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"O património é importante, mas não é mais importante do que as pessoas"

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Academic year: 2021

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(1)

"O

património

é

importante,

mas

não

é

mais

importante

do

que

as

pessoas"

Ainda

é

cedo

para

avaliar

o

que

um

ano

de

guerra

fez

a cidades

como

Tombuctu

ou

Gao.

Assim

como

é

ainda muito

cedo

para dizer

que

a

guerra

acabou

Mali

(2)

Agora que as tropas francesas e os

soldados malianos tomaram

Tom-buctu, Gao eKidal, praticamente

sem que houvesse resistência das forças rebeldes, chegou aaltura das

autoridades fazerem as contas aos

prejuízos na área do património,

sobretudo nas duas primeiras cida-des, inscritas na lista do património da humanidade (Tombuctu desde 1988, oTúmulo de Askia, em Gao, desde 2004).

Durante

meses sucederam-se

notícias de mesquitas destruídas e

bibliotecas saqueadas. No início da semana, chegou mesmo a temer-se que grande parte daimportante

co-lecção de livros edocumentos do Instituto Ahmed Baba, com dezenas de milhares de manuscritos, talvez

os mais importantes do século

XII

e

outros até pré-islâmicos, tivesse de-saparecido num incêndio. Ospiores receios não seconfirmaram, mas há muito a fazer noterreno.

A guerra começou em Janeiro do ano passado e,quase em simultâneo, surgiram relatos de que osrebeldes, muitos de grupos extremistas com li-gações àAl-Qaeda, estavam aarrasar túmulos com centenas de anos que consideravam idólatras, mesmo que consagrados a santos muçulmanos. Tombuctu éconhecida como a

"cida-dedos 333 santos", masosislamistas

que serevoltaram contra oGoverno

doMali querem impor asharia (lei

is-lâmica) em todo oterritório e elanão

permite que sevenerem santos. A cidade do Norte, que tem otítulo

de"jóia africana" por tersido um

im-portante pólo de desenvolvimento económico - era paragem obrigató-ria para osnegociantes desal,ouro e

gado -eprotagonista de uma época de ouro na promoção da religião e

cultura islâmicas no continente

(so-bretudo nos séculos XVeXVI), foi a

mais afectada pelas acções contra o

património, embora Gao, amais po-pulosa da região (60mil habitantes), também tenha visto muitos dos seus

túmulos profanados.

Oconflito armado ameaçava de tal forma Tombuctu que, no Verão,

aUNESCO - Organização dasNações Unidas para aEducação, Ciência e

Cultura decidiu declará-la "em ris-co". Os especialistas malianos e

in-ternacionais

-

em particular os

fran-ceses esul-africanos

-

temiam que,

além dos edifícios únicos construídos em adobe (lama, palha emadeira),

verdadeiras jóias da arquitectura em

terra que valeram aGao eTombuctu

oselo de património da humanida-de, osislamistas dirigissem os seus

ataques aos fundos documentais.

Manuscritos

salvos

Opresidente daCâmara de

Tombuc-tu, Hallé Ousmane Cissé, chegou a

dizer que as forças rebeldes tinham

queimado praticamente todos os

documentos históricos da cidade,

naquilo que classificava como um "verdadeiro crime cultural". Mas, afinal, osislamistas destruíram ape-nas um dos dois edifícios do Institu-to Ahmed Baba -oinaugurado em 2010, pago pela África do Sul, cuja Universidade daCidade do Cabo é

das organizações que mais têm in-vestido na preservação dos docu-mentos de Tombuctu. Nele só

esta-vam guardadas cópias digitalizadas dos velhos manuscritos e originais menos relevantes.

"Uma grande maioria foi salva.

Penso que mais de 90%", disse àAFP Shamil Jeppie, professor da Universi-dade do Cabo que dirige oprojecto de catalogação econservação dos

manuscritos. "É claro que alguns sofreram desgaste, outros foram

destruídos ou roubados, mas uma

parcela muito mais pequena do que julgávamos àpartida", admitiu,

ex-plicando que odano não foi maior

porque, receando os ataques ao

ins-tituto, arquivistas econservadores transferiram oslivros edocumentos mais importantes para Bamaco e

pa-ra outros lugares seguros nos primei-ros meses da insurreição islamista.

