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Escola: lócus de formação continuada e de desenvolvimento profissional docente

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Escola: lócus de formação continuada e de desenvolvimento profissional

docente

Cristina Bohn Citolin– UNISINOS, RS Mari Margarete dos Santos Forster – UNISINOS, RS

Cláudia Andréia Kasper – UNISINOS, RS CAPES/PROEX; FAPERGS; UNISINOS

A investigação aborda a formação continuada de professores, focalizando situações formativas presentes no e do cotidiano escolar, discutindo elementos que as tornam geradoras de desenvolvimento profissional docente emancipatório. Busca compreender significados atribuídos a essas experiências pelos professores e equipe diretiva. De natureza qualitativa, utiliza-se da pesquisa-ação crítico-colaborativa; a reflexão e o diálogo freireano são os eixos analíticos estruturantes. Sustentado em Freire, Pimenta, Tardif, Barroso e Peréz-Gomes, o texto apresenta análises realizadas ao longo do projeto e, especialmente, de entrevistas com os professores. Nestas, foram contempladas a formação continuada no contexto escolar, considerando o envolvimento individual e possíveis repercussões na prática pedagógica e na comunidade escolar. Pode-se afirmar que as ações formativas têm contribuído para a qualificação do trabalho docente e a construção de parcerias, além de favorecer autonomia e autoria. Isso repercute no currículo, pois altera práticas tradicionais e provoca rupturas cognitivo-epistemológicas significativas na escola.

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Escola: lócus de formação continuada e de desenvolvimento profissional

docente

Trabalhos e pesquisas, com base na parceria entre universidade-escola, têm demandado esforços por parte de pesquisadores no desenvolvimento de recursos teóricos e metodológicos adequados para abordar a realidade da escola e, especialmente, a formação continuada de professores. Compreende-se que esta, seja individual e/ou coletiva, abrange movimentos imprescindíveis para a qualificação do professorado. Este processo requer conhecimentos acadêmicos e competências técnicas e sociais fomentadores de um saber fazer que extrapole os modelos de reprodução. Com base nisso, nosso grupo de pesquisa vem experienciando essa parceria através de vários projetos investigativos com a escola, pois acreditamos que esse diálogo é fundamental e precisa ser intensificado.

A PESQUISA E SEU CONTEXTO

Assim, a pesquisa “(Re)significando a escola como espaço formativo: dos diálogos

com a comunidade escolar à sistematização de conhecimentos”, em desenvolvimento, tem

por objetivo investigar situações formativas vividas no e oriundas do cotidiano escolar, discutindo os elementos que as tornam, ou não, geradoras de desenvolvimento profissional docente emancipatório. A partir desse panorama, interessa-nos compreender os significados atribuídos a essas experiências pelos professores e equipe diretiva da escola estudada, uma vez que estes são os interlocutores da investigação. Almejamos, ainda, contribuir para os Cursos de Licenciaturas, especialmente nas discussões sobre formação docente e práticas pedagógicas inovadoras, através de seminários realizados entre o Grupo de Pesquisa e os Cursos. Como fontes teóricas básicas, associamo-nos aos estudos de Paulo Freire, Maurice Tardif, Rui Canário, Barroso, Pérez Gómez, Selma Garrido Pimenta e Carlos Rodrigues Brandão. A metodologia da pesquisa-ação crítico-colaborativa foi escolhida por associar-se aos objetivos da pesquisa, em que se estabeleceria um contato profundo com a instituição parceira, através de trocas e diálogo.

As investigações realizadas no campo da formação de professores têm apontado a existência de várias lacunas, das quais a mais séria parece-nos a falta ou a reduzida possibilidade de problematização, reflexão e autonomia por parte dos docentes. Isto tem impedido oportunidades de aprendizagens de práticas de liberdade e democracia, de entendimento crítico de acontecimentos e fatos educativos, sociais, culturais e de formas de

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interrogação do real; da mesma forma tem dificultado o relacionamento entre a esfera de atuação ética, política e social e a de atuação educativa e pedagógica.

