AS
MULHERËS
NA
LITERATURA
PORTUGUTSA
D[
FINAIS
DE
1960'
ESTUDO
DI
lsabel Henriques de Jesussa
CASOS
lnlrodução
delfm
de Cardoso
Phes,Møina
Mendesde
Maria
Velho
daCosta,Á
naite e o r¿ia deNuno
Bragança eJenÍnimo eEuldlia
deGraça Pina de
Morais
são quatro romances portugueses publi-cados entre os anos 1968 e 1969: Enquanto oprimeiro
resiste ao clesgaste dotempo
e à erudição dos críticos, amplamente considerado comor¡m dos melhores romances portugueses da segunda rnetade
do
sécul.oXX,
doúltimo
poucos se recordam e menos o conhecem, embora tenha, aquando Ja sua publicaçãoem
1968,ganho
oPrémio Ricardo Malheiros
daAcade-mia
clas Ciências eo
Prémio Nacional
deNovelística.
Nebul0sas razöes einsondáveis destinos votaram a obra da autoru de Jerónirno e
Eukiliø
aoentor-,É4 Doutora em Línguas e Literaturas Românicas, especialidade de Literatura Pôrtuguesã Moderna,
,nêla FCSH da Universjdade Nova de Lisboa. lnvest¡gâdora no CESNOVA/FCSH da Universidâde Nova '!le
Li"bou, É também professora na Escolâ Super¡orde Educâçâo do lnst¡tuto Pôfitécnico dê Sèttibâ|.
pecimento da Dremória doS literatos, âpenas recuperada há uns anos, qnandc, uma eclitora decidiir reeåitá-La-
'4
noite e o riso eMaina
Mendes surge m, muitits vezes, associaclos, não apenâs pela proxirnicladetemporal
clas suasprimeirte
edições, como pela possibilidade de diálogo que proporcionam entre si.
Am*
bos säo consicleradc¡s obras de
ruptura, integrando
elernentos de convenção e de inovação e contaffr-se.como marcos estilísticos naliteratura
portugucstda segr.rnda metade do século
XX.
Não
pretendo) com estetexto,
cstabelecerlinhas
comparativas no que ssrefere à representação das mulheres etr1 romances de autoria
feminina
e dcautoria masculina,
masevidenciar os
elementos representâtivos que, tem*porahnente contextuàlizados,
permitem
esquadrinhar algurnas
hipótesesde
leitura,
ao mesmotempo em
que ¿judam à compreensão deum
tempoem que as mrrlheres ñzeram da sua exigência de mudançâ
um
âcto político(cOLLIN,1999).
A
análise deum
corpus de autoria mista justifica-se, pelo que acrescenta àdiversidade
do
olrjecto, e élegitimada por
algumas teóricas feministes que,nela,
vislumbram
os processos de construção do género em umadetermina-da
cultura
e demonstram como as tentâfivas de naturalização das diferenças se evidenciam nas estratégias de percepçãodo
real emum
dadotempo,
ouain<la, ressaltam a perspectiva política da análise, independente da autoria do
objecto de estudo
(BEER, 7997;MOI,1997).
O
presentetexto,
assentando na representaçâo das mulheres através detextos literários, interpreta-os à
luz
das teorias feministas, assim pretendendoenriquecer, com
u¡n
olhar
menos comum, e tantàs vezes recusado, as obras escolhídas. Paramelhor
sistematizaçäo da análise, definem-se alguns vecto-res de leitura:Representaçoes polârizadas
Se
ate[târmos
nas mulheres representadas em'4
noite e o riso eMøina
Mendes, enconrramosuma clivagem
polanzadora:em
um
extremor asre-produtoras passivas de
um
sistemapatriarcal
que asinsensibiliza ou
desca-racterîza e, nooutro,
¿s mulheres que, activamefite, recusam esse padrâo derenúncia
c procrlram, por
viasmais ou
menos trl.vessas, a. emancipaçâo deum
rnodelo rcdutor e a construção dt:um
paradigma de libertação e deauto--realização
femininos.
No
caso de t4 noite e o riso, as mu.lheres quesão convocadâs como garante de
um
sistema que ofuturo
homemreputlia
e<ìcr qual turbulcntarne nte se afasta,
En
Maina
Mendes,o
mesmo sentimentode repulsa é
dirigido
contra uma burguesia instalada e acritica, exemplificadana rnãe da
Maina.
