• Nenhum resultado encontrado

A CRUZ COMO EVENTO TRINITÁRIO NO PENSAMENTO DE JÜRGEN MOLTMANN MESTRADO EM TEOLOGIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "A CRUZ COMO EVENTO TRINITÁRIO NO PENSAMENTO DE JÜRGEN MOLTMANN MESTRADO EM TEOLOGIA"

Copied!
126
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FRANCISCO ARCANJO DA SILVA

A CRUZ COMO EVENTO TRINITÁRIO NO PENSAMENTO DE

JÜRGEN MOLTMANN

MESTRADO EM TEOLOGIA

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FRANCISCO ARCANJO DA SILVA

A CRUZ COMO EVENTO TRINITÁRIO NO PENSAMENTO DE

JÜRGEN MOLTMANN

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em TEOLOGIA SISTEMÁTICA, sob a

orientação do(a) Prof.(a), Dr.(a) Maria

Freire da Silva.

(3)

Banca Examinadora

_____________________________________

______________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

Ao Pai ao Filho e ao Espírito Santo, fonte caminho e destino da vida.

Aos meus Pais José da Cruz e Clélia Glória que afagam a face Santa do Deus Trino. Aos meus irmãos e demais familiares, com os quais aprendi a assimilar e a viver o dinamismo trinitário de Deus em minha vida.

À Diocese de Lins, da qual sou membro e com a qual faço a experiência da Graça e do amor do Deus-Comunhão, que me concedeu o privilégio deste tempo de estudo.

À paroquia Nossa Senhora Aparecida de Promissão-SP, pela compreensão nas ausências e cooperação.

A Dom Irineu Danelon, SDB, Bispo Diocesano de Lins, pelo apoio e incentivo.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ao Departamento de Pós-Graduação em Teologia, por meio do Coordenador Prof. Dr. Boris Agustín Nef Ulloa.

À ADVENIAT pela generosidade.

À Prof.ª Dra. Maria Freire da Silva pelo diligente acompanhamento, incentivo e correções.

Ao Pe. Thiago Calçado, amigo e irmão que durante este tempo foi meu grande interlocutor e companheiro.

Ao Pe. Lourival Felipe, tio e padrinho pela presença silenciosa e incentivadora.

Aos Missionários do PIME pela acolhida e hospedagens, por meio do amigo e irmão Pe. Stefano Ferrari.

À Guadalupe Mota, Luiz Furlan Junior, Leonardo Junior, Pe. Leonardo de Sales, Pe. Marcos Cançado, Pe. André Lemos, Pe. Jesus Aguiar, pela valiosa colaboração.

(5)

Resumo

A partir do pensamento de Jürgen Moltmann, esta pesquisa desenvolve uma abordagem sobre a Teologia da Cruz, atribuindo a cruz como evento trinitário. Em sua obra Trindade e Reino de Deus, Moltmann interpreta uma doutrina trinitária aberta. Doutrina sensível à história com as suas vicissitudes, quedas e soerguimentos, dores e cruz. A compreensão da dogmática cristã é central, pois, trata-se do essencial da fé cristã. Em O Deus crucificado, expressa radicalidade do amor de Deus que se entende sob o seu pathos revelado em Jesus Cristo, apresentado na compreensão da crucificação como um acontecimento trinitário interior entre o Pai e o Filho, onde o que acontece na cruz foi um acontecimento entre Deus e Deus. Esta obra perpassa toda a dissertação. O Reino de Deus, conteúdo radical da teologia trinitária de Moltmann, aparece na cristologia do Caminho de Jesus Cristo. A reflexão feita nesse livro aponta o itinerário do Pai que, no Filho, vem ao encontro da história, e o caminho da história que, em Cristo, se destina para Deus. Esta abordagem explicita a singularidade do Deus cristão que cria salva e santifica o homem e toda a criação. Em O Espírito da Vida, Moltmann desenvolve sua pneumatologia. Afirma-se que no seu Espírito, Deus nunca está fora, mas dentro do coração humano e em suas experiências. Desenvolve-se ainda uma escatologia que, lida em perspectivas trinitárias, aponta o futuro como a realidade que ilumina o passado e o presente da história e da vida. Donde a irmandade com Cristo significa o sofrimento e a participação ativa na história deste Deus. Seu critério é a história do Cristo crucificado e ressuscitado. Encontra-se, nessa abordagem, uma hermenêutica do pensamento de Jürgen Moltmann. O objetivo principal é demonstrar a teologia da cruz em sua perspectiva trinitária, apresentando a cruz de Cristo como base e crítica da teologia cristã.

Palavras-chave:

Jürgen Moltmann, Trindade, Cruz, Paixão, Morte, Ressurreição.

Abstract

At the thought of Jürgen Moltmann, this research develops an approach to the theology of the cross, giving the cross as Trinitarian event. In his “Trinity and the Kingdom of God works”, Moltmann interprets an open Trinitarian doctrine. Doctrine sensitive to history with its vicissitudes, falls and uplifting, aches and cross. The understanding of Christian dogma is central, because it is the essence of the Christian faith. In “The Crucified God”, expressed radical love of God that is understood in its pathos revealed in Jesus Christ, presented in the understanding of crucifixion as an inner Trinitarian event between the Father and the Son, where what happens on the cross was an event between God and God. This work also permeates the entire dissertation. The Kingdom of God, radical content of the Trinitarian theology of Moltmann, appears on the Christology of the Way of Jesus Christ. The reflection made this book points out the route of the Father, the Son, is in the story, and the path of history that in Christ, God intended for. This approach explains the uniqueness of the Christian God who creates saves and sanctifies man and all creation. In “The Spirit of Life”, Moltmann develops his pneumatology. It is stated that in His Spirit, God is not outside but within the human heart and their experiences. Also develops an eschatology that read in Trinitarian perspective points the future as the reality that illuminates the past and the present of history and life. Hence the fellowship with Christ means suffering and active participation in the history of God. Your criterion is the story of the crucified and risen Christ. It is, in this approach, a hermeneutic thought of Jürgen Moltmann. The main objective is to demonstrate the theology of the cross in his Trinitarian view showing the cross of Christ as the foundation and criticism of Christian theology.

Key Words:

(6)

Sumário

INTRODUÇÃO ...8

Capítulo I: OS ELEMENTOS PRELIMINARES DA DOUTRINA TRINITÁRIA E APROXIMAÇÃO À TEOLOGIA TRINITÁRIA DE JÜRGEN MOLTMANN ...12

Introdução ...12

1.1-Biografia do autor ...12

1.1.1- Formação Teológica...15

1.1.2- Influências ...22

1.1.3- Interpretação de sua teologia trinitária...23

1.2 - Retorno as fontes da doutrina trinitária: A Sagrada Escritura e a Teologia Patrística...25

1.2.1- Aspectos bíblico-doutrinários ...26

1.2.2- Elementos trinitários no pensamento dos Santos Padres... 32

1.2.2.1- Orígenes...35

1.2.2.2- Os padres capadócios...37

1.2.2.3- João Damasceno...39

1.3 - A influência da Escolástica ...41

1.4 - O diálogo com a teologia moderna...42

1.5 - A doutrina trinitária de Moltmann ...44

Conclusão ...74

Capítulo II: A CRUZ COMO EVENTO TRINITÁRIO...48

Introdução...48

2.1 - A Paixão de Deus...49

2.1.1-A liberdade de Deus...55

2.1.2-A “morte de Deus” como origem da Teologia Cristã...57

2.1.3- A doutrina das duas naturezas e a Paixão de Cristo ...63

2.2 - Teologia da cruz em perspectiva trinitária ...68

2.2.1- O Deus crucificado ...71

2.2.2- O diálogo entre Doutrina Trinitária e Teologia da Cruz...73

2.2.3- A crise de relevância e de identidade do Cristianismo ...75

2.3 - História e ressurreição ...76

(7)

2.3.2- O Espírito e a cruz...81

2.3.3- A transfiguração do Espírito ...85

Conclusão ...88

Capítulo III: A PARTICIPAÇÃO HUMANA NO MISTÉRIO TRINITÁRIO REVELADO NA CRUZ... 90

Introdução ...90

3.1- A experiência da vida humana no pathos de Deus...90

3.1.1- A apatia de Deus e a liberdade do homem ...92

3.1.2- O eterno sacrifício do amor ...94

3.1.3- A plenitude da vida na história trinitária de Deus ...96

3.2 - A teologia política da cruz ...98

3.2.1- Círculos viciosos da morte ...101

3.2.2- Caminhos para libertação...105

3.2.3- As transformações de Deus nas libertações do homem ...107

3.3 - Perspectivas escatológicas da cruz ...110

Conclusão...114

CONCLUSÃO...116

(8)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa busca identificar e compreender a cruz de Jesus Cristo em perspectiva trinitária no pensamento do teólogo alemão Jürgen Moltmann. Em sua obra O Deus crucificado, descreveu a cruz como princípio do entendimento e reconhecimento de sua teologia. Este princípio se baseia na afirmação de que a divindade de Deus revela-se no paradoxo da cruz. Moltmann não parte das necessidades e perguntas dos seres humanos, pois vê nelas o perigo de nivelar o escândalo da cruz. Deste modo, a cruz não confirma nossas necessidades, nossos desejos e interesses, mas os critica. Por isso, o ponto de partida para qualquer doutrina da redenção precisa ser a cruz.

