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CÂMARAM UNICIPAL DO RIO GRANDE: NASCIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO RIO GRANDE DO SUL

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CÂMARA MUNICIPAL DO RIO GRANDE: NASCIMENTO DA

ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA NO RIO GRANDE DO SUL

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LUIZ HENRIQUE TORRES'

RESUMO

Análise preliminar das atividades ligadas

DCBA

à administração pública no Rio Grande do Sul, com ênfase nas atribuições das câmaras e na instalação da Câmara Municipal do Rio Grande no ano de 1751.

PALAVRAS-CHAVE: administração pública, Câmara Municipal, Rio Grande.

o

RIO GRANDE DO SUL E A VILA DO RIO GRANDE

A formação histórica do Rio Grande do Sul está ligada a duas frentes de expansão civilizatória: a luso-brasileira e a espanhola-missioneira. Enquanto região tardiamente ocupada, o Rio Grande do Sul teve o seu desenvolvimento "condicionado pelas lutas entre Portugal e Espanha, ambas nações desejosas de estabelecer o domínio sobre o Rio da Prata. O constante estado de beligerância, a militarização, resultante das disputas pela delimitação das fronteiras, marcaram o Rio Grande do Sul social e politicarnente'';'

A criação extensiva de gado consistiu na primeira atividade econômica da região. As peculiaridades das lutas de fronteiras, a doação de terras a quem pudesse defendê-Ias foram responsáveis pela militarização e pela formação de uma elite proprietária de grandes extensões de terra, onde era praticada a pecuária extensiva. Esta elite desenvolveu características patriarco-patrimonialistas. Graças ao importante papel que desempenhou para a formação do Estado Português, gozou sempre de uma autonomia bastante grande, na medida da falta de recursos para atuação do Estado numa área economicamente secundária."

• Professor do Dep. de Biblioteconomia e História - FURG. Doutor em História do Brasil.

1 PICCOLO, Helga. A política rio-qrandense no Império. In: DACANAL, José H. &

GONZAGA, Sérgius.

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R S : economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 93.

2 VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. O R io G r a n d e d o S u l ea p o lí t ic a n a c io n a l. 2. ed., Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985, p. 25.

Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

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A ocupação oficial do canal do Rio Grande ocorreu a 19 de fevereiro de 1737 nos quadros da geopolítica platina e do enfrentamento luso-espanhol junto

DCBA

à Colônia do Sacramento. A formação militar, através da Comandância Militar, encontrou na criação da Vila e respectiva Câmara um espaço para o exercício do poder civil circundado pela constante presença militar.

Márcia Miranda assinala que a Capitania Geral constituía a maior unidade administrativa da colônia, a qual poderia apresentar capitanias subordinadas. O território da Capitania era subdividido de várias formas, de acordo com critérios administrativos, eclesiásticos, judiciários e militares. Estas últimas subdivisões não coincidiam necessariamente com a divisão administrativa da colônia: a com arca delimitava a jurisdição territorial de um ouvidor, podendo abranger capitanias distintas, como era o caso das capitanias do Rio Grande de São Pedro e de Santa Catarina. As freguesias correspondiam à circunscrição eclesiástica, os distritos correspondiam à divisão militar das companhias de ordenanças e as vilas e seus termos correspondiam, especificamente, à divisão da administração civil. Essas subdivisões podiam mesclar-se e eram usualmente utilizadas pela administração como subdivisões internas. O território da Capitania dividia-se em vilas com seus termos, que correspondiam ao território sobre o qual era exercida a jurisdição civil e judiciária de suas respectivas câmaras. Nos anos iniciais de ocupação do Rio Grande do Sul, apesar do surgimento de várias povoações, o território possuía apenas uma vila. "A vila do Rio Grande foi criada pela Provisão de 17 de julho de 1747 passada pelo Governador e Capitão-General do Rio de Janeiro e Vice-Rei, Gomes Freire de Andrade. Nessa provisão, ordenava ao Ouvidor da Comarca de Paranaquá que tomasse as providências necessárias para a criação da Vila e a eleição da primeira Câmara no Presídio do Rio Grande de São Pedro".3

Entre 1751 e 1811, existiu apenas uma Câmara, a da Vila do Rio Grande, com jurisdição sobre todo o território da Capitania do Rio Grande de São Pedro. Com a invasão espanhola a esta vila em 1763, a Câmara foi instalada em Viamão em 1766, e posteriormente transferida para a vila de Porto Alegre. A determinação da criação desta primeira câmara foi expressa na mesma provisão que criou a primeira vila na Capitania.

3 MIRANDA, Márcia.

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C o n t in e n t e d o R io G r a n d e : administração pública no período colonial. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2000, p. 47.

48 Biblos, Rio Grande, 14: 47-64, 2002.

Ainda que as câmaras só pudessem existir em localidade com estatuto de vila, a invasão espanholaà Vila do Rio Grande e as transferências da Câmara para Viamão e Porto Alegre demonstram que a existência desse órgão era desvinculada daquela vila específica. O que é corroborado pelo fato de a Provisão de 27 de abril de 1809 determinar a criação das vilas de Porto Alegre e Rio Grande e suas respectivas câmaras, à qual se seguiu o reconhecimento dos membros e oficiais da Câmara que funcionava na capital, ainda que com a diminuição da sua alçada, que ficou limitada à Vila de Porto Alegre e seu termo. Logo, a primeira câmara, instalada em 1751, vinculava-se à administração da Capitania do Rio Grande, estabelecendo-se onde fosse a sede do governo da capitania e não na Vila do Rio Grande, apesar de ser esta sua orlçem."