No
outro extremo, estio
Zan*,
Luísa
Ilstrela
e as outrâsmulheres
quecontribuem
paÍa.t
educaçãosentimental
do
rapaz,protagonista
masculinodo romance, em Á. naite e o riso; e
Maina,
Cecily
eMatilde,
emMaina
Men-/as.Todas, à
suamaneira, configuram
âprocura
deum
caminho para
asmuiheres,
que
aslil¡erte
da
domcsticaçãoa
que haviam
siclo sujeitas pelaesfruturâ
patriarcal dominante
e dominadora.Se,
no primeiro grupo,
estamos perânte personagenscom
poucadensi-dade na
trama narrativa, no
segundo, encontrarros as verdadeiras heroínasdas diegeses: as que
lutam,
âs que se rcbelam, as que denunciam e recusâm o pacto anccstral.Há,
ncstes dois romances,um violento
e explícitoconfronto
erltre a "velha" e a "nova" mulher, evidenciando a emergência de novos papéis sociais e â rocusa datradicional
normatividade de gênero.Na
sequência dessaoposição representativa, detecta-se
uma
espécie de necessidadede "tuer
lamère"
(CIXOUS,
1992,p.
87) nos dois romances citados, simbolizada pelademarcação de universos socializadores conclucentes â uma
feminilidade
dó-ci.l e passiva
que
as "novas" mulheresnão
apenas contestam) mas recusam veementemente. Pelocontrário, lutam
pela determinação e conquista de urnporvir histórico,
quer manifestando a sua sexualidade e activamente â cxer-cendo (r4 noite e a riso), querminando
a ordem social existente e preparandolrm novo relacionamento entre os géneros
(Maina Mcnda). Ambos
oslivros
resistem à perspectiva essencialista e inalterável da condiçáo
feminina,
sendo que a rccusa dafala
emMaina pode
mesmo ser entendida comourna
me-táfora do poderinstituinte
dafalana
construção das identidades dc género.Esta clivagem na representâção das mulheres assume contornos diferentes ncs
outros
dois romances queconstitvem
o
corqul
Em
O
delfm
é.nítida
aôposição entre as mulheres assìmiladas pelo cóáigo mariâlva, ätrarrés da de-rrronstração cle qr.ralidadcs de abnegação, de dependência, e de prestação de ,;uidados quâse matcrnais aos homens, como acontece com a dona da pensão, ç aquelas que, também incorporadas nesse código, o
confirmam
através dasilsatisfações fáceis
dc
que sealimenta por
sistemao
conquistador marialva"{.ÞIRES,
1999,p.48).
NesseÍrltimo
caso) encontfâmosuma
vasta galeria"{è.figuras,
masculi-' t/.t .,
i,Ut¿(/¿r,t'¿',1 c
(liknturrt.'
na,
No
entanto, enquanto nos clois prirneiros romancesr havia umaimplícita
valorização das mulheres que, por vias diferentes, pretendiam libertar-se dos constrangìmentos clo seu género, em Cardoso Pires a opçäo faz-se
claramen-te pelas qúe lxzem cla existôncia um projecto ao servìço dos homens,
enquall-to ctlidadoras assexuadas.
As
outras, as sexuaclas, legitimanclo efuncionando
como garântes da lógica maúalva, são representadas corno objectos menores¡ de pura satisfação dos impulsos libidinosos ou sexuais, não lhes sendo conce-dicla a consicleração que as primeiras Parecem mefecer. Porquc o
marialvismo
é
profundamente moralista,
associa ao sacrifício das mulheres à PvÍeze er
intocabilidade, diabolizando
aquelas cÌe quem se serve como Pulos objectossexuais. Nessa
linha,
essas mulheres seriam, essencialmente, contaminadoras de um espaço/tempo que os homen.s organizavam e delimitavam emum
con-junto
dc ãpertadas regrâs "morais". Podiam servir-lhes osintuitos
maihistas,sendo esposas controladas
(Maria
das Mercês) ou objectos de prazer e, porvezes,
de
prazete
deperfídia
quepermitiam'
pol' um lado, a
comparaçãocom as esposas submissas et por
outfo'
a assunção machista damasculinida-de,
muitiplicando
os corpos que a validassem'Mas,
essasmulheres'
conta-minadoras da assepsia
inarialva,
podem' tambérn,perturbar-lhes o domínio
e,
nesse caso, abalam,Porventura
irremediavelmellte' a estruturâ em
quetudo
assenta.É,
contudo, o
acto de rebeldia da esposa, pretensamente, do-mesticada.que desmorona,definitivamente'
oedifício
marialva:"Enterrem--me essâ cabral
Enterrem-me
essa cabra!" (1988,p. 225)
grka o engenheiro' talvez percebendo que estâva a enterraro
símbolo cleum
passado há muitc¡rnoribundo.
