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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

KADIDJA MÁRCIA SÁ LEITÃO SARMENTO DO NASCIMENTO

TRADUÇÃO DE ITENS CULTURAIS: A REPRESENTAÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO EM TRAVELS IN BRAZIL DE HENRY KOSTER

FLORIANÓPOLIS 2020

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KADIDJA MÁRCIA SÁ LEITÃO SARMENTO DO NASCIMENTO

TRADUÇÃO DE ITENS CULTURAIS: A REPRESENTAÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO EM TRAVELS IN BRAZIL DE HENRY KOSTER

FLORIANÓPOLIS 2020

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Estudos da Tradução.

Orientador(a): Alinne Fernandes Co-orientador(a): Karine Simoni

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Nascimento, Kadidja Márcia Sá Leitão Sarmento do

Tradução de itens culturais : a representação do Nordeste brasileiro em Travels in Brazil de Henry Koster / Kadidja Márcia Sá Leitão Sarmento do Nascimento ; orientadora, Alinne Balduino

Pires Fernandes, coorientadora, Karine Simoni,

2020. 104 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução, Florianópolis, 2020.

Inclui referências.

1. Estudos da Tradução. 2. Tradução Cultural. 3. Literatura de Viagem. 4. Travels in Brazil. 5. Viagens ao Nordeste do Brasil. I. Fernandes, Alinne Balduino Pires . II. Simoni, Karine. III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. IV. Título.

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Kadidja Márcia Sá Leitão Sarmento do Nascimento

Tradução de itens culturais: A representação do Nordeste brasileiro em

Travels in Brazil de Henry Koster

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a), Dr.(a) Martha Lucía Pulido Correa Universidad de Antioquia/Colômbia

Prof.(a), Dr.(a) Fernanda Alencar Pereira Universidade de Brasília

Prof.(a), Dr.(a) Sheila Maria dos Santos Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Estudos da

Tradução.

____________________________ Coordenação do Programa de Pós-Graduação

____________________________

Prof.(a), Dr.(a) Alinne Balduino Pires Fernandes Orientador(a)

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AGRADECIMENTOS

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela bolsa concedida durante todo o percurso do mestrado, que incentivou minhas pesquisas e me assistiu no desenvolvimento do trabalho.

À minha querida orientadora, Alinne Fernandes, que acolheu o meu projeto com tanto empenho e me orientou com discernimento para desenvolvê-lo. Por ter sido tão incisiva no início do curso, sempre me dizendo a frase: “Kadidja, o tempo urge”, a qual jamais esquecerei. Por ter sido tão compreensiva no momento final do mestrado, que coincidiu com o final da minha gravidez, e mais ainda após o nascimento do meu filho, período no qual tive dificuldade de finalizar os ajustes indicados pela banca por não ter tido ajuda alguma devido à pandemia.

À minha querida coorientadora, Karine Simoni, por sua calma, amparo e apoio.

À querida professora, Martha Pulido, que sempre se preocupou com o meu trabalho e me deu ideias para desenvolvê-lo, me orientando, inclusive, na escolha de parte do corpus.

Ao meu filho Bento, razão da minha vida, que foi parceiro e ficou ao meu lado, dormindo, enquanto eu fazia os ajustes nessa etapa final.

Ao meu marido Marco, que sempre incentivou meus estudos e acolheu minha vontade de estudar mesmo eu tendo que sair do emprego.

Aos meus pais, Neto e Darlene, que viajaram e enfrentaram a pandemia para ajudar a cuidar do meu filho quando o prazo para entrega da dissertação final estava perto de se expirar.

À minha avó Margarida, minha maior incentivadora, que todos os dias perguntava se eu estava estudando e/ou já tinha finalizado o trabalho.

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RESUMO

A proposta deste estudo é analisar a tradução de itens culturais presentes no livro Travels in Brazil (1816), do inglês Henry Koster, que foi traduzido pelo escritor e historiador Luís da Câmara Cascudo, em 1942, com o título de Viagens ao Nordeste do Brasil. Com isso, buscou-se compreender como a cultura do Nordeste brasileiro foi representada para leitores de língua inglesa no século XIX, assim como o modo como Cascudo refez essas representações de volta ao público-leitor brasileiro no século XX. Travels/Viagens pertence ao gênero “literatura de viagem”, pois reúne relatos dos aspectos culturais e características ambientais do Nordeste brasileiro a partir das viagens de Koster pela região. Esses relatos foram publicados na forma de livro na Inglaterra após o retorno do itinerante à sua terra natal. Já no contexto brasileiro, mais de um século depois, além da tradução, Câmara Cascudo apresenta comentários sobre os elementos culturais descritos por Koster, que buscava formas de explicar a cultura dos lugares visitados para o público europeu, através de descrições detalhadas sobre elementos como a fauna, a flora, vestimentas, hábitos, comidas, rituais, utensílios e a escravidão. A análise comparativa dos textos-fonte e alvo foi feita com base na identificação de itens culturais específicos no texto-fonte e seu respectivo tratamento no texto-alvo. Tendo em vista o empenho de Koster em explicar a cultura nordestina para seu público-alvo, considera-se que Koster, assim como Cascudo, é um tradutor cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Tradução cultural. Literatura de viagem. Itens culturais-específicos. Travels in Brazil. Viagens ao Nordeste do Brasil.

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ABSTRACT

The aim of this study is to analyze the translation of culture-specific items present in the book Travels in Brazil (1816), by the English traveler Henry Koster, which was translated by the writer and historian Luís da Câmara Cascudo, in 1942, with the title Viagens ao Nordeste do Brasil. Therewith, I sought to understand how the Northeast Brazilian culture was represented to English language readers in the 19th century, as well as the way Cascudo remade these representations back

to the Brazilian reader audience in the 20th century. Travels/Viagens belongs to

“travel literature” genre, because it gathers reports from cultural aspects and environmental features from Brazilian Northeast as from Koster’s trips around the region. These reports were published in a book form in England after the return of the journeyer to his hometown. In the Brazilian context, more than a century later, besides the translation, Câmara Cascudo posits comments about the cultural elements described by Koster, who seeks ways to explain the culture of the visited places to an European readership, through detailed descriptions about Brazilian elements such as fauna, flora, clothes, habits, food, rituals, utensils and slavery. The comparative analysis between the source and target texts was made based on the identification of cultural specific-items in the source text and their respective treatment in the target text. In view of Koster’s dedication to explain the Northeast culture to his target audience, it is considered that Koster, as well as Cascudo, is a cultural translator.

KEYWORDS: Cultural translation. Travel literature. Cultural specific-items. Travels in Brazil. Viagens ao Nordeste do Brasil.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Engenho de cana-de-açúcar ...53

Figura 02. Transporte de algodão ...54

Figura 03. Travessia pelo mar ...54

Figura 04. Viagem de um fazendeiro e sua esposa ...55

Figura 05. A jangada ...55

Figura 06. O sertanejo ...56

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LISTA DE QUADROS Quadro 01 - Sertão ...84 Quadro 02 - Fazendas ...85 Quadro 03 - Pirão ...85 Quadro 04 - Aguardente ...86 Quadro 05 – Carrapato ...88 Quadro 06 – Bicho de pé ...89 Quadro 07 - Cajueiros ...90 Quadro 08 - Taboleiros ...91 Quadro 09 - Alpargatas ...92 Quadro 10 - Chambre ...93

Quadro 11 – A bem morrer ...93

Quadro 12 – Minhas senhoras ...94

Quadro 13 - Pagãos ...96

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

CAPÍTULO 1 – LITERATURA DE VIAGEM: REPRESENTAÇÕES DO PARAÍSO E DO EXÓTICO ...18

1.1 A literatura de viagem como gênero textual ...18

1.2 Literatura de viagem: experiência e tradução cultural ...25

1.3 Os viajantes como tradutores de culturas ...30

CAPÍTULO 2 – VIAGENS AO NORDESTE DO BRASIL: OBRA, AUTOR E TRADUTOR ...34

2.1 Travels in Brazil: um retrato do Nordeste brasileiro do século XIX ...34

2.1.1 Viagens ao Nordeste do Brasil: elementos paratextuais e impressões do tradutor ...50

2.2 Henry Koster: autor e tradutor cultural ...57

2.3 Luís da Câmara Cascudo: tradutor da obra ...65

CAPÍTULO 3 – VIAGENS AO BRASIL: UM OLHAR A PARTIR DA TRADUÇÃO CULTURAL ...68 3.1 Tradução Cultural ...68 3.2 Procedimentos de análise ...72 3.2.1 Terminologia/Lexocologia ...73 3.2.2 Itens culturais-específicos ...74 3.2.3 Procedimentos de tradução ...76