Com a Provisão de 17 de julho de 1747, na qual se ordenava que o Ouvidor Geral da Comarca de Paranaquá criasse a Vila do Rio Grande de São Pedro, esta foi instalada em 16 de dezembro de 1751 e eleita a primeira composição de sua Câmara. Segundo Márcia Miranda, a administração estava fundada nas normas estabelecidas num foral (carta de lei dada pelo monarca regularizando a forma da administração, lançando os tributos e estabelecendo os privilégios), o qual foi perdido quando da invasão espanhola à Vila do Rio Grande. Com a invasão de Cevallos em 1763, deu-se a retirada desordenada da população, que, segundo relatos contemporâneos, foi acompanhada por saques e desordens, fatores que contribuíram para a perda dos documentos da Câmara. Este é o principal entrave ~ara a reconstituição do funcionamento da administração local do período anterior a 17665

. A vila do Rio Grande

perdera, devido aos treze anos de ocupação pelos espanhóis,

os foros que lhe havia conferido a Provisão de 17 de julho de 1747. A vida política e econômica do Rio Grande, deslocara-se para Porto Alegre e, restabelecida a soberania portuguesa sobre o antigo presídio, não se justificava, realmente, que se fizesse nova instalação da sede do governo na antiga vila do Rio Grande, transportando para ali toda a organização administrativa e judiciária já em funcionamento em Porto Alegre. (0 0 ') Devemos repetir que a Provisão que criou os quatro municípios é de 7 de outubro e não de 27 de abril de 1809, segundo informam alguns autores. Certos atos do governo real eram, primeiramente, decididos em Consulta do Conselho; desta Consulta resultava uma Resolução Régia, e esta, para fins de execução, era consubstanciada num Alvará, numa Provisão, numa Ordem Régia ou numa Carta Régia.6

: MIRANDA, op. cit., p. 55. MIRANDA, Idem, p. 55.

6 FORTES, Amyr Borges; WAGNER, João. H is t ó r ia a d m in is t r a t iv a , ju r í d ic a e e c le s iá s t ic a d o R io G r a n d e d o S u l. Porto Alegre: Globo, 1963, p. 12.

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Com a perda da Vila do Rio Grande para os espanhóis, a Câmara só voltou a se reunir em Viamão, então sede provisória do governo da Capitania, a 18 de junho de 1766. Considerando a necessidade de que fosse restabelecida a administração local, os oficiais da Câmara "acordam que, porquanto, por causa da dita guerra se havia perdido a vila capital deste distrito não ser esta mais outra alguma vila, que seria muito útil ao serviço de S. M. e bem público que neste Arraial de Viamão fossem os juízes continuando na administração da Justiça, visto ter passado para este país com o governo deste Senado ...". Assim, dada a impossibilidade de realizar-se novas eleições, tomaram posse os vereadores eleitos ainda em Rio Grande, tomando-se decisões quanto às prestações de contas dos juízes almotáceis e estipulando a arrematação dos açougues e do contrato de aferição do Continente. A partir desta data, restabelecem-se sem interrupções os trabalhos da Câmara que governaria o território da Capitania até 1811.

Em 1773, o Governador Marcelino de Figueiredo informava à Câmara que havia recebido ordens do Vice-Rei, Marquês do Lavradio, determinando a mudança da capital da Capitania do Rio Grande de São Pedra para Porto Alegre (Porto dos Casais), e que, em obediência a essa ordem, já havia sido transferida a Provedoria da Fazenda Real e o Bispo Diocesano já havia passado àquela povoação a residência da vara da Com arca Eclesiástica com o seu cartório. Logo, ordenava que a Câmara e os seus oficiais se mudassem para a nova capital. Atendendo a esta determinação, a primeira sessão da Câmara em Porto Alegre foi realizada em 6 de setembro de 1773, mas os vereadores mantiveram suas residências em Viamão, fato este que causou vários atritos entre o Governador e os oficiais da Câmara, e estes só mudaram-se definitivamente para a nova capital em 1778. Tendo reiniciado a Câmara a administrar o território da Capitania a partir da povoação de Viamão, passou a nomear funcionários para exercer diversas funções em todo o território sob sua jurisdição. Entre os funcionários previstos na provisão de criação da Vila do Rio Grande estavam listados os cargos de almotáceis, de escrivão da Câmara e almotaçaria e de escrivão de órfãos, sendo que estes deveriam servir como tabeliães do público judicial e notas, atendendo à distribuição dos juízes ordinários. Assim, quando a Câmara foi novamente instalada em Viamão, começou-se a nomear e dar posse aos demais tuncionários,"

Para Vera Lucia Barroso, através da Provisão de 7 de outubro de

DCBA

7MIRANDA, op. cit., p. 56.

50 Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

1809, Rio Grande, Porto Aleqre," Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha ganharam foros de Vila.

Estava, desta forma, o Príncipe Regente reafirmando as diretrizes de sua política econômica ao possibilitar a formação de vilas, tendo como meta ...0

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a u m e n t o d a la v o u r a e d o c o m é r c io d o P a í s , g u a r d a n d o e m

t u d o a s d is p o s iç õ e s d a s m in h a s L e is e O r d e n a ç õ e s . . . Neste sentido, a

mesma Provisão previa a eleição dos Oficiais da Câmara com pelouros para três anos, os quais, com osh o m e n s b o n s , tratariam das posturas

para o bom desempenho de seu governo. Porém, num território imenso, onde as distâncias acarretavam a lentidão das decisões, arrastou-se a implantação das principais vilas gaúchas com suas respectivas Câmaras até 1811. Seria Santo Antônio da Patrulha a terceira a ser implantada, depois de Porto Alegre (11.11.1810) e Rio Grande (12.2.1811), quando, a 3 de abril de 1811, o Ouvidor da Comarca, Antônio Monteiro da Rocha, determinou a convocação do Clero, Nobreza e Povo, sendo então levantado pelourinho, os quais assinaram, juntamente com o Ouvidor e o Escrivão da Comarca, o auto da instalação da nova vila."

Conforme a autora, para a formação da mesa da Câmara eram escolhidos os chamados h o m e n s b o n s da comunidade, "cuja condição básica para tal era sua boa condição financeira", pois a "probidade e honra dos h o m e n s b o n s , medidas sobretudo pelas suas condições econômicas, limitavam a partlcipação do povo nas decisões diretas das necessidades da população". No dso de Santo Antônio da Patrulha, o auto de abertura dos pelouros, "a cerimônia que traz ao conhecimento dos cidadãos a formação, no caso, da primeira Câmara, revela o primeiro grupo de homens bons da vila, todos de posse e propriedade em sua maioria fora do perímetro urbano, onde se dedicavam ao cultivo da terra".10

8"Mantiveram-se os seguintes cargos, com as mesmas atribuições e formas de nomeação

que na Câmara do Rio Grande de São Pedra: alcaide, tesoureiro da câmara, tesoureiro de órfãos, juízes almotáceis, escrivão do alcaide, escrivão de órfâos, juiz das medições das sesmarias, piloto das medições das sesmarias, ajudante da corda das medições, escrivão do juiz das sesmarias, ajudante da corda do juiz das sesmarias da Vila de Porto Alegre, contraste do ouro e prata, porteiro da câmara. Do mesmo modo, continuou a contar com dois tabeliães do público judicial e notas, mas esses passaram a denominar-se primeiro tabelião do público judicial e notas e segundo tabelião do público judicial e notas". t'1IRANDA, idem, p. 63-64.