Nesse romance, são evidentes os estereótipos positivos enega-tivos, presentes nâ construção de ambos os
tipos
de pcrsonagens femìninas,e é
notório
o uso de v<¡cabulário sexista,tal
comoMillet
(2000)
chamou aatençãor quando se referiu à
literatura
de autoria masculina.Finalmente,
em.lerónirno eEuldlia,
as mulheres são rePresentadas comose
uma
qualquer essência as âgrupasse emtorno
deurn
núcleo potenciadorde dor
e <le sacrifício. Independentemente dos contornosde qúe
se reves-tem) este é o grandc traço que marcâ as suas existências, mesmo quando thepretendem
fugir
como todas
asfiguras fèrnìninas que,
âlgures, najuven-tude,
ousaramprojectar
um futuro
cle liberdacle e de autonomia. Se existepolaridade entre
aSmulheres
dcsse romance, e1a consubstancia-seentre
âsque, mais ou menos ,sofridas, são descritas como seres cuja
interioridade
secxpressa através <la cmoção ou da comoção
própria
ou alheia e as que se re-gem porwa
vazta exteriori<lade cstratégica, pouco cscrupulosa e usada paracla burguesia, a superûcialidade exisccncial obscurece a
interioridade
e ahu-rnanidade, eleürentos tãO gratos a urna narradgra que nutlca se esconde
por
clet¡ás de um neutr al acto de naff ar. Mas, se a del-¡Írncia é já uma modalidade
de acção, a louctrra
ou
a Pertì.rrbâçíio deLeontina, Augusta
orrEulália
têm fìrnções rÏtuito claras n¿ cham¿c{a de ate rrção pâra os artifícios de que esmu-lhereS se Socofreram para poderem sobfevi\¡er em
um
muudo que as âPaltavae as excluia da sua construção.
Corpo e fala
Jerrínimo e EukiÌía
t
Maina
Mtnd¿t aproximam-se na estretégie de simbo-lrzaçãodo
corpocomo
veiculo cle controloda
fala. Loucas, desajuscadas ou ruuc{as, algumas das mulheres d¿sses romançes encontlãm, ttas rnargtns daordem simbélica patriarcal, a forma de subverter os mùndos aflumados que 2s
constrangiarn e
limitavam,
assìm constitui¡rdo um potencial libermdor e sub-versivo, c.rmo sugere Kristeva (199?). Nessa medida, o'¿P'¿rente essenciali.slÌlovitiûrizante das mulheres de Jeróninto e EutrÍÌìa encontfâ, em algumas
Persona-get1s, nomeaclarnente em
Eulália
e em Arrgusta, potencialidadestransfonna-áora, do estigmâ, através de relaçôes Perturbadas ou cruéis com os homens.'lä1
como Maina¡ ess.¿s mulheres agridem, foftemente, o cont(ato sócic¡-sirnl¡ólico
em que assentavam as felações entre os sexos: vestem-se ou comPortam-se de
r¡odo bizarro, scndo que, a i.ssD, associam, lambém, fbrmas alternativas rro uso
d¡
fala. Significativo é o pequeno dìálogo entre Jerónimo e o caseiro:"-
Masela falal (...)
-
Nao, não fala. Canta"(MORAIS,
2000, p. 37).'lìmbém Maria
das Mercês (Odetfn),
åparentementesubmetidr a
umcxílio
clourado2 usou o corpo parâ destronar, de vez, umâ ordem caduca que teimava em manter-se .E
atcZate,
esse "clone " do homem, aproveitou o queSfazia dirrcrgir
do
amado-
maiso
sexo do que o género-
para usar_o seu.çotpo
d"
lnulher
er com ele,confrontar
o mundo
masculino que apelava à llualcla<le, ao m€smo tempo eln que,vìrilmente'
o controlavâ.Qrer
setrate
deliyros
de autoria masculina ou de autoriafeminina, foi
S
partir do
corpo que as rnulheresi¡verteram
ossig¡ificados
Pfevalecentesjio,
*rrrururr,
,o.ùi,
e
châmarama
at.enção para novas possibi.lidades defulacionamento entfc os géneros, em que a fàla é, indiscutivelmente, um sítrt-$olo poder.rso.
