PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social FAMÍLIA E COMUNIDADE – CONTRIBUIÇÕES DE UM PROJETO DE
EXTENSÃO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE
Sheila Regina de Camargo Martins*. Departamento de Psicologia, UEM, Maringá-PR, Brasil. (Professora aposentada); Mariana Carvalho Bianchi Oliveira, Psicóloga, Maringá-PR, Brasil; Suzana Tomal Brondani, Psicóloga, Maringá-PR, Brasil.
contato: srcmartins@uem.br
Palavras-chave: Saúde. Família. Abordagem Sistêmica.
Introdução: A superação da concepção tradicional de saúde ainda está em curso no nosso país, e as mudanças observadas ainda não foram suficientes para a superação do modelo médico curativo e da atenção prioritária às patologias. As transformações almejadas para atenção integral à saúde podem encontrar nos aportes teórico-práticos da Psicologia Relacional subsídios para o desenvolvimento de intervenções de promoção da saúde, manutenção e fortalecimento dos vínculos afetivos em todos os níveis de atendimento. Em especial, visando o acolhimento da população e o processo de co-responsabilização e do cuidado em saúde.
Segundo a Política Nacional de Humanização (PNH), (Brasil, 2011) o cuidado em saúde se assenta na atenção às relações entre todos os atores do processo: gestores-profissionais e usuários. Considera os aspectos individuais, subjetivos e relacionais, assim como o protagonismo e a valorização de todos os envolvidos no processo de produção de saúde. Contudo, ainda persiste uma reduzida preocupação dos cursos de formação com os estudos sobre os processos relacionais. Reduzida importância é dada à necessidade de que dos profissionais se dediquem a analisar a questão da reciprocidade inerente aos processos de interação. Isto é, as questões de influencia mútua nas relações entre os diferentes atores tendem a ser negligenciados. Os processos relacionais se refletem na qualidade do cuidado conforme preconiza a PNH (Brasil, 2011). A política recomenda especial atenção às questões éticas e estéticas comprometidas com uma postura dialógica respeitosa e cuidadosa no sentido de favorecer a emergência de sentimentos colaborativos e de inclusão, assim como o protagonismo de todos.
Considerando-se esse cenário, o presente trabalho apresenta um breve relato do percurso de um Projeto de Extensão desenvolvido entre os anos 2006 e 2014, cujo objetivo
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central foi colaborar com a formação e com a capacitação dos discentes e profissionais, visando a qualidade nos trabalhos de promoção da saúde. As bases teóricas utilizadas foram a abordagem sistêmica em terapia familiar e os pressupostos dos construcionismo social. O projeto desenvolveu-se em reuniões semanais de estudos, planejamento e avaliação permanente das atividades; contatos com serviços; realização de palestras e intervenções com famílias e grupos de multifamílias; consultoria, cursos e grupos de estudos com profissionais. Nas intervenções com a comunidade foram utilizadas estratégias de grupos multifamiliares e comunitários abertos, na modalidade “Rodas de Conversas”, privilegiando a abordagem dialógica e narrativa e as propostas de Paulo Freire (2003). Tais estratégias de base construcionista social oferecem oportunidade de que múltiplas versões sobre os temas abordados sejam favorecidas pela construção de relações colaborativas e de respeito mútuo. O construcionismo social apóia-se na posição epistemológica pós-moderna, segundo a qual “.... a realidade é compreendida como construída nas relações e na linguagem, e há uma infinidade de realidades possíveis, dependendo de quantos forem os envolvidos em descrever ou narrar uma experiência ou acontecimento.”(Paschoal & Grandesso, 2014, p. 25). As ações com os discentes e profissionais ocorreram sob a forma de: assessoria, seminários, aulas, capacitações e palestras; sempre na perspectiva de educação em saúde.
Resultados: Ao longo do período (2006 à 2014) foram desenvolvidas as seguintes atividades com discentes e profissionais: curso de extensão em convênio com a Secretaria de Assistência Social; assessoria técnica a profissionais de uma instituição do CREAS; capacitação para profissionais do Núcleo de Educação e de uma escola estadual, palestras no Programa Família Acolhedora, aulas em cursos de atualização em saúde mental para profissionais da rede psicossocial da área de saúde mental. Com a população foram realizados encontros de grupos de multifamília, atendimento a famílias na Unidade de Psicologia Aplicada. Atividades de extensão na disciplina Relações Familiares da UNATI e atividades em conjunto com um Grupo PRO-PET-Saúde.