Ressaltar a “fé na cruz”, não como uma glorificação da crueldade e do sofrimento, mas como o lugar onde Deus transforma o ódio em sinal de sua disposição de perdoar. Por meio da elaboração de uma teologia da cruz como proposta de sentido e com sentido a partir da vinda do Reino de Deus, Moltmann apresenta um possível caminho para a uma conversão da teologia cristã. Na cruz o sofrimento é visto como não sendo uma contraposição a Deus, pois o ser de Deus está no sofrimento. Uma vez que, Deus só se manifesta como “Deus” no seu contrário, na impiedade e no abandono. Ele se manifesta na cruz do Cristo abandonado por Deus. Sua misericórdia se manifesta nos pecadores. Sua justiça se manifesta nos injustos e naqueles que não têm direitos e sua eleição gratuita, nos condenados.

Dissertar acerca do tema trinitário é buscar investigar o mistério infinito da própria existência. Deus em si, Deus conosco, Deus em nós, Deus na vida, Deus na história. Deus se revelando na criação, na Cruz de Cristo, na cruz dos povos crucificados1 e na glória do seu Espírito, primícia da realidade vindoura e plenitude da vida eterna. Todas se configuram realidades intrínsecas à sua natureza singular. Porém, tal desafio não deve ser apresentado como obstáculo à pesquisa séria e responsável, mas, resguardadas as naturais dificuldades advindas da complexidade do próprio objeto de estudo, a busca pela pertinência de significados para a doutrina trinitária já justifica todo e qualquer esforço.

(9)

A teologia da cruz de Moltmann constrói uma compreensão de Deus que é notavelmente tradicional em alguns aspectos e inovadora em outros. Percebe-se o seu sentido tradicional numa elaboração teológica inteiramente trinitária. Na modernidade, muitos teólogos minimizaram o papel da trindade em seu pensamento. Moltmann, ao contrário, compreende a trindade como essencial para a fé cristã e acredita que uma tarefa que confronta os teólogos contemporâneos é construir uma teologia cristã que seja relevante para a vida das pessoas, mas, que preserve sua identidade como cristãos. Na perspectiva de Moltmann, às vezes os teólogos escolhem uma e excluem a outra. Neste sentido, o autor afirma que uma teologia da cruz capta ambos os aspectos, pois a teologia cristã encontra sua identidade na cruz de Cristo e sua relevância na esperança.

A presente pesquisa segue as linhas gerais de O Deus Crucificado (1972) e Trindade e

o Reino de Deus (1980) e como complemento utiliza as obras que integram o primeiro

período do pensamento moltmanniano, no qual constitui a base e o germe de sua teologia:

Teologia da Esperança (1966), e A Igreja força do Espírito (1975). Em seguida trabalha a

sistematização do tema, com as obras que compõem o segundo período teológico do autor. Devido à vasta bibliografia de Moltmann, utilizamos aquelas que mais elucidam o tema trinitário e contemplam seu desdobramento. Na tentativa de estabelecer diálogo buscamos contribuições nas obras de outros autores que comentam o pensamento de Moltmann no que se refere à revelação da Trindade, para melhor compreensão de seu pensamento, pelo viés de outras interpretações.

(10)

trinitários, o Pai deixa o Filho sacrificar-se através do Espírito. A cruz está no centro da

Trindade”2 .

No segundo capítulo desenvolve-se a teologia da cruz na qual Moltmann apresenta a cruz como evento trinitário. Na cruz manifesta-se a relação do Filho com o Pai. Na cruz realiza-se plenamente o que começou na encarnação, a saber, que o Pai doa o Filho aos seres humanos (cf. Jo 3,16). E desde a cruz é-nos dado o dom do Espírito Santo, que é derramado do lado aberto de Jesus (cf. Jo 19,34). Segundo Moltmann a cruz pode ser interpretada corretamente só no sentido trinitário.

O evento trinitário da cruz atrai o ser humano para seu interior. Da entrega do Filho pelo Pai e do Filho ao Pai emana o Espírito “que justifica os sem-Deus, enche de seu amor os abandonados e devolverá até mesmo a vida aos mortos, pois até mesmo o fato de que estão

mortos não pode excluí-los daquele evento na cruz, mas a morte em Deus inclui também a

eles”3

. A cruz revela um Deus que ama e que, por isso, é vulnerável e sofre pelos seres

humanos. Deus não está entronizado acima do mundo, mas se deixa envolver no sofrimento do mundo. Portanto, a cruz liberta o ser humano da alienação e tutela política.

O terceiro capítulo apresenta elementos da participação humana no mistério trinitário revelado na cruz. Moltmann mostra que a cruz nos possibilita tornar-se verdadeiramente humanos. Ele aduz o exemplo dos ídolos e falsos deuses que o ser humano cria para proteger seu equilíbrio psíquico. Com ídolos da posse, o ser humano reforça sua máscara para desviar-se de sua verdade, que lhe desviar-seria insuportável. Mas os ídolos que deveriam proteger o desviar-ser humano arremetem-no num constante medo de que poderiam ser despedaçados. O ser é libertado desse medo pelo Deus crucificado que é, ele mesmo, vulnerável e fraco. O Deus crucificado liberta o ser humano para ser um humano vivo, vulnerável, capaz de amar e de deixar-se amar –um ser humano “simpatético”.

2 MOLTMANN, Jürgen. Trindade e Reino de Deus:uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 83.

(11)

A cruz é revelação do Deus verdadeiro e libertação do ser humano para a humanidade. Por isso, Moltmann desenvolve não só uma teologia da cruz, mas também uma antropologia

crucis, uma antropologia da cruz que reconhece a natureza do ser humano ao olhar para a cruz

de Cristo.

(12)

CAPÍTULO I: OS ELEMENTOS PRELIMINARES DA DOUTRINA TRINITÁRIA E APROXIMAÇÃO À TEOLOGIA TRINITÁRIA DE JÜRGEN MOLTMANN

Introdução

Quando nos debruçamos sobre o pensamento moltmanniano percebemos que o tema trinitário não incide aleatoriamente em sua teologia. É fruto da experiência que o autor faz ao longo de sua caminhada histórico-teológica com suas vivências e formulações teológicas.

Da experiência nos campos de concentração na Bélgica e na Escócia surge uma esperança que não teme o futuro, mas que o aguarda em expectativa: no fim está Deus.

Marcada de esperança, a Escatologia anuncia que o futuro de Cristo, estabelecido pela

ressurreição, será também o futuro da história. Porém, a esperança que possibilita a crença no

futuro redimido, é também a esperança que inquieta, desinstala e contradiz o presente de sofrimento e morte. É a esperança que evoca a cruz e encontra nela o Deus solidário com o que sofre e morre e que se coloca contra toda estrutura geradora de sofrimento e opressão. Desse modo, a Cristologia se enche de esperança e anuncia que o Ressuscitado é o que foi crucificado; desta forma, a esperança escatológica, que aguarda o futuro em antecipação, estimula uma esperança cristológica que encarna o presente e o desafia com os valores do reino de Deus. Nesta perspectiva nasce a Teologia da Cruz.

Moltmann4 afirma que a Teologia da Esperança o levou a empenhar-se intensamente

na formulação de um conceito trinitário de Deus, cujo cerne é o sofrimento e a paixão do

Cristo Crucificado. Diante de fortes objeções modernas acerca da existência de Deus, ele foi

capaz de assumir uma esperança transformadora da realidade e estabelecê-la a partir de uma inspiração trinitária. A Criação é obra de um Deus triuno que a encaminha à sua plenitude. Por isso, torna-se importante trabalhar os principais elementos que estruturam e integram o pensamento trinitário de Moltmann, situando-o no aspecto mais amplo da Teologia.