Há
como qu€um
poderima'ente
e que, sirnultaneamente,!!na,ra
do
corpo/(äla das
mulheres,cujo
reconhecimento está Patente Dâssignificante
ficcional.
São dif€rentes, contuclo, as moclalidaclescom
que seexpressa)
definindo-lhes
alguns contornos cluepermitem
Perrsârquatro
clasÊguras determinantes das
narrativas
Ztna
('4 naite e o riso),Eulália
(lenini-mo e EutrÍtia),
Maria
das Mercês (Odelfm)
eMaina
(Mainø
Mendet).O
corpo/fala
deZana
ó,principalnente' um
corpo
sexuado' só assim seclistinguindo do corpo do homem,
quelhe dá
existênciafrccional
epermi-tindo
¿r essehomem/protâgonista
ensaiarum
âcto sexual e de escrita pleno,pôrque sincrónico, desejado
por
ambos, e emutn
qrradro idealizado do atnorentre
um
homem e uma mulher.Eulália
possuiurn
corpo/fala fechado/inaudível
pelaìmpossibilidade
dea
sua intensa sensualidade ser satisfeita, associada,cômo
estava) à procurade
um
amôr
nurrca encontrado. Passara deuma
desmedida Procura)entre-gando-se a r.ários homens que mais não
significavam
clo que a suâ ânsia deplenitude, para
um
amor/amizadepelo marido,
do
qual
estavaexcluído
oacto sexual.
Nem
ajuventude
eo
amor deJerónimo
consegr.tiramreabrir
oseu corpo) e só a
morte
pôs cobro à conturbada existência dessa mulher.Adiado,
esteveo
corpo/fala
deMaria
das Mercôs,interminavelmente
àcspera de ser procurado pelo
marido
e, âparentemente sem forças ou contexto pâratomar
ainiciativa,
reencontrou, na pessoa do criado, a possibilidade deexercer
o
seu desejode mulher. Só conjecturando,
nos aproximardmos clarealidade dos factos; sabemos, apenas, qÌ¡e â sua
atitude
e as consequênciasquc daí advieram despoletaram a queda do universo marialva.
Por sua vez,
o
corpo/fala deMaina
é agressivo, acompanha o processo deviolenta
denúncia em que assenta toda atrama
narrativa, nunca semostrân-do dócil
otr moldável.Há
uma guerra
subjacente ao seuevoluir
de mulher, encontrârìdo formas diversas de secxprimir. Primeiro
a mudez, depois afri-volidade e o consentimento desinvestido, clepois a loucura e a aPàtiâ'
Femi nino/feminilidade
É
nos doisliv¡os
de autoriafeminina
que mais sc fazsentir
a instabilìda-de do paradigma dadocilidade
e apaziguamentofemininos.
Ëm Jeronima eEuldliø,
a cxcepção éMaria,
ser idealizado que detém uma capacidade de ab-negaçãoprtipria
de urnavirgern.'fambérn Natália
assumc, cstrategicamente,emJertini-no
e Eufuilíø não pretende "aninhar" os homens: seja porque estão cìemasiadosofridas nâs suas existôncias dramáticas, seja porque aspíram a
um
futuro
deautonomía, seja pc,rque estão apáticas em relação à vida e aos âfectos, seja
por-que estão perturbadas, seja, apenas, porque controlam as existências. Eulália,
excessiva, não pode apaz\gnat ninguém, porque a sua desmedida sensibilidade confunde os out(os. Jerónimo sente-se bem perto dela, pois está âpaixonado,
rnas é ele o ouvinfe disponível de uma câradupa de emoções, assim inverfcndo o paradigma tradìcional da mulher cuidadora/ouvinte.
