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UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ENTREVISTA LÚDICA

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UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ENTREVISTA LÚDICA

Cintia Pigatto (Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/PR).

Leandro Pereira (Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/PR).

Melissa Daiane Hans Sasson (Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/PR).

Renata Fontoura Quirrembach (Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/PR).

Rosanna Rita Silva (Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO/PR).

Resumo

Este trabalho visa possibilitar um breve histórico de conceitos e concepções que valem ser considerados para se compreender a entrevista lúdica com crianças na clínica psicanalítica. Para tanto, foram exploradas questões a respeito da criança, da infância, do brincar a e também da entrevista lúdica. Percebemos aqui a infância como uma construção histórica, ideológica e cultural, considerando a maneira como cada criança vai receber, sentir e dar significado a determinado fenômeno vivido por ela. A psicanálise com crianças vai ultrapassar a concepção cronológica, buscando mostrar o que existe de maneira particular na criança. O brincar é uma maneira de a criança expressar seu mundo interno, onde ela pode demonstrar suas fantasias inconscientes. A entrevista lúdica é considerada uma forma de avaliação muito rica, permitindo compreender a natureza do pensamento infantil. Assim, por meio, do presente artigo, buscamos esclarecer as questões que envolvem a infância, a criança e a entrevista lúdica.

Palavras-chave: Criança, Lúdico/Brincar; Entrevista Lúdica.

Introdução

A construção da clínica psicanalítica com crianças é perpassada pela trajetória histórica, ideológica e social da compreensão de “infância”, do “brincar” e do “ser criança”. No presente trabalho, abordam-se, brevemente, esses aspectos, tal como se abarca a importância do brincar e as diversas opiniões das diferentes abordagens, que embora discordem em muitos aspectos, concordam em dizer que o brincar possui uma

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função. A partir disto, discorre-se sobre a entrevista lúdica na psicoterapia psicanalítica com crianças.

A criança de tempos atrás era vista como algo inacabado que necessitava da correção dos adultos, mas com o passar do tempo, foi ganhando espaço e foi-se dando maior importância a esta fase do ser humano, que é a fase do desenvolvimento. As crianças passaram a ser então vistas como seres diferentes dos adultos com sua particularidade, espontaneidade e emotividade.

A parir daí, considera-se a importância do brincar na vida da criança. Visualizar o brincar como uma linguagem própria da criança implica em que se conheça e pesquise sobre essa temática. Para o desenvolvimento desta temática, citamos brevemente Freud, Winnicott, Klein e Lacan (apud FERREIRA, 2000) e suas diferentes concepções e opiniões bem como contribuições a respeito desse tema.

O brincar da criança se faz presente também na entrevista lúdica e avaliação.

Destaca-se então a importância deste tipo de entrevista (que é uma das formas mais importantes de atendimento de crianças) e a contribuição que esta possui para a psique infantil.

Este trabalho, portanto, busca refletir a respeito de todas estas questões, com a finalidade de oferecer reflexões e conhecimentos relevantes para a entrevista lúdica com crianças na clínica psicanalítica.

Desenvolvimento

A representação da criança para a Psicanálise na Modernidade

A concepção de “infância” e de “criança” diferencia-se historicamente de acordo com as condições sociais, políticas e ideológicas de cada época, sendo que nem sempre elas são coincidentes, ou seja, ser criança não significa necessariamente ter infância.

Compreende-se que o desafio em não se conceber uma natureza infantil intrínseca e inquestionável está posto. Não se pode assim, perder de vista que a “infância” e o “ser criança” devem ser sempre contextualizados na medida em que não se tratam de fenômenos naturais, mas sim construídos sócio-historicamente (FERREIRA, 2000).

Ao se entender a infância enquanto uma construção histórica, ideológica e cultural, vale a pena pontuarmos a reflexão realizada por Medrano (2004) ao ele compreender que em um dado momento a infância institui um lugar para si:

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Um lugar – espaço, território – no qual diversas falas e dizeres vêm travando uma disputa em torno dela. Essas falas não são falas quaisquer. São as falas a partir das quais cada sociedade, com cada cultura e de cada tempo cria e assassina a infância conforme as necessidades e os interesses específicos. A criança não é mais do que a fala que o social diz que ela é. É o Outro do discurso que estabelecerá as formas, os limites e as condições de e para ser (MEDRANO, 2004, p. 54).