1.1- Biografia do autor

Jürgen Moltmann nasceu a 8 de abril de 1926 em Hamburgo, região norte protestante da Alemanha. Filho de uma família protestante liberal, cresceu tendo acesso a poetas e

(13)

filósofos do Idealismo alemão como Lessing, Goesthe, Nietzche5. Aos dezesseis anos era estudante de Matemática e Física Atômica, admirador de Max Planck e Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade. A Bíblia e o Cristianismo não lhe eram familiares e tão pouco a Teologia desempenhava papel importante na sua vida. Mas seus estudos foram interrompidos quando subitamente foi alistado, aos dezessete anos, em 1943, como auxiliar da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã. Hamburgo foi bombardeada em Julho do mesmo ano na Gomorrah

Operation,pela Royal Air Force. Cerca de quarenta mil pessoas morreram neste bombardeio.

Moltmann e seus companheiros foram destacados para uma bateria antiaérea no centro da cidade. Neste confronto somente ele sobreviveu, assistindo ao amigo ser estilhaçado. Nesta noite ele mesmo recorda como chorou e gritou a primeira vez por Deus: “Meu Deus, onde estás”6? Na segunda Guerra Mundial, Moltmann foi recrutado e levou consigo os poemas de

Goethe e Fausto como também o Zarathustra, deNietzsche, como sustento intelectual. Serviu

como soldado por seis meses, rendendo-se na Bélgica, em 1945, para o primeiro soldado britânico que ele encontrou em sua área. Por três anos, ficou preso confinado ao campo de guerra na Bélgica, Escócia e Inglaterra7. Moltmann relata sua experiência de vida:

Em 1944, com a idade de dezessete anos, fui mandado para a guerra. Colocaram-me num campo de prisioneiros juntamente com massas de meu povo. Foram três anos de trabalho forçado. Perdemos os nomes e nos transformamos em números. Ficamos órfãos de lar e de pátria; perdemos a esperança, a autoconsciência, e a própria comunidade. Experimentamos, então, o que poderíamos chamar de ochios, ou seja, a massa humana desorganizada, prisioneira, sem educação, sofredora, sem face, sem liberdade e sem história [...].8

Este período de sofrimento e injustiça deixará uma marca indelével em sua teologia do reino de Deus bem como na audaz concepção do patripassionismo9 da sua teologia

trinitária. Os remorsos de Buchenwald, de Bergen-Belsen e de Auschwitz fizeram-no perder a esperança na cultura germânica. A teologia da justiça transmutada em teologia da esperança em tempos de sofrimento levará Moltmann ao diálogo com Bloch na reconstrução da teologia

5 SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia. São Paulo: Paulus, 2009, p. 14. 6 Ibid., p.20.

7 SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia, p. 14

8 MOLTMAN, Jürgen. Paixão pela vida. ASTE, São Paulo, 1978, p.15. 9 MOLTMAN, Jürgen.

(14)

do padecimento. Essa experiência o fez afirmar que a fé cristã combina com a experiência de uma determinada situação de vida não só privada, mas também social. Trata-se de uma experiência de natureza coletiva. Nesse sentido, se coloca a questão relevante para Moltmann: é sempre um problema falar de Deus depois de Auschwitz. A problemática é ainda maior quando se trata de como falar de Deus depois de Auschwitz?10 Será esta preocupação que perpassará seu pensamento teológico.

Ainda prisioneiro, o jovem Moltmann e seus companheiros receberam de um capelão americano uma pequena cópia do Novo Testamento e dos salmos, o que o fez encontrar a fé cristã:

Eu pessoalmente mergulhei fundo, quando na prisão nas mãos de Deus. A noite escura das trevas divinas está na minha alma. Dessa necessidade o Cristo crucificado me deixou livre: quando de sua suplica registrada no Evangelho de Marcos: “Meu

Deus, por que me abandonaste?” Então tomei conhecimento de que ali estava alguém que podia te entender. Alguém que, em seus temores, estava bem perto de ti. Ali estava alguém que em sua ressurreição, te leva consigo para a vida verdadeira. O Crucificado de Deus que experimentou as trevas divinas para a minha redenção.11

Para Moltmann12, a guerra e o pós-guerra representaram justamente as primeiras oportunidades de se colocar seriamente a pergunta sobre Deus, que, até então, não o havia preocupado. No campo de concentração ele experimentou o colapso de suas certezas e neste colapso encontrou uma nova esperança na fé cristã:

Nos anos em que fui prisioneiro de guerra, de 1945 a 1948, a história bíblica da luta de Jacó com o anjo do Senhor no Jaboc sempre foi para mim a história de Deus na qual reencontrei minha própria pequena história de ser humano. Entrávamos nos pavores do fim da guerra e na miséria insolúvel das prisões do pós-guerra e lutávamos com Deus para sobreviver nos abismos do absurdo e da culpa. Saímos daqueles anos, “mancando de uma coxa”, porém abençoados [...].13

Moltmann fala de uma “transformação imerecida” da qual ele participou em sua vida. Essa transformação pode ser entendida como a metanóia que ele vivenciou em situação de muitas privações e humilhações. A transformação aconteceu dentro de duas perspectivas:

10 SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia, p. 14.

11MOLTMANN, Jürgen. O Deus crucificado: A cruz de Cristo como base e critica da teologia cristã. Santo André: Academia Cristã, 2011, p.14.

12Idem, Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia cristã, p.12.

13 Idem, A Fonte da Vida. O Espírito Santo e a Teologia da Vida. São Paulo: Loyola, 2002, p. 9-10.

(15)

graças a Bíblia e aos encontros com pessoas. Ele descreve essas transformações em cinco momentos, dos quais apresentamos dois deles:

No campo de trabalhos da Escócia pela primeira vez na vida, recebi, como outros detentos surpresos, uma bíblia de um bem-intencionado capelão militar. Muitos teriam preferidos cigarros. Eu, porém, lia sem compreender muito, até que encontrei os salmos de lamentação. O salmo 39 me cativou: “Calei-me, mas (?) do que convinha. Minha dor tornou-se insuportável... A duração de minha vida é quase nada diante de ti... Ouve a minha oração, Senhor, e meu grito, e presta ouvido às minhas lagrimas, não permaneça surdo, pois não passo de um migrante

junto a ti, um hospede como todos os meus antepassados”. Eram palavras que

brotavam de minha alma e a atraiam para Deus. Depois cheguei à história da

paixão. Quando li o grito de Jesus ao morrer: “Meu Deus, por que me

abandonastes?”, soube com certeza: está ali o único que me compreende.

Comecei a compreender o Cristo atribulado, porque sentia que era compreendido por ele: O irmão divino na aflição que leva consigo os cativos em seu caminho para a ressurreição. Recobrei o ânimo de viver. Fui tomado de uma grande

esperança. Também vivi paz quando outros foram “repatriados” e eu não. Desde

então nunca mais se apartou de mim essa antiga comunhão com Jesus, o irmão no

sofrimento e o redentor da culpa. Nunca tomei uma “decisão” por Cristo, como muitas vezes se exigia. Com tudo tenho certeza de que naquele tempo e naquele lugar ele me encontrou no buraco negro de minha alma. O abandono de Cristo por Deus me mostrou onde Deus está, onde ele estava comigo em minha vida.14

O segundo fator foi a cordialidade com que nos tratavam os escoceses e ingleses, antigos inimigos. Em Kilmarnock, os mineiros e suas famílias nos acolheram com uma hospitalidade que nos envergonhou profundamente. Não ouvíamos acusações. Não nos atribuíam nenhuma culpa. Éramos aceitos como seres humanos, embora não passássemos de números, e ostentássemos nas costas as lapelas de prisioneiros. Experimentamos perdão da culpa sem confissão de culpa de nossa parte. Foi isso que nos possibilitou viver com o passado de nosso povo e com as sombras de Auschwitz, sem reprimi-las e sem endurecermos. Por longo tempo, continuei a me corresponder com a família Steele.15

A) Formação teológica

O processo de formação teológica de Moltmann foi um espaço eclético que contribuiu significativamente para seu crescimento. Os estudos oferecidos em Norton Camp,

apesar de todas as limitações pedagógicas e metodológicas do ensino, transformaram-se em um espaço de benção e crescimento para sua maturidade teológica e pastoral. Ele descreve em três momentos como se deu o processo de educação naquele espaço:

14 SILVA, Geoval Jacinto da. Jorge Schutz DIAS, Jürgen Moltmann: teólogo e pastor. Revista Caminhando, São Paulo, v.13, n.22, jul-dez, 2008, p. 24-30.