O
marìdo, amando-a, não a compreende, e afasta-se por medo de com ela, e por ela, se perder.Em Møina
lllertdes, as mulherespcrturbam,
insistentemente, o universomasculino,
não føzendo nada paratorná-lo
maìs,confiante ou seguro. Pelocontrário, minam-no
e destabilizam-nôr emumâ âtitude hostil ou, no
mí-nimo,
desinteress¿da.M¿ina
eFlortelinda
são ostensivas noconfronto,
en-quanto que a liberdade deCecily
¿ ¡¡s.ntém ausente desses preceitos meno*res.
Matilde
ocupa-se de causas políticas depois de se ter experimentado noslimites,
não tendo objectivo nem estruf urâ para que a sua vida seja dedicada a aptarzer um hornem.Nos dois
livros
de autoriafeminina,
são visÍveis os indícios de subversão dos universos impostos às mulheres.A
desorganização das casas deEulália
e
deMaina,
o
desajuste das roupas que usavâm, assimcomo a
recusa da s¿nsatez,porte
ou sobriedade, são sintom2s claros da denúnci¿ da opressão a que âs mulheres estâvam sujeitas edo
seußrito
de revolta^Maina
recusa Icvar para a nova mo¡acla de casada o vestido cor de damasco que usara no baile em que conhecera o marido e, em vez disso, desloca-se, ancfrajosa, ¡relacozinh\
em uma
descaradas
çernþ¿livacumplicidade
corrìa
cozinheira.Qr.rndo
a netâ se veste ârigor
paraurn
baile,o
scuolhar
é de reprovação,como se o vestuário elegante fosse uma forma de cedência a um modo
bur-guês e controtador de existir. Também âs rouPas e â naturalidâde de
Cecily
¡râo são compätívôis coln â compDsluta quc impulsiona o sucesso masculino.
Eulália, pDr seu lado, frxa-se
err
um tempo de memórias agradáveis e dele recusa sair, enyolvendo-se em umâ aura de passado que mânlém incólume o vestuário e a desadequa do real preseÐte. ExceptoNatália,
descrita como seveslindo luxuosarnente, a
maioria
das muiheres em.[erónirno eEuldlia
apre-$entaumâ
naturalidadeou
rigor
no
vestuário que as afasta deum
modeloeìe coqueteria
ferrrinin*.
A. avó cle Jerónitno, pelocontrário,
não passa nem pretende passar despercebida: apesar da sua idade,veste-se de um rnodollestir/despir
A
questão do vestuário é, por algumas âutorâs(HUMlVi,
198ó), acentuadacomo
lurâ
característica deuma
escritafeminina
rcvelaclora deum
mundoque as mulheres
dominam
e, no qual, habitualmente se acolhem^ Na verdade, há, emJerónirno e EuÌd!ìa e etn Møinø Mendes, vârios elementos iconográficosrelacìonados com o vestuário.
A
cena do baile ou âs comprasno Chiado
säodisso reveladoras em fuIøina
Mendel
EmJerónimo eEuldlia,
também sãoma-nifestas as referências ao modo com as mulheres se yestem,
muito
nítidas nasdescrições do vesruário de
Eulália,
mas, também, de Elisa e deMaria
ou dospormenores do penteado, maquilhagem ou vestuário da avó de Jerónimo.
Olhanilo
sob esse mesmo prisma os doislivros
de autoria masculina,en-contramos, em
A
noite e o riso,uma iconografia que tem,
no
despir,o
seucentro aglutinador.
Q;rase todas as mulheresaqui
representadas se despemou, pelo menos, para isso nos femete a alusão frequente às relações sexuais.
A
expressão maisforte
desseelenento
é o corpo nu de Zana, quando, assim, se apresentou ao homem,iniciando
uma relação pretensamenteigualitária
esem tabus.
F,n
Odelfm,
também a roupa das rnulheres ou outros elementos de ornanrentação semanifestam,
enquânto significantes que cleterminam apossibilidade de despir
ou, pelo
menos, deimaginar
para além das roupas.Ou
seja, metaforicamente, elas vestem-se e eles despem-nas.Maternldade
A
qtrestão da maternidade,ou
da sua ausência, ocorreno
corpus deum
modo bipolar: filhos, nos
livros
de autoriafeminina,
ausência defilhos
nos deautoria rnasculina. Não esquecendo que estanos em Portugal, no
fim
dos anos60, serâ legítima a impertinôncia: que faríam esses homens com as crianças?