A relação de pais e filhos, especialmente na adolescência, e seus temas transversais foram os mais solicitados pela comunidade e abordados principalmente nas instituições educacionais formais (escolas e creches), de contraturno e nos encontros com participantes da Pastoral da Família. Durante todo o período, foram realizados estudos sobre família e comunidade, com ênfase na história da família ocidental, preconceitos pessoais, culturais e teóricos sobre tais instituições sociais; adoção, desenvolvimento familiar e crises não
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previsíveis no curso de vida. Preconceitos socialmente construídos de raça, crenças, classes sociais e gênero.
De acordo com o referencial teórico da abordagem sistêmica o desenvolvimento humano é compreendido em seu contexto, considerando os aspectos interpessoais, históricos e culturais (em suas múltiplas dimensões). Colaboram para a compreensão das relações, a dinâmica, história e modelos familiares assim como os paradigmas de redes de apoio social pessoal.
Os estudos permitiram discussões sobre os conceitos ideais sobre a “família estruturada” e o potencial protetivo das relações e dos vínculos. Destaque foi dado ao aprofundamento e atualização sobre a fase da adolescência diante de muitas demandas da comunidade, fato que sinaliza ainda, as dificuldades que pais e filhos encontram com as demandas desse período de desenvolvimento, seus diferentes dilemas no processo de preparação para a diferenciação dos indivíduos para a vida adulta.
Minuchin & Fishman (1990) e Szymanski (2001) foram autores que ofereceram importantes subsídios para o desenvolvimento de trabalhos de extensão com a comunidade. Notadamente para a desconstrução de preconceitos sobre a família idealizada e valorização da família real que enfrenta inúmeros desafios em seu cotidiano e na preparação da geração futura. E, como salienta Szymanski (2001) para que a “tirania” do que é idealizado (pensado) deixe de imprimir sentimentos de menus-valia àqueles que julgam não atingir as expectativas sociais de viver de acordo com os modelos da família nuclear burguesa e para que possam, a partir da reflexão, valorizar suas soluções peculiares.
Walsh (2005) foi outra autora, que com seus relevantes aportes sobre a resiliência familiar, sintetiza, por assim dizer os principais achados atualizados da área e discute as aplicações práticas desses conhecimentos em diferentes contextos. Incluiu-se nos estudos, a contribuições de Paulo Freire (2003), autor que salienta a relevância de se reconhecer e valorizar os saberes populares e suas diferentes perspectivas, propondo a construção do conhecimento compartilhado e, a adoção de uma postura ética que respeita os saberes e o protagonismo de todos os participantes. A complexidade das inter-relações e as redes de sentido encontram, nessa perspectiva relevância e segue a proposição de que as pessoas constroem seus saberes a partir de seus próprios caminhos em conexão com suas experiências e interações.
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Discussão e Conclusão: Além dos objetivos principais de contribuir com a formação de discentes e de profissionais, e oferecer serviços às famílias e comunidades, as atividades do projeto permitiram um aprofundamento nos estudos e reflexões sobre os pressupostos e métodos do campo da abordagem sistêmica da terapia familiar e de redes de apoio social propícios a contribuir com os propósitos de promoção integral da saúde. O recurso ao processo dialógico foi privilegiado em todas as estratégias de extensão.
As atividades desenvolvidas destinaram-se a estimular a reflexão, os sentidos de autoria e autonomia de pessoas e dos grupos comunitários, a partir do suposto de que os conhecimentos, assim difundidos colaboram para que os atores envolvidos compreendam as situações de crise como transições, buscando restituir a perspectiva de continuidade entre passado, presente e futuro como afirmam Carter e McGoldrick (1995). Para as autoras, famílias quando enfrentam problemas tendem a perder tal perspectiva e apresentam dificuldade em promover as mudanças necessárias diante de um cenário já transformado pelos acontecimentos.
De acordo com nossa análise, as atividades de promoção da saúde com a utilização da abordagem narrativa e dos conhecimentos do campo da terapia familiar contribuíram para o acolhimento das pessoas e de suas demandas, por meio da problematização do cotidiano e do compartilhamento de idéias e reflexões. A adoção da perspectiva contextual e relacional dos fenômenos ofereceu subsídios para um trabalho que colaborou com o fortalecimento dos laços afetivos e do apoio social comunitário. Importante nesse contexto é que tais posturas e ações ofereçam um contexto propício à ativação dos recursos internos e externos que contribuam para o fortalecimento da autonomia de todos e para a flexibilidade necessária para a resolução dos conflitos e enfrentamento das situações de estresse que se apresentam ao longo do curso de vida.
Referências
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