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS ITENS CULTURAIS-ESPECÍFICOS NO TRAVELS IN BRAZIL ...79

4.1 Capítulo V - Jornada de Goiana ao Rio Grande ...79

4.2 Capítulo VI – Jornada de Natal ao Assú ...81

4.3 Análise dos itens culturais-específicos ...83

4.3.1 Topônimos ...84 4.3.2 Alimentação ...85 4.3.3 Fauna ...87 4.3.4 Flora ...89 4.3.5 Vestimentas ...91 4.3.6 Expressões Regionais ...93 4.3.7 Indivíduos ...95

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ...98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...101

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INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, analiso a tradução de itens culturais presentes no livro Travels in Brazil (1816) do inglês Henry Koster, obra escrita com base no período em que o autor viveu no Brasil. É um livro que aborda assuntos de cunho social, político, cultural e ambiental, e que retrata a sociedade brasileira do início do século XIX, mais especificamente sobre a região Nordeste, lugar que visitou e onde morou. De acordo com Gameleira (2016), a obra é uma rica fonte de informações que expõe observações sobre o povo, o meio ambiente e a geografia brasileira, e seria um documento histórico genuíno acerca das capitanias visitadas pelo viajante. Foi escrito numa época na qual o gênero literatura de viagem1 estava em ascensão, portanto, acredita-se que o sucesso do livro naquele tempo se deve ao fato de a obra possuir descrições minuciosas sobre as terras e seus habitantes, o que chamou atenção do público aficionado por esse gênero literário, ampliado pela curiosidade que os europeus tinham sobre o Brasil. A análise é feita a partir da tradução de Câmara Cascudo de 1942. Henry Koster veio ao Brasil no final de 1809 na busca de um clima mais ameno para se curar de uma tuberculose e escolheu este país porque amigos da família elogiavam a região. Não tinha a intenção de escrever um livro, mas enquanto passava por cada cidade, compilava detalhadamente em um caderno tudo o que via e todas as experiências vividas (CASCUDO, 1942). Ao retornar à Inglaterra em 1815, foi encorajado pelo amigo escritor e historiador Robert Southey2 a organizar todas as anotações em forma de livro, tendo apoio da vasta

biblioteca de Southey e também dos conhecimentos que este detinha sobre o Brasil; Southey costumava estudar e escrever livros sobre o Brasil, muito embora não conhecesse o país. Publicado em 1816 em Londres, o livro de Koster, Travels in Brazil, contava com um prefácio no qual o autor esclarece que nunca teve a intenção de publicar um livro enquanto residia no Brasil e explica que após

1 O conceito de “literatura de viagem” será discutido no primeiro capítulo desse trabalho. 2 Robert Southey (1774-1843) foi um literato britânico, poeta e historiador, que ficou conhecido em meio à historiografia brasileira por ter escrito o livro História do Brasil (1810-1819) publicado em três volumes em Londres, obra voltada para o mapeamento da vida selvagem e dos estágios civilizacionais da sociedade brasileira (RAMOS, André da Silva. Robert Southey e o redescobrimento de Portugal: a valorização da herança gótica europeia. Embornal, Fortaleza, V. V, N. 9, p. 189-214, jan/jun 2014).

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seu retorno à Inglaterra foi instigado a reunir todas as informações e publicá-las, agradecendo o apoio e incentivo do amigo. Além dos 21 capítulos que compõem a organização e estrutura do livro, Koster incluiu um apêndice de dois estudos feitos pelo Dr. Arruda da Câmara3 sobre plantas da região. Mesmo afirmando

que viajou para o Brasil apenas com a intenção de se curar da doença e que jamais teve a intenção de publicar seus escritos, Marson (1995, p. 221-222) acredita que as preocupações do viajante iam além de um tratamento de saúde:

Embora não seja possível precisar a serviço de quem Koster veio com a incubência de observar atentamente a colônia portuguesa para mapear os traços da natureza, das potencialidades econômicas (agrícolas, comerciais, e do mercado de trabalho livre) e, sobretudo da sociedade da região, provavelmente com o intuito de aprender suas peculiaridades e sua receptividade aos estrangeiros. Somente uma motivação dessa ordem poderia dar inteligibilidade à sequência de atividades cumpridas pelo autor no Brasil.

De acordo com Guenther (2004), a Grã-Bretanha desfrutou de um relacionamento lucrativo com Portugal e seu império, o que possibilitou que o governo britânico adquirisse informações sobre o potencial comercial do Brasil. Com o fácil acesso dos ingleses no país, Koster pode também ter vindo para sondar o que estava acontecendo na época.

O livro foi traduzido para o português em 1942 por Luiz da Câmara Cascudo, tendo como título, mais específico, Viagens ao Nordeste do Brasil, já que Koster esteve somente em solo nordestino. Cascudo incluiu um prefácio do tradutor, uma “biografia impossível” (como assim ele chama) sobre o autor, além de acepções sobre o relacionamento entre Koster e Southey, e o envolvimento

3 De acordo com a Biblioteca Nacional, Manuel Arruda da Câmara nasceu no ano de 1752, na cidade de Pombal, sertão do Estado da Paraíba e faleceu em Itamaracá, Estado de Pernambuco, no ano de 1810. Dedicou-se ao estudo da botânica, estando entre os mais importantes naturalistas do seu século. Classificou a flora paraibana e produziu muitos trabalhos científicos sobre botânica, zoologia e mineralogia. Deixou uma importante bibliografia: Centúria (nunca foi publicada); A memória sobre a cultura do algodoeiro, 1797; Dissertação sobre as plantas do Brasil, 1817; Discurso sobre a vitalidade da instituição de jardins nas principais províncias do país, 1810; Aviso aos lavradores sobre a suposta fermentação de qualquer qualidade de grãos ou pevides para aumento da colheita, Lisboa, 1792; Memórias sobre as plantas de que se podem fazer baunilha no Brasil, (nas memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, v.40, 1814); Memórias sobre o algodão de Pernambuco, Lisboa, 1810; Tratado de Agricultura; Tratado da lógica. Disponível em: < http://bndigital.bn.gov.br/manuel-arruda-da-camara/> Acesso em: 06 de Mai. 2019.

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do viajante com a Revolução Pernambucana de 18174. É importante lembrar que

a tradução foi feita no século passado, e, por tal razão, é comum encontrar palavras que eram acentuadas antigamente e hoje não são mais, ou que estão sem acento mas nos dias atuais são acentuadas, ou mesmo vocábulos que eram escritos diferentemente do que estamos acostumados agora. Isso não significa erro de português, era como se dava a escrita da época. Portanto, a ortografia que Cascudo utiliza será mantida nas citações diretas e, o que hoje seria interpretado como erro, não será sinalizado no decorrer do trabalho.

Muito embora Henry Koster e sua obra, Travels in Brazil (1816), ainda sejam pouco estudados, vale ressaltar algumas pesquisas acerca de temas abordados pelo autor no decorrer do livro. A escravidão, por exemplo, foi tratada nos artigos Um anglo-lisboense no Brasil Joanino: escravidão, religião e política sob o olhar de Henry Koster (OLIVEIRA FILHO, 2014), Koster e a Escravidão Negra na América (ANJOS, 1994) e Feudalismo e escravidão: representações da sociedade pernambucana no Travels in Brazil de Henry Koster (MARSON, 1996); o sertão nordestino é registrado por Costa (2013) na dissertação denominada AS CORES DA MATA BRANCA: Os Sertões das Caatingas de Manuel Arruda da Câmara e Henry Koster (1793-1815); traços da representação feminina descritos na obra são analisados por Marson (1995) em Imagens da condição feminina em "Travels in Brasil" de Henry Koster. Já Flávio Gameleira estuda a passagem do viajante pelo Rio Grande do Norte no artigo intitulado A viagem de Henry Koster pelo RN: estudo comparativo entre os séculos XIX e XXI sob a perspectiva socioambiental (2016) e no livro publicado em 2017, que aborda também aspectos ambientais, históricos e culturais, chamado 200 anos da viagem de Henry Koster pelo RN. Tais produções demonstram a importância do viajante para o Brasil do início do século XIX, pois o autor não apenas retratou assuntos referentes à fauna, flora, costumes e arquitetura dos lugares que

4 Conforme Fausto, a Revolução Pernambucana de 1817 foi um movimento separatista que aconteceu no Nordeste do Brasil, passando por Recife, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Se deu por inúmeros descontentamentos resultantes da condição econômica e privilégio que a Coroa Portuguesa tinha na época. Abrangeu várias camadas da população: comerciantes, artesãos, militares, proprietários rurais, juízes e sacerdotes. O desfavorecimento regional, junto com um forte antilusitanismo, foi o denominador comum dessa revolta geral em toda a área nordestina (FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp, 1996).

