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A avaliação da vinculação no adulto: Será só uma questão de diferentes métodos?

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A avaliação da vinculação no adulto: Será só uma questão de

diferentes métodos?

Marta Arriaga1, Manuela Veríssimo1, Fernanda Salvaterra1, Joana Maia1 & Orlando Santos1

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UIPCDE, ISPA

O presente trabalho procura reflectir sobre a avaliação da vinculação na idade adulta. Para tal, serão analisados de forma comparativa dois instrumentos específicos, criados no contexto de correntes teóricas e de linhas de investigação distintas, nomeadamente a Psicologia Social e a Psicologia do Desenvolvimento. A Escala de Vinculação do Adulto e as Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos foram aplicadas a uma amostra de 61 adultos portugueses (36 do sexo feminino e 25 do sexo masculino). Os resultados mostraram a inexistência de associações significativas entre os dois instrumentos, deixando em aberto a questão de saber que dimensões específicas da vinculação na idade adulta, efectivamente, poderá cada instrumento estar a avaliar.

Palavras-chave: Vinculação no Adulto, Avaliação, Modelos Internos Dinâmicos, Narrativas

1-INTRODUÇÃO

Se desde sempre a Psicologia do Desenvolvimento privilegiou o estudo da vinculação na óptica das interacções pais-filhos, a Psicologia Social tem procurado extrapolar algumas das ideias de Bowlby (1973; 1982) para o campo das relações amorosas, centrando-se no estudo dos relacionamentos de tipo romântico.

Segundo Martínez e Santelices (2005), as maiores diferenças entre estas duas correntes teóricas dizem respeito aos conceitos em que se baseiam e ao tipo de instrumentos de avaliação desenvolvidos, bem como aos sistemas de classificação que tendem a empregar. Assim, com a Psicologia do Desenvolvimento a recorrer com maior frequência ao uso de entrevistas que procuram avaliar as dimensões de representação da vinculação e a Psicologia Social a incluir habitualmente questionários de auto-resposta no delineamento dos seus estudos, os conhecimentos produzidos em cada abordagem metodológica tendem a evoluir de forma paralela, com poucos pontos de contacto a serem estabelecidos até aos dias de hoje.

1.1. Avaliação da Vinculação no Adulto: Aspectos históricos e implicações gerais Os trabalhos realizados nas duas primeiras décadas com o surgimento da Teoria da Vinculação focaram-se sobretudo na primeira infância, procurando analisar em

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exclusivo a relação diádica mãe-criança. Integrando alguns conceitos da Etologia (Bowlby, 1969) como a importância da observação directa do comportamento, Mary Ainsworth (1973) parte do pressuposto que as diferenças individuais observáveis durante os episódios de separação-reunião entre o cuidador e a criança permitiriam inferir se esta podia confiar no cuidador como fonte de conforto e de protecção ou se a díade teria um historial de insensibilidade nos cuidados, marcada pela rejeição, inconsistência e/ou imprevisibilidade da resposta do cuidador. Com efeito, a criação deste procedimento experimental constituiu a primeira tentativa de operacionalizar e testar conceitos que, até então, apenas subsistiam teoricamente.

Nos últimos anos, um dos esforços dos teóricos da vinculação tem sido o de operacionalizar e validar instrumentos capazes de medir os distintos níveis de análise em que este constructo pode ser estudado (Soares, 2007). Mais recentemente, à medida que as investigações avançaram para lá da primeira infância, também a atenção dos investigadores começou a deslocar-se do nível comportamental para o nível representacional, sendo de destacar o grande impulso nesta direcção dado pela criação da Adult Attachment Interview (Main, Kaplan & Cassidy, 1985). Com efeito, foi apenas a partir dos anos 80 que o estudo da vinculação pode ir além da primeira etapa de vida, começando a ser dada relevância às especificidades da sua avaliação na idade adulta.

Crowell, Fraley e Shaver (1999) consideram que no estudo da vinculação na idade adulta há duas ideias fundamentais que não devem ser perdidas de vista. A primeira prende-se com a assumpção de que independentemente do grau em que está activo e dos comportamentos pelos quais se manifesta, o sistema de vinculação está presente e acompanha todos os sujeitos desde o nascimento até à morte. A segunda ideia diz respeito às diferenças individuais que em função da história de vinculação única do sujeito e dependendo do momento do desenvolvimento em que se encontra, de variáveis contextuais e de aspectos culturais, podem existir na expressão dos comportamentos de vinculação. Os mesmos autores referem que o estudo da vinculação no adulto se tem centrado mais nas diferenças individuais da organização dos comportamentos e representações e não tanto no aspecto normativo da vinculação.

