança Renovadora Nacional e MDB – Movimento Democrático Brasileiro. Essas foram medidas inconstitucional, que burlavam ou anulavam a existência da Constituição de 1941.
Outro movimento que moldou a censura e repressão na ditadura militar foi a criação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, durante o governo do segundo militar na presidência, Arthur da Costa e Silva. O AI-5 previa a censura nas artes e mídias que criticavam o governo, e o principal, a suspensão do habeas corpus. Esse movimento foi responsável por retirar as liberdades individuais e promover a cassação de qualquer indivíduo que fosse tido como ameaça ao governo. Em contrapartida, na ilegalidade surgiram os movimentos de guerrilha para atacar a ditadura. Foi durante o governo de Costa e Silva que os sombrios Anos de Chumbo iniciaram.
O governo do militar Emílio Garrastazu Médici, foi caracterizado como o mais violento, foi o auge da violência sob a luz do AI-5, o aumento da perseguição, tortura e morte dos que eram contra o governo central. Foi durante esse momento que houve um grande movimento do Destacamento de Operação de Informações (DOI) e o Centro de Operação de Defesa Interna (CODI), foi sob os comandos do DOI-CODI que ocorreram as sessões de torturas, e, em alguns casos, a morte, tudo em nome da “segurança e defesa nacional” e por um “país melhor”.
Por conta desse contexto os anos de governo Médici foi chamado “Os Anos de Chumbo”. Em síntese Gaspari (2014, p. 131) descreve sobre a tomada de poder dos militares:
A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma conveniência. Para Médici, um fator neutro de ação burocrática, fonte de poder e depósito de força. Não só se orgulhou de ter namorado o AI-5 desde antes de sua edição, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: “Eu posso. Eu tenho o AI-5 nas mãos e, com ele, posso tudo”, disse certa vez a um de seus ministros.
Enquanto aumentava a perseguição a oposição, foi durante o governo Médici que aconteceu o chamado “Milagre Econômico”. Uma política extremamente controversa, o PIB – Produto Interno Bruto brasileiro cresceu, mas em contramão a inflação subiu resultando em um grande processo de acentuação da desigualdade social. A frase dita pelo Ministro da economia da época, Antônio Delfim Netto, caracteriza bem esse momento, “Primeiro é preciso fazer crescer o bolo para depois dividi-lo”, o bolo cresceu, mas a história mostra que não foi dividido.
A concentração de renda no Brasil é uma das mais desiguais do mundo até os dias atuais.
Janaina Martins Cordeiro (2009, p. 90) aponta que o governo Médici pode ser descrito por dois momentos simultâneos, entre:
As perseguições, prisões, torturas, mortes e exílios que se intensificaram nos anos do Milagre levaram à derrota política e militar do projeto ofensivo dos grupos de oposição armada ao regime. Foram anos de chumbo. Para além dos binarismos, por vezes simplificadores, a verdade é que os anos 1970, particularmente o período que vai de 1969 a 1974, não foram anos de ouro ou anos de chumbo. Foram, muitas vezes, os dois ao mesmo tempo, ou ainda: se foram um e outro, é preciso perceber que há um enorme espaço entre quem os viveu como anos de ouro e quem os viveu como anos de chumbo, configurando, entre um polo e outro, uma diversidade enorme de comportamentos sociais. É importante, pois, tentar apreender a diversidade e complexidade das relações entre ditadura, sociedade e os grupos organizados que atuaram contra o regime.
Diversas narrativas sobreviveram a esse período e através dos filmes foram escancaradas em grandes telas ao público, o cinema atuou como testemunho de denúncia e anúncio das liberdades democráticas ao contar essas histórias. A sétima arte revisitou esse tema em diversos momentos, quase sempre denunciando o isolamento dramático dos guerrilheiros, a violência objetiva da tortura e a alienação da sociedade (MEMÓRIAS DA DITADURA, 2020). Os filmes Pra Frente, Brasil (1982); O que é isso, Companheiro? (1997); Batismo de Sangue (2007) são importantes atuando como denúncia desses anos e para a preservação de memória. Os próximos itens são constituídos de temas retirados de cenas dos referidos filmes.
O QUE REVELAM OS FILMES
Neste item será feita uma breve análise dos três filmes selecionados. Pra Frente, Brasil (1982) conta a história de Jofre que ao aceitar uma carona de um desconhecido é capturado pelas mãos da ditadura e acusado de agir como um “subversivo”, no segundo plano o filme retrata a história de Marta e Miguel em busca do paradeiro de Jofre. O título do filme tem relação com a canção composta por Miguel Gustavo que mostra o pano de fundo do filme, a Copa do Mundo de 1970.