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visitou, como apresentou reflexões associadas às potencialidades econômicas da época e conteúdos de cunho social, político e científico.

Este trabalho, portanto, empenha-se em possibilitar uma maior discussão nessa área, uma vez que ainda não foram encontradas análises de cunho linguístico, nem tampouco tradutório, a respeito dos itens culturais característicos da região Nordeste brasileira abordados no exemplar. Koster, ao escrever seus relatos, realizou uma tradução cultural para atingir o público-alvo de costume tão distinto, e mais de cem anos depois teve sua tradução cultural retraduzida para o país referenciado no livro. Sendo assim, o autor não é visto apenas como escritor, mas também como tradutor cultural pelo seu esforço em verter peculiaridades marcantes da cultura dos locais visitados para seus leitores.

Os objetivos principais dessa pesquisa são analisar como a cultura do Nordeste brasileiro foi comunicada pelo escritor para o público inglês, verificar como essa transferência de conhecimento entre as culturas é também uma forma de tradução e comparar a representação de Koster com a tradução de Cascudo para o português, tendo em vista que o tradutor é especialista na cultura popular nordestina. Podemos chamar de tradução cultural o que Koster fez? Devemos considerar Cascudo como tradutor cultural também? Como Koster representou itens culturais tão específicos de uma região para um público leigo nesse assunto e de que forma Cascudo traduziu isso de volta para a sua própria cultura? Será que o tradutor buscou manter as palavras do escritor ou acrescentou outras informações já que vivenciava essa cultura? Esses questionamentos serão discutidos posteriormente, mas já adianto que para Polezzi (1998), ao citar Asad, Clifford, Sturge, Geertz, Carbonell e Robinson, tradução cultural é a transferência e inscrição de uma realidade cultural e social e de seus modos de pensamento para as condições do Outro. Além disso, consideramos aqui que a tradução operada a partir da escrita de viagem é um ato de interpretação e representação do Outro, que objetiva tornar inteligível os lugares e pessoas desconhecidas, e, em seguida, torna-los familiares à cultura do leitor. Conforme Steiner (1980), toda comunicação é uma tradução, ou seja,

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Cualquier modelo de comunicación es al mismo tiempo un modelo de translado, de transferencia vertical u horizontal de significado. No existen dos épocas históricas, dos clases sociales, dos localidades que empleen las palabras y la sintaxis para expresar exactamente lo mismo, para enviar señales idénticas de juicio e hipótesis5 (STEINER, 1980, p. 65).

No âmbito dos Estudos da Tradução, esse tipo de pesquisa foi realizado por Fernandes (2009), que fez um trabalho acerca de um historiador americano que estudava a história do Brasil e teve seu livro traduzido por um diplomata brasileiro “de volta” para o Brasil, e Etges (2000), que apresentou a imagem das narrativas de viagem como uma tradução da cultura presenciada pelo viajante nos lugares que percorreu. De acordo com Fernandes (2009), quando essas narrativas são traduzidas para a língua do país referenciado no texto, ou seja, lugar por onde o viajante passou e relatou em seus escritos, há uma re-textualização das ideias concebidas por uma voz estrangeira agora de volta à própria cultura do tradutor, e, segundo Etges (2000), o tradutor dessas narrativas se depara com a tarefa de traduzir o traduzido, como se estivesse voltando ao seu contexto natural a partir de uma perspectiva construída através do olhar do outro.

A análise acontece com base em alguns itens culturais-específicos retirados dos capítulos V, Jornada de Goiana ao Rio Grande, e VI, Jornada de Natal ao Assú, do livro, postos em quadros onde do lado esquerdo está a versão em inglês de Koster e do lado direito a tradução de Cascudo em português, seguidos de comentários e impressões acerca das similaridades e diferenças encontradas entre as versões, fundamentadas nos métodos de tradução de Vinay e Dalbernet (2004). Koster se deparou com palavras, plantas, comidas, animais e tradições típicos dessa região e procurou explicá-los às vezes através de notas de rodapé, outras vezes no próprio corpo do texto, provavelmente para que a mensagem ficasse mais clara e compreensível aos olhos do leitor. Na tradução, Cascudo também incluiu outras notas, possivelmente para tornar a leitura mais rica, ou para explicar o que o próprio Koster disse em certas

5 Qualquer modelo de comunicação é ao mesmo tempo um modelo de transferência vertical ou horizontal de significado. Não existem duas épocas históricas, duas classes sociais, dois locais que utilizam palavras ou sintaxe para expressar exatamente o mesmo, para enviar sinais idênticos de julgamento e hipótese [tradução nossa].

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considerações, como também atualizar o conteúdo, já que a tradução é feita no século seguinte, e, conforme Steiner (1980), não é possível utilizar as mesmas palavras para comunicar exatamente o mesmo em tempos diferentes, é necessário adequar a sintaxe à época.

O percurso dessa pesquisa prevê, no primeiro capítulo, uma abordagem acerca do gênero “literatura de viagem”, fazendo um percurso desde o início da história das viagens no período das grandes navegações até o século XIX, contexto no qual a obra estudada está inserida. O capítulo seguinte trata do conteúdo e estrutura do livro, e como foi recepcionado pelos leitores, além de apresentar o autor, através de um panorama a respeito da sua vida e viagem ao Nordeste do Brasil, e o tradutor, exibindo sua biografia. O terceiro capítulo discute o conceito de “tradução cultural”, com base, principalmente, em Maitland (2017), que vê a Tradução Cultural como uma forma de comunicar experiências e não somente como uma transferência interlingual, e em Javier Franco Aixelá (2013) e suas teorizações sobre a importância dos itens culturais-específicos no processo tradutório, além de abordar os procedimentos de análise a partir dos métodos de tradução propostos por Vinay e Dalbernet (2004). Já o último capítulo, o da análise, apresenta um resumo dos capítulos V e VI da obra, onde foram identificados os itens culturais-específicos, e compara a versão de Koster com a tradução de Cascudo feita mais de um século depois.

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CAPÍTULO 1

LITERATURA DE VIAGEM: REPRESENTAÇÕES DO PARAÍSO E DO EXÓTICO

O capítulo que segue trata de algumas considerações crítico-teóricas referentes à literatura de viagem, entre o período das grandes navegações e o momento no qual a obra, Travels in Brazil (1816), foi escrita, o século XIX. O livro compila relatos do viajante, Henry Koster, acerca dos locais visitados no Nordeste do Brasil, que estão localizados aqui em termos de contexto histórico e temporal.

1.1 A literatura de viagem como gênero textual

As viagens com o objetivo de conquistar novos territórios se iniciaram a partir do momento em que europeus, movidos por razões de cunho econômico, cultural, político e expansionista, resolveram sair em busca de um “novo mundo” e novos mercados comerciais (SARAT, 2011). Isso se deu através das grandes navegações do século XV, no início da Idade Moderna, que impulsionaram descobridores, historiadores, geógrafos e cartógrafos a seguirem cruzadas em busca do diferente, do que consideravam exótico, da diversidade de costumes, hábitos e comportamentos, do clima, geografia, cultura e religião. Movidos também pelo interesse em desbravar novas terras e descobrir novos horizontes, os europeus empreenderam grandes viagens, mais precisamente entre os séculos XV e XVI, em busca de terras ainda desconhecidas no mundo. Muitos viajantes eram naturalistas e viajavam para outros continentes em busca de novos elementos da fauna e flora, que eram descritos de forma minuciosa já que na época não havia fotografia (SILVA, 2009).