Por outro lado, tem sido apontado como importante e necessário objecto de estudo o expectável paralelismo que parece existir, ao nível das diferenças individuais, entre os padrões comportamentais de vinculação das crianças e os padrões representacionais dos adultos (Hazan & Shaver, 1987; Main et al., 1985; Crowell et al., 1999).

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No entanto, alguns autores defendem que nesta passagem do estudo do comportamento para o estudo da representação, não estão ainda totalmente clarificados quais os aspectos cruciais que têm de ser tidos em conta quando o objectivo é criar instrumentos capazes de, ao longo do ciclo vital, avaliar de forma sólida a qualidade e organização dos modelos internos dinâmicos.

1.2. A perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento

A criação da Adult Attachment Interview (Main et al., 1985), habitualmente denominada AAI, constituiu a primeira proposta para avaliar a qualidade das representações de vinculação na idade adulta. Tendo como pressuposto que os processos mentais variam da mesma forma que os processos comportamentais e que ambos os processos podem ser representados através da linguagem, os seus autores defenderam a legitimidade do estudo das narrativas produzidas pelos sujeitos. Este procedimento consiste numa entrevista clínica semi-estruturada focada nas experiências precoces de vinculação, com especial ênfase para eventuais vivências de proximidade emocional, suporte ou rejeição por parte dos pais, períodos de separação e/ou de doença e que pretende avaliar a percepção que o sujeito tem da importância dessas mesmas experiências para a sua personalidade adulta e, se aplicável, papel parental.

Hipotetiza-se que as verbalizações dos sujeitos durante a entrevista reflictam o estado mental dos mesmos relativamente à vinculação e, por indução, a organização mais geral subjacente ao seu modelo interno dinâmico. É de notar que não é o conteúdo das descrições per se que é relevante para a cotação mas sim o estado mental, definível por George & Solomon (2008) como o modo como o sujeito consegue integrar cognição e afecto ao abordar conteúdos de memória relacionados com as suas experiências de vinculação, capacidade que pode variar em função de processos mentais involuntários que suportam ou excluem a reminiscência dessa mesma informação

Apoiando-se no modelo de script, originalmente estruturado para caracterizar as representações em adultos de acontecimentos rotineiros (e.g., Bauer & Mandler, 1990), Harriet Waters e colaboradores propuseram, no início da presente década, uma abordagem inovadora de avaliação das representações de vinculação

Este novo método, habitualmente denominado Attachment Script Representation Task e que na versão portuguesa recebe a designação de Narrativas de Representação da Vinculação no Adulto (Veríssimo, Monteiro, Vaughn, Santos & Waters, 2005), baseia-se no conceito de “script”, partindo do pressuposto de que informação sobre

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eventos similares e repetidos ao longo do tempo é integrada em estruturas de memória organizadas (Grych, Wachsmuth-Schlaefer & Klockow, 2002) que podem ser vistas como “guiões”.

Estas estruturas de memória são criadas no decurso da repetição de experiências semelhantes e organizam-se de acordo com uma sequência estereotipada de acções que tendem a ocorrer num determinado contexto espácio-temporal (a este propósito pode ser dado como exemplo, o script relativo a ir a um restaurante), e obedecem a três condições base: (a) contêm acções ou elementos apropriados a um contexto espacio-temporal particular; (b) estão organizados à volta de um objectivo; e (c) estão temporalmente ordenados (Schank e Abelson,1977). Sendo activadas sempre que uma determinada experiência se aproxima do esquema existente, servem para guiar a percepção e o próprio comportamento do sujeito quando esse evento, ou evento similar, é (re)encontrado determinando a codificação e o processamento de novas experiências, providenciando um guia para a acção presente e para a acção futura (Nelson, 1990).

Diferenças individuais na construção deste script devem-se, segundo Waters e Waters (2006), a diferenças nas vivências precoces no contexto de interacções de tipo base-segura. Se os cuidadores puderem ser utilizados como base segura de forma temporalmente e contextualmente consistente, o script construído deverá ser completo e coerente, podendo ser rapidamente activado e mobilizado em situações relevantes. Se, pelo contrário, este suporte de base segura foi inconsistente, ou nulo, o script construído deverá ser menos coeso e de mais difícil acesso.

Utilizando narrativas produzidas por adultos, em resposta a um conjunto de palavras sugestivas que remetem para interacções entre adulto/criança e entre adulto/adulto, Waters e Rodrigues-Doolabh (2001; 2004) propuseram um procedimento que visa, justamente, avaliar a organização e a qualidade do conhecimento de tipo script de base segura.