Compreende-se com essa citação, que a criança reage, e se constroi, a partir de sua interação com o Outro, a partir da forma com é vista e se permite ser no mundo.

Essa questão nos implica no seguinte questionamento: Afinal, se é criança no mundo ou no mundo se faz criança? Frota (2007) nos pontua neste sentido, necessidade de se olhar uma criança de maneira singular e muito particular, afastando-se assim das compreensões generalistas e universais. Compreende-se a partir disso que apesar de ser importante a consideração do contexto social que perpassa a história particular de cada criança, deve-se também atentar para a maneira como cada uma recebe, sente e significa os fenômenos por ela vivenciados. Ou seja, a criança se é e se faz criança a partir do mundo ao qual está inserida, a partir do olhar e do lugar oferecido pelo Outro.

Com o aparecimento da classe econômica burguesa e de seus ideais educativos, é que no Brasil, século XIX, visualiza-se que a criança é um ser com peculiaridades e passa-se a valorizá-las. Com isso, a criança transforma-se em um objeto de especulação teórica e através dela se produz uma pluralidade de saberes. Especializações dirigidas à criança, como a Pediatria e Pedagogia, aparecem e desenvolvem-se de forma rápida. E assim vai-se construindo diferentes concepções e compreensões da criança e de suas particularidades (FERREIRA, 2000).

Uma concepção que se estende com o passar do tempo é a representação da infância como um período da vida que precisa ser “corrigido” pelo adulto. Tal como nos aponta Ferreira (2000) “[...] discutir a ideia de infância não tinha outro significado que o de ressaltar a diferença em relação ao adulto, sempre na perspectiva da ‘incompletude’

da criança” (p.24).

A modernidade tem como responsabilidade marcar cada vez mais a especificidade da infância, oferecendo legitimidade à visão de uma “natureza infantil”, mas dando-lhe um novo significado. Não se trata mais de modelar a criança, mas de considerar a sua forma espontânea e particular de ser, existindo uma preponderância do

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sentimento sobre a razão, vendo isso não como uma imaturidade biológica, sendo apenas sua natureza diferente do adulto (FERREIRA, 2000).

Criança e psicanálise

As diferentes etapas do desenvolvimento mostram energias latentes na criança, com valores e características próprias, fazendo dela um ser puro, sadio e consciente.

Existe também a ideia de que a criança é um ser dócil, mesmo não sendo livre totalmente, pois não adquiriu caráter (FERREIRA, 2000). O autor coloca que:

Para Freud, o corpo da criança, sendo um corpo atravessado pela pulsão, a despeito do que dizia Rousseau, é um corpo de desejo. Certamente, nenhum dos métodos de repressão pode dar cabo disso. Em vários momentos do seu ensino podemos deparar não só com a presença de uma sexualidade infantil robusta, mas também com o fato de que as próprias crianças teorizam sobre as questões da sexualidade, muitas vezes em segredo (FERREIRA, 2000, p.30).

A constância da ideia de um desenvolvimento infantil, ligada diretamente ao biológico, faz com que o conhecimento acerca do desenvolvimento psíquico seja visto ainda hoje, em alguns campos teóricos, com o espectro de que o psiquismo evolui conforme o corpo evolui (FERREIRA, 2000).

Freud passa a perceber que existe um obstáculo a ser enfrentado pela criança, a qual num curto espaço de tempo precisa assimilar características da cultura, tendo que controlar suas pulsões e adaptar-se socialmente. Mas, no estádio do desenvolvimento em que ela se encontra, ela só é capaz de efetuar em partes essa modificação, tornando- se dependente do que é atribuído a ela pela educação, tal como nos aponta Freud citado por Ferreira (2000): “O que Freud postula é um aparelho constituído numa dimensão de falta, (...) sendo, por isso mesmo, instável, e não um aparelho capaz de se fazer maduro e completo com o passar do tempo” (FERREIRA, 2000, p. 36).