Nos "cofres" do instituto há verda-deiras preciosidades em pergaminho pele de carneiro eaté em omoplata de camelo. São livros, tratados e

tex-tos variados sobre astronomia,

músi-ca, história, política, direito e mate-mática. Entre os mais importantes, diz Jeppie, citado pelo diário francês Le Monde, hámuita poesia.

"Até hábem pouco tempo, dizia-se

erradamente nos círculos ocidentais que atradição cultural africana era em grande parte, oupor completo,

oral", disse ao diário

norte-ameri-cano Los Angeles Times o especia-lista em manuscritos árabes Amidu

Sanni. Osmanuscritos deTombuctu contradizem essa visão.

Para Adel Sidarus, professor de Estudos Árabes eIslâmicos da

Uni-versidade de Évora, os manuscritos dacidade dos 333 santos são o refle-xo do papel que este centro teve na

África Ocidental durante centenas de anos, como pólo detrocas eco-nómicas ecivilizacionais. "À falta de uma palavra melhor podemos dizer que Tombuctu tinha uma espécie de burguesia letrada. Havia tertúlias,

era um centro de cultura e de

co-nhecimento", diz ao PÚBLICO este académico cristão copta egípcio que

evive em Portugal há 35 anos. Para Sidarus, que diz que os ma-nuscritos precisam de ser mais co-nhecidos eestudados, ébem

possí-vel que os arquivos deTombuctu, muito dispersos até pelas casas de particulares, guardem até surpresas sobre oAl-Andalus (que abrange a

Península Ibérica).

"Esta nebulosa político-religiosa que hoje se vive no Mali não tem

raízes nenhumas na sua história",

explica. "Tombuctu, por exemplo,

sempre foi uma cidade degrande tolerância religiosa, que a dada al-tura chegou ater uma importantís-sima comunidade dejudeus, uns berberes, outros fugidos da Penín-sula Ibérica. Era também um

cen-tro para os sufis, místicos do Islão." A destruição dos mausoléus sufis

-as fontes ouvidas pelas agências

falam por vezes em dezenas de tú-mulos arrasados, outras vezes em

sete ou nove

-

éprecisamente um

dos grandes objectivos dos rebeldes, acrescenta o professor de Évora. "O

fundamentalismo a que assistimos hoje no Norte do Mali faz uma

in-terpretação retrógrada do Corão e édo tipo tribal, como no tempo do profeta Maomé."

Os primeiros relatos ocidentais sobre a cidade só foram feitos no século

XIX,

quando um francês ar-riscou avida ao entrar disfarçado em Tombuctu (a visita era proibida

a estrangeiros), lembrou aoPÚBLICO

oarqueólogo Santiago Macias,

(3)

Macias tem acompanhado com

preocupação odesenvolvimento da situação no Mali, enão está nada op-timista. Acredita que orecuo dos re-beldes étemporário eque tudo farão

para destruírem o que o Ocidente valoriza, como aconteceu com os

budas de Bamiyan, no Afeganistão.

"Oproblema na região é,como todos

sabemos, económico esocial. Oque tem ganho apopulação de Tombuc-tu com tanto património da

humani-dade? Vive menos miseravelmente?

Epor que estão láosfranceses? Por causa do património ou por causa

das minas de urânio?"

Macias diz que éainda muito

ce-do para perceber oque seperdeu

em termos patrimoniais, apesar de serem "graves" os relatos que fo-ram chegando dos ataques às três grandes mesquitas de Djingareyber,

Sankoré eSidi Yahia, eaos mausoléus

de Gao, cuja necrópole foi intensa-mente escavada pelos japoneses nos

anos 1970. "O inventário de muito

deste património é,seguramente,

frágil. Muita coisa se perdeu ao lon-go dos séculos - não apenas agora.

Seformos comparar a cidade de

ho-je

com aquela que os documentos árabes descrevem nos séculos XIVe

XV,com cúpulas douradas por toda a

parte, vamos pensar que os autores de há

500

anos estavam adelirar."

Em declarações aojornal Le

Mon-de, Bruce Hall, professor da Universi-dade de Duke, nos EUA, foi também bastante crítico em relação à inter-venção governamental nas cidades

património do Mali e falou em cor-rupção. "Foram gastos milhões de dólares na digitalização e conserva-ção de manuscritos nos últimos dez anos, pela UNESCO epor fundações americanas. Quase nada foi feito. O

dinheiro desapareceu no Mali, mas

também nas mão de

pseudo-espe-cialistas ocidentais que discutiram

muito mas fizeram pouco."