1.3. A perspectiva da Psicologia Social

Procurando aproximar a Psicologia Social do estudo da Teoria da Vinculação Hazan e Shaver (1993) têm sugerido que muitas das experiências e comportamentos habitualmente associados ao amor são compatíveis com algumas concepções descritas por Bowlby (1979).

Para testar as suas hipóteses e apoiando-se nos padrões de vinculação da infância definidos por Mary Ainsworth, construíram um questionário de auto-resposta,

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designado Attachment Style Questionare (ASQ), adaptando a natureza destas padrões às relações amorosas e ao que poderia ser esperado da sua manifestação na idade adulta. As conclusões do seu estudo apoiaram a tese inicialmente proposta de que diferenças nos padrões de vinculação originariamente desenvolvidos na infância poderiam estar na base das diferenças individuais relativas ao modo como os adultos pensam, agem e sentem as suas relações românticas. Este primeiro trabalho deu origem a muitos outros, enquadrando-se nesta tradição a Adult Attachment Scale-R, criada por Collins e Read em 1990, que na versão portuguesa (Canavarro, Dias & Lima, 2006) recebe a designação de Escala de Vinculação do Adulto (EVA).

1.4.Comparação entre diferentes metodologias

Um ponto-chave referido na literatura é que ambas as correntes, baseando-se no conceito de modelos internos dinâmicos, consideram que os seus instrumentos são susceptíveis de avaliar as representações de vinculação, pelo que seria de esperar que encontrássemos concordância ao nível dos resultados. No entanto, um dos aspectos mais controversos da investigação da vinculação no adulto, que necessita de maior esclarecimento, prende-se precisamente com a falta de convergência habitualmente encontrada quando diferentes instrumentos são aplicados (Maier, Bernier, Pekrum, Zimmerman & Grossmann, 2004).

Este estudo tem como objectivo estudar a qualidade das representações de vinculação numa amostra de adultos portugueses, comparando os resultados obtidos em dois instrumentos provenientes de perspectivas teóricas diferentes - a Escala de Vinculação do Adulto (EVA) (Collins & Read,1990;1994; Canavarro, Dias & Lima, 2006) e as Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos (Waters e Rodrigues-Doolabh, 2001, 2004; Veríssimo, Monteiro, Vaughn, Santos & Waters, 2005) - que têm vindo a ser progressivamente mais utilizados em Portugal.

2. METODOLOGIA 2.1. Participantes

Participaram neste estudo 61 adultos com idades compreendidas entre os 27 e os 58 anos (M= 36,54). Todos os participantes eram candidatos à adopção de crianças, tendo a nossa avaliação decorrido no contexto do processo de avaliação mais lato levado a cabo por um Serviço de Adopções da área da Grande Lisboa. 36 (59%) eram do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 27 e os 41 anos (M= 36,23 e DP=

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5,62 ) e 25 (41%) eram do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 29 e os 58 anos (M= 37 e DP= 6,534). No caso das mulheres, as habilitações literárias variavam entre os 6 e os 21 anos de escolaridade (M=14,96 e DP= 3,724) e, no caso dos homens, entre os 6 e os 19 anos (M= 12,96 e DP= 3,62).

2.2. Instrumentos

Escala de Vinculação do Adulto (EVA)

A escala EVA é constituída por 18 itens que abarcam diversos sentimentos susceptíveis de serem sentidos pelos sujeitos relativamente às relações afectivas que estabelecem. Os itens (respondidos segundo uma escala que varia entre 1 e 5, em que 1 representa “nada característico em mim” e 5 “extremamente característico em mim”), organizam-se em 3 dimensões: Conforto com Proximidade, que avalia o modo como o indivíduo se sente confortável no estabelecimento de relações íntimas; Confiança nos outros, que avalia o modo como os indivíduos sentem que podem depender dos outros em situações em que esta dependência é percepcionada como necessária; Ansiedade, que avalia o grau em que o indivíduo se sente preocupado com a possibilidade de ser abandonado ou rejeitado.

Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos

Este instrumento é constituído por conjuntos de palavras a partir dos quais se pretende que o sujeito desenvolva seis narrativas. Duas dessas histórias baseiam-se em actividades comuns que não remetem para interacções de base segura, sendo consideradas neutras. Os restantes quatro grupos foram desenvolvidos para invocar cenários importantes do ponto de vista da vinculação, dois no âmbito da interacção adulto-criança e os outros dois no âmbito da interacção adulto-adulto. O objectivo do instrumento prende-se com a avaliação da organização do conhecimento de base segura, sendo que o protótipo de base segura é definido por uma base segura (mãe/pai ou o parceiro) que ajuda o outro elemento da díade (criança ou parceiro) a lidar de forma construtiva com uma situação angustiante e a eliminar a angústia e mal-estar vivenciados, criando condições para que seja possível o retorno à normalidade (exploração construtiva do meio físico e/ou social).