A psicanálise com crianças ultrapassa a concepção cronológica, buscando revelar o que existe de peculiar na criança. A noção de estrutura para essa abordagem vai possibilitar então:

Captar a criança de uma maneira mais precisa, sem transformá-la em uma peça dos jogos de encaixe das teorias. Em suma, para a Psicanálise, não se trata de demonstrar que a teoria captou corretamente o sujeito; mas, que em todos os casos, se ultrapassa sempre o plano da teoria. As crianças não podem ser reduzidas ao enfoque teórico (MRECH, 2001, s/p).

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Então, a partir do que Freud coloca, é possível ver a existência de uma lógica marcada por uma estrutura que não possui uma continuidade, onde ações e elementos psíquicos persistem, não sendo marcado então, por uma característica evolutiva (FERREIRA, 2000).

O lúdico e o brincar e sua função nas estruturas psíquicas

A compreensão do brincar dentro da Psicanálise teve sua trajetória marcada por algumas concepções teóricas diferenciadas das quais se destacam aquelas formuladas por Melaine Klein, Donald Winnicott, Freud, e Lacan, autores que exploraremos brevemente aqui a partir das considerações realizadas por Ferreira (2000).

Vale ressaltar, que dentre essas diferentes representações e significados que são dados para o brincar da criança, de acordo com Ferreira (2000), todas as abordagens, mesmo com as suas diferenças concordam que o brincar possui alguma função, sendo sempre necessário “[...] encontrar enlace entre o brincar e o discurso” (FERREIRA, 2000, p.87).

Freud utilizava o termo “jogo” para referir-se às atividade da criança, cuja, em sua compreensão, joga o nonsense, ou seja, o jogo com as palavras, em que ela brinca com o vocabulário da língua materna (FERREIRA, 2000). Nesta concepção compreende-se que “Algumas vezes, [as crianças] produzem uma linguagem secreta, para usar entre os colegas”, tal como afirma Ferreira, 2000, p. 88.

Assim, “[...] Freud enuncia uma das funções do jogo na estrutura: ser fonte de prazer e promover uma economia na despesa psíquica.” (FERREIRA, 2000, p.88).

Freud, referenciado por Ferreira (2000) considera a brincadeira como manifestação dos desejos, ou seja, a criança que brinca, é a criança que deseja.

A criança que brinca, seja sozinha ou na companhia de outras crianças, mesmo que não brinque na presença de adultos, não esconde-lhes seu brinquedo, diferentemente do adulto, que não confia ao outro suas fantasias (FERREIRA, 2000 p.90). Mas há uma diferença estabelecida por Freud entre o jogo e a fantasia, pois no jogo, a criança é capaz de distinguir o mundo do brinquedo da realidade e gosta de utilizar-se dos objetos do real em suas brincadeiras, mas sabe o que é cada objeto. “Diz que prato é chapéu, que vassoura é cavalo, ou que um pedaço de madeira é espada.

Entretanto, sabe que prato é prato, vassoura é vassoura...” (FERREIRA, 2000, p.90).

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Porém, como Ferreira cita de Freud, tanto o jogo como a fantasia possuem a função de produzir prazer em uma situação de desprazer.

Ferreira (2000) coloca que é possível que encontremos, no jogo, pulsão, que seria a compulsão por repetição. Além da pulsão, referenciando Lacan, a autora coloca o termo tiquê, que se manifesta para nós através da repetição experiência traumática.

“Essa dimensão do real, que resta inassimilável, que não foi fisgado pelo significante, encontra também no jogo sua morada” (FERREIRA, 2000, p. 92).

A criança utiliza-se por vezes do real no jogo, o que, segundo Ferreira, comumente é entendido como atividade imaginativa. O real nos atenta para o fato de que nem tudo no brincar é interpretável. “O jogo é resposta. Resposta do real”

(FERREIRA, 2000, p.93).