A desconfiança de que a universidade, como agência formadora, está perdendo seu lugar, tem obrigado as instituições a iniciarem um complexo processo de redefinição de sua missão. Emerge, portanto, um mal-estar tanto na universidade como na escola sobre seus papéis. De alguma forma, concordamos com Tardif (2000), quando diz que “é a própria identidade das Ciências da Educação que está em jogo, [...] é a busca de equilíbrio entre as finalidades teóricas e prática, disciplinar e profissional que está em jogo na formação dos

profissionais do ensino”. Por um lado, o lugar e os significados dos saberes universitários

colocados em questão, as políticas públicas normativas por outro e as escolas e os professores responsabilizados pelo sucesso ou fracasso da educação têm trazido a todos nós, educadores/pesquisadores, muito mais interrogações do que respostas.

Da mesma forma, é necessário considerar que o processo de formação continuada de professores é resultado, por uma via, do compromisso de cada professor com seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional e, por outra, do reconhecimento de que “a escola pode e deve ser tomada como eixo de sua formação. Ou seja, trata-se de perceber que as instituições escolares não formam apenas os alunos, mas também os profissionais que nela

atuam” (BARROSO, 1997).

Neste projeto que hoje desenvolvemos, o foco está na escola por acreditarmos que a universidade tem muito que aprender com essa parceria. Temos identificado e reforçado, como principais evidências teóricas, que: a) a escola é, de fato, um espaço rico de contradições; b) os sujeitos que aí habitam têm potencialidades, produzem saberes que precisam ser publicizados; c) a forma como o sistema escolar e/ou escola funciona pode ser facilitador ou dificultador de aprendizagem e desenvolvimento profissional; d) o diálogo e a reflexão apresentam-se como fundantes na conquista de espaços de aprendizagem; e) espaços e situações de reflexão e problematização compartilhados/coletivos beneficiam o processo de desenvolvimento profissional, são formativos, mas podem ou não resultar em aprendizagem para a profissão; f) o trabalho pedagógico continuado e a identificação dos benefícios do mesmo sobre as aulas e os alunos favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento profissional; g) a acolhida positiva e propositiva da equipe diretiva ao trabalho do professor, ouvindo-o e valorizando-o, fomenta o desenvolvimento a aprendizagens profissionais; h) nem sempre mudanças de representações e discursos dos professores são acompanhadas por mudanças nas práticas docentes; i) as ações humanas, sistematizadas em torno de processos instituídos - como é o caso da educação escolarizada -, sendo tributárias da concepção de

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Estado, são portadoras tanto de forças regulatórias como emancipatórias; e j) a parceria Universidade/Escola/Universidade pode ser potencializadora de ações docentes mais qualificadas.

Ao longo do estudo, o diálogo1, uma das dimensões centrais da pesquisa, se fez presente, como capacidade humana de ir ao outro para firmar relações, interpretando e compreendendo o mundo, como também para a sustentação de práticas que, entre si, convergem ou divergem, tornando-se imperativo de justificação e/ou fundamentação dos feitos humanos praticados.

A reflexão2 é outra dimensão analítica que acompanha a investigação, entendida como

a articulação recíproca entre a teoria e a prática, representada no espaço efetivo da práxis, ou seja, do conhecimento e do agir humano.

Sendo assim, a produção do conhecimento é o desejo veemente do presente estudo, em que a reflexão e o diálogo estão presentes, orientando as análises das diferentes situações formativas experienciadas e também, notificando e facilitando a compreensão da experiência em sua totalidade.

Neste trabalho, é apresentado um recorte dos resultados das análises realizadas ao longo do projeto, e especialmente, de informações coletadas em entrevistas individuais. Estas foram realizadas com cinco professoras da escola pesquisada, contemplando questões relacionadas à formação continuada no contexto escolar. Assumem relevância, na análise, o envolvimento dos profissionais da educação nas atividades formativas oferecidas pela escola e as possíveis repercussões para a sua prática pedagógica e para a comunidade escolar.