O que é isso, Companheiro? (1997) tem o intuito de recontar a história do sequestro do
embaixador norte-americano Charles Elbrick, o filme se desenrola na perspectiva dos
guerrilheiros que inicialmente não tiveram noção da proporção de seus atos que resultaram na
publicação de um manifesto em rede nacional no horário nobre e a recompensa de exílio de
alguns companheiros de luta. O pano de fundo do filme é o ano de 1969, um momento caótico
em que o presidente Costa e Silva era acometido por uma doença e, ao mesmo tempo, a pressão
norte-americana em manter o embaixador vivo.
Batismo de Sangue (2007) também busca recontar uma história verídica, representando os religiosos que foram contra a política da Ditadura Militar e que atuaram como aliados dos movimentos militantes de esquerda, a narrativa do filme é conduzida através da perspectiva do Frei Tito a partir de sua morte, um suicídio em 1974, o filme remonta a história com flashbacks do passado que o levaram a esse momento. A história do Frei Tito caminha entre o ano de 1969 com a morte de Carlos Marighella até os anos mais sombrios da ditadura.
A partir da análise dos filmes chegamos a questões que consideramos relevante e evidenciam os movimentos de resistência e de repressão durante o regime.
a) A PRESENÇA NORTE-AMERICANA NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL
A partir do contexto mundial, a Guerra Fria, e o objetivo norte americano em manter a América Latina alinhada aos seus interesses, é possível analisar algumas cenas nos filmes referidos no item anterior que demonstram esta influência no Brasil durante a Ditadura Militar.
O filme “O que é isso, Companheiro?” (1997) é o que se destaca ao retratar a influência norte americana no território brasileiro. Logo no primeiro ato do filme os personagens Oswaldo (Selton Melo), Fernando (Pedro Cardoso) e Artur (Eduardo Moscovis) estão assistindo a transmissão da chegada do homem à lua, acontecimento de importante relevância histórica, entre os comentários a fala de Oswaldo “Eles pensam que estão conquistando alguma coisa, não tem um índio para eles matarem”, se destaca por estar envolta de uma crítica ao imperialismo exercido pelos EUA na história da América Latina.
Entretanto, o acontecimento central para o desenvolvimento da trama que envolve a influência norte-americana é o sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Sobre este assunto, Resende (2019, p. 108) analisa que:
Os sequestros políticos, de um modo geral, criaram repercussão não apenas entre os governos diretamente envolvidos, mas o mundo debruçara sua atenção a esta nova modalidade de ação. No caso do episódio envolvendo Charles Burke Elbrick, pela análise de um variado conjunto documental (telegramas, informes, declarações, notícias de jornais, etc) vê-se que o que é discutido não é apenas o sequestro de Elbrick, mas questões como o aperfeiçoamento da segurança nas embaixadas e a ideia, levantada principalmente nos círculos militares, de que Elbrick teria facilitado a ação ao circular pelas ruas do Rio de Janeiro sem segurança reforçada. Um tópico fundamental também presente nos documentos é o questionamento de como o sequestro poderia interferir no futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos, além da necessidade de reavaliar se seria prudente que o embaixador continuasse a ocupar o posto diplomático no Brasil a partir da observação que seu poder de negociação diplomática estava seriamente comprometido.
No filme há uma cena em que os personagens que representam os guerrilheiros destacam o motivo de ser o embaixador americano. Sequestrar um militar brasileiro poderia implicar em uma morte e assim criar herói militar, mas sequestrar um norte-americano iria além do alcance de escolha do poder do governo brasileiro. Implicou não só em um agente de um cargo importante, mas na influência internacional, o objetivo era escancarar e denunciar o jogo sujo da ditadura. O Brasil não agiu de forma independente, mas com o auxílio norte-americano que sempre esteve de pano de fundo monitorando e legitimando as estruturas antidemocráticas da ditadura.
Esse acontecimento transborda para além de “O que é isso, Companheiro?” (1997) sendo citado em “Batismo de Sangue” (2007), aparecendo como notícia no rádio e através dela os freis comemoram o impacto do ocorrido.