BARROSO, Vera Lucia. Criação e instalação da Vila de Santo Antônio da Patrulha. In: FLORES, Hilda (org.). R S : c u l t u r a , h i s t ó r i a e l i t e r a t u r a . Porto Alegre: Nova Dimensão/CIPEL, 1996, p. 167-168.

1 0 BARROSO, op.ctt., p. 170.

Biblos, Rio Grande, 14: 47-64, 2002.

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CÂMARAS: FUNCIONAMENTO E ATRIBUiÇÕES

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Com a passagem do Rio Grande do Sul de posto militar avançado a Capitania subalterna e a Capitania Geral, ocorreu uma ampliação no poder de decisão e uma diversificação na estrutura administrativa, com a criação de órgãos da Fazenda e da Justiça, assim como das vilas e câmaras.

Ressalte-se que a primeira câmara estabelecida no território do Rio Grande de São Pedro foi instalada em 1751, conforme as ordens da Provisão de 17 de julho de 1747, que determinava a elevação do povoado do Rio Grande à categoria de vila. Entre esta determinação e a efetiva instalação da vila decorreram alguns anos. A vila foi instalada pelo Ouvidor da Ilha de Santa Catarina em 16 de dezembro de 1751, conforme ordens do Vice-Rei de 12 de maio de 1750. A Provisão de criação da vila estabelecia também que deveriam ser demarcados os seus limites " ...com o da Laguna pela costa do mar e com a da vila de Curitiba pelo sertão e serra acima". Percebe-se que não foi determinado o limite sul da vila; lo?o a Câmara dessa tinha sob sua jurisdição todo o território da capitania 1. Esta manteve sua alçada sobre todo o território do Governo do Rio Grande de São Pedro, mesmo quando, em decorrência da invasão espanhola de 1763, foi transferida para Viamão (1766-1773) e posteriormente para Porto Alegre. Isto demonstra que seus poderes eram independentes da circunscrição e do governo daquela vila específica. Em 1811, conforme as ordens contidas na Resolução Régia de 27 de abril de 1809, foram criadas quatro vilas na capitania com suas respectivas câmaras, mas entre elas assumiu papel de destaque a Câmara da Vila de Porto Alegre,12 que além das funções comuns às demais, tinha funções específicas decorrentes de sua posição enquanto Câmara da Capital."

Portanto, a Vila do Rio Grande, que já havia sido criada em 1747, foi novamente criada pela Provisão Régia de 1809, a qual ordenava que se estabelecesse novamente uma câmara e que seu termo seria formado pela Freguesia do Rio Grande de São Pedro e sua capelas filiais, pela Capela da Conceição do Estreito e pela Capela de São Luiz

DCBA

1 1 MIRANDA, op. cit., p. 47.

1 2Como Porto Alegre já sediava a antiga câmara que tinha jurisdição sobre todo o território

da capitania, em 3 de dezembro de 1810 o Ouvidor reconheceu as justiças que haviam sido eleitas e serviam nesta câmara. Mas a nova câmara passava a ter jurisdição apenas sobre a Vila de Porto Alegre e seu termo formado pelas freguesias de Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, Nossa Senhora da Conceição de Viamão, Senhor Bom Jesus do Triunfo e Nossa Senhora da Aldeia dos Anjos." MIRANDA, idem, p. 63.

1 3MIRANDA, ibidem, p. 31.

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de Mostardas. A instalação da vila, com a eleição dos membros da nova câmara e a demarcação dos seus limites, ou seja, o Auto de Criação e o Auto de Demarcação dos limites da Vila do Rio Grande, data de 12 de fevereiro de 1811.

Ainda que em 1806 o Príncipe Regente determinasse que o Ouvidor da Comarca e que o Governador da Capitania sugerissem quais as vilas deveriam ser criadas, somente em 1811 a divisão administrativa da capitania geral alterou-se de fato, com a instalação das câmaras dos quatro municípios criados pela Resolução Régia de 27 de abril de 1809. Essa Resolução determinou a criação das vilas de Porto Alegre 14, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio. Na seqüência, pela Provisão Régia de 7 de outubro de 1809, foi ordenado ao Ouvidor da Comarca da Ilha de Santa Catarina e do Rio Grande de São Pedro que passasse a essas vilas para determinar seus territórios, nomear os oficiais da Justiça e proceder à eleição dos oficiais das respectivas câmaras.

A câmara era muito distinta das atuais, tendo uma variedade de atribuições, corno a tarefa de legislar, funções relativas à justiça, à administração, ao policiamento e à fazenda pública. Sendo suas funções amplas, as câmaras reportavam-se a autoridades distintas, dependendo da questão em voga. Apesar de formalmente subordinadas ao governo da capitania, isto não impediu que várias vezes a autoridade do governador fosse questionada e mesmo desconsiderada por seus oficiais. De fato, a câmara era subogíinada ao ouvidor e corregedor da comarca, que, entre outras funções, em suas correições devia avaliar os trabalhos da câmara, as suas contas, o desempenho de seus oficiais e empregados, a vigilância quanto ao cumprimento das posturas por ela votadas, a obediência às Ordenações e demais leis portuguesas; e autorizar a execução de obras públicas e a cobrança de fintas para

c u s t e a - l a s . "

Referir-se aos

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c a r g o s d e g o v e r n a n ç a significava considerar os

o f ic ia is c a m a r á r io s , os h o m e n s b o n s , então eleitos para o exercício dos

cargos ligados ao Senado da Câmara. Eles eram basicamente cinco: os vereadores, os procuradores, os tesoureiros, os escrivães e os almotáceis. Os homens aptos a desempenhar esses cargos haviam de possuir o s t a t u s de cidadão na maioria das vezes herdado de seus

1 4 A Câmara de Porto Alegre funcionava desde 1773, "...tendo achado eleitos legalmente

as justiças exercendo a sua jurisdição por se terem mudado da Vila do Rio Grande do tempo da invasão espanhola para esta de Porto Alegre, que somente Ihes faltava a Solenidade de ereção do pelourinho, (...) e por isso houve por empossados os vereadores ~tuais, procurador da câmara e almotáceis ..."]-In LTTCPNAHRS. Códice J.016, p. 4.