(16)

1. Um espaço de formação como mosteiro. Para nós Norton Camp era uma espécie de clausura de mosteiro, excluded from time and world (excluído do tempo e do mundo), como escreveu Gerhard Noller em 1948 na carta de despedida. O dia começa a seis e meia com um sinal de trompete (porque quando fomos presos nos tiraram os relógios) e terminava às dez e meia da noite, quando os ingleses desligavam as luzes. Subitamente tínhamos tempo, muito tempo e, totalmente famintos de atividade intelectual, nos vimos diante de uma maravilhosa biblioteca que a Associação Cristã de Moços havia instalado naquele tempo. Li de tudo: poesias e romances, matemática e filosofia e grandes quantidades de teologia, praticamente de manha até a noite. As riquezas encontradas nos planos de ensino das disciplinas.

2. Os planos eletivos dos semestres eram ricos e nós, afinal, queríamos aprender tudo. Estudei hebraico com Waletr Haaren e Gehard Noller. Gehard Fredrich nos introduziu no novo testamento. Depois vieram os visitantes: Anders Nygren ficou quatorze dias e nos ensinou teologia sistemática, o professor Soe, de Copenhague, fez o mesmo em relação a ética cristã. Werner Milch, emigrado, mas tarde professor em Marbug, apresentou-nos de forma contagiante uma história da literatura do século XX. Fritz Blanke veio de Zurique e Matthew Black, da Escócia. Tempos depois, voltei a encontrá-lo em St. Andrews. Sem

dúvida éramos um acampamento “vitrine”, e não sem motivo. Com tudo

também fomos ricamente presenteados e honrados pelas visitas e palestras de Birger Forell, John Mott, Willem Visser`t Hooft, Martin Niemoller e outros.

3. A recordação das pregações. Não por último, lembro-me das pregações impactante dos nossos pastores no acampamento, Rudolf Halver Wilhelm Burckert foram as primeiras pregações que ouvi na minha vida e várias delas eu ainda hoje seria capaz de repetir, especialmente a mensagem de Halver sobre a magna peccatrix (grande pecadora, de 10 de agosto de 1947). Vejo a minha frente a longa fila de presos no caminho da igreja de Cuckney ou da igreja metodista de Frank Baker, a quem pude reencontrar mais tarde na Duck University, em Durrham (EUA).16

Moltmann tem muita facilidade de assimilar os sinais do tempo de Deus para sua vida e transformá-los em momentos de graça, vida e esperança. A partir da sua visão do vale de Jaboc (cf. Gn 32,22-31), ele caminha como que marcado, não para morrer, mas marcado para a vida, como ele mesmo retrata:

O que no início parecia ser um destino cruel tornou-se para nós uma benção de riqueza imerecida. Começou na noite da guerra, mas quando chegamos em Norton Camp, raiou o sol para nós. Chegamos com almas feridas, e, quando saímos, “minha

vida foi salva”. Sem dúvida não vimos, como Jacó naquele lugar no Jaboq, “Deus face a face”. De acordo com a tradição bíblica, isso será reservado apenas a poucos

“amigos de Deus”. A todos os demais, porém, isso foi prometido somente para o

(17)

grande dia da ressurreição, quando veremos “face a face” e “conheceremos como somos conhecidos” (1 Cor 13, 12). Ocorreu o inverso: foi Deus quem olhou para nós com os “olhos radiantes” de sua alegria eterna. A bênção e o Espírito da vida tem sua origem no “olharo juízo de Deus” (bester panim) e a rejeição no “olhar desviado de Deus”. Aquilo que vivenciamos foi, para muitos de nós, a mudança do “rosto oculto” para a “face resplandecente de Deus”. Experimentamos sua ocultação e sua

distância com dor e sentimos que ele olhou para nós com “olhar resplandecente”, e

sentimos o calor de seu amor. Após cinquenta anos, reunimo-nos aqui para enaltecer o Deus oculto e mesmo assim, tão misericordioso, por tudo que experimentamos dele. Comparecemos também para lembrar com gratidão as pessoas que vieram ao encontro de nós, prisioneiros, com tanta disposição de perdoar e com tanta hospitalidade. Jamais esqueceremos Birger Forell e John Barwick, que organizaram Nort Camp, e continuamos devedores da ACM (Associação Cristã de Moços), que organizou aquela generosa ajuda aos prisioneiros de guerra, que nos restaurou. Encerro com palavras do Salmo 30.12s, confessando:

Senhor, transformastes meu luto em dança, Meu traje de luto mudaste em traje de festa. Por isso a alma te cante sem cessar.

Senhor meu Deus, eu te darei graças para sempre”17.

Tal momento histórico é decisivo para Moltmann, impregnando e afetando irreversivelmente sua visão de mundo. Desta forma, dos escombros da Segunda Guerra Mundial nasce a esperança em um futuro diferente, novo e redimido. Nasce o teólogo da esperança que aguarda pelo futuro de Deus18, estabelecido sobre promessas de restauração de

um mundo ameaçado pela morte.

Para tentar compreender o poder da esperança ao qual devia a sua vida, Moltmann começa uma significativa carreira teológica. Em 1948, regressou à Alemanha, aos vinte e dois anos, quando iniciou uma teologia dos chamados “Sobreviventes desta geração”. Tinha esperança que o exemplo da Bekennende Kirche (Igreja confessante, não estatal) durante a guerra fosse implementado em estruturas eclesiais. No entanto, ele foi desiludido, juntamente com seus companheiros, ao assistir a um reavivamento dos modelos culturais anteriores à guerra para tentar fazer um parêntese deste período difícil da história do seu país, como se nada tivesse acontecido ou como se fosse possível e preferível esquecer.

Moltmann iniciou os estudos na Universidade de Göttingen, uma instituição em que os professores seguiam Karl Barth e estavam empenhados na Bekennende Kirche da Alemanha, pois as igrejas nacionais teriam calado ou até mesmo aplaudido durante o tempo de Hitler. Esta Igreja Confessante foi a única que lhe mereceu respeito, pois foi a única que se

opôs ao III Reich com as declarações teológicas de Barmen, em 193419, para libertar a Igreja

17 MOLTMANN, Jürgen. A Fonte da Vida. O Espírito Santo e a Teologia da Vida, p.16-17.

18 Cf. Idem, Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as consequências de uma escatologia, p. 27.

(18)

da tutela do Estado. A Igreja Confessante organizou e fundou a Kirchliche Hochschule de

Wuppertal, em 1935, (onde Moltmann viria a lecionar) para possibilitar uma Teologia não

pública, livre da influência do Estado. Por isso, foi fechada no dia seguinte à sua fundação. Os Deutschen Christen (cristãos nacionalistas) não se importaram muito também com a

demissão de Paul Tillich e Karl Barth da docência da Universidade de Bonn pelo Partido Nacionalista (nazi), em 1935, por não se submeterem ao juramento de fidelidade ao Estado como funcionários de Hitler. A Kirchliche Hochschule foi apenas reaberta em 194520.

Todavia, Moltmann, sentiu necessidade de ultrapassar o entendimento estreito da teologia dialética de Karl Barth. Privilegiou a então “nova ortodoxia” dos Solus Christus ao

tentar oferecer respostas às mudanças políticas e culturais do período pós-guerra, distanciando-se dos clássicos esquemas de relações entre “trono e altar”, “fé e a burguesia” ou entre “religião e o capitalismo”. Moltmann tornou-se crítico de Barth com esta “ortodoxia Barmen” e com a ajuda do teólogo holandês Arnold van Ruler na sua teologia do apostolado. A partir de Ernst Wolf e das Cartas da prisão, de Dietrich Bonhoeffer, publicadas em 1951,

desenvolveu sua preocupação pela ética social. Neste sentido, foi influenciado também por Lutero, Hegel e por Hans Joachim Iwand, profundo conhecedor da ideologia da Reforma. Este último conseguiu convencê-lo do poder libertador da doutrina reformada da justificação e da teologia protestante da cruz.

Seus primeiros estudos teológicos transcorrem entre os anos de 1948 a 1952, passando, logo em seguida, ao exercício da atividade ministerial. Durante seis anos (1953 – 1958), Moltmann exerce atividades pastorais, dedicando-se, porém, ao ensino teológico a partir do ano de 1957, quando assume as cátedras de História do Dogma e Teologia Sistemática na Universidade de Bonn.

A partir de suas experiências encontram-se o material biográfico e social que darão origem à sua obra Teologia da Esperança, publicada em 1964. Outro fator determinante para

seria recordado com o nome de “Confissão de fé de Barmen” e que já tem o seu lugar entre os textos simbólicos da Igreja Evangélica. Naquele admirável documento, entre outras coisas, podemos ler: “Segundo o testemunho das Escrituras, Jesus Cristo é a única Palavra de Deus. Unicamente a ela devemos ouvir e somente a ela devemos confiança e obediência na vida e na morte. Repudiamos a falsa doutrina pela qual a Igreja poderia e deveria reconhecer, como fonte de sua mensagem, além e ao lado dessa única Palavra de Deus, outros eventos, outras

forças, personalidades e verdades como revelações de Deus”.