Apesar das críticas ao uso indiscriminado do brinquedo na clínica com crianças, segundo Ferreira, Melanie Klein, em 1923, considerou o modelo clássico da psicanálise com adultos inadequado para ser utilizado em crianças, e então, ao utilizar atividades lúdicas, pode constatar que a brincadeira é o método que abre o campo da análise com crianças.

Ferreira (2000) nos diz que muito embora Klein não despreze os elementos verbais, sua atenção maior se dá para as brincadeiras em que esses elementos aparecem, tal como podemos perceber em sua citação:

Além do método de empregar brinquedos na clínica, Klein cria uma técnica de interpretação. Para ela, o conteúdo específico das brincadeiras infantis “é idêntico ao núcleo das fantasias de masturbação”, e que uma das principais funções das brincadeiras “é de proporcionar uma descarga para essas fantasias” (FERREIRA, 2000, p.94).

Ainda referenciando Klein, Ferreira (2000) expõe que ela compreende que na hora da análise, deve-se levar em conta mais do que o simbolismo das fantasias, desejos e experiências que as crianças representam nos jogos, mas sim a maneira que ela representa, os mecanismos empregados, e o exame de seu nexo.

Ferreira (2000) coloca que Klein possuía um modelo de interpretação fundamentada nos “detalhes do jogo”, e considerava que o que ocorria nas brincadeiras das crianças era uma descarga para as fantasias de masturbação, o que fora criticado por Winnicott que considerava que o elemento masturbatório estaria ausente no momento da brincadeira, que o brincar deve ser visto por si mesmo.

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A interpretação que é feita por Lacan, como dito por Ferreira (2000), acontece pelo nível do dito e não pela via da significação, do comportamento ou da ação.Assim:

À diferença de Klein, o jogo da criança, na perspectiva da psicanálise lacaniana, que vem na trilha de Freud, não tem uma significação a ser desvelada pelo analista, mas sim fazer irromper o significante. O jogo não pode ser tomado como um dizer, como um discurso, mas como uma articulação lógica inscrita no entrelaçamento entre o real, simbólico e imaginário (FERREIRA, 2000, p.95).

Após mostradas as diferentes interpretações do brincar, é posto pela autora que o interessante da clínica para ela seria a articulação do discurso e da brincadeira, considerando o brinquedo e o brincar como suporte significante. Também, de acordo com Ferreira (2000), muitas vezes o brincar tem estreita relação com o sintoma, mas não somente com o sintoma, como também com o fantasma, que “é o que permite ao sujeito suportar a castração do Outro” (p.97).

Donald Winnicott, por sua vez, conceituo teoricamente o brincar a partir de sua teoria formulada sobre os fenômenos transicionais, ou seja, a partir da compreensão de que se há uma zona terciária na estruturação psíquica que não é interna nem externa ao indivíduo. A partir dessa compreensão entendemos que o brincar traria consigo os fenômenos oriundos da realidade externa a partir de uma amostra derivada da realidade interna ou pessoal. Para Winnicott a própria construção da realidade compartilhada externa não deixa de ser também subjetiva, e é neste paradoxo, presente no brincar, que o self se constroi (WINNICOTT, 1971; WINNICOTT, 1975).

Segundo este autor, a compreensão do brincar ampliaria a concepção de manifestação de conteúdos inconscientes de Klein, na medida em a brincadeira seria em si mesmo uma forma de criação e liberdade de expressão daquilo que pode ser construído concomitantemente a ação realizada. Para ele, é apenas na criação, na criatividade que o sujeito, criança ou não, pode descobrir o seu self (WINNICOTT, 1971).

Entendemos que o brincar pode ser um revelador de uma história ou de um sintoma, e/ou pode também estar a serviço da própria construção histórica da criança e de seu self. Giongo (2005) amplia ainda nossa compreensão ao propor que o brincar seria a narrativa da criança na análise, sendo que a própria possibilidade de brincar já marcaria um processo de diferenciação eu-outro e eu-mundo a ser construído por ela.