DIALOGOS ENTRE VIVÊNCIAS E FORMAÇÃO

A fim de ouvir as professoras participantes da investigação, optou-se por utilizar a entrevista semiestruturada para essa etapa, o que se justifica pela opção metodológica que dirigiu o estudo. Esse tipo de entrevista tem se constituído como um dispositivo valioso de pesquisa do ensino. Bogdan e Biklen nos apóiam, quando mostram que:

1 O diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. “É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres humanos” (FREIRE, 1987, p. 122).

2 A escola é um dos lugares específicos do desenvolvimento da razão, portanto de desenvolvimento da reflexividade. Mas, principalmente a escola é lugar de formação da razão crítica através de uma cultura crítica, para além de uma cultura reflexiva, que propicia autonomia, autodeterminação, condição de luta pela emancipação intelectual e social (LIBÂNEO apud PIMENTA e GUEDIN, 2005, p.76).

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[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo. [...] (1994, p.134-135).

Sendo a escola um universo rico em vivências, experiências e tensões, a dinâmica do diálogo e da abertura de espaço ao interlocutor amplia o panorama da análise, enriquecendo os dados e permitindo que o investigador compreenda os diferentes sentidos atribuídos pelos sujeitos aos fenômenos. Vale ressaltar que, por sua qualidade interativa, admite discorrer sobre temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados apropriadamente, em profundidade, por questionários.

A entrevista pode ser a principal técnica da coleta de dados ou pode ser parte integrante da observação participante. Especificamente nas entrevistas semiestruturadas, o entrevistador faz perguntas específicas, mas também deixa que o entrevistado responda com suas próprias palavras (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 168).

A tarefa de entrevistar foi um importante exercício. Considerando que o diálogo e a reflexão estão atravessados no trabalho investigativo, escutar o outro foi um imperativo ético que possibilitou compreender o que o outro dizia, ao exprimir seu pensamento. Daí porque foi imprescindível ouvir, dar atenção aos docentes para que eles estivessem convencidos de que se estava conversando com ele, como tão bem nos ensina Freire.

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a ele (1996, p.113, grifos do autor).

Buscando a conversa enriquecedora com os professores, na qual o diálogo fomenta a reflexão crítica sobre as ações formativas na escola, da participação e do trabalho coletivo, representantes do grupo e pesquisa seguiram até a instituição parceira do estudo e propuseram questionamentos acerca da trajetória profissional dos sujeitos, assim como das suas vivências na escola. As professoras falaram sobre: as atividades pedagógicas realizadas no espaço da instituição; as influências dessas atividades na prática pedagógica individual; os impactos que

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são produzidos, ou não, por elas junto à comunidade escolar; os desafios, limites ou dificuldades enfrentados; os contrastes entre diferentes escolas em que trabalham; as sugestões para a qualificação do trabalho pedagógico.

Esta foi, sem dúvida, uma fase relevante do trabalho de campo, pois a interação entre pesquisadores e sujeitos foi essencial ao longo do processo de pesquisa qualitativa (MINAYO, 2000). É importante referir que “a discussão do campo conceitual da entrevista como técnica de coleta de informações é amplo e contempla uma série de questões que vão

desde a fidedignidade do informante ao lugar social do pesquisador” (MINAYO, 2000, p.

109). Sendo assim, há um pressuposto básico a considerar: a entrevista não se resume a um trabalho de coleta de dados, mas sempre a uma situação de interação em que as informações dadas pelos sujeitos podem ser afetadas pela natureza de suas relações com o pesquisador, no caso o entrevistador (MINAYO, 2000).

ATIVIDADES FORMATIVAS NA ESCOLA: SEMEANDO EM TERRA FÉRTIL

Intencionando identificar e caracterizar as diferentes situações formativas vivenciadas pelos professores e equipe diretiva, analisando o potencial dessas situações para um desenvolvimento profissional emancipatório, analisa-se a narrativa de cinco professoras entrevistadas. Para efeito de organização do texto, optamos por identificá-las através de nomes de flores: Orquídea, Violeta, Rosa, Margarida e Hortênsia. Tal metáfora parece representar o cotidiano desta escola pesquisada, na qual se semeiam tantas belezas que tendem a crescer em terra fértil. Ao mesmo tempo, recordamo-nos de que espinhos não deixam de ser parte da beleza do jardim.

