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ALIENAÇÃO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES

Sandra Regina Galvão*, psicóloga no Núcleo de Acompanhamento Psicopedagógico e Assistência Estudantil da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Apucarana, mestranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia na Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil; Indiara Beltrame, Docente de Graduação e Pós-Graduação na Pontifícia Universidade Católica – PUC Londrina-PR, Brasil; Rafael Bianchi Silva, Docente de Graduação e Pós-Graduação na Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil

contato: sandragalvao05@gmail.com

Palavras-chave: Alienação do Trabalho. Serviço Público Brasileiro. Saúde Mental.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho ocupa na vida humana um espaço central. É a partir e por meio dele que o homem modifica a natureza e dá sentido à própria existência. Historicamente passa por diversas transformações, trazendo diferentes formas de o ser humano se relacionar com sua atividade laboral.

No entanto, de modo quase inevitável, o trabalho se torna cada vez mais distante do homem, ainda que se intensifique a produção, as metas e a entrega de resultados. Tal distância diz respeito à forma como o trabalhador perde o sentido das atividades que executa, sendo este distanciamento uma das principais consequências da divisão do trabalho em partes e principalmente da divisão do trabalho manual do intelectual.

Segundo Dejours (1992), quanto maior a rigidez da organização do trabalho, quanto mais acentuada é a divisão do mesmo, menor é o significado atribuído a ele e, consequentemente, maior é o sofrimento. O fenômeno de alienação do trabalho consiste no distanciamento entre homem e trabalho, e na perda de sentido deste. Este estranhamento tem como consequência o comprometimento da saúde física e mental dos trabalhadores. (Vizzaccaro-Amaral, 2013).

O serviço público brasileiro, apesar de não se enquadrar à realidade industrial, principal alvo do modo de produção taylorista no século XX, e público central dos estudos de Dejours, traz em si algumas características semelhantes e, consequentemente, os mesmos problemas de perda do sentido do trabalho, traduzido nos processos burocráticos, separação entre planejamento

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e execução do trabalho, parcelamento das tarefas, hierarquias e expropriação do saber sobre a totalidade dos processos de trabalho.

O funcionalismo público no Brasil, idealizado por boa parte dos trabalhadores por sua estabilidade e aparente tranquilidade, apresenta hoje números preocupantes no que diz respeito à saúde de seus trabalhadores, especificamente à saúde mental. O problema se evidencia pelo número de afastamentos para tratamento de saúde relacionado a transtornos mentais, a doenças compreendidas como psicossomáticas, e por ausências “injustificadas” como fuga do ambiente de trabalho.

Diante dessa realidade, as organizações de trabalho têm se preocupado cada vez mais com a relação homem-trabalho, buscando traçar caminhos que a torne mais saudável, trazendo menos prejuízos ao trabalhador e, concomitantemente, à empresa. Porém, só é possível planejar e executar ações coerentes à promoção de saúde e bem-estar se houver conhecimento a respeito da forma como as condições de trabalho afetam a saúde do trabalhador, e isto consiste em grande desafio ao serviço de Gestão de Pessoas.

O presente artigo tem como objetivo analisar como aspectos relativos à alienação do trabalho influenciam na saúde mental de servidores públicos, tendo como objeto de análise os processos de uma Instituição Pública Federal de Ensino Superior localizada na cidade de Apucarana.

2 TRABALHO, ALIENAÇÃO E ADOECIMENTO PELO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO

Não é de hoje que o trabalho ocupa um importante espaço na vida do homem. Ele consiste no principal meio de sobrevivência e existência. Também por ele, os homens se diferem das demais espécies, já que é realizado de forma consciente e livre, não estando vinculado aos instintos, mas à sua liberdade nas ações.

É na ação transformadora que o homem encontra momentos de satisfação, de realização de seus projetos, mesmo que, concomitantemente, esteja gerando novas ansiedades. No momento em que ele completa um projeto qualquer – escrever um livro, plantar uma arvore ou construir uma casa-,

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realiza uma vontade sua, e isso o faz feliz, estimulando-o a iniciar um novo projeto. (Vidal, 1999, p.119).

Apesar de o trabalho consistir em meio de satisfação, sua relação com o homem parece ter sido sempre conflitiva. Diante de sua história social, o trabalho quase sempre causou, além de realização, sofrimento. Como defendido por Dejours (1992), na Psicodinâmica do Trabalho, não se pode eliminar o sofrimento humano advindo do trabalho, mas é possível direcioná-lo à ações criativas, o que contribui significativamente na construção da identidade do sujeito.