Essa difusão é claramente apresentada por Luís Vaz de Camões, em Os Lusíadas (2000), ao narrar as grandes navegações, entre elas, a viagem de Vasco da Gama às Índias (1497), exibindo o avanço do domínio português e a exploração de novos territórios, especialmente na Ásia e África.

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Segundo Romano (2013), o propósito das viagens passa a se modificar no ápice do capitalismo mercantil, no século XVI, quando as jornadas de caráter pessoal, por parte de empreendedores individuais, surgem. Mais futuramente, no fim do século XVII, jovens aristocratas britânicos dão início a longas excursões com o objetivo de aprender sobre a vida mundana, ou seja, viajavam sem obrigação, faziam tours pela Europa Continental e desfrutavam de hotéis com cassinos. Já no século XVIII, pessoas abastadas começam a frequentar estações balneárias em busca de tratamento de saúde, mas, tempos depois, esse propósito cede lugar à viagem mundana que, a partir do Romantismo6 (fim

do século XVIII), se intensifica através das jornadas de estudiosos, poetas e artistas. Além do mais, com o aprimoramento do domínio das técnicas de navegação, da possibilidade do ir e vir, e da melhoria das condições de locomoção, o conceito de viagem se transforma no decorrer dos séculos; com as distâncias navegadas mais curtas, havia uma maior rapidez nas trocas comerciais e era possível colonizar mais lugares e dominar mais territórios na busca por poder e riqueza. Conforme Silva (2009, p. 74), “uma das melhores maneiras de se apoderar destas terras era tentar conhecê-las o máximo possível”. Dessa forma, evitava-se que outras potências europeias se apoderassem das terras; era possível expandir o comércio costeiro e aumentar a exploração de matéria-prima, já que conseguiam alcançar mais lugares.

A partir da Abertura dos Portos7 em 1808, as invasões de territórios por

viajantes de toda parte do mundo se intensificaram e as potencialidades de diferentes países se tornaram conhecidas através das discrições desses

6O Romantismo foi um movimento artístico, filosófico e literário, que surgiu na Europa no final

do século XIII e início do século XIX, como uma reação à estética e filosofia iluminista. No Brasil, o Romanticismo não chegou a se consolidar diretamente. Antes do período romântico, o nosso país passou por uma era de transição: O Pré-romantismo. Isso ocorreu de 1808 a 1836, entre o fim do apogeu da estética clássica e dos padrões árcades. Foi em 1836 que o Romantismo se iniciou no Brasil com a publicação de Suspiros Poéticos (1836), de Gonçalves de Magalhães, que pode ser considerado o patrono do romantismo brasileiro devido a sua atuação e contribuição na produção desse período (FERREIRA, Júlio Flávio Vanderlan. Romantismo: A Formação da Literatura Brasileira. Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 02 – Ano I – 10/2012).

7 A Abertura dos Portos (28 de janeiro de 1808) foi um tratado assinado entre Portugal e Inglaterra, pondo um fim a trezentos anos de sistema colonial. Foi um ato historicamente previsível, impulsionado pelas circunstâncias do momento: Portugal estava ocupado pelas tropas francesas, impossibilitando a realização do comércio; para a Coroa, era melhor legalizar o extenso contrabando já existente entre a Colônia e a Inglaterra e receber os tributos devidos. Foi um movimento que favoreceu também os proprietários rurais produtores de bens destinados à exportação (algodão e açúcar principalmente), os quais se livravam do monopólio comercial da Metrópole (FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp, 1996).

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exploradores. Como consequência, “ficou muito mais fácil para os estrangeiros entrarem no Brasil, o que, entre outras coisas, serviu de impulso aos viajantes estrangeiros para que viessem explorar nosso país, fossem eles naturalistas ou não” (SILVA, 2009, p. 72). Diante disso, uma onda de forasteiros começou a vir com o intuito desbravar belezas naturais aqui contidas “ou a fim de simplesmente conhecer esta nova terra que ainda se descortinava aos olhos da Europa” (SILVA, 2009, p. 72). Koster relata que veio intencionalmente para se curar de uma doença, mas compilou tudo o que viu durante suas viagens aqui no Brasil. Teve fácil acesso tanto na entrada ao país, devido à Abertura dos Portos, quanto pelos caminhos percorridos pelo Nordeste; era sempre bem recebido e não precisava sequer mostrar carta de recomendação, pois os ingleses eram bem vistos pelos brasileiros. Seu sobrenome já garantia uma boa recepção por onde andava e se hospedava (KOSTER, 1942).

De acordo com Schollbammer (2010, p. 94), desde os primórdios da cultura ocidental, a viagem “tem sido condutora de um programa de exploração, colonização e domesticação do mundo e, ao mesmo tempo, continua simbolizando o desafio, o estranhamento e a transgressão dos limites da nossa concepção da realidade [...]”. Viajar não é somente transpassar barreiras físicas, é embrenhar-se pelo desconhecido, é desvendar o novo e o outro, é a descoberta do mundo natural, é a busca por mudança e pela experiência vinda dela. Os deslocamentos foram de grande importância para o descobrimento e aprendizagem do planeta e da humanidade, pois possibilitaram a expansão do mundo, a procura por novos mares e povos desconhecidos, o crescimento econômico e financeiro, além da busca por especiarias, produtos, matérias-primas, metais preciosos e cursos de comercialização.

Conforme Oliveira (2010, p. 54), “antes de ser uma partida em busca de conhecer ou reencontrar lugares ou pessoas, a viagem é, primordialmente, um encontro do viajante com ele mesmo, com identidades e diferenças, nas relações que estabelece ao longo do caminho”. Ao viajar, o indivíduo se posiciona diante do novo e se depara com costumes e culturas diferentes e isso, de alguma forma, acaba acarretando novas descobertas e aprofundamento interior, que permite uma compreensão melhor da vida pelo simples fato na mudança da maneira de olhar que se define através da relação com o outro “em termos de identidade e alteridade” (SCHOLLBAMMER, 2010, p. 94).

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As viagens causam experiências de estranhamento não apenas em relação ao outro, mas também do viajante em relação a si mesmo, pois, de acordo com Oliveira (2010), é através do contato do estrangeiro com o nativo, ou seja, do “eu” com o “outro”, que o viajante passa a olhar para dentro de si e estabelece comparações que possibilitam um conhecimento interno vendo sua imagem na imagem do outro; essa inquietação que leva a desbravar o novo, muitas vezes, é a procura pela identidade e por renovação, busca por respostas, conhecimento e aprendizagem. Essas jornadas e relatos herdados delas são marcados por uma experiência de alteridade a partir do encontro com o “outro”, e a idealização de um conceito sobre esse “outro” e julgamento da cultura alheia, fazem o andarilho repensar na sua própria identidade. Como o século XIX era um período no qual muitos forasteiros viajavam em busca do novo, essas viagens também eram marcadas pelo encontro entre estrangeiros. No período em que esteve no Brasil, por exemplo, Koster encontrou com o inglês James Henderson no Recife em dezembro de 1819. Henderson escreveu o livro A history of the Brazil (1821) e mencionou Koster em seus escritos.

A diversidade entre as línguas dificultava o contato e aproximação com os nativos; as barreiras religiosas, culturais e econômicas eram responsáveis por compor um ponto de vista limitante em compreender o estrangeiro. À primeira vista, o estranhamento causava uma reação de afastamento, mas ao mesmo tempo, de fascínio em relação ao exótico característico de uma sociedade de realidade distinta.

Os propósitos das viagens são múltiplos e as motivações na escrita das narrativas também; “os relatos dos viajantes do século XIX seguiam duas correntes distintas: eram de cunho objetivo, com o conteúdo científico, ou de cunho subjetivo, contendo impressões pessoais dos viajantes” (SILVA, 2009, p. 72). Com olhar estrangeiro por onde atravessa, o itinerante possui uma visão díspar de mundo que traz uma releitura e renovado sentido da realidade do lugar que visita. Esse olhar já está condicionado até mesmo antes da jornada por causa de toda bagagem cultural e referência que esse indivíduo carrega consigo. Assim também é o tradutor, com esse olhar estrangeiro em relação aos escritos, ele manipula o texto fonte em favor da sua própria cultura, atualizando a linguagem e cultura para seu contexto atual.