A escolha dos sujeitos não se deu de forma aleatória. Optamos pela realização de um sorteio entre os professores que trabalhavam na escola há, no mínimo, dois anos. Assim, teriam maior conhecimento dos projetos realizados. Foram organizados em três grupos: os dois primeiros formados por professores que atuam nas séries iniciais e finais e o terceiro, por aqueles que trabalham em outros espaços da escola, como laboratórios, biblioteca.

No encontro, solicitamos a cada docente que descrevesse as atividades pedagógicas desenvolvidas pela escola junto aos professores. Dentre os espaços formativos existentes na escola, os seguintes foram enunciados: LITERARTE, Projeto Interdisciplinar, Projeto/Olimpíada de Filosofia, Pesquisa em parceria, Reuniões pedagógicas, Formação oferecida pela Secretaria de Educação, Show de Calouros, Gincana de Aniversário da Escola.

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Observamos que o envolvimento das professoras com as propostas citadas deu-se de maneira diferenciada e não linear. É interessante olharmos para essa realidade, considerando que quatro entrevistadas são graduadas3 e uma é estudante do ensino superior. Este fato não conferiu uniformidade a seus posicionamentos frente às propostas da escola, pois sabemos que muitos outros fatores contribuem para a construção do profissional, sendo que a formação acadêmica “não mantém uma relação linear com o desempenho profissional” (CANÁRIO, 2006, p. 61).

Ao narrar as atividades pedagógicas desenvolvidas, cada uma das entrevistadas salientou os projetos que considerava mais significativos. Porém, dentre tantos e diferentes espaços formativos, um projeto em especial recebeu maior destaque pelas entrevistadas: o projeto interdisciplinar intitulado “É possível uma sociedade justa?” - que tinha por objetivo provocar melhorias cognitivas e de convivência com os alunos de 5ª e 6ª séries. Esse projeto, elaborado pelas professoras das séries finais do ensino fundamental e professoras de setores, destacou-se por sua construção coletiva, possibilitando a superação do trabalho isolado, para a realização de trabalhos em colaboração. De acordo com Abdalla (2006), “Se a escola é um lugar de aprendizagem e ensino, professores aprendem, também, no contexto das práticas de gestão e das relações sociais que a estrutura e a dinâmica organizacional da escola

implementam e mantêm” (p.12).

Pelos destaques que seguem, sentimos que esta parceria/troca entre os docentes já está se enraizando, pois os sujeitos estão tomando-a como elemento inerente ao seu trabalho. Abramos espaço para o dizer de Violeta: “[...] sempre procuramos trocar para fazer o

melhor”. A troca, aqui, remete ao dizer de Steiner, citado por Brandão (2003, p.217), em que

transparece a ideia de que as interfaces entre os diferentes sujeitos que se comprometem com o coletivo levam a conquistas amplas e significativas:

O bem de uma totalidade de pessoas que trabalham juntas será tanto maior quanto menos cada indivíduo requisitar o produto de suas realizações para si, isto é, quanto mais entregar destas realizações a seus colaboradores e quanto mais suas necessidades forem satisfeitas não por suas próprias realizações, mas pelas realizações dos outros.

A expressão de mais uma das flores, Orquídea, complementa essas visões:

3 Das 5 (cinco) professoras entrevistadas, 4 (quatro) são graduadas, no que segue: Psicopedagogia Institucional; Licenciatura em Ciências Biológicas, Licenciatura em Matemática; Psicologia e 1 (uma) está cursando Pedagogia. Dentre essas, 2 (duas) fizeram o Curso Magistério de Nível Médio; e 2 (duas) cursaram especialização em Novas Metodologias e Tecnologias do Ensino de Ciências na Natureza e Educação a Distância, respectivamente.

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[...] depois do início desta caminhada de planejar junto, é difícil tu conseguires planejar separado. [...] Toda vez que penso em trabalhar algum assunto, já penso: quem mais poderá fazer isso junto comigo? [...] o aluno percebe que o professor não está trabalhando isolado.