Obalanço do que seperdeu nos últimos meses em termos

patrimo-niais pode muito bem nunca

vir

a

ficar completo, acrescenta Santiago Macias. "Adestruição vai continuar e oconflito não deve ficar por aqui. No

Mali, como em todo o lado, o patri-mónio émuito importante, mas não

émais importante do que aspessoas.

Enquanto apressão sobre as

popu-lações for enorme, não éde esperar

que os extremistas deixem de ter no Mali terreno fértil."

Um dos manuscritos queimados do

Instituto Ahmed

Baba

"O

que tem

ganho

a

população

de

Tombuctu

com

tanto

património

da

humanidade?

Vive

menos

miseravelmente?"

Santiago Macias

''Tombuctu

tinha

uma

espécie

de

burguesia

letrada. Havia tertúlias, era

um centro de

cultura

e

de

conhecimento"

AdelSidarus

A França vai ficar no

Mali

"o

tempo

que

for

necessário"

Foi ao

ritmo

de batuques,

bani-dos

durante

os meses de

terror

islamista, que Tombuctu recebeu

ontem o Presidente francês,

Fran-çois Hollande, que foi aoMali para

apoiar aforça expedicionária que em três semanas reconquistou para

o Governo central o controlo das três cidades do Norte edelinear o

futuro da missão.

(4)

Amesquita de

Djingareyber,

em Tombuctu

O

Presidente francês foi recebido

em clima de

festa

em Tombuctu

Tombuctu, agradecemos-te

infinita-mente", garantia Fanta Diarra Tou-ré, uma antiga recepcionista de 53

anos entre apequena multidão que recebeu oPresidente francês na pra-çaprincipal dacidade que durante

séculos foio principal centro de

cul-tura eensino do Islão em África e é

hoje Património da Humanidade.

"Viva aFrança, Viva Hollande", gri-taram, quando oPresidente francês deu amão ao homólogo maliano, Dioncounda Traoré, erguendo-as ao céu em sinal devitória.

Perante aaproximação das tropas

francesas emalianas as forças do Ansar Dine (grupo tuaregue islamis-ta) eda Al-Qaeda na Magrebe Islâ-mica (AQMI, grupo terrorista com origem na Argélia) abandonaram a

cidade no início desta semana.

Co-mo herança deixaram em ruínas

mausoléus de santos muçulmanos,

declarando idolatria aveneração

dos habitantes, eem cinzas entre

dois atrês mil dos manuscritos cen-tenários guardados na cidade.

Em nome da mesma

interpreta-ção radical da sharia (lei islâmica)

amputaram mãos apessoas

acusa-das de roubo, chicotearam suspeitos

de adultério, obrigaram asmulheres acobrirem o rosto e

proibiram

o

futebol, adança eamúsica...

Apesar das fortes medidas de

se-gurança

-

com blindados a

patru-lhar ruas esoldados de 100em 100 metros, conta oenviado da AFP -o

ambiente era de festa. "Estamos

alegres por receber Hollande, ele

é onosso libertador, porque nos

li-bertou destes bandidos armados,

sem o Exército francês seria a

ca-tástrofe", disse àagência Hassèye Boussama Djitteye, um comerciante

junto

àmesquita de Djingareyber,

que Hollande visitou.

Osislamistas partiram, maso me-do ainda não desapareceu. "Temos medo que os islamistas se tenham escondido no deserto",

admitia

Diarra Touré, dirigindo um apelo para que o Exército francês fique na cidade "pelo menos cinco meses

para os ir procurar".

Já nacapital, Bamaco, Hollande

disse em conferência de imprensa

que oterrorismo tinha sido "expul-so" e "afastado", mas "ainda não

(5)

foi vencido". "Os terroristas estão enfraquecidos mas ainda não

desa-pareceram", disse ao lado do Pre-sidente Traoré, reafirmando que as

forças francesas vão ficar noMali "o

tempo que for necessário". Hollan-de expressou ainda aurgência para que aforça africana, mandatada pe-la ONU, esteja completa e operacio-nal omais rapidamente possível.

Referências

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