Cada vez mais as organizações de trabalho têm se preocupado com seus trabalhadores, afinal, dos recursos humanos dependem o bom resultado do produto ou serviço ofertado. De acordo com Fischer (2002), qualquer organização necessita, em maior ou menor grau, do ser humano para garantir sua sobrevivência e a concretização de seus objetivos.

As organizações bem-sucedidas estão percebendo que apenas podem crescer, prosperar e manter sua continuidade se forem capazes de otimizar o retorno sobre os investimentos de todos os parceiros. Principalmente, o dos empregados. E quando uma organização está voltada para as pessoas, a sua filosofia global e sua cultura organizacional passam a refletir essa crença. A GP é a função que permite a colaboração eficaz das pessoas – empregados, funcionários, recursos humanos, talentos, ou qualquer denominação que seja utilizada – para alcançar os objetivos organizacionais e individuais. (Chiavenato, 2010, p. 11).

A própria mudança do termo “Administração de Recursos Humanos” para “Gestão de Pessoas” que está em processo atualmente, traz em seu significado a noção de que os trabalhadores são pessoas que possuem suas demandas, desejos, potencialidades e limitações, sendo mais do que um recurso disponível a organização.

De acordo com Chiavenato (2010), o que se constata é que entre trabalhador e organização de trabalho há uma relação de dependência: por um lado, o primeiro passa considerável tempo de sua vida dedicando-se às atividades laborais e delas tira seu sustento, assim como constrói sua identidade e dá sentido à sua existência. Por outro lado, para alcançar suas metas, as empresas também dependem da operação e produção das pessoas.

Nesse contexto, a Gestão de Pessoas surgiu como um caminho para as demandas de excelência organizacional, diante de mudanças tão importantes como o avanço tecnológico e a explosão da informação (Araújo & Garcia, 2010). Uma alternativa que vem sendo cada vez mais utilizada em Gestão de Pessoas baseia-se no conceito de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), que possibilita mensurar o grau de satisfação do trabalhador em seu ambiente laborativo.

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De acordo com Burigo (1997, p.30):

A Qualidade de Vida no Trabalho busca humanizar as relações de trabalho na organização, mantendo uma relação estreita com a produtividade e, principalmente, com a satisfação do trabalhador no seu ambiente laboral. Constitui-se, ainda, em condição de vida no trabalho, associado ao bem-estar, à saúde, e à segurança do trabalhador.

Quando o grau de satisfação do trabalhador é baixo, haverá alienação do empregado, declínio na produtividade, absenteísmo, rotatividade, sabotagem, militância sindical, e outros. (Chiavenato, 2010). Tais comportamentos se apresentam nas organizações de trabalho como um desafio a ser olhado, discutido e solucionado, já que afetam ambas as partes da relação organização – trabalhador. No caso do funcionalismo público, o trabalho possui especificidades próprias e bem provavelmente apresente maiores problemas quando o assunto é alienação do trabalho.

A própria palavra “alienação” (origem do latim alienari) tem como significado “pertencer a outro”. Assim, o trabalho alienado nada mais é que o seu estranhamento, quando este não é percebido como seu, mas controlado por outro. Conforme explica Souza (2007, p.16):

O alienado deixa de se pertencer tornando-se um objeto, escravo das coisas e dos progressos da humanidade que se volta contra ele, é vítima das condições externas (econômicas políticas e sociais). Ao refletir sobre a história do mundo do trabalho, analisa-se o trabalho do artesão que tinha um constructo de criação e identificação para o homem... Pouco a pouco o processo foi se modificando e o trabalho se tornou algo externo ao trabalhador, onde ocorreu sua “alienação”.

Considerando o que já foi anteriormente dito no que se refere ao lugar do trabalho na vida

humana, quando ocorre a alienação da atividade laboral, surge um sentimento de desprazer e

frustração, pois a atividade laboral apenas é vista como ação obrigatória e dirigida contra o

próprio trabalhador. Sua satisfação é meramente externa, voltada para sobrevivência, mas não

havendo sentido para além disso.

Na história do serviço público no Brasil, características como o patrimonialismo e clientelismo sempre permearam a elite dirigente do Estado. (Morais, 2012). Até a Constituição Federal em 1988, a violência vivenciada pelos brasileiros, inclusive pelos trabalhadores, era de natureza explícita e concreta, tornando-se mais sutil e velada a partir da redemocratização dos serviços.

Dessa forma, o trabalho no serviço público saiu do autoritarismo e violência explícita e passou para uma nova forma de alienação: violência simbólica e exclusão. Essa violência se

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define como “o poder que chega a impor significações, e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força.” (Bourdieu & Passeron, 1995 como citado em Lemos, 2006, p.06).