(19)

o surgimento da Teologia da Esperança é o trabalho de Ernst Bloch21, que o levaria a formular duas perguntas básicas: a) por que a Teologia tem negligenciado o tema da esperança? b) e o que resta, no Cristianismo atual, do espírito de esperança que animava o Cristianismo primitivo?

Para Bloch22, a tese marxista segundo a qual o homem se encontra em estado de

alienação, constitui um dos fundamentos de sua filosofia da esperança. No entanto, este

estado de alienação não se dá apenas por razões econômicas, como apresentava Marx, mas também, por razões ontológicas. Isso significa que um homem, à semelhança de tudo criado, é essencialmente incompleto, abertura que decorre de uma condição de ainda-não, mas que

tende para o possível que lhe está adiante, o futuro-não-ainda-tornado-tal. Nestes termos, o

princípio esperança de Bloch apresenta-se como herdeiro de todas as esperanças humanas,

assumindo contornos de uma metarreligião23.

Através do diálogo com a filosofia de Bloch, Moltmann estabelece quatro pontos do pensamento cristão que oferecem resistência de adequação ao que ele entende ser um princípio escatológico ateu. Estes são: a) o fundamento da esperança; b) o reino de Deus; c) a escatologia e a ressurreição dos mortos; d) a esperança cristã como força ativa.

Para Moltmann24, o fundamento da esperança cristã reside napromessa de Deus e no futuro de Cristo. O que está reservado para o homem e o que ele finalmente se tornará

21 SILVA, Geraldo Cruz da. A Trindade libertadora: um estudo da teologia trinitária de Jürgen Moltmann, em sua obra: Trindade e Reino de Deus. Dissertação de Mestrado-FAJE, Belo Horizonte, 2006, p. 12. Sobre ERNEST BLOCH (1885 – 1977) - Pensador alemão, de origem judaica, considerado um dos maiores filósofos revisionistas do Marxismo. Professor da Universidade de Leipzig exilou-se nos Estados Unidos em 1933, regressando à Alemanha Oriental em 1948 e radicando-se depois na Alemanha Ocidental (1958), onde foi professor na Universidade de Tübingen. O Marxismo de Bloch é influenciado pelo Idealismo Alemão, sobretudo hegeliano, e pela tradição mística judaica e cristã. O principio fundamental da sua filosofia é a esperança (Hoffnung). Vê a história como algo que vai se fazendo de acordo com esse espírito e define a consciência como

“Consciência antecipadoura”. Em sua revisão do Marxismo, Bloch propõe dois pontos fundamentais a serem

reconsiderados: a) abandono do princípio da dialética que ele substitui pelo da possibilidade (ou do “ainda-não”

como ele prefere); b) centra sua interpretação da historia numa nova concepção do homem, e não no estudo dos fenômenos econômicos, como fizera Marx. Obras principais: Sobre o espírito da utopia (1918) e O princípio esperança (1954-1959).

22 Cf. MONDIN, Batista. Curso de filosofia,Os filósofos do ocidente. v.1. São Paulo: Paulinas, 1983. p.242-248. 23 CF. BLOCH, Ernest. O Princípio Esperança, Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, p.203-205. Bloch dialoga diretamente com as definições da matéria formuladas por Aristóteles, isto é, que a matéria mecânica (existência determinante) não representa toda dimensão da matéria. Este ainda conceberia o que chamou de matéria interferente (totum utópico), a que possui o potencial e o lugar das condições contínuas; a matéria concebida como possibilidade (sendo-em-possibilidade ou útero da fertilidade) e não como fim em si mesmo.

(20)

ocorrerá por obra do Deus transcendente. Bloch, porém, afirma em seu escatologismo ateu, que o homem não se transformará em nada que lhe seja projetado de fora, mas naquilo em que é misterioso nele mesmo e que no fim se descobrirá. Neste caso, o fundamento da esperança estaria na própria esperança e, por isso mesmo, passível de ser considerada utópica.

Na perspectiva do reino de Deus, a esperança cristã o define como reino no qual a morte será definitivamente tragada e não apenas como a pátria da identidade ou da

solidariedade, na qual o homem alienado de Bloch poderá encontrar-se consigo. O reino de

Deus é um reino escatológico, cuja consumação se dará por exclusiva iniciativa e competência trinitária.

O tema da escatologia e da ressurreição dos mortos suscita outra dificuldade. Para Moltmann, a escatologia cristã espera a ressurreição dos mortos. Uma ressurreição que reintegra a morte à vida, como creatio ex nihilo. Para Ernest Bloch, porém, as queixadas da

morte atingem apenas a casca da existência humana, quer dizer, o ser que existe, mas não o

núcleo obscuro, isto é, o ser que existirá. Esta postura ante a condição existencial do homem

frente à morte, em Bloch, assemelha-se a uma doutrina da imortalidade da alma na qual há uma distinção entre o eu empírico e o eu transcendental25.

Por fim, coloca-se a questão da natureza da esperança cristã como uma possível força ativa. Ernest Bloch acusa a esperança cristã (como as demais de cunho religioso) de ser uma esperança, cuja certeza consiste em mera segurança supersticiosa e mitológica, uma vez que se estabelece a partir da hipótese Deus. Deste modo, apenas a mensagem do princípio

esperança seria capaz de trazer o ser humano comprometido com o futuro. Moltmann afirma

que a esperança cristã, embora seja uma certeza confiante (Zuversicht), estabelecida pela fé,

não pode ser confundida com uma tranquila segurança (Sicherheit). Ela se identificará mais

com um protesto contra a miséria, a injustiça, o pecado e a morte. Estará mais próxima da cruz (donde provém), das realidades crucificadas, reverberando sua insatisfação e inquietação até que a promessa de Deus (confirmada na cruz de Cristo) se cumpra em benefício da justiça, da verdade e da vida de toda a sua criação.

Deste modo, pode-se concluir que a Teologia da Esperança26 é devedora do Princípio Esperança de Ernest Bloch. Moltmann não nega ou dissimula isto, antes demonstra

com veemência sua inquietação pela pouca influência que o tema da esperança escatológica passou a ter no pensamento cristão ao longo da história. Moltmann soube explorar toda força

25 GIBELLINI, Rosino. Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 291.

(21)

que o Princípio Esperança exerce, tanto sobre o futuro que se aguarda quanto sobre o

presente que se busca transformar, inclusive politicamente. Por outro lado, ele soube também definir os limites dessa influência. Permanece uma diferença fundamental entre a Teologia da

Esperança e o Princípio Esperança. Enquanto o Princípio Esperança (ou filosofia da

esperança) admite apenas um futuro que emergirá da própria matéria por extrapolação das tendências intrínsecas da realidade-matéria (futuro do futuro), a Teologia da Esperança, por

sua vez, reafirma o futuro como advento (futuro do advento); o futuro que vem, não por extrapolação, mas por antecipação, isto é, no evento Cristo, configurado definitivamente em sua ressurreição, o futuro se antecipa como dádiva divina de vida, renovação e esperança27.

O desenvolvimento do pensamento teológico de Moltmann pode ser estruturado a partir de três fases: A primeira, expressa diretamente os anseios políticos-socias dos anos 60 e 70. Neste período suas obras principais são: Teologia da Esperança (1964), Crítica à religião

política (1970), O Deus Crucificado (1972) e Igreja no Poder do Espírito (1975). A segunda

fase dá-se na década de 80, com as obras denominadas contribuições à teologia: Trindade e

Reino de Deus (1980), Deus na Criação (1985), O Caminho de Jesus Cristo (1989). A

terceira, reflete as inquietações dos anos 90: Espírito da Vida (1991), A Vinda de Deus

(1995), A Fonte da Vida (1997) e, finalmente, Experiências de Reflexão Teológica (1999),

obra que trata mais detidamente do seu método teológico.

O método utilizado nesta dissertação foi o do estudo analítico e hermenêutico de suas obras, sobretudo, as que expressam a originalidade de Moltmann e sua interpretação da teologia trinitária: O Deus Crucificado (1972), Trindade e Reino de Deus (1980) e O

Caminho de Jesus Cristo (1989). Iniciamos nossa pesquisa com um percurso histórico,

apresentando como a questão trinitária foi sendo refletida e afirmada na história da Teologia. Em seguida, ressaltamos a contribuição que a Teologia Protestante de Jürgen Moltmann traz e que, a nosso ver, constituiu uma novidade importante que configura de forma diferente o pensar teológico hodierno.