Cada história é cotada individualmente, numa escala de 7 pontos, tendo por base a maior ou menor extensão em que está presente o script de base segura, adequado a cada história, bem como a riqueza e detalhes com que são descritas as interacções entre os

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elementos da díade. Deste modo, uma cotação alta implicará tanto a existência de conteúdos de base segura como elementos que evidenciam uma base interpessoal forte, isto é, uma sensibilidade face ao estado emocional da outra pessoa.

2.3. Procedimento

Ambos os instrumentos foram administrados de forma individual a cada sujeito da amostra, fazendo parte integrante do processo de selecção dos candidatos a adopção. Este processo é constituído por um conjunto alargado de entrevistas, visitas domiciliárias e testes psicológicos.

Foram apresentados inicialmente, de acordo com as indicações presentes no manual de aplicação os conjuntos de palavras que remetiam para a relação mãe/criança (“O passeio no Parque”; “A manhã do bebé”; “O consultório do médico”) e, seguidamente, aqueles que remetiam para a relação adulto/adulto (“Uma tarde nas compras”, “O acampamento da Joana e do Pedro”, “O acidente da Susana”). As narrativas produzidas foram posteriormente transcritas para serem cotadas por dois investigadores, independentes e previamente treinados, alheios à situação de recolha de dados, bem como a quaisquer variáveis relativas aos sujeitos. De modo a minimizar um possível efeito de halo, as narrativas foram agrupadas história a história, sendo cada conjunto cotado de forma colectiva. O acordo inter-avaliadores variou entre 0,63 e 0,77. Posteriormente à aplicação das Narrativas, foi solicitado aos sujeitos que respondessem à Escala de Vinculação do Adulto. Pediu-se que ao responderem adoptassem uma atitude o mais sincera possível, uma vez que não existem propriamente respostas “certas e erradas” e que, em caso de dúvida, consultassem o entrevistador.

3. RESULTADOS

3.1 Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos

Uma correlação de Pearson entre os valores médios dos dois conjuntos de histórias mãe/criança e adulto/adulto mostrou-se significativa e elevada (r=0,71, p<0.01) motivo pelo qual foi possível, através da média das quatro histórias, chegar-se a um valor global de segurança. Uma análise das variáveis demográficas mostrou que não existiam diferenças significativas nos resultados em virtude do género. A realização de correlações de Spearman evidenciou uma associação significativa positiva entre os valores de segurança obtidos nos scripts (r=0,451, p<0,01) e as habilitações literárias

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dos sujeitos, bem como uma correlação significativa negativa entre os mesmos valores e a idade. (r= - 0,265, p<0,05).

3.2. Escala de Vinculação do Adulto

A análise de consistência interna da escala, foi feita mediante o cálculo do alpha de Cronbach para cada sub-escala. As sub-escalas Ansiedade e Conforto com Proximidade apresentaram índices razoáveis de fiabilidade (0,75 e 0,68 respectivamente). É importante referir que o item 13 foi retirado da sub-escala Conforto com Proximidade uma vez que a sua inclusão contribuía para baixar muito a fiabilidade da escala. Na sub-escala Confiança nos Outros, o alpha de Cronbach foi de 0,232, valor que pode ser considerado muito fraco, indicando falta de consistência desta sub-escala, motivo pelo qual não foi utilizada na análise posterior.

Análises subsequentes, atendendo a variáveis demográficas mostraram que não existiam diferenças significativas na média dos resultados de cada sub-escala em virtude do género, não sendo também detectada nenhuma associação com a idade dos sujeitos. Foi encontrada uma correlação significativa positiva entre a variável Habilitações Literárias e a dimensão Conforto com Proximidade (r= 0,285, p<0,05).

3.3. Relação entre a Escala de Vinculação do Adulto e as Narrativas de Representação de Vinculação em Adultos.

Para se proceder à análise comparativa, intra-sujeitos, dos resultados obtidos na EVA e nas Narrativas, uma vez que previamente se havia verificado, em ambos os instrumentos a existência de associações com a variável Habilitações Literárias, tornou-se necessário controlar esta variável. Por este motivo, optou-tornou-se pela realização de correlações parciais entre os dois conjuntos de narrativas e as dimensões Ansiedade e Conforto com Proximidade da EVA. Tanto o conjunto de histórias adulto-criança, como o conjunto de histórias adulto-adulto, não mostrou qualquer associação significativa com as dimensões da EVA previamente referidas (respectivamente, r= -0,239 p>0.05; r= 0,163, p>0.05 e r= -0,235, p>0.05; r= 0,128, p>0,05).