A alienação do trabalho no serviço público aparece na cisão entre o fazer individual e a produção coletiva, o significado social. Muitos funcionários, por exemplo, centram suas atividades em despacho de documentos, parte pequena na tramitação de um processo complexo. Essa fragmentação do trabalho tira o sentido pelo trabalhador, que não assimila o objetivo da sua tarefa diante dos objetivos da organização como um todo (Matos, 1994).

Segundo Matos (1994), a autonomia do servidor é afetada, pois são pouco ou nada consideradas suas contribuições, opiniões, história de vida e experiências. Apesar de a burocracia e a formalidade marcarem a realidade do funcionalismo público, sabe-se que muito pouco se define ou se resolve formalmente. As decisões importantes são tomadas informalmente, muitas vezes através de relações pessoais, algo que ultrapassa a dimensão técnica do trabalho.

Outra forma de esvaziamento do significado do trabalho encontra-se no fortalecimento da hierarquização e na centralização das decisões. As relações de trabalho tornam-se fortemente políticas, resultando num perverso processo de alienação do trabalhador (Matos, 1994).

Além disso, é comum a constatação de diversos casos em que o servidor apresenta produtividade, crescimento e resultados, trazendo benefícios à instituição como um todo sendo que ao final os líderes levam os louros.

Quanto mais se sobe na hierarquia das empresas, mais há lugar para o Desejo e para o Sujeito. Quanto aos demais, é preciso reprimir seu Desejo, por medo que ele venha incomodar esse comportamento que constitui o modo cotidiano de operação (DEJOURS, 1993, p. 40).

Diante de tais formas de alienação no serviço público, o trabalhador busca estratégias defensivas para que as condições de trabalho não se tornem fonte de sofrimento insuportável. Como aponta Dejours (1993), tais defesas acabam por transformar a percepção dos trabalhadores diante da realidade que os faz sofrer. Dessa forma, a pressão e desvalorização sofridas são minimizadas e justificadas, quando não direcionadas à psique e ao corpo, levando ao adoecimento do trabalhador.

Nesse contexto, se as condições de trabalho afetam o corpo do trabalhador, sua organização (sistema hierárquico, modalidades de comando, relações de poder) atinge sua saúde

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mental (Dejours, 1993). De acordo com Codo (1997), tendo como premissa que a relação sujeito-objeto é mediada pelo significado, quando o circuito de significados é diminuído ou rompido, há prejuízos na saúde mental do trabalhador.

Se por um lado, o aspecto físico (corpo) tende a ser melhor “aproveitado” pelas organizações, por outro, no que se refere às suas aptidões mentais, não há investimento adequado, o que resulta em retenção de energia pulsional. Quando há um bloqueio na relação entre o trabalhador e a organização onde atua, inicia-se um processo de sofrimento, em que a energia psíquica não descarregada no exercício do trabalho acumula-se no aparelho psíquico, acarretando sentimentos de tensão e desprazer. No entanto, a energia não pode ali permanecer por muito tempo, e quando não há mais recursos para contê-la, a mesma recua para o corpo (Dejours, 1993).

Bazzo (1997, p.42) afirma que a organização do trabalho existente no serviço público é “literalmente, uma máquina a serviço do desprazer, da depressão e da insanidade”.

O serviço público brasileiro, principalmente o que está relacionado aos serviços de saúde, assistência social e educação, pode ser classificado como tecnoburocrático, possuindo como características: forte hierarquia, divisão do trabalho de forma parcelada, presença de normas e padrões formais, considerável importância dada aos especialistas, forte e sofisticado controle, comunicação inexistente ou precária, centralização do poder, pouca autonomia para cargos hierarquicamente menores e limitação para se expressar (Tavares, 1996). Essa série de fatores, junto à crescente desvalorização do funcionário público, pode formar um importante conjunto de fatores detonadores de problemas de saúde.

A falta geral de planejamento no interior das instituições públicas, por exemplo, a alta rotatividade dos chefes (sempre nomeados de maneira política e nepotista); a falta de nexo entre a capacitação dos funcionários e o trabalho que realmente desenvolvem; a falta de critérios para nomear ou exonerar pessoas; a assimetria brutal entre uns funcionários e outros; a falta de um plano de cargos e salários que equalize os rendimentos; a luta por um poder imaginário que é inconscientemente fomentada entre os funcionários... funciona como um veneno fulminante que age diretamente sobre sua saúde mental (Bazzo, 1997, p.42).

Quando os objetivos do trabalhador conciliam com a missão da organização da qual faz parte é mais provável que viva melhor neste ambiente de trabalho. Nessa direção, Costa (2013), aponta que existem três pilares para um trabalho saudável: justiça, confiança e propósito. Este

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último consiste em encontrar respostas para as perguntas: o que estou fazendo aqui? Para quê eu sirvo? Esse meu trabalho vai resultar em quê? Qual é o meu papel nessa história toda?