(22)

b) Influências

Como já abordamos, Moltmann foi afetado radicalmente por Ernest Bloch. Assume deste filósofo termos como prioridade e primado que, no caso, servem para articular a relação entre socialismo e democracia28. Deste autor Moltmann considera, ao lado da Bíblia e da Dogmática da Igreja de Barth, O Principio Esperança como a obra mais importante já

produzida.

Bloch oferece a Moltmann a esperança utópica, ao passo que este oferece para a Teologia uma reflexão sobre o Reino de Deus, cuja esperança transcende os horizontes históricos, de forma que o éscathon ilumina o presente da criação, sustenta a comunidade no

itinerário da salvação, enquanto promove, a partir da fé, as experiências que fazem o ser humano avançar em direção à promessa.

Barth foi seguramente o teólogo mais influente do Protestantismo desde o grande Schleiermacher. Enquanto Moltmann tem as marcas da Segunda Guerra Mundial, Barth foi provado pela Primeira. Ele questiona a postura de pensadores conformistas e decide refletir sobre a Carta aos Romanos em busca de respostas aos questionamentos que tanto o inquietam29.

Moltmann foi introduzido na Dogmática de Barth pelo teólogo alemão Otto Weber. Esta obra, considerada por muitos como a Suma Teológica do Século XX, tornou-se, para Moltmann, uma referência. Quando ele pensou que não havia mais Teologia depois de Barth, Arnold von Ruler, em 1965, o libertou desse engano.

Percebe-se de modo ímpar em O Espírito da Vida (1991), a presença da filosofia de

vida de Dilthey, Bergson, Simmel e Nietzsche, que atua de modo transversal na Pneumatologia que esta obra desenvolve. Sob a influência de Buber, Moltmann entende que o diálogo não é resultado de dois monólogos. Ele aplica essa alteridade em sua cristologia messiânica, que ressoará na cristologia latino-americana de Jon Sobrinho. A cristologia de Moltmann é messiânica. Não se limita nem ao Jesus histórico nem ao Cristo da fé. Antes, procura entender a passagem do Jesus judeu para o Jesus cristão, enquanto aponta para a descoberta do Jesus judeu no Jesus cristão.

28 Ibid., p. 282.

(23)

Deus não poderá ser sentido como presença amorosa se não se contempla a criação como realidade autônoma e dialógica. Esta espiritualidade denuncia um “novo exílio trinitário”, já acenado por Bruno Forte30. Por dentro dessa ausência de presença solidária

encontra-se um “não” à recepção de Deus pelo homem, no próprio homem, em toda criatura. A proclamação de Deus presente na história confirma a esperança fundamentada na fé em Jesus Cristo, que sopra o seu Espírito e confirma a vontade livre de amar e ser amado. Em Jesus, revela-se o Deus que independe do homem para criá-lo, mas, quis contar com ele para o contínuo da criação, o acontecimento da salvação e a realização da santificação.

A partir da Teologia de Moltmann emerge uma reflexão do mistério trinitário que iluminará Bruno Forte ao perceber o vínculo entre Trindade e história. Este vínculo não é outro acontecimento senão o mistério salvífico de Jesus. O evento pascal, verdadeiramente, se experimenta na história. A concepção trinitária de Bruno Forte - que assume a ressurreição de Jesus segundo o Espírito da vida, e se desdobra em história de amor, cujo evento de amor eterno não está fora da Trindade - comunga radicalmente com a perspectiva de Moltmann.

c) Interpretação de sua teologia trinitária

A segunda fase do pensamento de Moltmann situa-se entre 1980 e 1999. Esta é denominada “a parte como contribuição ao todo”, isto é, a formulação de contributos sistemáticos à Teologia. O objetivo desta fase é tratar de modo sistemático as conexões que são relevantes entre conceitos e temáticas doutrinais de primeiro plano na teologia cristã. Trata-se da inserção em um diálogo mais amplo do que a teologia cristã conhece31.

A partir do princípio esperança, Moltmann passa para a reflexão trinitária explícita.

Essa passagem não é fragmentada, pelo contrário, acontece em forma de espiral. Vai da Teologia da Esperança à Teologia da Cruz, e desta às Contribuições Sistemáticas para a

Teologia. Esta última tem como característica fundamental o diálogo que se torna tão eficaz

que interpreta a Teologia da Esperança a partir da ação salvífica do Crucificado, donde surge a esperança que alimenta a fé cristã, a ponto de entender a Trindade como comunidade aberta. Em Trindade e Reino de Deus (1980), Moltmann tenta superar o conflito entre o

teológico e o antropológico da exegese das Escrituras, auxiliado pela hermenêutica trinitária, no intuito de libertar a doutrina de Deus dos dois limites da antiga metafísica de substância e

(24)

da metafísica moderna de subjetividade transcendental. Dessa forma, desenvolve-se e amplia-se completamente a doutrina social da Trindade32.

Na doutrina social da Trindade surge, relativamente independente, o trabalho do Espírito. Nesta obra, acaba por aderir à relação pericorética capadócia intra-trinitária e recusa qualquer concepção monoteística ou monárquica de Deus. Pode-se concluir que em Trindade

e Reino de Deus Moltmann distancia-se da concepção substancialista da Trindade e da

perspectivação da mesma no horizonte da moderna filosofia da subjetividade, para ensaiar uma doutrina trinitária social, como o próprio autor afirma33.

A elaboração da Teologia da Trindade está associada ao desenvolvimento de uma hermenêutica trinitária da história, que tem seu fundamento na Sagrada Escritura. Parte-se do princípio de que as noções monárquicas e monoteístas influenciaram o desenvolvimento da Teologia da Trindade. Neste sentido, apresenta-se o discurso teológico, compreendendo a Trindade como um mistério aberto, somente compreensível na experiência humana de transformação da história de pecado e opressão em história da própria verdade da revelação. A esta se une a reflexão sobre Deus como substância suprema e como sujeito absoluto34, cujo conhecimento se dá por duas vias, a saber, uma negativa e outra positiva. Na primeira, discute-se o sentido do sofrimento relacionado à bondade e à misericórdia de Deus e o homem como sua criatura. Na segunda, o amor é fundamental para mostrar a vulnerabilidade de Deus diante do sofrimento35. Esta posição busca resposta na questão da Teodiceia, que tem como objetivo estudar Deus em si mesmo36.

Percebe-se na teologia trinitária de Moltmann que a substância divina não é impassível diante do sofrimento humano, participando de toda situação de dor da humanidade por solidariedade. Trata-se, portanto, de uma característica que não depende do sofrimento humano, mas que pertence à própria essência de Deus. Trata-se de situar a cruz no centro da fé cristã e refleti-la em perspectiva trinitária37.

A partir do pensamento moltmanniano pode-se verificar que a Teologia da Cruz e a Doutrina Trinitária constituem símbolos identificadores da fé cristã. Apresentam, ante as demais religiões, o que o Cristianismo possui de mais específico e controvertido. Nesta

32 Ibid., p. 29.

33 Jürgen MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus:uma contribuição para a teologia, p. 10. 34 Ibid., p.19.

35 SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia, p. 111.

(25)

perspectiva, a presente dissertação aprofunda tal temática e apresenta resposta para questões como: existe uma conexão lógica e interna entre a fé no Crucificado e no Deus triuno? É necessário pensar trinitariamente para compreender o Deus humano, isto é, o Deus crucificado? Como a cruz pode ser compreendida trinitariamente e o que ocorreu com Cristo e Deus na cruz? Para tanto, julgamos necessário um retorno às fontes da formulação da Doutrina Trinitária e a aproximação à Teologia Trinitária de Jürgen Moltmann.

1.2 - Retorno às fontes da doutrina trinitária: A Sagrada Escritura e a Teologia Patrística

O estudo da doutrina trinitária remete ao estudo do Deus notadamente cristão. Transcende a problemática da comprovação de sua existência para enfocar a da sua real natureza. É o exercício teológico e existencial pelo discernimento do Deus-Criador-Amor em meio à diversidade de ídolos; é a busca pelo único Deus, revelado em Jesus Cristo, sofredor e libertador, que ama a ponto de oferecer-se como sacrifício eterno de salvação. Desde a Igreja antiga, os cristãos se esforçam, sobretudo, nos concílios ecumênicos, para compreender as repercussões doutrinárias da história de Jesus e seus consequentes desdobramentos para a compreensão trinitária de Deus.