En
,4 noite e o riso, poucas sãc¡ as mulheres-mãe e nenhuma ð,elas faz partedo
universo relacional,/sexualdo homem.
Em
Odelfm,
as mulheres apre-sentanl-se, não apenâs descaracterizadas nessa possível função, como, aindâ,Maria
das Mercês é suspeita de ser incapaz de gerarum filho,
prcsunçao que suscitajuízos
devalor
menorizadores.Pelo
contrário,
nos doisiivros
cie âutoriâfeminina,
a maternidade surge como elemento natural ao serfbminino.EmJerónitno
e Eal¿ília,quase todas aslnulheres--mãe ou de mulheres desejosas dc
o
serem, mesmô quandohâ
algo de fardo ou de fantasmagórico nessa situação.Eulália
é mãe, maso
modelo de que sereveste essa função não é propiciaclor da estabilidade emocional da
filha.
Des-medida como é, passâ mensâgens contraditórias, desorganizandotudo
à suavolta e, assim, perturbando
o
modelo idealizado de relaçäomãe/frIha
Em
Maina
Mendes, a maternidade évivid¿
comoum
elcmento dedife-renciação e de rnais-valia
feminina,
excluindo os homcns do processo de des-ccnd€ncia.E
como sc clas apenas lecessitasscm deles para o acto dc procriar, dispensando-os em seguida, e assumindo as crianças cm uma comunidade demulheres. Disso é testelnunha
a
raiva do marido deMairra,
quando assiste àforma desmandada com que a mulher e a sua fiel e cúmplice
Ho¡tclinda
tratam da criança. Também, quando Cecily dá à luz, o marido é, pura c simplesmcnte, excluÍdo, porque o assunto é dc mulheres. Finalmente,Matilde
voltara grâv\daao reduto
ft.miliar,
mas, que se saiba, não há homem que com ela viaje.É irrt.."ss^nte
verificar que a problemática do abortovoluntário
surge nos doislivros
de autoria masculina, não sendo detectada nos de autoriafemi-nina e
encontrando, nosprimeiros,
algunspontos
de contacto:o
aborto
écensurado; a âcusação recai sobre as mulheres; os homens, parceiros do acto sexual, desapar'ecem de cena e
um
homem/médico surgeem
O defi.m comoo salvador da "criada sem vergonha"
(PIRES,
198B, p. 212).Assim
tornadoassunto de mulheres, nas duas ficções de autoria masculina, os homens são
afastados da sua responsabilidade e estabelece-se uma
nítida
e curiosa,por-que complementar,
dicotomia
entrea
parteira/mulher/assassina (t4 noite e oriso) e o
médico/homem/protector
(O delfrn).A
questão da maternidade, ou da sua ausenciâ, aqui tão dicotomicamenteassociada ao género autoral, pârece reveladora de
uma
tensãodo tempo
aque se circunscreve o corpus, vendo na geração uma impossibilidade ou, pelo rnenos,
dificuldade
na emergência de uma nova rclação entre os géneros.A
¿erdade é que se, nos de autoriâ masculina, a descendênciafoi negada, nos de
autoria
feminina,
ela nãofoi
recusada, mas émuito
conturbada a relação cornas crianças, como se a serenidade maternal não fosse
um
elemento possível ;ìo col.lfronto que as mulheres tiveram que estabelecer com os homens.0 outro/ a oûha
Ambos
oslivros dc
autorìafeminina
revelamum pacto
entre mulheresesbo-cem-se laços de solidaricdade
feminil,
cuja função parece ser a de chamar aatenção pâra
o
seusofrimento
e opressão,principalmente
nas classesdesfä-vorecidas. EmJerónimo e
Euldliø,
há,fundamentalmente)
solidariedacles emnm
destino comum; emMaina
Mendes, há como que umarnuralha
de união,pronta a
aniquilar
quem
ouse nelapenetrar.