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Devido à ânsia do conhecimento, o desejo de vivenciar outros contextos e tudo conhecer, a busca pelo exótico, a disposição em empreender explorações continentais e a necessidade de observar com os próprios olhos lugares descritos por outros autores, a viagem se tornou um objeto de registro resultando em diversos relatos, nos quais todas as percepções eram analisadas e documentadas com precisão, e em que “viajantes e/ou naturalistas descreveram em seus cadernos de campo (que posteriormente vieram a se tornar livros) aspectos de cunho biológico, antropológico, mineralógico, sociológico, geográfico e geológico do Brasil oitocentista” (LOPES et al., 2011, p. 66). Os viajantes passaram a se aventurar mais, por diversas razões, e em meio a essas viagens foram produzindo diversos registros dos passeios, que são responsáveis por desenvolver uma documentação mais abundante encarregada de difundir imagens características das terras percorridas e períodos marcantes; “a visão desses viajantes e cronistas possibilita-nos explorar e compreender as relações sociais, políticas, econômicas, e culturais numa época de transição entre o período colonial e o Estado que seria forjado no Brasil” (CARVALHO, 2015, p. 131).

Por se tratarem de documentos que expressam minunciosamente os hábitos peculiares, detalhes das paisagens, do clima, a diversidade dos costumes, dos padrões de comportamento, as diferenças culturais, sociais e geográficas, esses relatos servem como arcabouço documental que propicia a construção de uma visão diante desse novo ambiente e são de extremo valor para a história, sociologia, antropologia e etnografia, já que possibilitam não apenas a apreensão da sensibilidade e do imaginário dos povos da época, mas também constituem fonte essencial de informação histórica utilizada no estudo de diversas áreas. Segundo Oliveira Filho (2014, p. 170), o escrito de viagens passou “a ser o guia, o ponto de referência, dos que almejavam seguir seu exemplo ou, então, um aparato de lazer àqueles que não podiam viajar, mas que se divertiam em conhecer novidades acerca deste admirável mundo novo e estranho [...]”.

As narrativas de viagens que, segundo Burke (2000), simbolizam textos com descrições objetivas e espontâneas de novas experiências, são relatos valiosos que aclaram o olhar etnocêntrico do europeu sobre o desconhecido e proporcionam ao leitor impressões da realidade a partir da visão do viajante,

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perspectiva essa carregada de influências pessoais e culturais que levam o escritor-viajante a sempre fazer comparações entre seu país de origem e aquele que está sendo visitado, levando em conta fatores que impactaram sua trajetória, as relações estabelecidas, intervenções ocorridas, estranhamento e experiência de alteridade. Esses registros englobam uma série de gêneros literários (autobiografia, diário, discurso epistolar, ensaio etnográfico, literário e científico), pois cada anotação tinha um propósito específico; umas eram cartas particulares endereçadas a um parente ou amigo, outras histórias infantis, romances ou poesias. Alguns conteúdos foram

Editados muito tempo depois da viagem, outros foram escritos tornando-se por base anotações de outrem, o que permite uma diversidade de interpretações. Outros são textos de caráter público ou oficial, endereçados a governos, tais como relatos diplomáticos e relatórios de expedições destinados aos órgãos de financiamento, ou foram escritos para serem publicados em jornais ou revistas (SARAT, 2011, p. 37).

Ainda de acordo com Sarat (2011), os objetivos dos deslocamentos norteavam os lugares a serem visitados e as observações a serem feitas, e as características dos registros eram marcadas a partir da formação do viajante, pois entre eles havia professores, governantes, missionários, cientistas, comerciantes, artistas e aventureiros. A profissão de cada um determinava o tipo de envolvimento que tinham com a população nativa, e, por conseguinte, no gênero da escrita. “O relato de viagem, portanto, é um gênero versátil que parte da premissa da reescritura, da reformulação de uma experiência individual que, ao ser publicado, transcende a esfera do privado e se integra à esfera pública” (CAMARGO, 2017, p. 163) e, conforme Cunha (2012), são textos que, por apontarem para um espaço e tempo específicos, são capazes de selecionar, talvez até mais que outros gêneros, seus leitores, devido à enciclopédia comum compartilhada entre autor e leitor. Em Travels in Brazil (1816), Koster representa o Nordeste para o público inglês a partir de experiências individuais vividas quando esteve no país. Seus relatos serviram para esclarecer ideias que os europeus já tinham sobre o Brasil ou mesmo para fomentar uma visão acerca do lugar ou construir uma imagem distinta daquela que já tinham.

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Segundo Camargo (2017, p. 60),

Os relatos de viagem caracterizam-se pela versatilidade e uma das suas características é a estreita relação com a cultura do lugar visitado, a presença de um léxico emprestado à [sic] essa língua-cultura, além do uso de termos e expressões cujo referente extralinguístico pode ser diferente nas culturas relacionadas, quando não inexistente, o que dificulta o processo tradutório.

Os registros deixados como contribuição dos viajantes servem como uma forma de reconhecimento que possibilita compreender uma história que diz respeito a nós, pois a visão do outro representa uma realidade daquilo que não podemos perceber, já que o outro é capaz de ver as coisas pela primeira vez e viver histórias singulares. Além do mais, “essas descrições de importância interdisciplinar vieram a contribuir com a historiografia brasileira e permite o resgate geográfico, histórico e cultural de uma região [...]” (LOPES et al., 2011, p. 66). De acordo com Paulino (2016, p. 132), “ao se trabalhar com relatos de viagem, estudamos sempre o país relatado em conjunto com o país do viajante”; o itinerante normalmente viaja a serviço do seu país de origem e analisa o lugar visitado a partir de interesses próprios, servindo também como referência para outros viajantes do período.

Cada viagem está inserida em um contexto histórico diferente. No século XV, foram financiadas as grandes viagens marítimas que enviavam exploradores e comerciantes para descobrir novos territórios e encontrar riquezas. Já as viagens realizadas entre o final do século XVIII e início do século XIX, tinham como propósito a busca por conhecimento científico, portanto, não é possível dissociar os relatos das viagens do contexto histórico do período. Todo viajante possuía uma finalidade ao compilar suas impressões sobre o lugar visitado já pensando num público a alcançar, e o período fornecia as condições de produção e motivações na realização das jornadas, pois “em diferentes momentos históricos as sociedades planejaram e empreenderam viagens com objetivos, formas de organização e financiamento distintos” (SCHEMES, 2015, p. 1).

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1.2 Literatura de viagem: experiência e tradução cultural

Em conformidade com Camargo (2017), a partir do século XIX, o escritor-viajante não se limita a narrar apenas sua experiência visual e etnográfica, ele passa a expressar suas emoções como plano principal, desviando a literatura de viagem da sua função epistemológica tradicional, ou seja, o viajante não apenas diz onde esteve e o que viu, como imprime seus sentimentos e sensações nos relatos. Além disso, elementos de conjuntura (questões socias, culturais, políticas e econômicas) e fatores individuas (autobiografia), determinam as condições dessas descrições, exprimindo a influência do meio sobre a obra. O livro do autor Henry Koster, Travels in Brazil (1816), sobre sua viagem pelo Brasil quando ainda era uma colônia portuguesa, reflete essa

Ampla gama de assuntos nos quais o jovem autor buscou descrever em seu escrito de viagem, tais como: aspectos políticos da colônia portuguesa na América, relações sociais em uma sociedade escravocrata, análises acerca de economia, tratados diplomáticos e perspectivas acerca da religião. No entanto, as nuances mais instigantes no texto de Koster residem no fato deste viajante, além de ter sido um visitante, também foi um habitante e, desta maneira, postou-se imiscuído em vastas tramas sobre as quais buscava descrever (OLIVEIRA FILHO, 2014, p. 170).