LOCUTOR
E atenção para uma notícia de última hora. Foi sequestrado no Rio o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Sr. Charles Burke Elbrick. Os sequestradores exigem a leitura em todas as rádios de um manifesto e a libertação de quinze presos políticos que deverão ser mandados para o exterior. (Fala do filme “Batismo de Sangue”)
Outro momento que explicita a relação dos EUA com a ditadura brasileira é a cena em
“Pra frente, Brasil” (1982), já no final do segundo ato do filme o personagem Miguel (Antônio Fagundes) insiste que seu ex-chefe Geraldo, que com a sua empresa ajudou a patrocinar a ditadura, o leve em uma das “reuniões”, chegando lá ele descobre o que acontece, é uma palestra apresentada por um norte-americano sobre como torturar de modo eficiente um preso político.
ESTRANGEIRO
He’ll lose his sense of time and will become disoriented.
BARRETO
Ele vai perder a noção do tempo e ficará psicologicamente desorientado.
ESTRANGEIRO
And that’s when you break his resistence, tearing down his morale and he talks.
BARRETO
É aí que se dá a quebra da resistência, rompe-se o seu moral, e ele fala.
ESTRANGEIRO
This method however is very slow and you are always in a hurry...
BARRETO
Esse método, entretanto, é muito demorado. E vocês estão sempre com pressa, não é verdade?” (Cena do filme “Pra frente, Brasil”)
Essa cena expõe o que Padrós (2007, p. 24) explicita:
Através da rede de centros de instrução e de missões militares e policiais estabelecidas em diversos países da região, os EUA prepararam forças de segurança regionais para que assim desempenhassem tarefas de vigilância interna. Das atividades desencadeadas, fizeram parte manobras conjuntas, contatos permanentes, treinamento e capacitação profissional, intercâmbio de delegações nas Escolas Superiores Militares, divulgação e estudo da bibliografia produzida por especialistas em luta anti- subversiva, treinamento específico com armamento incorporado pelas forças locais e,
principalmente, cursos de formação de quadros, que cumpriam função estratégica, pois seriam, posteriormente, encarregados de retransmitir os ensinamentos adquiridos aos militares e policiais dos respectivos países.
A influência norte-americana pode não ter ganho tanto destaque em “Batismo de Sangue” (2007) e “Pra frente, Brasil” (1982) como em “O que é isso, Companheiro?” (1997) mas de alguma forma seus idealizadores a mencionaram, mesmo que de forma sutil. Outro aspecto que se destaca nos filmes é a expressão subversivo, tratada no próximo item.
b) A FIGURA DO “SUBVERSIVO”
Todo contexto de ditadura exige a força de uma oposição, no Brasil durante o período da Ditadura Militar aquele que exercia esse papel foi considerado “subversivo”. Para Brandão (2019, p. 43) “o termo ‘subversão’ correspondia, em larga medida, ao seu sentido propriamente etimológico de corrupção, destruição ou arruinamento aplicado aos fundamentos psicossociais da ‘civilização ocidental’”. Em suma os subversivos na ditadura eram as pessoas que exercessem oposição, ou seja, os ativistas que atuaram como militantes ou guerrilheiros. O uso do adjetivo subversivo está presente nas considerações do AI-5, para o documento
“subversivos” eram os “anti-revolucionários”, aqueles que eram contra a “Revolução de 1964”.
Mas qual o objetivo de dar nome aos opositores? Sobre esse ponto Hessmann (2009, p.
5) caracteriza que,
ao fabricar o “subversivo” e torná-lo um perigo a ser combatido, o Estado e os membros do aparelho repressivo, bem como todos os membros da comunidade de informação naturalizavam o estigma, desprovendo da individualidade e desumanizando o estigmatizado, praticando, ainda que de maneira invisível, à violência simbólica, na medida em que assumia e legitimava um discurso dominante.
É possível visualizar o que Hessmann (2009) pontua em uma cena de “Batismo de
Sangue” (2007), sem ser verbalizada a violência e desumanização está presente no cenário do
filme.
Figura 1- Parede da igreja em que os religiosos fazem críticas a ditadura. (Cenário do filme Batismo de sangue).
Uma tática desenvolvida durante o governo Médici foi ligar o uso de substâncias ilícitas, os tóxicos, aos “subversivos” com o objetivo de alarmar a população e utilizar mais um método de criminalizar a oposição. Brandão (2019, p. 41) caracteriza que:
o “agente subversivo”, o “viciado” também é visto como um tipo de sujeito destituído de seu livre arbítrio, sem nenhuma vontade própria, manipulado por forças externas e vítima de sua própria ingenuidade, quando não possuidor de uma astúcia maliciosa e corruptora.