A partir desta constatação histórica, emergem importantes questões de cunho hermenêutico. As definições conciliares de fato coincidem com o anúncio divino registrado no Novo Testamento? No desenvolvimento da doutrina eclesiástica acerca da Trindade, esta já estava contida nos escritos evangélicos ou representa uma posterior dogmatização do Cristianismo? Moltmann afirma que entre os referidos períodos históricos ocorre uma inegável diferença hermenêutica. Para tanto, cita o argumento do teólogo liberal Adolf Von Harnack38: A fé viva parece ter-se convertido em uma fé demasiadamente confessional, e o sacrifício de Cristo, em cristologia”. No entanto, Moltmann questiona as suspeitas liberais se, de fato, as confissões eclesiais teriam convertido a ortopraxia de Jesus em ortodoxia da fé em Cristo39

.

O conhecimento da Trindade é derivado da história de Jesus Cristo, o Filho. Portanto, a doutrina da Trindade pressupõe uma cristologia como premissa, uma vez que é a cristologia

38 Teólogo Alemão (1841-1930) cujas maiores contribuições encontram-se nos estudos do NT e da Patrística.

Segundo ele, a tarefa do teólogo consiste na eliminação da “casca” cultural e histórica do desenvolvimento

(26)

que faz necessário o conhecimento e o conceito do Deus triúno. Contudo, a Cristologia pressupõe uma cristologia aberta à percepção da criação do mundo mediante o Pai de Jesus Cristo, e da transfiguração do mundo mediante o Espírito que procede do Pai e do Filho. Conclui-se, desta forma, que a criação está associada à encarnação-redenção e santificação40. Desta forma, torna-se necessário compreender o processo histórico-teológico segundo o qual foram construídos imagens e conceitos acerca de Deus.

a) Aspectos Bíblico-doutrinários

A doutrina da Trindade se desenvolveu em decorrência da necessidade da Igreja cristã de explicar como Jesus, enquanto Cristo, se relaciona com Deus, pelo fato de os primeiros cristãos terem sido judeus e, por isso, sua ligação com o Deus único era forte. Surgiu a problemática de como os cristãos podem testemunhar a presença e Deus que eles vivenciam em Jesus Cristo e ainda assim manter sua crença num Deus único. Assim, como em nossos tempos, os teólogos cristãos consultaram as Sagradas Escrituras em busca de resposta. O fato é que não encontraram a palavra Trindade, mas descobriram vários textos que serviram de base para o desenvolvimento dessa doutrina41.

Devido à importância da fé trinitária para o Cristianismo e a dificuldade que o pensamento humano encontra em sua compreensão - e também pelo perigo da má interpretação da fé -, a Igreja continuamente testemunha e protege a fé contra possíveis desfigurações42. Tendo por base as declarações da Igreja, o conteúdo essencial e mais importante da fé trinitária pode ser compreendido da seguinte forma: O Deus único existe e vive em três pessoas43. Estas pessoas são realmente distintas entre si, mas da mesma natureza

40 Cf. SILVA, Maria Freire da. Trindade, criação e ecologia, p. 114.

41 Cf. LOREZEN, Lynne Faber, Introdução à Trindade. São Paulo: Paulus, 2002, p. 10: Diante da necessidade de uma doutrina da Trindade que seja funcional para o Ocidente do mesmo modo que o pensamento trinitário sempre foi referencial para o Oriente. O primeiro recurso para uma doutrina ocidental reautenticada é o ensinamento trinitário clássico da Igreja oriental. Neste sentido, Moltmann é um dos teólogos que mais contribuiu para recuperar esse pensamento oriental para ocidente.

42 Pode-se observar essa preocupação nas seguintes profissões de fé: o símbolo apostólico (D 6; DS 10-30), uma declaração do papa Dionísio (D 57; DS 125), a confissão de fé de Epifânio mais ou menos de 374 (D 13s; DS 42-45), o símbolo niceno-constantinopolitano (D 86; DS 150), a profissão de fé do XI Sínodo de Toledo (de 675; D 275-281; DS 525-532) e o IV Concílio Ecumênico de Latrão (de 1215; D 428-432; DS800-808), o Concílio de Lião (D 461s; DS 851-853) o Concílio Ecumênico de Florença (D 703s; DS 1330s), a condenação dos erros trinitários de Socino de 1555 (D 993; DS 1880), a reprovação das expressões equivocas por parte de Pio VI em 1794 (D 1596; DS 2697s), a rejeição das errôneas interpretações trinitárias do teólogo vienense Anton Günther em 1857 (D 1655; DS 2828), as declarações de Pio XII sobre a unidade da ação divina e sobre a inabitação do Espírito Santo (D 2290; DS 3814s) e outras declarações.

(27)

divina, a substancia divina. A unicidade de Deus fundamenta-se sobre a unicidade da natureza divina. Em virtude dessa unidade compreende-se que o Deus único existe como Pai, Filho e Espírito Santo. Dessa forma, fica excluída a possibilidade de uma “quaternidade”, ou seja, uma natureza em três pessoas. Para afirmar as reais distinções das pessoas, deve-se admitir uma distinção formal entre a natureza divina e as pessoas. O Pai não tem princípio. O Filho é gerado do Pai na substância divina. O Espírito não é gerado, mas é emanado. Procede de uma única emanação do Pai e do Filho como único princípio. Nas processões divinas existem em Deus relações que constituem as pessoas e também propriedades pessoais que são, ao mesmo tempo, sinais distintivos das pessoas. As relações constitutivas são a paternidade, a filiação e a espiração44.

Compreende-se a tripersonalidade metafísica de Deus45 - como o ensina a Igreja e a Escritura a apresenta -, sobretudo, como Trindade econômica, ou seja, como ação salvífica trinitária de Deus. A Trindade “econômica” não é outra senão a revelação da Trindade “metafísica”. A relação entre a economia e a Teologia foi muito discutida na Teologia nos últimos tempos. Ocasião para isso foi a formulação de Karl Rahner do chamado “axioma fundamental” da teologia trinitária: “a Trindade econômica é a Trindade imanente, e vice -versa”46. O Deus uno e trino revela-se na “economia”, tal como é sua vida imanente: através da revelação de Cristo temos um verdadeiro acesso à “teologia”. A partir dessas investigações pode-se constatar que a doutrina da Igreja é expressão e desenvolvimento daquilo que atestam a Escritura e a Tradição.

A doutrina trinitária não consiste em uma exclusiva interpretação tardia da fé cristã. Seu fundamento bíblico é plenamente justificado no testemunho divino oferecido por toda a narrativa da história da fé, especificamente a que diz respeito à vida e ministério de Jesus. Esta consiste na história do Filho com seu Pai, no amor do Espírito. A narrativa bíblica, portanto, oferece uma clara configuração trinitária, reconhecida posteriormente pela Igreja Antiga.

44 SCHMAUS, M. Trindade. in FRIES, Heinrich (ed.) Dicionário de Teologia: Conceito fundamental da teologia atual. São Paulo: Loyola, 1971, P. 363-382.

45MOLTMANN, Jürgen.

Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia, p. 187-188: Neste sentido, Moltmann tenta superar a doutrina cristã de Deus da metafísica de substância e da moderna metafísica de subjetividade transcendental, procurando desenvolver uma doutrina social da Trindade, enfatizando a interdependência relativa das Pessoas.

(28)

O Deus único, do qual fala o Antigo Testamento (AT), envia, segundo o Novo Testamento (NT), o seu Filho ao mundo para que o salve. E juntamente com o Filho manda o Espírito Santo, para que implante nos homens a obra salvífica do Filho. Na Sagrada Escritura não se fala, portanto, em primeiro lugar da tripersonalidade de Deus em si, mas da

tripersonalidade para nós. Na sua automanifestação, Deus não dá somente uma informação

sobre si, mas concorda em dar a sua própria vida ao homem ferido pelo pecado, abandonado a si mesmo, isto é, à sua própria indigência. O conceito chave que a Sagrada Escritura usa para a automanifestação divina é o de missão47.

O AT é uma preparação para Cristo, uma sombra do futuro (1Cor 10,11; Gl 3,24; Hb 10,1) do qual se observa, por uma parte, que se refere a Cristo, por outra, que não o designa claramente, e que, portanto, embora contendo alusões a uma pluralidade de pessoas em Deus, não a revela claramente. No AT delineia-se certa pluralidade em Deus, sobretudo, nas expressões ANJO de Javé, PALAVRA de Deus, ESPÍRITO de Deus e SABEDORIA. Os fiéis do AT podiam compreender essas expressões somente pela ação histórica de Deus. Olhando do NT para o AT, nas imagens deste se podem ver acenos à tripersonalidade e inícios da manifestação de Deus em três pessoas48.