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Pensar na análise psicanalítica implica não desconsiderarmos que cada ação traz consigo elementos fantasmáticos de um imaginário ativo. Considerando que o mundo infantil é perpassado por pensamento ainda bastante concreto, o ato do brincar é a sua associação livre na psicoterapia psicanalítica. O brincar por si só já é linguagem, e não necessariamente um mediador para a relação terapêutica estar suficientemente estabelecida para se ter acesso a expressão de sentimentos e a comunicação de desejos.

Pois afinal: “Acaso não poderíamos dizer que, ao brincar, toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade?” (FREUD, 1908, p.149).

A entrevista lúdica na psicoterapia psicanalítica com crianças

Antes de nos aprofundarmos mais pontualmente a respeito da entrevista lúdica e sua importância na avaliação psicológica com crianças, achamos importante resgatar o conceito de entrevista psicológica que conforme Bleger (1998) é entendida como sendo aquela na qual se buscam objetivos psicológicos (investigação, diagnóstico, terapia, etc.). Em Psicologia, a entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos psicológicos, em uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais e sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social), em um processo que visa fazer recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas.

Neste sentido a entrevista psicológica é uma relação entre duas ou mais pessoas em que estas intervêm como tais. Consiste em uma relação humana na qual um dos integrantes, o entrevistador, a partir de seus conhecimentos técnicos deve procurar saber o que está acontecendo e deve atuar segundo esse conhecimento. A realização dos objetivos possíveis da entrevista (investigação, diagnóstico, orientação, etc.) depende desse saber e da atuação de acordo com esse saber (BLEGER, 1998).

No âmbito da entrevista psicológica e nesse caso da entrevista com público infantil, segundo Werlang (2000 apud Azevedo 2010), a entrevista lúdica é uma das formas mais importantes de atendimento de crianças. Consiste em uma técnica de avaliação muito rica, que permite compreender a natureza do pensamento infantil, fornecendo informações significativas do ponto de vista evolutivo, psicopatológico e psicodinâmico, possibilitando formular conclusões diagnósticas, prognósticas e

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indicações terapêuticas. Segundo este autor as instruções específicas para uma entrevista lúdica consistem em oferecer à criança a oportunidade de brincar com todo material lúdico que lhe é oferecido, como uso do espaço, papel da criança e do entrevistador, etc. O autor supracitado ainda assevera que nos brinquedos oferecidos pelo psicólogo, a criança deposita parte dos sentimentos, representante de distintos vínculos com objetos de seu mundo interno.

Em parte, o papel do psicólogo na entrevista lúdica diagnóstica é passivo, porque funciona como observador, mas também é ativo, na medida em que sua atitude é atenta na compreensão e formulação de hipóteses sobre a problemática do entrevistado, assim como na ação de efetuar perguntas para esclarecer dúvidas sobre a brincadeira.

Ainda, dependendo de cada situação, o psicólogo poderá não participar do jogo ou brincadeira, ou poderá desempenhar um determinado papel, caso seja desejo da criança (AZEVEDO, 2010). Compreende-se com isso, que ao o psicólogo realizar o desejo da criança entrevistada, ele poderá possibilitar formas de compreender suas fantasias, desejos, e ações em um jogo simbólico ao qual representa a sua realidade verdadeira, ou a realidade desejada.

Há mais de duas décadas, autores que trabalham com avaliação infantil têm buscado descrever os critérios utilizados para analisar o brincar de crianças. Quem deu início a esses estudos, observando sistematicamente a entrevista lúdica, foi a argentina Arminda Aberastury (1982). Esta autora descreve uma técnica chamada de “Hora do Jogo Diagnóstica”, utilizada com crianças. Esta técnica é equivalente à entrevista inicial feita com adultos. Em seus estudos, Aberastury (1982) constatou que desde a primeira sessão, sendo análise ou mesmo numa observação diagnóstica, a criança já traz, através da técnica do jogo, a fantasia inconsciente de doença e de cura (DEBARBA, 2010).

Para conhecer indicadores utilizados na entrevista lúdica, buscamos um estudo feito por Debarba (2010), que tinha por objetivo apontar indicadores utilizados por psicólogos de orientação psicanalítica para avaliar crianças através da entrevista lúdica.