Em “Pra frente, Brasil” (1982) Marta (Natalia do Vale) vai até à delegacia e o delegado tenta induzir uma falsa informação sobre o seu marido desaparecido.
DELEGADO
Sarnento não sabemos quem é, mas o motorista tinha antecedentes criminais problemas de tóxicos. A senhora sabia que tóxico está ligado até com a subversão?
MARTA
Não estou entendendo onde o senhor quer chegar. Meu marido não tem nada a ver com uma coisa, nem com outra. (Cena do filme “Pra frente, Brasil”)
A partir do olhar sobre essas duas cenas é possível analisar a caracterização da época em criminalizar a oposição, e dessa forma o termo “subversão” é repetido durante a trama dos filmes para identificar os militantes e guerrilheiros, ou qualquer pessoa que representasse uma oposição ao governo. E para tirar de cena os “subversivos” o governo se beneficia da figura do delator.
c) A FIGURA DO DELATOR
A figura do delator se apresenta de duas formas nos filmes, sendo aqueles que sem forças cedem a tortura e revelam o paradeiro de seus companheiros, e os sujeitos que são reflexos da sociedade acanhada e manipulada diariamente pelos jornais e rádios para temer e denunciar toda ação e pessoa “subversiva”.
Gaspari (2014, p. 43) vai apontar que poucos foram os que nada disseram sob tortura, o autor também descreve que “a mente insubmissa se torna vítima de sua carcaça, que é, a um só tempo, repasto do sofrimento e presa do inimigo”. Na trama em “Batismo de Sangue” (2007) os personagens Ivo (Odilon Esteves) e Fernando (Leo Quitão) são presos pelo DOPS — Departamento de Ordem Política e Social, e revelam o paradeiro de Carlos Marighella (Marku Ribas), o que por consequência ocasiona no assassinato do líder guerrilheiro.
Por outro lado, em “O que é isso, Companheiro?” (1997) a narrativa do filme explora a imagem do delator através da sociedade média normal. Ao presenciar uma cena incomum no seu cotidiano, que se tratava do sequestro do embaixador Charles Elbrick, a personagem Dona Margarida (Fernanda Montenegro) liga para a polícia para denunciar a movimentação estranha de sua vizinhança. Outro momento similar no filme acontece quando um comerciante liga para a polícia denunciando um cliente por apresentar suspeitas. A partir dessas cenas de delação e de toda a situação criada pelo regime a repressão se torna o caminho adotado pelo Estado para suprimir qualquer pessoa ou movimento que pense diferente do instituído oficialmente.
d) A REPRESSÃO
A repressão durante os anos de chumbo ocorreu de várias formas, cabe no presente artigo destacar as que foram representadas nos filmes selecionados. Antes de entrar nos pormenores é fundamental destacar que o instrumento de repressão atuava através de instituições e hierarquias de poder. Sobretudo o DOI - CODI, Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, órgão que ficou responsável em capturar e torturar os “subversivos”.
Um marco fundamental para a repressão exercida nesse período é a instauração do Ato
Institucional nº 5, em destaque o Art. 10 onde fica suspensa a garantia de habeas corpus,
principalmente em casos de crimes políticos. O AI-5 inteiro promove uma série de medidas
antidemocráticas que foram a base para todo o período. Barros (2011, p. 178) diz que o cinema
não age apenas como uma forma de expressão cultural, mas também exerce um meio de
representação, nesse sentido é possível visualizar a representação da suspensão dos direitos
civis em cenas de “Pra frente, Brasil” (1982) e “Batismo de sangue” (2007), onde na trama os personagens são presos sem qualquer explicação ou mandato.
Figura 2 - O personagem Tito é preso no meio da madrugada sem mandado de prisão ou uma explicação.
(Cenário do filme “Batismo de sangue”)
Elio Gaspari (2014, p. 26) levanta o seguinte ponto: “Quando a tortura é levada para dentro de instituições hierarquizadas e fortemente disciplinadas, produz-se uma burocracia da violência”, o jornalista buscar quebrar com a imagem do estereótipo do torturador indisciplinado, quando na realidade existiu todo um sistema para recompensar e promover os torturadores que agiam de acordo com o ensinado e mandado, sempre com o objetivo de prover o “melhor para o país”. O torturador não trabalha sozinho, existem cúmplices desde o judiciário até médicos e legistas, é um movimento de rede. É possível ver isso em uma cena de “Batismo de sangue” (2007):
JUIZ
Então, o senhor recebeu até prêmio jornalístico na revista americana. Como teve a ousadia de divulgar um relato totalmente falso?!