MIRANDA, op. cit., p. 50.

Biblos, Rio Grande, 14:47·64,2002.

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antepassados, assim como estar

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p le n a m e n t e abonados de qualquer mancha de s a n g u e in t e c t o [realização de casamento com desigualdade de sangue]. Vale lembrar que os parâmetros de inclusão ou exclusão de indivíduos no interior desse grupo seleto, em uso em diferentes áreas do Império português - era operado através da aplicação de critérios definidos pela Coroa. Boxer afirma que as pessoas nativas - sem sangue português - nunca haviam servido em nenhuma Câmara colonial até a edição das medidas pombalinas abolindo barreira de raça entre 1761 e 1774. Em relação

DCBA

à questão do defeito mecânico, fora igualmente no período pombalino que as barreiras impedindo a inclusão de indivíduos associados a atividades manuais - especialmente aquelas que se encontravam associadas ao comércio varejista - foram habilitados a participar nos cargos de governança 16, conclui Maria Gouvêa.

Eram funções da câmara: a denúncia de crimes e contravenções; o julgamento de crimes dentro da alçada dos juízes ordinários e/ou do juiz de fora; o inventário e guarda dos bens dos órfãos e zelo pela criação destes; a guarda dos expostos," sendo responsável pela sua criação e sustento; a elaboração das posturas 1 8 municipais

estabelecendo normas para o funcionamento do comércio e prestação de serviços; pelo uso adequado dos pesos e medidas, exercício de profissões, obras, higiene, etc.; a vigilância para que as posturas fossem obedecidas; a fiscalização dos seus funcionários; a realização de eleições dos juízes de ofício pelos profissionais de cada área; o policiamento para a manutenção da ordem pública; a execução das obras públicas; aplicação e recolhimento de multas para lntratores das posturas; a vigilância para a manutenção do abastecimento de alimentos da vila e seu termo; o arrendamento de contratos de exploração de açougues e talhos públicos, do contrato de aferição de pesos e medidas e do contrato de passagens de alguns passos no território sob sua jurisdição e o recolhimento de impostos relativos à

edificação de prédios urbanos. A câmara também tinha um papel na organização e configuração do espaço urbano e rural:

1 6 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Redes de poder na América Portuguesa: o caso dos

homens bons do Rio de Janeiro, ca. 1790-1822.R e v is t a B r a s ile ir a d e H is t ó r ia .São Paulo: ANPUH, 1998, p. 314-315.

1 7 Expostos eram crianças abandonadas pelas mães, normalmente após o parto e sem

vínculo legal de matem idade, que eram criadas por famílias indicadas e que recebiam remuneração da Câmara para este fim.

1 6 "Vale lembrar que as posturas constituíam o conjunto de preceitos municipais que

regulava o governo local em termos das obrigações relacionadasà ordem pública. Se por um lado o código de posturas de Lisboa era tomado como o principal exemplo para a elaboração de posturas em todo o Império, por outro lado, cada localidade imprimia a sua própria marca no formato final de seu código em particular". GOUVÊA, op. cit., p. 328.

54 Biblos, Rio Grande, 14: 47-64, 2002.

o

processo de concessão de cartas de data e de aforamento, regulamentado, desde a época colonial, pelos poderes constituídos e pela legislação reinol, guardados alguns mecanismos básicos, passou por uma evolução ditada pelas circunstâncias históricas, através de decisões governamentais e das normas regulamentares, expressas inclusive, pelos provimentos e correições, e por outros expedientes legais, constituindo um ato do exercício do poder e da competência das Câmaras Municipais...1 9

As rendas da câmara eram formadas principalmente pelo arrendamento do direito de exploração de seus bens ede serviços públicos (como açougues, talhos, passagem de pessoas por passos de rios), vistoria do uso de pesos e medidas (contrato de aferição), etc.; mas podia dispor apenas de dois terços do valor recolhido, sendo o restante repassado à Fazenda Real.

A Resolução Régia de 27 de abril de 1809, que criou as quatro primeiras vilas da Capitania, determinava que a Vila do Rio Grande deveria ser formada por três vereadores, um procurador da câmara, dois juízes ordinários e um juiz de órfãos (cargos estes eleitos), e deveriam ser criados os cargos de juízes almotáceis, um escrivão de órfãos, um escrivão da câmara que também serviria de escrivão de almotaçaria e de inquiridor, dois tabeliães do público judicial e notas, um distribuidor que serviria como contador, um alcaide e um escrivão do alcaide. Esta composição inicial seria alterada qu~do da nomeação de juízes de fora que substituíram os juizes ordináriosj ocorrendo em Rio Grande através da Carta Régia de 18 de novembro de 1819.

No final de cada mandato, convocavam-se através de edital os

h o m e n s b o n s para que comparecessem em data estipulada à câmara

para a escolha de seis eleitores. Sob a presidência do ouvidor ou do juiz ordinário mais velho (caso não houvesse juiz de fora na câmara), os eleitores, após prestarem juramento, eram divididos em três pares (observando-se que não fossem parentes de sangue ou por afinidade). Cada dupla, separadamente, anotava em papéis distintos os nomes por eles indicados para cada cargo. Estas listas eram revisadas pelo presidente da sessão que a partir dos nomes mais votados fazia três listas, das quais eram Jeitos três p e lo u r o s (bolas de cera ou sebo), nos quais constavam os nomes dos oficiais que serviriam nos três anos consecutivos. Estes pelouros eram guardados em um saco e depositados em um cofre com três chaves. Na data prevista ao final do

1 9COSTA, Odah Regina Guimarães. Poder municipal em Curitiba: concessão de terras no

século XIX.R e v is t a d a S o c ie d a d e B r a s ile ir a d e P e s q u is a H is t ó r ic a . Curitiba: SBPH, 1998, p.83-84.

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ano, uma criança de até 7 anos sorteava um pelouro do qual saíam os nomes dos oficiais eleitos para servirem no ano próximo. Nos anos seguintes eram sorteados os pelouros restantes, e no final do terceiro ano repetia-se o processo eleitoral.