Neste trabalho, foram entrevistadas quatro psicólogas e foi observado que em seus consultórios essas profissionais utilizam vários critérios, dentre eles: conhecer os autores que embasam a prática de entrevista lúdica de psicólogos de orientação psicanalítica, descrever as técnicas adotadas durante a entrevista lúdica, conhecer os indicadores que são observados pelo profissional, descrever os conhecimentos e as condições necessárias para atender crianças e também os materiais utilizados pelos profissionais.

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A respeito dos critérios acima referidos, nesta pesquisa foram observadas seis categorias de análise. A primeira, quanto aos autores, os participantes afirmaram que em sua prática clínica utilizam autores clássicos, autores da segunda geração e autores contemporâneos. A segunda categoria, em relação às técnicas adotadas durante a entrevista lúdica, as entrevistadas citaram o estabelecimento de um rapport, onde utilizam a regra da psicanálise (a associação livre), o brinquedo, o desenho, a caixa individual, a observação, a escuta, procuram fazer anotação após o atendimento, utilizam o jogo do rabisco, também utilizam a transferência e a contratransferência e ainda citaram que durante suas experiências houve uma evolução da técnica. Na terceira categoria os indicadores observados foram classificados em indicadores aparentes citados como: a escolha do brinquedo, o comportamento, a linguagem, a curiosidade, a motivação, os sintomas, as características do desenvolvimento, a história familiar e a motricidade. Na quarta categoria, em relação aos indicadores teóricos eles citaram os mecanismos de defesa, a transferência e a contratransferência, a fantasia de doença e de cura, a capacidade simbólica, a capacidade de insight, os modelos relação objetal, as ansiedades, os pontos de fixação e as instâncias psíquicas (DEBARBA, 2010).

Já na quinta categoria que descreve os conhecimentos necessários para realizar a avaliação de crianças, as participantes sugeriram que o psicólogo tivesse um embasamento teórico, uma formação, a supervisão dos atendimentos e conhecimentos sobre a psicologia do desenvolvimento. Na sexta e última categoria, quanto às condições necessárias ao psicólogo para trabalhar com avaliação psicológica de crianças, as entrevistadas citaram a análise pessoal, a disponibilidade física do psicólogo, o gosto pelo brincar, a atualização dos personagens que as crianças gostam e a disponibilidade de trabalhar com pais. Dos materiais, as entrevistadas utilizam brinquedos estruturados e pouco estruturados, a caixa individual, os contos de fadas, brinquedos coletivos, testes psicológicos, sonhos e ainda descrevem algumas características da sala de atendimento para se utilizar com crianças (DEBARBA, 2010).

Considerações Finais

Após esse breve resgate das questões históricas a respeito da concepção de criança e do brincar na clínica psicanalítica, entendemos que apesar das diferentes interpretações e constructos teóricos que tange este assunto, o que realmente se faz necessário compreender na clínica com crianças é a articulação entre o discurso e a

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brincadeira, considerando o brinquedo e o brincar como suporte significante para o sujeito, neste caso, o infans.

Dessa forma podemos asseverar que a entrevista lúdica com crianças é de suma importância para a apreensão da psique infantil. Não só porque permite compreender a natureza de seu pensamento ao fornecer informações significativas do ponto de vista evolutivo, psicopatológico e psicodinâmico, mas também porque possibilita formular conclusões diagnósticas, prognósticas e indicações terapêuticas. Apesar de ressaltar essa importância, não podemos nos olvidar de que na avaliação psicológica estão envolvidos diversos fatores que também precisam ser investigados e que a entrevista lúdica é uma das técnicas que possibilita analisar alguns dentre estes fatores.

Fazem-se necessários mais estudos acerca do lúdico na entrevista psicoterápica psicanalítica para que os profissionais que atuam nessa área possam estar mais bem preparados no auxílio das questões infantis, principalmente no que tange ao sofrimento que muitas apresentam e que, ainda, não se dá a devida consideração.

Referências

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BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. 2ª.ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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Autêntica, 2000. 144p.

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Referências

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