TITO
O senhor sabe muito bem que é tudo verdade. Fui torturado no pau-de-arara e na cadeira-do-dragão durante três dias. Tomando choque, porrada, paulada no corpo inteiro e na cabeça. Sem comer nada, quase sem dormir. E isso foi só o começo...
(Cena do filme “Batismo de sangue”)
Cabe nesse momento destacar uma pequena cena em “O que é isso, Companheiro”
(1996), um diálogo que o personagem Henrique (Marco Ricca) é confrontado por sua namorada
Lilia (Alessandra Negrini):
HENRIQUE
Ou você tortura e logo, ou não avança nas investigações. Essa é a lógica da guerrilha, se você não tortura eles vencem. E se você tortura eles vencem também. Acabam te denunciando como exemplo de barbárie. É uma grande hipocrisia, mas que funciona.
E como funciona.
LILIA
Mas se isso é verdade, por que funciona, Henrique?
HENRIQUE
Você quer saber? A maioria deles são crianças inocentes e cheias de sonhos. Apenas crianças usadas por uma escória perigosa. E se essa escória chegar ao poder, não vai apenas torturar, mas muito fuzilamento sumário. (Cena do filme “O que é isso, Companheiro?)
Esse recorte do filme demonstra a mentalidade do torturador, ele buscar justificar suas ações, a violência é normalizada, pois, o objetivo é acabar com o inimigo mesmo que ele seja considerado crianças inocentes.
Marcelo Godoy (2014) ao escrever uma biografia sobre o DOI-CODI vai apontar que no dia a dia os torturadores tinham a disposição: “o pau-de-arara, as máquinas de choque, a cadeira do dragão [...] e as palmatórias para bater nos pés e na bunda, além das mãos para espancar.” A dor foi usada como instrumento de controle, junto dela os jogos psicológicos através da culpabilização, o torturador exerce poder sobre a vítima que em muitos casos acabava cedendo, ou em casos extremos morrendo. É importante destacar que o tipo de tortura era diferente no caso das mulheres, através da violência sexual, apesar de não estar explicitamente representada nos filmes. Em todos os filmes selecionados o método de tortura mais usado foi o pau-de-arara.
Figura 3- O personagem Paulo é pego pela ditadura e torturado no pau-de-arara. (Cenário do filme “O que é isso, Companheiro?”).
Outra forma de exercer o controle sob a população foi o uso de propagandas de cunho nacionalistas, o famoso slogan “Brasil: Ame-o ou deixe-o!” era comum em adesivos nas janelas dos automóveis. Em uma cena de “Pra frente, Brasil” (1982) onde o personagem Jofre tenta fugir é possível ver um adesivo com o slogan no carro dos torturadores.
A censura, perseguição e tortura foi um movimento que tinha como objetivo manter as estruturas ditatoriais no poder, eliminando uma oposição que crescia e exercia seu poder de resistência marcando a história no país.
e) A RESISTÊNCIA
O resultado de um golpe e a permanência de militares no poder levantou uma onda de descontentamento, entre os anos de 1964 até 1968 surgiram os primeiros movimentos de resistência à ditadura que pertenciam aos setores progressistas da classe média. Esse movimento culminou em uma série de manifestações, passeatas, ebulição política, intelectual e comportamental (PINTO, 2001).
O filme “O que é isso, Companheiro?” (1997) inicia com uma cena em que os personagens Paulo, Oswaldo e Artur participam de uma manifestação, no cenário dessa cena a um cartaz escrito “O povo unido jamais será vencido, abaixo a ditadura.”
Entre a esquerda política nesses anos de surgimento de resistência Ridenti (2014, p. 4) aponta:
A esquerda brasileira converteu-se, em pouco tempo, num mosaico de dezenas de pequenas organizações políticas. Elas divergiam quanto ao caráter da revolução brasileira (nacional-democrática ou socialista), sobre as formas que a luta revolucionária deveria assumir (pacífica ou armada; se armada, guerrilheira ou insurrecional; centrada no campo ou na cidade), sobre o tipo de organização política necessária para conduzir a revolução (partido leninista ou organização guerrilheira).
Entretanto, havia em comum a proposta de fazer frente à ditadura.