Com exceção dos vereadores," os demais eleitos só entravam em exercício de suas funções após a confirmação do Ouvidor da com arca através das

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c a r t a s d e u s a n ç a , e todos eram obrigados ao exercício do cargo, só sendo dispensados pelo Ouvidor se o requerente demonstrasse que esta dispensa era do interesse de Sua Majestade. Não eram elegíveis para um segundo mandato consecutivo. Caso algum dos oficiais eleitos fosse dispensado, os demais procediam à eleição de um oficial de b a r r e t e para ocupar o cargo vago; assim, existiam oficiais

de p e lo u r o s , que eram eleitos conforme as Ordenações, e os oficiais de

b a r r e t e , escolhidos pelos membros da câmara em substituição dos

eleitos. Além destes oficiais eleitos, a câmara tinha uma série de funcionários, que eram providos para seus cargos de diversos modos: por eleição entre os membros de corporações e por provimentos passados por funcionários régios.

Com os municípios apareceram as câmaras, e com elas, as facções partidárias, que vão mais tarde se enquadrar nos partidos do Império. As forças sociais em jogo e as correntes de idéias formadas na Província conduziram à formação dos partidos, constituídos em consonância com a psicologia regional - de idealismo forte, coesos e combativos. E logo nos primeiros decênios os seus representantes vão desempenhar papel saliente no parlamento nacional."

A cada cargo cabiam atribuições e eram definidas competências. Aos três v e r e a d o r e s competia " ...ter encargo de todo o Regimento da terra e das obras do Conselho, e de tudo o que puderem saber e

DCBA

2 0 No Rio de Janeiro, "as atividades sob responsabilidade desses homens no período aqui

abordado encontravam-se basicamente circunscritas à conservação dos serviços básicos prestados à população existente na cidade. O abastecimento de gêneros e de água era um dos principais itens sob a guarda dos oficiais camarários. A definição dos preços e fiscalização das condições de comércio dos diversos gêneros alimentícios consumia, assim, grande parte da atenção do Senado (...) Vale também lembrar o papel cada vez mais importante do Senado da Câmara em fiscalizar a higiene pública e fazer valer condições mínimas de salubridade na cidade. A documentação produzida nas décadas de 1810 e 1820, disponível para consulta, apresenta uma crescente proporção de conflitos gerados em tomo do abandono de animais mortos nas ruas, a necessidade de se realizar obras de fechamento de valas e de calçamentos de ruas em diversos pontos da cidade. Outra área que concentrava grande parte da atenção dos homens de governança era aquela relativaà organização das diversas festas - religiosas e ligadas a datas comemorativas da Coroa portuguesa - que aconteciam na cidade." GOUVÊA, op. cit., p. 316.

2 1 MEDEIROS, Laudelino. F o r m a ç ã o d a s o c ie d a d e r io - g r a n d e n s e . Porto Alegre: UFRGS,

1975. p. 20-21.

5 6 Biblos, Rio Grande, 14: 47-64, 2 0 0 2 .

entender, porque a terra e os moradores dela possam bem viver, e nisto hão de trabalhar ..." ( O r d e n a ç õ e s F ilip in a s ) . Eram suas atribuições: participar das vereanças; despachar com os juízes ordinários ou com o juiz de fora as causas de sua alçada; tomar anualmente as contas no início de cada ano ao procurador e ao tesoureiro da câmara; ordenar a execução de obras públicas; elaborar as posturas municipais; nomear os funcionários da câmara, etc. Os membros da câmara eram denominados de " h o m e n s b o n s , n o b r e z a d a t e r r a , m a io r a is ou p r ó

-h o m e n s , referindo-se na sociedade colonial por aqueles homens que se

destacavam quer pela descendência, posse de bens ou prestígio social, quer por ocuparem cargos públicos, principalmente nas c â m a r a s ? " , ou seja, os cargos de governança.

Os dois ju í z e s o r d in á r io s o u d a t e r r a exerciam alternadamente a presidência da câmara. Associavam funções relativas à aplicação da Justiça e a administração da vila, participando das vereanças. Faziam audiências duas vezes por semana, abrindo inquéritos (crimes de morte, calúnia, incêndio etc.) e supervisionavam a ação dos vereadores quanto à obediência às Ordenações e às posturas municipais.

O p r o c u r a d o r d a c â m a r a zelava pelos bens da câmara,

fiscalizando as obras públicas

e

o uso dos bens públicos.

O J u iz a lm o t á c e l fixava os preços dos gêneros vendidos à

população, fiscalizando os preços, pesos e medidas.

O T e s o u r e ir o d a c â m a r a recolhia as rendas municipais e

executava as despesas ordenadas pe~s vereadores.

O A lc a id e era escolhido e nomeado pela câmara, tendo por

funções o policiamento da municipalidade, executando prisões e realizando rondas n o t u r n a s . "

Os ju í z e s v in t e n á r io s o u d e v in t e n a eram escolhidos pela câmara, em número variável que dependia do número de habitantes da vila. Ele tinha por função o julgamento das contendas entre os moradores locais, exercendo audiências verbais.

O ju iz d e ó r f ã o s era designado por Provisão Régia com

atribuições de zelar pelos órfãos e seus bens, devendo inventariar os bens, zelar pelo sustento, guarda e criação dos órfãos.

2 2 ALGRANTI, Leila Mezan. Conflitos entre os "homens bons" do Paço no Rio de Janeiro

de D. João. In:A n a is d a X V I I R e u n iã o d a S B P H . São Paulo: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 1997, p. 183.

23 "As ordenanças era o corpo militar, formado por cidadãos armados, que era convocado

em caso de o inimigo invadir o território. Cada ordenança tinha que manter em casa uma arma, no mínimo uma lança. Podia também ser convocado para o policiamento e captura de algum fugitivo". FLORES, Moacyr. Povoamento e formação do núcleo urbano de Porto Alegre.E s t u d o s I b e r o - A m e r ic a n o s . Porto Alegre: PUCRS, v. 24, p. 265, jun. 1998.

(7)

o

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in q u ir id o r

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realizava interrogatórios nos processos judiciais e nas

devassas.

O c o n t a d o r calculava as custas do processo e dos ordenados dos

oficiais envolvidos no julgamento.

O distribuidor determinava as escriturações que caberiam a cada tabelião.

Ao escrivão da câmara cabia a escrituração dos livros das rendas e das despesas, fazer a escrituração das causas da justiça julgadas pelos juízes ordinários ou pelo juiz de fora.