Há um estreito vínculo entre viagem e tradução. Primeiramente, porque ao esboçar detalhadamente as particularidades de uma determinada região, e transpor a realidade constatada das experiências de campo em forma de texto, o viajante busca traduzir, diante de suas perspectivas, o costume, contexto, cenário, valores, vida e hábitos de uma certa comunidade; foi justamente o que Henry Koster tentou fazer ao produzir o livro. Posteriormente, porque uma vez que essas impressões foram transpostas para a linguagem escrita e palavras culturalmente marcadas inseridas, esses relatos foram traduzidos como um canal de difusão cultural e uma forma de estreitar laços entre países e épocas diferentes, possibilitando a interação, transformação e clareza de informações entre os povos, uma vez que viajantes e tradutores eram responsáveis por relações interculturais em torno das nações. Para Rodrigues (2005, p. 142), “o contato entre culturas produzido pela tradução é, entretanto, diferente do contato produzido pela experiência da viagem”. Embora em ambas a linguagem seja

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uma constante, a viagem traz consigo um elemento que a tradução não contempla: a vivência de experiências transformada em expressão linguística.

Os relatos, que inicialmente eram vistos como descrições científicas e objetivas, eram também uma forma de transculturação em razão da troca entre o escritor e as experiências vividas. Esse encontro entre culturas, memória e imagem era transposto para o leitor, que de uma outra maneira, tanto ao ler o relato de viagem, quanto sua tradução, podia viver essa experiência mesmo que fosse através do imaginário, pois ambos “são produtos de interpretação de sujeitos social e ideologicamente constituídos, que se apropriam do Outro, em maior ou menor medida” (RODRIGUES, 2005, p. 148). Esse formato do relato de viagem, de acordo com Lubrich (2010), envolve quatro elementos essenciais: (1) o sujeito: a pessoa que está escrevendo (viajante, autor, narrador); (2) o objeto: o que está sendo descrito (os lugares que os relatos tematizam); (3) o destinatário: público-alvo, leitor implícito dos relatos de viagens (leitores e comunidades interpretativas) e (4) o texto: forma que o relato de viagem é organizado, estruturado e escrito estilisticamente (gênero literário).

Como a temática ‘viagem’ implica num movimento de deslocamento, e os textos provindos dela são sinalizados com marcadores temporais e espaciais definidos, advindos do resultado de uma experiência real e deslocações geográficas, é um gênero literário autônomo (gênero próprio que segue sempre a mesma linha de conduta, a forma como se apresentam as informações), de fronteira, produtor de representações sociais, fonte de documentação histórica, no qual o narrador relata descobertas, experiências e reflexões sobre seu percurso. Esse tema faz parte não somente da história das civilizações, como também da literatura, servindo como descoberta, aprendizado e desenvolvimento da humanidade e do mundo que a cerca.

Conforme Cunha (2012, p. 153), “a literatura de viagens é um gênero que agrega tipologias textuais diversificadas, o que faz dela um gênero de fronteira, também pela circunstância de problematizar a separação epistemológica entre ficção e realidade”. Por ser uma categoria na qual o narrador trata de uma cultura estrangeira, é um assunto que aborda abundantemente imagens literárias do outro, “tornando-se, por isso, um terreno fértil para os estudos imagológicos, que analisam a forma como dada cultura percepciona a outra e como as ordens discursivas servem à perpetuação de estereótipos” (CUNHA, 2012, p. 153). O

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início dos relatos da presença de viajantes no Brasil datam do século XVI, especialmente com a Carta de Caminha que é o primeiro registro sobre a história primitiva do país (GASPAR, 2004). A imagem do Brasil que se construiu no exterior foi de um lugar exótico, diferente, extravagante. A obra de Koster, embora também trate da natureza, desmistifica essa imagem naturalista, pois aborda uma parte do país até então pouco explorada pelos viajantes: o interior, a seca, o sertão. Era mais comum encontrar relatos que falavam sobre a costa do Brasil.

Devido às viagens marítimas ao novo mundo, entre os séculos XV e XVI, um gênero de fronteira passa a surgir e a literatura de viagem começa a ganhar forma. Europeus que viajavam naquela época, relatavam a experiência real da viagem em forma de cartas, registros de bordo e diários, empregando um caráter autobiográfico com rica qualidade literária devido à dupla experiência da viagem e da escrita; a representação das paisagens e costumes, o exotismo e promessa de aventura eram marcantes nesse tipo de literatura da época. Sendo assim, “a grande maioria dos relatos de viagem do século XVIII ficaram imbuídos de certas características, fruto da influência deste contexto histórico, características estas que também perduraram nos relatos dos viajantes do século XIX” (SILVA, 2009, p. 75). Conforme Alves (2017, p. 31),

Até o século XIX, os viajantes se lançavam em aventuras, das quais não se sabia exatamente o final, pois os obstáculos eram os mais variados, como: o desconhecido, a falta de estradas, os meios de transporte lentos, as distâncias, entre outros, que, mesmo assim, não impediam que muitos se arriscassem em viagens exploratórias. Os motivos eram os mais diversos, desde o desejo de aventurar-se, a busca por riquezas, ou até expedições que visavam pesquisas científicas.

Uma outra característica da Literatura de Viagem é o lugar ocupado pela paisagem na narrativa. Este fica em primeiro plano, já que o narrador normalmente enfatiza a descrição dos rios, árvores, montanhas, animais, belezas naturais, atividades da pecuária e agricultura, e acaba apagando um pouco a presença humana nesses cenários; “o viajante não só fala pouco das pessoas que o rodeiam e das que encontra ao longo da jornada, como também fala muito pouco de si próprio” (SILVA, 2009, p. 82). Koster, por exemplo, nunca fala em seus pais, ou pessoas próximas, na obra, e conforme Cascudo (1942),

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também não fala em si próprio, tanto que os dados sobre sua biografia são escassos. Ao longo da narrativa, o viajante se depara com várias pessoas que são mencionadas em seus escritos, porém é quando fala da fauna e flora que o autor parece ser mais minucioso e entrar mais em detalhes.

Outra particularidade marcante desse tipo de literatura, até final do século XIX, é a presença da temática da escravidão. “Esta era uma constante nos relatos de viagem desta época, todos os viajantes que vinham para o Brasil, fossem eles naturalistas ou não, comentavam sobre este meio de trabalho” (SILVA, 2009, p. 83). Conforme Gomes (2019), até metade do século XIX, quase todos os seres humanos, com exceção dos cativos, participaram ou lucraram com o tráfico negreiro, inclusive chefes africanos e reis, que forneciam escravos para os parceiros europeus. Essa prática é refletida na sociedade até hoje, pois estima-se que há agora mais pessoas vivendo nas condições de escravizados, que o período de escravidão africana nas Américas, o triplo ou 40 milhões de pessoas mais precisamente. “Liberdade nunca significou, para os ex-escravos e seus descendentes, oportunidade de mobilidade social ou melhoria de vida” (Gomes, 2019, p. 31); nunca tiveram bons empregos, educação, saúde, moradia e outras oportunidades, assim como os brancos.

Henry Koster, no livro Travels in Brazil (1816), descreve diversas vezes essa prática social imposta através de força física, e a vida miserável e desigual advinda dela:

O conforto dos escravos nas diversas situações é naturalmente desigual. Quando uns são condenados a uma existencia de esforço excessivo e de miseria, pela natureza das ocupações e o caracter dos amos, outros levam vida relativamente facil. E' verdade que nas regiões onde os trabalhadores são livres a tarefa diaria é distribuída desigualmente mas os salarios são proporcionais, e cada homem escolhe livremente o encargo que sua força e inteligencia prefiram. O escravo é comprado para um determinado fim, e deve seguir a linha da vida que seu amo lhe designou. Não o empregam nos trabalhos que preferiam realizar ou, no mínimo, seus desejos não são ouvidos no assunto. O preço pelo qual o escravo póde ser obtido e as conveniencias dos comprados são muito mais consultados que a aptidão de sua força corporal na tarefa que lhe entregarão para fazer. (KOSTER, 1942, p. 497).

Gomes (2019) retrata a forma como os escravizados foram leiloados em Portugal. Eram divididos em grupos para serem analisados por possíveis compradores, período que se iniciava “a separação definitiva entre pais e filhos,

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esposas e maridos, irmãos, amigos e companheiros de longa data” (GOMES, 2019, p. 53). Koster (1942) afirma nunca ter visto demonstração de mágoa nessas separações, mas ele atribui essa frieza ao medo de punição. Alguns escravizados eram doados à igreja, mas, às vezes, acabavam sendo vendidos pelo padre quando a igreja necessitava de recursos; os próprios bispos eram sócios no comércio negreiro. Os escravizados que não eram escolhidos por esses compradores, eram então ofertados em liquidação por preços muito baixos para que os traficantes se livrassem daqueles doentes ou com limitações físicas. Dessa forma, até mesmo as pessoas mais pobres conseguiam comprar cativos, que trabalhavam em serviços domésticos ou em atividades agrícolas.