4 - DISCUSSÃO

O facto de não terem sido encontradas quaisquer associações significativas leva-nos a questionar se, no domínio mais lato dos processos inerentes à vinculação na idade adulta, estes dois instrumentos serão susceptíveis de avaliar as mesmas dimensões, ou

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mesmo dimensões similares. Uma revisão bibliográfica sugere-nos que, a este respeito, o panorama deixado em evidência pelos escassos estudos comparativos existentes é ainda pouco claro. Rholes, Simpson & Blakely (1995), por exemplo, demonstraram que questionários de auto-resposta que avaliam a qualidade da vinculação nas relações amorosas são capazes de predizer condutas e sentimentos associados à parentalidade e também outros estudos têm defendido a capacidade preditiva da AAI relativamente às condutas e sentimentos dos sujeitos nas relações entre pares.

No entanto, também outros autores (Crowell et al.,1999) têm sugerido a inexistência de associações entre metodologias oriundas de perspectivas teóricas distintas, como é o caso das por nós utilizadas. Tal, tem sido justificado pelo facto das variáveis que influenciam os comportamentos de base-segura no âmbito das relações românticas poderem ser diferentes das variáveis que influenciam os mesmos nas relações entre pais e filhos. Nas relações românticas, o que se avalia é o papel da vinculação no contexto do casal, no qual se espera existir uma maior paridade de papéis (isto é, reciprocidade e flexibilidade na forma como podem funcionar como figura de vinculação mútua) e que entre outras coisas é influenciado por variáveis como a atracção sexual.

Por sua vez, entrevistas como a AAI debruçam-se sobre as memórias a que o sujeito consegue aceder das relações que estabeleceu com os próprios pais durante a infância, e que são influenciadas por variáveis completamente distintas, tais como as condições sociais em que se desenrolou a parentalidade. Uma meta-análise publicada por Roisman, Holland, Fortuna, Fraley, Claussel & Clarke (2007), concluiu que o tipo de segurança de vinculação identificada pelos questionários de auto-resposta e pela AAI é psicometricamente distinta, isto é, geralmente não se verifica uma concordância no padrão de vinculação identificado pelos dois tipos de instrumentos.

A falta de convergência encontrada nestes estudos poderá também ser explicada pelo facto dos instrumentos baseados no modelo representacional serem mais próximos do conceito de “modelos internos dinâmicos”, sujeitos a influências inconscientes, ao passo que os questionários de auto-relato tendem a captar predominantemente os elementos conscientes, logo mais superficiais, inerentes às relações interpessoais (Maier et al., 2004; Shaver & Mikulincer, 2002).

Outro aspecto relevante suscitado pelos resultados encontrados prende-se com o facto de ter sido encontrada uma forte relação entre a variável habilitações literárias e os dois instrumentos utilizados, tal como ocorreu no estudo de Coppola, Vaughn, Cassiba e

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Costantini (2006). Neste estudo os autores realçaram que a influência da variável habilitações literárias deveria ser investigada em amostras de maior dimensão com uma maior abrangência de níveis de escolaridade.

Os resultados obtidos relembram que a grande questão da avaliação da vinculação do adulto se mantém em aberto: Será que os instrumentos de modelo representacional e os auto-questionários da Psicologia Social podem clamar avaliar efectivamente o mesmo conceito, ou seja, a qualidade dos modelos internos dinâmicos? A este propósito parece-nos essencial que trabalhos futuros se debrucem sobre a clarificação (Delius et al., 2008; Bretherton & Munholland, 1999) do constructo mais geral de “representações mentais associadas à vinculação” que poderá inclui: as representações de vinculação dos adultos; a análise da emergência dos modelos internos dinâmicos durante a infância, bem como da rede mais lata de representações mentais que podem reflectir a qualidade e organização destes mesmos MID (como a compreensão emocional e o auto-conceito). No seu todo, estas representações mentais poderão reflectir a forma específica como diferentes experiências relacionais associadas à vinculação influenciam a compreensão desenvolvimental que os sujeitos constroem tanto sobre si mesmos, como sobre os seus mundos sociais

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer a todos os sujeitos que aceitaram participar neste estudo. Os autores gostariam ainda de agradecer a todos os colegas da linha 1, Psicologia do Desenvolvimento, da U.I.P.C.D.E., pelos seus comentários valiosos

CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA Manuela Veríssimo (mveriss@ispa.pt)

ISPA, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149 - 041 Lisboa

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