Ainda que o governo tenha promovido medidas de censura e perseguição os
movimentos de resistência buscaram maneiras de agir, ainda que em ilegalidade. O fundamental
era manter os grupos no anonimato, e dessa maneira é representado nos filmes selecionados,
para segurança dos envolvidos os nomes reais eram trocados, as reuniões eram realizadas de
forma que até chegar no endereço combinado era necessário o uso de vendas ou óculos
totalmente escuros. Toda preocupação era pouca tendo em conta como o governo reprimia esses
movimentos, ainda sobre o filme “O que é isso, Companheiro?” (1997) a personagem Maria
(Fernanda Torres), que no terceiro ato da trama revela que seu nome real é Andreia, discursa
para os novos integrantes do MR-8 (Movimento Revolucionário, 08 de outubro), alertando os perigos de entrar no grupo.
MARIA
Muito dos nossos companheiros já caíram, alguns estão mortos e outros sofrem barbaras torturas nas mãos de militares. O destino dos nossos companheiros mortos pode muito bem no futuro ser o meu destino ou o destino de vocês aqui dentro. (Fala do filme O que é isso, Companheiro?)
Além da proteção com os nomes e endereços, outra forma de resistir era o uso de armas de fogo, e a maneira de conseguir manter financeiramente os grupos eram os assaltos, esse movimento é retratado em “O que é isso, Companheiro?” (1997), ou como os guerrilheiros costumavam chamar de expropriação revolucionária. O personagem Marcão (Luiz Fernando Guimarães) ao assaltar o banco alerta a população o seu objetivo.
MARCÃO
Atenção isso aqui não é um assalto, vocês estão assistindo uma expropriação revolucionária, nós estamos expropriando uma instituição bancária que é um dos suportes dessa ditadura cruel e sanguinária. Muito dos nossos companheiros que lutam pela liberdade pela democracia estão sendo brutalmente torturados nas prisões desse governo militar e vocês não estão sabendo de nada porque a imprensa está censurada, contem para seus amigos o que está acontecendo, nós somos o Movimento Revolucionário 08 de Outubro, o MR-8. (Fala do filme O que é isso, Companheiro)
Tanto em “O que é isso, Companheiro?” (1997) quanto em “Pra frente, Brasil” (1982) os personagens que representam resistência à ditadura estão usando armas para se defender, essa é uma característica do movimento de guerrilha.
Figura 4- Miguel, Marta, Mariana e as crianças são encontradas pelos torturadores. (Cenário do filme
“Pra frente, Brasil”).
Figura 5- O personagem Pedro e treinado pelos personagens Maria e Marcão em como usar uma arma.
(Cenário do filme O que é isso, Companheiro?)
Outra forma de representação da resistência, e dessa vez sem o uso de armas é apresentado em “Batismo de sangue” (2007), os freis não eram coniventes a ditadura e seguiam os reais princípios cristãos de amor ao próximo e agindo contra toda tirania. Ao serem confrontados pelo Frei Diogo, os seminaristas Tito, Oswaldo, Betto e Fernando expõe o seu ponto de vista sobre a perseguição na igreja:
OSWALDO
Mas tenho lido São Tomás de Aquino. Ele já dizia que, em caso de tirania evidente e prolongada, o povo tem o direito de se defender!
BETTO
E Paulo VI disse algo bem parecido: esgotadas todas as possibilidades, é legítimo o uso da violência!
FERNANDO
Se queremos realmente mudar alguma coisa, temos de ir além das palavras! (Cena do filme “Batismo de sangue).
E de outra forma em “Pra frente, Brasil” (1982), no núcleo da personagem Marta
(Natalia do Vale), uma mulher que sem saber o paradeiro de seu marido decide enfrentar
autoridades indo em uma busca que coloca em risco a sua vida. Esse é um reflexo e realidade
de muitas mães, esposas e filhas que até o presente não tem informações sobre o paradeiro de
seus entes queridos. Segundo os dados levantados pela Comissão Nacional da Verdade, foi
confirmado em seu relatório final quatrocentas e trinta e quatro mortes e desaparecimentos pela
ditadura, e entre essas pessoas duzentas e dez são desaparecidas (CANES, 2014).
Além de Marta é importante destacar outras figuras femininas na luta, ainda em “Pra frente, Brasil” (1982) a personagem Mariana (Elizabeth Savalla) não fica satisfeita com as atitudes de seu interesse romântico, Miguel, e chega questioná-lo.
MARIANA
Você não se dá conta do que estão fazendo com este país?
MIGUEL
Como não me dou conta? Você acha que eu estou cego?
MARIANA
Pior. O seu caso é de comodidade mesmo. (Cena do filme Pra frente, Brasil)