Como já mencionado, Koster era a favor do fim da escravidão (OLIVEIRA FILHO, 2014). Embora considerasse o tratamento dos escravos brasileiros mais favorável que o das Antilhas, eram todos escravos “e essa palavra inclúe a grande miseria, a grande degradação e o grande infortunio” (KOSTER, 1942, p. 527). Além disso, Koster era inglês, e havia interesse econômico por parte da Inglaterra na abolição da escravidão, pois era necessário garantir um mercado consumidor. Uma vez libertos, os escravos se tornariam fregueses potenciais de produtos europeus industrializados. Sendo assim, políticas antiescravistas foram impostas por ingleses no século XIX em diversos locais onde as colônias conservavam o trabalho escravo. Conforme Andrade (2017), o Tratado de Aliança e Amizade (1810) entre Portugal e Inglaterra, que inclusive é citado por Koster no último capítulo do Travels in Brazil (1816), já previa uma abolição gradual, e em 1826, a Inglaterra impôs ao governo brasileiro a promessa de abolir o tráfico de escravos em até três anos. Mesmo assim, segundo Gomes (2019), o Brasil foi a nação que mais resistiu em abolir o tráfico negreiro e o último país a acabar oficialmente com o cativeiro no continente americano.

A partir da segunda metade do século XIX, os relatos começam a oscilar entre ficção e realidade, sendo característicos tanto fatos reais, como datas, lugares, expressões e detalhes do lugar visitado, quanto o imaginário, como lendas, causos e contos. Conforme Oliveira (2010, p. 57), desde meados do século XIX até hoje, “a literatura de viagem deixa de ser narrativa para tornar-se apenas impressões de viagem, ou seja, abandona o caráter de aventuras e peripécias, para descrever notas e impressões daquele que observa tudo com certa rapidez”, renunciando aquele caráter naturalista e adentrando na literatura

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de forma mais sensitiva com opiniões pessoais do narrador-viajante. De acordo com Lopes et al. (2011), vários viajantes/naturalistas estrangeiros vieram ao Brasil no século XIX com diferentes propósitos que contribuíram, por meio dos relatos, com a produção científica da época e foram importantes para a amplificação do conhecimento ecúmeno, pois muito embora as metrópoles europeias possuíssem colônias, não detinham conhecimento suficiente para explorar bens naturais de um jeito que contribuísse com a economia e industrialização.

1.3 Os viajantes como tradutores de culturas

Os viajantes do século XIX (e de outros tempos) foram de grande importância para a história do mundo, pois serviram como tradutores de culturas (que são dinâmicas e estão mudando constantemente) através dos seus escritos. Ao longo da história do Brasil, até o final do século XIX, a maior parte do conhecimento sobre o país foi construída através dos viajantes estrangeiros (BATISTA, 2009) que registraram o que viram e viveram em seus relatos. Cada um propôs sua própria visão sobre o Brasil, mas um ponto em comum nos registros foi “a exuberância da natureza (já encontrada na Carta de Caminha) como tema principal na definição de um caráter identitário do país” (BATISTA, 2009, p. 297).

Para Batista (2004), literatura de viagem e tradução literária são mecanismos importantes de representação, pois são disseminadores e criadores de imagens culturais, tendo em vista que o viajante propaga aquilo que vê e experencia, e o tradutor age como importante mediador cultural, transportando conhecimento entre uma cultura e outra. Essa ligação pode ser historicamente comprovada “através de sua atuação conjunta em diversos momentos da história cultural brasileira”, pois encontra-se presente “desde o momento fundador de nossa história, o descobrimento, representado pela Carta de Caminha, relato de um viajante que tenta traduzir na linguagem do velho mundo, o novo mundo que vislumbra” (BATISTA, 2004, p. 86), e pode ser visto também através do trabalho dos jesuítas que traduziam a língua indígena e exploravam territórios, comprovando que tradutores e viajantes estavam juntos presentes desde os

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primórdios da história. Foi desde 1500, de acordo com Wyler (2003), que o Brasil se caracterizou por receber pessoas de diferentes línguas, e o aprendizado destas foi gradativamente sendo visto como algo necessário para a comunicação da colônia. O processo de tradução oral, então, se iniciou nesse período, com a presença dos chamados “línguas” que serviam como intérpretes e possibilitavam uma maior aproximação entre as culturas e a assimilação de novas ideias.

Consoante Pagano (1996 apud BATISTA, 2004, p. 86),

A presença da literatura de viagem e da tradução em nossa formação cultural é tão importante que podemos identificar a primeira como a origem de uma tradição descritiva que prevalece por um longo período em nossa história literária; enquanto a tradução tem sua teoria incorporada ao discurso cultural brasileiro e é tomada como paradigma para discutir certos aspectos de nossa especificidade cultural.

Como o Brasil era considerado uma terra ainda desconhecida e com diversos recursos naturais e fonte de riquezas (entre os séculos XVIII e XIX), era um local muito visado por exploradores, pois “incitava a curiosidade e interesse das potências europeias” (SILVA, 2009, p. 72). Os viajantes vinham em busca do ‘novo’, e com a Abertura dos Portos de 1808, o fluxo de exploradores que buscavam descobrir as potencialidades científicas e econômicas aumentou pela facilidade de entrada no país.

Consoante Souza (2014), a primeira literatura sobre o Brasil não foi grafada pelos portugueses, mas sim por franceses, na tentativa de fundar uma colônia na Baía de Guanabara, entre 1550 e 1560. O viajante e monge franciscano André Thevet8, que veio em uma expedição objetivando fundar um

colônia no Rio de Janeiro, ao retornar à França, publicou o primeiro livro acerca do Brasil escrito por um indivíduo proveniente da Europa: Les singularitez de la France Antarctique (Paris, 1557), que tratava da fauna e flora e descrevia não

8 Thevet foi um francês franciscano sacerdote, explorador, cosmógrafo e escritor que viajou ao Brasil no século 16. Nascido em Angoulême, França, no ano de 1502 e falecido em Paris em 1590. Em 1549 embarcou em uma viagem de exploração alargada a Ásia, Grécia, Palestina e Egito. Ele acompanhou o embaixador frânces Gabriel de Luetz para Istambul. Após seu retorno à França, em 1554, publicou um relato dessa viagem com o título de Cosmografia do Levante. Algum tempo depois dá um testemunho direto de sua viagem ao continente americano e a outras ilhas descobertas em sua viagem entre 1555 e 1556, enquanto acompanhava Nicolas Durand de Villegagnon, em sua tentativa de colonização francesa no Brasil. Publicou os relatos em 1557 "As singularidades da França Antártica", onde faz um impressionante relato descrevendo as peculiaridades do “Novo mundo”, os costumes “exóticos” do povo, a diversidade da fauna, etc. Disponível em: http://cronistaandrethevet.blogspot.com/2011/06/dados-sobre-biografia-de-andre-thevet.html. Acesso em: 08 mai. 2019.

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somente o litoral, mas os sertões paraibano e pernambucano, sendo talvez o primeiro relato sobre o interior nordestino redigido por um europeu. “Thevet foi acusado por diversos eruditos da época de falsidade ideológica, incompetência geográfica e desonestidade intelectual” (SOUZA, 2014, p. 422), além de denunciado por contratar escritores-fantasma para escrever seus livros, de mentir cosmograficamente por inventar uma cidade, Henriville, por fabular algumas viagens e por descrever as amazonas brasileiras como reais, numa época que já se sabia que eram seres imaginários.

Muito embora Souza (2014) defenda a Carta de Pero Vaz de Caminha (1500) como um informe curto e superficial, que ficou esquecido durante vários anos e só foi publicado no século XIX, vale salientar que é dela que saem as referências das primeiras escritas a respeito do Brasil do período da colônia, e é essa epístola que é utilizada como guia para a história do descobrimento do país e literatura colonial. Diante do relato interpretado pelo olhar do viajante Pero Vaz, criam-se representações sobre a natureza, sobre a figura do índio, arquitetura das casas, importância da mãe e hábitos da população.