Freire (1988) nos ajuda a compreender o processo de trabalho coletivo quando discute a importância da relação dialógica na produção do conhecimento. Ele afirma que não há um pensamento isolado na medida em que não há um ser humano isolado. Todos estamos inseridos em um mundo de comunicação. O autor referido escreve: “O sujeito pensante não pode pensar sozinho (...). Não há um ‘penso’, mas um ‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que

estabelece o ‘penso’ e não o contrário” (p.66). Nesse sentido, quando Orquídea lembra que,

ao pensar em algum trabalho pedagógico, também pensa na parceria, podemos entender que na escola, entre os docentes, constituiu-se um ambiente de comunicação, no qual está presente o diálogo, a compreensão e a reflexão, fatores que contribuem na constituição de espaços formativos na escola. Como nos diz Alarcão (2007, p.94):

[…] o poder para organizar a educação não reside nas mãos individuais; pelo contrário, ele resulta das interações que entre todos se desenvolvem com vista ao pensamento sobre o ato de educar e à criação de condições contextualizadas para que esse maravilhoso fenômeno possa acontecer.

O depoimento da professora Orquídea parece associar-se ao pensamento de Alarcão, pois parece evidenciar certa vontade interior e anterior aos projetos da escola, de desenvolver um trabalho docente diferenciado e significativo para seus alunos e para ela. Sendo assim, encontrou sentido para suas expectativas nas ações realizadas por seus pares, impulsionando-a a engajar-se nos projetos formativos da escola. Ela salienta que: “[...] desde que entrei sempre observei o jeito delas trabalharem – a questão do questionar, do conversar. Aquilo me interessava já há bastante tempo. Então, quando eu tive oportunidade, disse: ‘eu quero

participar!”. Nesse caso, “os projetos funcionaram como mapas para o trabalho coletivo na

escola” (RIOS, 2005, p.128) e, parece-nos que a professora carregava em si a vontade de

inovar suas práticas, e encontrou, na escola - no seu jeito de organizar a ação pedagógica -

terra fértil para que suas expectativas e crenças fossem colocadas em prática!

Margarida também compactua dessa ideia quando afirma que: “aqui na escola nós temos a Literarte e a mostra de trabalhos (…). O show de talentos, eventos na escola que a gente faz”.

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envolvem a comunidade escolar, sentindo-se participante no processo, como denota a sua expressão ‘a gente faz’. Paulo Freire enriquece a reflexão ao associar participação e educação: “a participação enquanto exercício de voz, de ter voz, de ingerir, de decidir em certos níveis de poder, enquanto direito de cidadania se acha relação direta, necessária, com a prática educativo-progressista” (FREIRE, 2003, p. 73).

Considerando a amplitude que a participação pode atingir, interessou-nos focar a visão que as educadoras têm acerca das fronteiras dos projetos da escola. A partir da provocação acerca dos impactos que estes poderiam, ou não, causar além dos muros da instituição, as interlocutoras observaram que o projeto “É possível uma sociedade justa?” ampliou-se para a comunidade escolar, através: a) da mídia - “saiu no jornal, a TV veio até aqui” (Rosa); b) de atividades que aconteceram na comunidade - “as gurias também foram para outros locais

falar” (idem); e, c) através dos comunicados dos próprios alunos em suas famílias, de acordo

com a professora Violeta.

No entanto, elas colocaram que os movimentos provocados pela proposta do projeto interdisciplinar causaram certa desconfiança dos pais, no sentido de os mesmos não entenderem as atividades realizadas como aula: “no começo a gente teve muita desconfiança

dos pais” (Orquídea). Contudo, os mesmos pais desconfiados, ao serem esclarecidos dos

objetivos do trabalho, eram os primeiros a apoiarem a ideia: “quando é explicado, que é bem argumentado, os pais são os primeiros a apoiar. Os pais nos apoiam bastante, eles nos

entendem, eles participam... a gente não pode se queixar” (Rosa). Neste relato, podemos