Quanto ao NT, os Sinóticos - não obstante a unidade que está em toda a Escritura -, atestam a Trindade diversamente de Paulo, e este, por sua vez, a atesta diversamente de João. Antes de tudo, deve-se ter em mente que os Sinóticos - conquanto a fidelidade das suas relações -, dão somente um testemunho interpretativo, isto é, teológico, daquilo que viram e ouviram de Jesus Cristo. Neles, a tripersonalidade enquanto tal é acenada na aparição que segue ao batismo de Jesus (cf. Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,2-13; Jo 1,32-34).

Com a pregação de Jesus, morre definitivamente a imagem farisaica de Deus, como Deus do mérito, da autoafirmação e da soberba: Jesus proclama a necessidade universal do perdão do Pai e o imperativo universal de conversão à misericórdia divina. O fato de que Jesus tenha se dirigido a Deus na oração, chamando-o Pai (abba), pode-se considerar como

dado neotestamentário fundamental49. Portanto, percebe-se que nos escritos sinóticos existe uma íntima relação entre Cristologia e Pneumatologia que se manifesta de numerosas formas,

47 Para essa expressão confira Mt 15,24; Lc 1,43; 7,3; 9,52; 14,32; 19,14.29,32; 20.20; 22,8; Jo 3,17; 3,34; 5,36; 6,29.57; 7,29; 8,42; 10,36; 11,42; 14,16s; 14,25s; 15,26s; 16,5-11; 17,3.8.21.23.25; 20,21; At 3,20; 3,26; 10,36; 1Jo 4,9; 4,14; 1Pd 1,12.

48 SCHMAUS, M. Trindade in FRIES, Heinrich (ed.): Dicionário de Teologia: Conceito fundamental da teologia atual, p. 367.

(29)

exprimindo a convicção da comunidade sobre a significação escatológica da divina autocomunicação realizada em Jesus. Neste a ação do Pai, pelo Espírito, culmina nos acontecimentos pascais. Em especial na cristalização da linguagem trinitária tem a fórmula batismal do evangelho de Mateus (cf. Mt 28,18ss), cuja autenticidade à fórmula é garantida pela presença da mesma em todos os manuscritos. Esta mesma experiência batismal é explicada no texto mateano como salvação procedente de Deus Pai, concretizada na missão do filho e do Espírito Santo50.

Na teologia paulina o kerygma51 proclama a salvação divina em Jesus Cristo morto e

ressuscitado (cf. Rm 4,25). Paulo, marcado pela experiência religiosa do encontro carismático com Cristo glorioso, vive para a missão de anunciar o evangelho da salvação universal em Cristo, concretização paradoxal no escândalo e loucura da cruz, da sabedoria e justiça divina (cf. 1Cor 1,30). Em seus escritos, a Cristologia e a Pneumatologia são intimamente relacionadas (cf. 2Cor 3,17s), mas não se identificam. Jesus Cristo é sempre o Senhor humilhado e exaltado, crucificado e glorioso52, que deve ser formado em nós e em nós atua pelo Espírito Santo. Este é a garantia da salvação escatológica futura e a expressão da presença divina na comunidade eclesial: os fiéis são templo do Espírito Santo (cf. 1 Cor 3,16) e carta escrita por ele (cf. 2Cor 3,8); os ministros são diáconos do Espírito (cf. 2Cor 3, 6). A transformadora presença de Deus se manifesta pelos frutos do Espírito (cf. Gl 5,22s), particularmente pela esperança (cf. Rm 15,13). O Espírito é, deste modo, presença e promessa de Deus (cf. 2Cor 1, 22).

O dom do Espírito transforma a comunidade eclesial não só numa nova sinagoga, mas numa comunhão carismática e diaconal (cf. 1Cor 12; Rm 12; Ef 4), construída pela caridade

50 Ibid., p. 13.

51 Cf. LATOURELLE, René. Querigma/ Catequese/ Parênese in Dicionário de Teologia Fundamental. Trad. Luiz João Baraúna. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p. 721-723: Kerygma ou querigma, substantivo derivado do verbo kerýssein, designa a pregação global da boa notícia da salvação através de Cristo: é o primeiro anúncio chocante do evangelho que ressoa no discurso dos séculos. Trata-se essencialmente de anunciar a Boa Nova e de convidar à conversão da fé.

(30)

(cf. 1Cor 14,12), na plenitude dos carismas53 (cf. 1Cor 13). Paulo insistentemente faz lembrar uma salvação que tem sua origem no Pai, que é realizada por Cristo e que é interiorizada por nós pelo Espírito Santo, o qual anima nossa confiança de filhos, mesmo em meio às tribulações, e alimenta a nossa esperança de uma salvação definitiva (cf. Rm 5,1ss). No hino triádico que inicia a carta aos Efésios são também exaltados o Pai, como origem da eleição e da salvação, o Cristo, como mediador da salvação, e o Espírito Santo, como sinal do fiel e garantia da herança escatológica (cf. Ef 1,3s).

A teologia do Apóstolo dos Gentios tem uma coloração trinitária. Ele confirma em primeiro lugar uma Trindade em ordem à econômica salvífica, mas ela aparece como manifestação da Trindade metafisica54.

Na Teologia Joanina encontra-se uma linguagem que atribui a Deus como Pai, usada em sentido absoluto. Com efeito, Jesus fala, sobretudo, de seu Pai: somente uma vez fala de “vosso Pai”, referindo-se aos discípulos depois da ressurreição (cf. Jo 20,17). Os discípulos são filhos de Deus - não assim os judeus -, porque, ao não reconhecer a glória do Filho, também não reconhecem o Pai (cf. Jo 8,32s). O Pai aparece cheio de majestade e em absoluta precedência mesmo com relação a Jesus (Jo 14,28). O Pai é a origem e conteúdo da revelação de Jesus (cf. Jo 1,18), o qual consagrou para a missão salvífica e a quem envia para cumprir a divina vontade (cf. Jo 12, 49; cf. 10,36). Jesus revela o nome do Pai (cf. Jo 17,6), porque só a palavra preexistente e subsistente podia revelá-lo (cf. Jo 1,1.18). Porque Jesus viu o Pai (cf. Jo 6,46), pode anunciá-lo com claridade (cf. Jo 16,25). Entre o Pai e o Filho existe uma mútua imanência, logo ver Jesus é ver também o Pai (cf. Jo 8,19; 12,45; 14,7ss). Acolher Jesus é acolher o Pai (cf. Jo 8,42; 15,23). Jesus é revelador e salvador escatológico, que preexiste ao tempo e nos salva no tempo (cf. Jo 1,18; 8,38). Ele é o Cristo (cf. Jo 7,26.41), o Cordeiro de Deus (cf. Jo 1,29.36), Filho de Deus (cf. Jo 1,34.49), Filho do Homem escatológico (cf. Jo 1,51; 5,27), Filho por excelência (cf. Jo 3,31s), profeta definitivo (cf. Jo 1,21.25), prometido

53 Cf. E. SCHWEIZER, Neo testamentica. In PASTOR, Félix Alexandre. Semântica do mistério: A Linguagem Teológica da ortodoxia Trinitária, p. 21: A doutrina carismática de Paulo combate o monismo tradicionalista dos judeo-cristãos e o entusiasmo fanático de alguns cristãos helenistas. O carisma é dom do Espírito, não limitado à oração extática e ao milagre, concedido para edificar a comunidade na fé e na caridade, em obediência ao Cristo e segundo o plano escatológico de Deus Pai.

Referências

Documentos relacionados

Por isso, este trabalho visa comparar os resultados obtidos em um monitoramento de um sistema anaeróbio com reator de bancada, mas operado com as condições reais

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

177 Em relação às funções sintáticas desempenhadas pelas estruturas inalienáveis, da mesma forma como acontece para os tipos de estruturas inalienáveis, é curioso o fato de que,

The challenge, therefore, is not methodological - not that this is not relevant - but the challenge is to understand school institutions and knowledge (school

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como propósito apresentar o interesse de graduados do curso de Arquivologia, em relação à publicação de seus TCC’s após o término do

Desenvolver gelado comestível a partir da polpa de jaca liofilizada; avaliar a qualidade microbiológica dos produtos desenvolvidos; Caracterizar do ponto de

If teachers are provided with professional development opportunities that helps them develop a learning environment that is relevant to and reflective of students'

Unlike Mary (and Ruth), Esther's split with her family is voluntary, a fact that deeply hurt her sister Mary Barton, mother of the protagonist, whose death John Barton thinks