Conforme Batista (2009), a conjunção entre relato de viagem e tradução já se encontrava claramente presente na Carta de Caminha:

Além de descrição da terra descoberta e dos índios que a habitavam, originando uma imagem que vai se propagar através dos séculos, a Carta também nos apresenta as primeiras dificuldades trazidas pelo desconhecimento linguístico mútuo entre os europeus e os nativos, e as estratégias buscadas para enfrentar a situação. (BATISTA, 2009, p. 297)

Desde essa época já é possível ver a imagem do Brasil que foi construída através do olhar dos viajantes e se faz presente no exterior até os dias atuais: a ideia de um país paradisíaco, de exuberante espaço natural e geográfico, com características selvagens e primitivas e de natureza única e preservada. Consoante Alves (2017, p. 36), essa imagem se conservou ao longo dos séculos, “de forma que, no século XIX, várias foram as incursões que envolviam a pesquisa científica em terras brasileiras, movidas tanto pelo interesse na expansão dos territórios, como pela busca pelas riquezas” relatadas nas diferentes narrativas de viagens.

Tais impressões, com certo caráter que hoje definiríamos como preconceituoso e sem nenhuma consideração pela diversidade e diferença

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presentes em grupos sociais, são costumeiras em textos de viagens; são registros responsáveis por criar uma visão de país atrasado, no qual o viajante se posicionava como o civilizado, valorizando a Europa como berço da civilidade diante do primitivismo do nosso país. Os jesuítas, por exemplo, buscavam o desenvolvimento do conhecimento através de um processo de tradução linguística e cultural: estudavam a língua e hábitos dos índios, para, a partir daí, impor regras da cultura europeia e tornar os costumes indígenas esquecidos diante dos nativos, usando elementos do comportamento aborígine para vincular a ensinamentos da fé católica (BATISTA, 2009).

Diante dessas reflexões, percebemos que os viajantes foram responsáveis por grande parte do conhecimento de mundo que se tinha até o século XIX, servindo como mediadores interculturais que promoviam a disseminação das culturas e integração entre os povos, e a cultura apresentava papel fundamental na construção e tradução das realidades, possibilitando a comunicação e interação dinâmica entre as nações.

Após ter exposto algumas teorias acerca do gênero ‘literatura de viagem’, relevantes para a compreensão do contexto temporal de Travels in Brazil (1816) e da forma que Koster representa o Nordeste para o público inglês, o capítulo que segue abordará o conteúdo da obra e a vida do autor e tradutor, essenciais para a compreensão da análise de termos culturais característicos do Nordeste do Brasil, descritos minunciosamente por Koster para se fazer compreensível aos olhos do público alvo, leitores ingleses, já que a cultura europeia era tão distinta da cultura brasileira e vários elementos encontrados pelo viajante no Brasil não existiam em sua terra natal.

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CAPÍTULO 2

VIAGENS AO NORDESTE DO BRASIL: OBRA, AUTOR E TRADUTOR

Neste capítulo apresento informações sobre o livro, assim como a biografia do autor, Henry Koster, e do tradutor, Luís da Câmara Cascudo. Como foi dito, a obra, escrita originalmente em inglês com o título Travels in Brazil (1816), teve grande repercussão na Europa, como mostrarei a seguir, pois abordava um gênero em ascensão na época: a literatura de viagem, cujo conceito já foi discutido anteriormente. Além disso, havia interesse e curiosidade dos europeus acerca das terras brasileiras (MARSON, 1995), que até então eram pouco conhecidas, principalmente no que diz respeito à região Nordeste, já que os relatos de viajantes que vinham ao país na época abordavam principalmente as belezas naturais e o litoral brasileiro. O título foi traduzido para Viagens ao Nordeste do Brasil (1942) por Câmara Cascudo, justamente porque o percurso do viajante inglês foi somente por esse território.

2.1 Travels in Brazil: um retrato do Nordeste brasileiro do século XIX

Travels in Brazil (1816), do inglês Henry Koster, reúne uma série de relatos e impressões sobre o Brasil do século XIX, especialmente acerca do Nordeste, compilados pelo autor durante o período que passou nessa região. Temas como escravidão, agricultura, fauna, flora, hábitos, governo, alimentação, doença, política, arquitetura, além da descrição detalhada dos lugares visitados e da cultura da população, foram tratados nessa obra inicialmente publicada em um único volume de 501 páginas e depois dividida em dois volumes: o primeiro

Refere-se às viagens empreendidas pelo autor após instalar-se no Recife, às chamadas capitanias do Norte dentre elas o Piauí. No segundo volume, Koster escreveu sobre a organização dos engenhos, dos trabalhos desempenhados pelos escravos e homens livres (CARVALHO, 2015, p. 132).

Antes do início dos capítulos, o livro traz um prefácio do autor, do tradutor, uma biografia sobre Koster escrita por Cascudo, uma lista com as edições do livro, um texto sobre a relação de Koster com Southey, o envolvimento do

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viajante com a Revolução Pernambucana de 1817 e uma reflexão que Cascudo intitula Depoimento de Koster, datada de outubro de 1941. Depois desses elementos paratextuais, o volume 1 vai até o capítulo XI abordando lugares que Koster percorreu pelo Nordeste com reflexões sobre o que o autor viu nessas regiões: moléstias, engenhos, seca, clima, sociedade, indígenas, alimentação etc. O volume 2 continua a partir do capítulo XII e vai até o XXI, terminando com um apêndice acerca de estudos sobre plantas da região do Dr. Arruda da Câmara e um transcrito sobre Koster feito por Alfredo de Carvalho9, retirado da

Biblioteca Exótico-Brasileira, volume III, edição de 1930. Nesse volume são abordados temas como religião, escravidão, agricultura, danças, festas, e Tratados de Amizade, Aliança, Comércio e Navegação, assinados no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1810.

Travels in Brazil, do inglês Henry Koster, “foi publicado em 1816 como relato de um viajante que se refugiava em Pernambuco por motivos de saúde” (MARSON, 1995, p. 219), e que, durante sua vivência no Brasil, reuniu informações relativas às cidades que visitou e apresentou reflexões sobre a sociedade da época. Após a publicação do livro, Henry Koster retornou à Pernambuco em 1817 e lá faleceu em princípio de 1820.

O êxito da obra nos Estados Unidos e Europa “pode ser percebido pelo número de edições que se seguiram: duas inglesas (1816 e 1817), duas francesas (1818 e 1846), duas alemãs (1817 e 1831) e uma americana (1817)” (MARSON, 1996, p. 84). Para Gameleira (2016), como Koster costumava tomar notas de tudo o que via, o livro é repleto de características, comportamentos, aspectos ambientais e geográficos acerca de um Nordeste brasileiro que até

9 Alfredo Ferreira de Carvalho nasceu em 27 de junho de 1870, na cidade do Recife. Serviu em cargos públicos na Estrada de Ferro Central do Brasil (1894-1895); na Estrada de Ferro Central de Pernambuco (1895-1897); em trabalhos topográficos (Estado do Amazonas); como engenheiro-ajudante na municipalidade de Santos (1899-1900), e como jornalista, em A Cidade de Santos; como engenheiro fiscal das usinas de açúcar (Estado de Pernambuco, 1901-1908); como engenheiro auxiliar e fiscal das Obras de Melhoramentos do Porto do Recife (1900-1912) e como geólogo do Serviço Geológico e Mineralógico do Governo Federal (1907). Em nada se relaciona esta atividade profissional com o exercício da erudição, da história e da bibliografia, que formaram o outro aspecto de sua vida. Alfredo de Carvalho viveu sempre num profundo divórcio entre a profissão e a vida espiritual. Esta exerceu-a, especialmente, nas instituições históricas a que pertenceu: membro efetivo do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, da Academia Pernambucana de Letras, e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico de Santa Catarina, dos de São Paulo, Bahia, Sergipe, Alagoas. Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Foi escritor, crítico e tradutor. Essas informações foram retiradas de Anais da biblioteca Digital, volume 77, 1957.

Referências

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