perceber uma mudança de percepção por parte de alguns pais sobre a proposta da escola. Em relação à prática pedagógica, a professora Hortênsia citou os Conselhos de Classe, considerando haver mudanças na avaliação, decorrentes da forma como são organizados. Nestes Conselhos, segundo a entrevistada, os professores de todas as turmas dos anos/séries do ensino fundamental, conversam sobre o desenvolvimento dos alunos através de argumentos fundamentados, alternativas diversas para compreendê-los e maior flexibilidade com relação à própria avaliação, possibilitando avanços e indicando, assim, melhoria na prática pedagógica. Percebe-se, através da fala desta professora, que os Conselhos de Classe apresentam indícios de uma prática avaliativa que se sustenta na sua função diagnóstica e formativa, evidenciando a superação de situações meramente somativas e classificatórias. O trabalho coletivo certamente alavanca novas possibilidades de interação e pode contribuir para uma avaliação coerente e mais completa. De acordo com Luckesi (1998, p.43),

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Para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica, ou seja, deverá ser o instrumento da identificação de novos rumos. Enfim, terá de ser o instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a serem perseguidos.

Segundo Villas Boas (2002), a avaliação formativa, identificada por inúmeras denominações como mediadora, emancipatória, dialógica, democrática, participativa, dentre outras, tem se apresentado como um novo paradigma na superação do modelo tradicional, preocupado exclusivamente com a aprovação ou reprovação dos alunos ao final de período letivo. Para esta autora, a avaliação formativa amplia o alcance do processo de ensino aprendizagem para além da relação aluno e professor,

[...] estendendo-se a todos os sujeitos envolvidos e a todas as dimensões do trabalho. Segundo essa perspectiva, abandona-se a avaliação unilateral (pela qual somente o aluno é avaliado e apenas pelo professor) [...] Para que isso aconteça, é necessário que todos os profissionais da educação que atuam na escola também tenham oportunidade de se desenvolverem e de se atualizarem. [...] Toda a escola participa desse ambiente de aprendizagem e desenvolvimento. Portanto, todas as dimensões do trabalho escolar são avaliadas, para que se identifiquem aspectos que necessitem melhoria (Villas Boas, 2001, apud Villas Boas, 2002, p. 124).

Assim, conceber a escola como espaço formativo, remete a estabelecer possíveis relações entre a concepção de avaliação formativa e o processo instaurado na escola, dinamizado pelas ações formativas que se desenvolvem ao longo deste processo de investigação participante orientado pelos princípios do diálogo e reflexão.

Além disso, observamos que um dos aspectos facilitadores para o envolvimento dos professores, na perspectiva da professora Rosa, é a liberdade de fazer o que se acredita. Na opinião de Orquídea, está na forma como se dão as relações na escola: “o jeito de elas [referindo-se à equipe diretiva] trabalharem, a questão do questionar, do conversar” chamou a sua atenção, incentivando-a a participar de tudo. Como nos lembra Freire (1996, p.66) “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que

podemos ou não conceder uns aos outros”.

Quanto às questões sobre as dificuldades e limites, espinhos que fazem parte de qualquer jardim, as professoras destacaram: a falta de tempo suficiente para planejar coletivamente; a carência de pessoal, como cita a professora Violeta “há falta de recursos

humanos”; a falta de engajamento, por parte de algumas colegas, percebidas pela professora

Rosa nos argumentos como “eu estou quase me aposentando” ou “ganho muito pouco para isso”, confirmados pela professora Hortênsia , que diz: “a Escola disponibiliza espaços para

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isso, mas há pessoas, há profissionais que não estão abertos”. A professora, que aqui chamamos de Margarida, salientou, como um limitador de maior engajamento, a sobrecarga de trabalhos, incluindo ainda a carência das famílias em todas as dimensões: afetiva, econômica, além da falta de interesse de alguns pais, que acaba por desestimular as professoras.

Analisando as opiniões das professoras, podemos destacar que nesta escola existem espaços favorecedores de relações dialógicas entre os diferentes segmentos, princípio inerente à participação. No entanto, este processo dialógico/participativo não acontece na mesma intensidade com todas as pessoas. Algumas colocações confirmam este tensionamento, ao mesmo tempo em que se diz que “os pais não participam”, a professora expressa que “os pais vêm quando solicitados”. Com relação à participação das professoras ocorre, também, este contraponto: para algumas, as professoras são participativas, para outras nem tanto. Sendo assim, notamos que a compreensão sobre a participação torna-se alvo para reflexão. Demo (2001, p.18) conceitua:

Dizemos que participação é conquista para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. Assim, participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir.