Tabelião do público judicial e notas tinha a função de escriturar os contratos e testamentos, escrever os autos passados pelos juízes.

C a p it ã o - d o - m a t o , cargo criado em 1768, designava o encarregado

de caçar os negros fugitivos e coibir a ação dos quilombolas.

Entre os funcionários previstos na provisão de criação da Vila do Rio Grande estavam listados os cargos de almotáceis, de escrivão da câmara e almotaçaria e de escrivão de órfãos, sendo que estes deveriam servir como tabeliães do público judicial e notas, atendendo à

distribuição dos juízes ordinários. Assim, quando a câmara foi novamente instalada em Viamão, começou-se a nomear e dar posse aos demais funcionários.

Ainda que os principais cargos fossem exercidos por funcionários providos pelo Rei ou por outros funcionários régios, o governo do território da capitania de 1751 a 1811 foi exercido na Câmara sediada sucessivamente em Rio Grande (1751 a 1763), em Viamão (1766 a 1773) e em Porto Alegre (1773 a 1811), eleita entre os h o m e n s b o n s ,

enquanto representantes da população. Esses eram responsáveis ao mesmo tempo por funções executivas, legislativas e judiciárias, sendo as autoridades mais próximas à população.

A instalação do segundo vilamento em Rio Grande deu-se da seguinte forma:

No dia 12 de fevereiro de 1811, "nesta nova Vila do Rio Grande de São Pedro do Sul, onde foi vindo o doutor Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, Antonio Monteiro da Rocha, em conseqüência da Provisão Retro e sendo aí, por ele foram convocadas as pessoas da Nobreza e Povo e estando todos presentes e se levantou o Pelourínho'", em que estavam todas as insígnias competentes que denotam a Jurisdição Real

2 4 Pelourinho: coluna de madeira ou pedra gravada com o brasão real ou símbolo de

autoridade, utilizado para a fixação de avisos que mediavam a relação entre a administração e o povo. O pelourinho também era usado para a aplicação de castigos públicos aos condenados. Uma planta de Rio Grande de autor anônimo e de data incerta (entre 1746 e 1751) indica a existência de um pelourinho. O engenheiro José Custódia de Sã e Faria elaborou uma planta da Vila do Rio Grande (1767) onde também consta um pelourinho.

58 Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

a cujo ato se alternaram por três vezes a palavra - Viva o Príncipe Regente Nosso Senhor e levantando-se assim com esta solenidade do dito, houve o Ministro por formada esta Vila e mandou fazer este Auto em que assinou com a Nobreza e Povo que a este ato assiste; eu Guilherme Ferreira de Abreu, Escrivão da Ouvidoria, que escrevi e assinei - Rocha". Assinaram a Ata militares, padres, nobres e povo, num total de 46 pessoas. No mesmo dia, na Casa da Câmara, procede-se à eleição e nomeação dos cidadãos que iriam servir aos cargos públicos. "E sendo aí, depois de feitos os pelouros e presentes todos, estando os pelouros num saco fechado, por um menino de menos de sete anos, foi tirado um pelouro que abriu e se achou estarem nele nomeados os seguintes: para juízes, onde servir neste presente ano de mil oitocentos e onze: Afonso Pereira Chaves e Nicolau Ignacio da Silveira; vereadores: Tenente Antonio Rodrigues Fernandes Braga, José Batista de Carvalho e Tenente José Vieira Lima; Procurador da Câmara: Manoel Gomes Guimarães; Juiz de Órfãos, trienal: capitão Nicolau Cosmes dos Reis; Tesoureiro da Câmara: Antonio José Medeiros; Tesoureiro dos Órfãos: José de Barros Coelho". Ocorreram as seguintes nomeações: para escrivão da Câmara, José Pedro Fernandes; Tabeliães, Joaquim José de Oliveira Braga e José Raymundo de Andrade e Almada; escrivão de órfãos, Serafim dos Anjos França; Contador e Distribuidor do Juízo João Luiz Lamas; Almotáceis eleitos Manoel Albino Rodrigues de Carvalho e Antonio Caetano Machado Pinto.25

Detalhando mais a função dos almotáceis, Monteiro faz referência

à importância da atuação destes na Vila do Rio Grande. Aos almotáceis

cabia a fiscalização geral da Vila; ajudar o arruador nos alinhamentos e embargar as edificações que não obedeciam às Posturas. Assistirem no açougue à pesagem da carne; fazerem corridas ou visitas nas tavernas e padarias, aplicando multas; verificar tudo que fosse para o asseio e boa ordem da Vila e do povo. Não Ihes cabia a verificação dos pesos e medidas, para o que havia um Aferidor, que arrematava esse serviço em pregão público. Severos no cumprimento das leis e ativos na fiscalização. A primeira arrematação do imposto de aferição teve lugar no dia 9 de março de 1811 à porta da Câmara, ''tendo o pregoeiro apregoado e afrontado em altas vozes aos que na Praça se achavam e por ela passavam". Foi lançador na maior oferta de reis, 203$000, Antonio Luiz da Silva, que deu dois fiadores e foi aceito depois do porteiro do Conselho t e r c u m p r id o c o m as p a la v r a s d o e s t ilo , d e u um r a m o v e r d e

q u e n a m ã o t r a z ia , e m s in a l d e u m a r e m a t a ç ã o e p o r e s t a f o r m a

h o u v e r a m a d it a r e m a t a ç ã o p o r f e it a .

26

2 5 MONTEIRO, Antenor. Os homens do segundo vilamento do Rio Grande. R e v is t a d o ~ ~ s t it u t o H is t ó r ic o eG e o g r á f ic o d o R io G r a n d e d o S u l. Porto Alegre: IHGRS, 1947, p. 124.

MONTEIRO, op. cit., p. 129.

(8)

Illil

I;

III

Já foi explicitado que os

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p e lo u r o s eram bolas de cera em que

eram metidas as listas com os nomes 'dos que iriam servir nos cargos. Metidos os p e lo u r o s em um saco de seda encarnada, era em um deles tirada a sorte por um menino, e os outros voltavam, com o saco de seda metido em um outro saco, para dentro de um cofre com três chaves, que ficavam em poder de dois vereadores e do procurador, aguardando nova eleição, que se fazia sempre na presença da Nobreza e Povo. Os primeiros p e lo u r o s que elegeram os homens que dirigiram a Vila do Rio

Grande na sua segunda instalação foram feitos pelo Ouvidor Antonio Monteiro da Rocha.