Livros
escritospor
mulheresficcionam
mundos povoaclospor
outras mulheres emurn
sisternaem
que odomínio
ainda é clar¿tmentemasculino. Møinø
Mendes recusa a opressão deque são
vítimas
as mulheres, desconstruindo códigos e padrões denormali-àrde;Jerónimo e
Euldlia
inscreve-se nessa opressão para a denunciar, atravésdos processos de alierração de que as mulheres se socorrem para sobreviver
em
um
rnundo
quelhes
éhostil. Mas, nem
mesmo a r¿iva deMaina
ou
asolidão de
Eulália
abafam o"outro",
o homem.As
suas autoraspermitem
que a dor existencial desses seres,vítimas
e carra$cos de uma situagão a quc, parabem
de todos, há quepôr
cobro, sobressaia das suas ficções.E
como se,por
muito
zangaclas que estejam, as mulheres olhem sempre para os homens comalguma complacência, deixando solta uma ponta com que possam destapar a
cobertura defensiva com que se armam.
Ncsse aspecto,
distinguem-se
dosde
autoriamasculina.
Principalmente,em
O delfrn, as mulheres sìlrgcm no scu universo como seres pouco humani-zados, nem feLizes neminfelizes,
excepção feita para as que estão ern posição de subalternidade social e que não são passíveis de ser olhada.s enquanto ins-trumentos sexuais. Pe¡mite-se algo cle emocional emMaria
das Mercôs, mas, mesmo isso, é contido no desempenho do papei de esposâ perfeita einfantili-zada'
Em
A
noj.te e o riso, háum
pujante processo de crescimento demulhe-res e homens,
muito
igualitário,
mais determinadopor
razões psicossociais e meno.s por razões cle género, excepto quando €stas sg incluem nas primeiras.Se poderíamos considerar essa pcrspectiva interessante, em termos de
ga-nhos
civilizacionais,
a questão é que ela está subjacente aum feminismo
daigualdade que,
tentando igualar
homens e mulheres, esqueÇeu-se que, nesrìeproccsso, as
mulheres
seriam assimiladas aos modelos masculinos.Corres-ponderia
àprimeira
gençã,o, queKristeva
(1997) refereem
Women's Tirne,a
qual
teve a suaimportância em termos históricos,
mas que nãopermitiu
olhar,
diferenciadamente, as mulheres nem os aspectos sirnbólicoscom
elasrelacionados. Nesse aspecto, Møinø Mendes eJeróni.rno e
Euldlia
inscrever-se--iam
jír,
em uma
perspectìvade
diferença, genericamente correspondcndoà
segunda geraçáode
quefala l{risteva,
sendo que,no
primeiro
romance)são
mais
evidentes as questöessimbólicas
clodiscurso, em
um
quadro
demarcas de uma jouissance em
irrupção.
Em um
e emoutro
caso) a atenção dispensada aos homens e â sua representação como seres, tarnbém eles, meio perdidos em urn universo que não conseguem controlar, esbatendo, dealgum
modo, a
fronteira
que separa espaços dicotómicos na construção dos géneros,permíte
vislumbrar indícios
da ferceira geração apontadapor Kristeva
e qucse pocleria czracterizør, precisamente, pela anulação dos pressupostos t:m que âssentârn as categorias t'homem" ou "rnulher". Os munclos de ambos são, str-fìcientemenfe,
distintos
c há combate entre eles, mais explícito eintrusivo
no caso deMaina
Mendes, mais sofrido e alienado no caso de Jenínimo eEuldlia,
mas os homens estão preseftes e a atenção dacla ao seu desnorte e
fragilidade
rcmete pa.ra
um
evidenciar de características que apresentam o avesso de umasegurança dominadora e poderosa.
Algumas ideias finais
Limitações de espaço não
permitem
abordar, aqui, outras figuras, como ascriadas ou as
prostitutas,
ambas recorrentes nos romances trabalhaclos,em-bora a sua
importância
para o desenrolar diegético seja diversa nos diferentes textos. Seria, porventura) também, interessante o levantamento e análise dasfiguras (in)visíveis nas narrativas selecionadas, já que se as mulheres são,
mui*
tas vezes, usadas corno substrato contextual,
por
vezcsanónimo,
fica*nos aintuiçäo
(nãoconfirmada
ern termos analíticos) de quetal invisibilidade
não acontece) pelos menos na mesrna escala e dimensão, com figuras mascu.linas. Se a análise que desenvolvemos, nestacurta
intervençáo, focal\za-se em um determinado tempo e espaço e em uma amostra bem reduzida, a amplia*ção
do
estudo a outros tempos e contextospoderia
complementar algumasclas hipóteses de
leitura
apresentadas.Aqui
fica a sugestãolÊeferências
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