Desta forma, entendemos que a participação é tecida nas relações, pelo desejo e necessidade dos atores envolvidos: ela não acontece por decreto, ou, pela apenas disponibilidade de espaços.

CONTEMPLANDO O JARDIM:

Ao contemplarmos a beleza do jardim da escola parceira da pesquisa, vislumbramos muitas questões que fomentam reflexão, visto que um de nossos objetivos é o de dar voz aos professores e, através deles e dos diálogos com a equipe diretiva e demais profissionais, conhecer aspectos do cotidiano da instituição. Esses discursos vêm encharcados de experiências, especialmente acerca das atividades formativas que tornam a escola terra fértil para o desenvolvimento profissional docente.

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Analisando as falas aqui apresentadas, podemos crer que os professores identificam e valorizam os momentos de formação construídos no espaço escolar, mesmo que cada educador reaja de modo diverso frente a eles. Neste contexto de leituras e sentimentos diferentes, percebemos que as contradições também são parte da cultura escolar. Não nos preocupou, no momento, promover a discussão acerca das possíveis razões dessas variações, pois a multiplicidade de visões acerca da formação já é um indicador de que cada um, dentro de um grupo maior, sente-se à vontade para se expressar e opinar sobre as atividades propostas pela equipe diretiva e também sobre as que são arquitetadas pelo grupo. De fato, as

flores parecem sentir-se parte importante da beleza e do cuidado do jardim.

Acerca das atividades formativas, dentre as várias indicações, destacou-se a que integrou o grupo de modo significativo, rompendo barreiras entres as diferentes áreas da escola. Para além de interdisciplinar, a proposta integrou professores e estudantes, ampliando as possibilidades de um trabalho coletivo. Esta “união de forças” acopla potencialidades, mas também muitos desafios, a começar pelo necessário reconhecimento do outro como produtor legítimo de saberes. Nota-se esse sentimento no dizer de nossas flores que anunciam a ideia de troca, de fazer junto, que implica, necessariamente, a aceitação e valorização do colega e dos alunos como um ser que sabe, constrói e pode crescer junto.

Associado a essa visão do trabalho coletivo, emerge uma categoria fundamental em nosso estudo: o diálogo, o exercício que rompe barreiras e promove a reflexão acerca da prática individual e da realidade. Sabendo que dialogar exige abertura respeitosa ao outro, como nos postulou Freire (1996), é fundamental destacarmos a postura da equipe diretiva da escola que busca fomentar momentos de diálogo, de troca e de decisões compartilhadas. Tal postura tem alavancado aprendizagens, não necessariamente restritas à atuação dos professores em sala de aula. A acolhida, por parte da direção, coordenação e orientação escolar, do trabalho desses professores, de suas dúvidas e mesmo de suas resistências respinga fortemente na visão e autoestima dos profissionais. Orquídea ilustrou bem esse fato, valorizando, inclusive, os questionamentos propostos pela equipe.

Cabe destacar que, após a conclusão dos projetos citados pelas professoras neste trabalho, novas iniciativas foram discutidas e implementadas. Este é um dado relevante, visto que o grupo de pesquisa acompanha a escola há aproximadamente seis anos e testemunhou, em todo o período, um trabalho pedagógico continuado. Essa característica parece estar estritamente ligada à valorização dos docentes em relação à instituição, às atividades formativas e às aprendizagens pessoais e dos estudantes.

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Pode-se afirmar, também, que as ações formativas têm contribuído para a qualificação do trabalho docente e a construção de parcerias, além de favorecer autonomia e autoria, não só aos docentes, como aos alunos. Isso repercute no currículo, pois altera práticas tradicionais e provoca rupturas cognitivo-epistemológicas significativas na escola.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MAZZOTTI, Alda Judith Alves; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.

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Referências

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