Duraram eles até4 de abril de 1821, quando a Câmara comunicou a sua Majestade que o Meritíssimo Desembargador, Juiz de Fora, se achava servindo com os Oficiais da Câmara e que já se achavam feitos os pelouros trimestrais, por cujo motivo seguiram os deste ano; que estão servindo, havendo ainda para o ano futuro de 1822, um pelouro. Desta forma se procederam às eleições, até que a Provisão do Príncipe Regente de 7 de dezembro de 1821 veio alterar essa dis~osição, indicando ele os nomes dos cidadãos que exerceriam os

DCBA

c a r q o s . "

Conforme Monteiro, as múltiplas atividades dos vereadores chegavam até a divulgação pelas ruas de editais, como ocorreu em abril de 1821. Não havendo jornais para a publicação dos editais, estes eram normalmente afixados na porta da Câmara; porém,

como se tratasse de assunto de relevância, resolvem que a Câmara saísse "a fazer público esse mesmo edital". E lá foram eles ao rufar dos tambores, parando aqui e ali, pelas ruas da Vila, - que por sua felicidade eram bem poucas -, a proclamar o edital. Com freqüência saíam a fazer 'corridas' pela Vila, isto é, visitas, em que eram observadas as necessidades e as correções a fazer-se nas ruas e prédios. Todos os dias santos de guarda, festas da Pátria ou aniversário real ou nascimento de uma Princesa, iam de estandarte a frente, assistir a Missa ou Te-Deum, na Matriz, onde, junto ao arco cruzeiro, ocupavam as cadeiras que Ihes estavamd e s t t n a d a s . "

A ausência às vereanças poderia acarretar multa de seis mil réis e inclusive prisão. A substituição de um v e r e a d o r " por eleição de outro

27MONTEIRO, idem, p. 124-125.

28 MONTEIRO, ibidem, p. 126.

2 9 No Rio de Janeiro "por ocasiões de atos públicos, festas, bandos e recepções da corte,

os vereadores carregavam uma vara branca e os almotáceis uma vermelha, objetos que simbolizavam a sua distinção. Nessas mesmas ocasiões eram eles, juntamente com o procurador, os responsáveis pelo porte do tradicionalíssimo estandarte da cidade". GOUVÊA, op. cit., p. 315.

60

Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

não isentava o primeiro de, em caso de doença, ser chamado para substituir o titular.

Os indicados para levarem o Estandarte, quando a Câmara saía incorporada, procuravam esquivar-se. Em 15 de setembro de 1821 é recebida a notícia da próxima chegada do Governador. Convidado o ex-vereador Apolinário José de Medeiros, para levar o estandarte, alega que estava doente "e entretanto foi visto a passear pela Vila". Manoel Joaquim Caldeira, que fora avisado para ir como vereador substituto, alega que já estava avisado "para ir de farda e que não sabia dos atafais ou capa e do b a c a lh a U '. Bacalhau eram tiras de pano ou renda,30 que certos magistrados levam pendentes aop e i t o . "

As rendas da Câmara na década de 1810 eram irrisórias, restringindo-se ao arrendamento do cargo de aferidor e do açougue da Vila. "Com tal pobreza, os vereadores e o Procurador viam-se na contingência de cobrir certas despesas de sua algibeira particular. Algumas festividades patrióticas foram feitas a custa dos Juízes, Vereadores e Procurador", afirma Monteiro. O estado financeiro da Câmara permanecia precário em 1825, conforme se depreende deste documento que se refere à participação numa solenidade religiosa: os vereadores "acordaram que, como a Câmara não podia concorrer para a festividade do dia do Corpo de Deus, pela falta de rendimentos que nem chegam para as despesas da comedoria dos presos e das amas, que o Procurador do Conselho participasge a respeito à Irmandade do Santíssimo Sacramento esta irnpossibllidade, mas que a Câmara prontamente assistiria a este ato de Religião, caso se fizesse a referida festa".32

Frente à complexidade organizacional, fica evidente que as áreas mais deficientes da administração pública eram certamente as que implicavam a prestação de serviços à população: a saúde e a instrução pública. Enquanto serviço público, mantido pelo Estado, a saúde era da alçada das câmaras e dos hospitais militares. Às câmaras cabia fiscalizar

o

exercício de profissionais da área (médicos, parteiras, sangradores, etc.) e zelar pela higiene pública na zona urbana.

3 0 No Rio de Janeiro, os vereadores e almotáceis trajavam, segundo Noronha Santos,

"uniformes de nobreza: calções pretos, meias e coletes da mesma cor, chapéus de abas, sapatos de fivela e capas ricamente guamecidas". SANTOS, Noronha. C r ô n ic a s d a c id a d e

1

0R io d e J a n e ir o . Rio de Janeiro: Padrão, 1981, v. 1, p. 243.

1MONTEIRO, op. cit., p. 127.

3 2 MONTEIRO, idem, p. 128.

Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

(9)

o

MUNICIPALlSMO E O BERÇO DO PARLAMENTO GAÚCHODCBA

o

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municipalismo foi uma herança da colonização portuguesa, e fez parte da organização territorial e administrativa estabelecida no

Brasil desde o século XVI. De forma explícita, a palavra

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m u n ic í p io

somente aparece no Direito Constitucional Brasileiro com o advento da República, utilizando-se V ila e C id a d e para definir uma população com seu território e subdivisões administrativas que hoje conhecemos por município. A vila era uma povoação que deveria possuir juiz, câmara e pelourinho, com uma delimitação da área ocupada. Já em 1532, Martim Afonso de Souza fundou a vila de São Vicente, orientando-se no modelo português para estabelecer as atribuições administrativas e judiciárias. Já nesta primeira vila, Martim Afonso convocou os h o m e n s b o n s para

constituírem a primeira câmara de vereadores, além de nomear oficiais de justiça. Tomé de Souza, em 1549, fundou a primeira cidade no Brasil: Salvador. A distinção não é clara na legislação sobre a diferença entre cidade e vila, sendo que o Decreto de 24 de fevereiro de 1823 elevou à

categoria de cidade todas as vilas que fossem capitais de Província. Em primeiro de outubro de 1828 foi expedida a Lei Imperial conhecida por

L e i d a s C â m a r a s , estabelecendo que as Câmaras das cidades teriam

nove membros, e as das vilas, sete. Fixava também as normas para as eleições, segundo a Constituição do Império de 1824, artigo 168: "As Câmaras serão eletivas e compostas do número de vereadores que a lei designar, e o que obtiver o maior número de votos será o presidente". Este deveria desempenhar as funções executivas que hoje são atribuições do prefeito. Com a promulgação do Ato Adicional - Lei Regencial n.º 16, de 12 de agosto de 1834, as Assembléias Legislativas poderiam legislar sobre várias matérias ligadas à divisão judiciária, civil e eclesiástica da Província, porém a administração municipal ficava na dependência desta Assembléia Provincial, a qual legislava sobre a receita e fiscalização da despesa, criação de impostos municipais, supressão ou criação de funções remuneradas e aprovação de posturas municipais, caracterizando a falta de autonomia administrativa nos municípios. Esta situação manteve-se até a promulgação da Constituição Federal de 1891, que, sob a égide republicana, ampliou a atuação da autonomia municipal. Com a proclamação da República, no dia 15 de novembro de 1889, a posterior publicação do Decreto Federal nº 7 dissolvia as Assembléias Provinciais e fixava as atribuições dos governadores dos Estados. O governador político do Rio Grande do Sul dissolveu as Câmaras Municipais e nomeou comissões de três membros para administrar os negócios dos municípios.

O convívio com o municipalismo já faz parte da cultura política

62 Biblos. Rio Grande. 14: 47-64. 2002.

brasileira e rio-grandense, e, num recorte mais específico, voltado à

formação histórica da cidade do Rio Grande, devemos realçar a relação entre poder municipal e comunidade local. No ano em que se comemoram os 250 anos de instalação da câmara nesta cidade, é relevante assinalar esta trajetória de experiências cuja memória deve ser continuamente visitada. Neste sentido, o debate sobre o nascimento do parlamento gaúcho encontra uma visão lúcida nas pesquisas contemporâneas de Márcia Miranda relativas ao judiciárlo'" e à

administração pública no Rio Grande do Sul. Além desta historiadora, já no ano de 1963, Amyr Borges Fortes e João Wagner, com determinação, expressavam o seguinte posicionamento sobre este tema: "Notória é a controvérsia existente quanto à data em que teve início a divisão municipal do Rio Grande do Sul. Muitos autores admitem que o evento do municipalismo foi decorrência da criação da Vila do Rio Grande, a 17 de julho de 1747. Para outra corrente de opinião, tal fato se deve à criação dos quatro municípios - Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha, a 7 de outubro de 1809." Da comparação entre as duas Provisões,

ficamos com a convicção do cuidado com o qual tais documentos foram redigidos. Nota-se a preocupação do governo português de manter sua organização administrativa, bem como a de assegurar a disciplina no emprego das fórmulas segundo as quais eram redigidos os atos da Coroa, para sua divulgaç~o e cumprimento. É impressionante a semelhança de redação dos'dois documentos, revelando a presença de uma minuta oficial, adotada para redigir dois documentos que diferem, quanto à data, de mais de meio século - 1747 e 1809, 62 anos. Ora, se para a Provisão de 1809 admitimos a presença do espírito municipalista, não poderemos, evidentemente, negá-Io para a de 1747, redigida, em termos idênticos, determinando providências semelhantes, provendo cargos iguais, especificando os mesmos requisitos. Não há, pois, negar

3 3"A administração da Justiça primeiramente estabeleceu-se através da primeira Câmara

(Rio Grande - 1751) e posteriormente através das demais câmaras das novas vilas. Apesar da interrupção quando da invasão espanhola àquela vila, a Câmara foi o órgão mais estável da administração. Subordinados às câmaras, eram nomeados um grande número de funcionários menores (juízes vintenários, escrivães vintenários e aprovadores de testamentos, etc.), que levavam a autoridade dos oficiais das câmaras às localidades mais distantes e a setores específicos da sociedade, tendo suas funções ampliadas de acordo com as necessidades locais. A grande extensão territorial e o crescimento da população levaram à nomeação de juízes letrados (juízes de fora), que substituíram juízes ordinários na administração da Justiça e na presidência das câmaras. Os mesmos fatores contribuíram para a transferência da cabeça da Com arca da Ilha de Santa Catarina para a Vila de Porto Alegre, através da mudança da residência do Ouvidor (1812). Estes fatos contribuíram para aumentar a autonomia local frente aos órgãos centrais da Colônia." MIRANDA, op. cit., p. 150.

(10)

que o espírito municipalista estava presente na Provisão de 1747 e, assim,

DCBA

à data desta Provisão deve ser conferida a primazia para a ela ser atribuída a efetivação do municipalismo no Rio Grande do Sul.

Com a instalação da Vila do Rio Grande a 16 de dezembro de 1751,

ao mesmo tempo que a Coroa criava um ponto de apoio de certo valor, a meio caminho entre Laguna e Colônia, uma povoação a mais na imensa solidão do litoral sulino, impunha sua presença naquelas bandas, exercendo sua autoridade e provendo a região de certa assistência administrativa e judiciária. A própria categoria de vila, dada à nova povoação, destinava-se, sem dúvida, a dar maior idoneidade à mesma, amparando o ânimo dos que se aventuravam por aquelas paragens. Os limites da vila eram, como dissemos, imRrecisos, não obstante estarem consignados no documento mencionado. 4

A vida político-administrativa e judiciária nos quadros da administração pública ligada ao colonialismo português no atual Rio Grande do Sul remonta às primeiras experiências com a criação da Vila e Câmara do Rio Grande. Em meio a tantas dificuldades de ordem financeira e material; da constante apreensão com as pulsações no

universo platino que envolveu a atuação de

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p a is a n o s e militares nos séculos XVIII e grande parte do século XIX; dos movimentos

geopolíticos das frentes de expansão luso-brasileira e espano-missioneiro-platina; num complexo contexto pela hegemonia européia, edificaram-se formas de organização pautadas em tentativas de transplantação de modelos civilizatórios ibéricos e adaptações surgidas no convívio do cotidiano platino.

3 4 FORTES; WAGNER, op. cit., p. 6-8.

6 4 Biblos, Rio Grande, 14: 47·64, 2002.

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