Muitas vezes, o trabalho acaba exercendo o papel de detonador e/ou agravam transtornos já latentes (Bazzo, 1997).

As condições aviltantes a que o trabalhador está exposto, hoje, independentemente se formalizado ou não, e cujos reflexos são sentidos em sua saúde física e mental, possuem estreita relação, no nosso entendimento, com as novas formas de estranhamento e com o trabalho estranhado no capitalismo contemporâneo (Vizzaccaro-Amaral, 2013, p. 68).

Assim como aponta Dejours (2010), o sofrimento é fator inevitável. Não se deve buscar sua eliminação. No entanto, o que se busca evitar é o sofrimento patogênico, aquele que aparece quando todas as tentativas de transformação no trabalho foram feitas, quando não há mais recursos de enfrentamento e o sofrimento acumulado atinge o aparelho psíquico, levando o sujeito ao desequilíbrio e à doença. É possível, porém, transformar sofrimento em criatividade, contribuindo na construção da identidade do trabalhador e fazendo com que o trabalho atue como mediador para a saúde (Dejours, 1997).

A partir desses elementos discutidos na seção, passamos a descrever os dados obtidos através da investigação junto ao servidor público, buscando observar não apenas a construção da condição de adoecimento, como também, as estratégias utilizadas por ele para sobreviver às condições de organização do trabalho ao qual encontra-se submetido.

3 METODOLOGIA

Essa pesquisa se classifica como descritiva, qualitativa, e a coleta de dados ocorreu por meio de entrevista. Segundo o autor Gil (2008), esse tipo de pesquisa objetiva a descrição das características de uma população, experiência ou fenômeno, a partir da compreensão da relação entre diversas variáveis. Ao se concluir a pesquisa descritiva, haverá muitas informações a respeito do assunto pesquisado e isso contribui no sentido de proporcionar novas visões a respeito de um assunto já conhecido.

Ao contrário do método de pesquisa quantitativo, o método qualitativo não está focado em dados mensuráveis e não é previamente estabelecido com tanto rigor, podendo ser definido

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ao longo do processo de pesquisa. É comumente aplicado “ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem [...]” (Minayo, 2010, p.57).

Por fim, no que diz respeito à entrevista, trata-se de uma técnica na qual duas pessoas conversam de maneira metódica e profissional, afim de que uma delas obtenha informações sobre um determinado assunto (Marconi & Lakatos, 2010). A entrevista, composta por 10 questões, foi realizada com servidores públicos de uma Instituição Pública Federal de Ensino Superior na cidade de Apucarana, no Paraná. Os entrevistados – em um total de 04 servidores - foram escolhidos de acordo com os atendimentos psicológicos realizados na instituição pelo serviço de Psicologia Organizacional, a partir da constatação de acometimentos na saúde mental que tinham possível relação com o trabalho. Foram anotados os dados ao longo da própria entrevista e construídas categorias para análise.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

No que diz respeito aos entrevistados, a servidora B.S é técnica de laboratório, tem 30 anos de idade, e trabalha na universidade há 07 anos; R.E tem 30 anos, é assistente em administração na mesma instituição, e está em exercício há 01 ano; o servidor H.L tem 29 anos, e também ocupa o cargo de assistente em administração. Ele está na instituição há 02 anos. Por fim, M.D é contador e tem 33 anos de idade. M.D está na universidade há 07 anos.

Quando perguntados sobre o motivo de optarem por este trabalho e o que os faz

permanecer nele, os servidores B.S, M.D e H.L falaram sobre a perspectiva da estabilidade no

emprego.

“Quando investi neste concurso, e em outros concursos que prestei, foi realmente por conta da estabilidade.” (M.D. SIC.)

Já o servidor R.E destacou:

“Não tinha o desejo de entrar na instituição, mas de sair do antigo trabalho. Ao analisar, gostei também do plano de cargos, o salário é melhor. Faz pouco tempo que estou aqui, mas gosto do que faço”. (SIC)

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Nas respostas, verifica-se a presença de aspectos relativos ao regime de trabalho no serviço público, em especial a estabilidade e a carreira.

Sobre o nível de identificação com o trabalho que realizam, os entrevistados afirmaram que nada ou pouco se identificam com o trabalho que executam. Os servidores B.S e H.L ressaltaram que se identificam pouco com o trabalho que desenvolvem. O entrevistado M.D ressaltou que:

“Olha, quando entrei, me identifiquei um pouco com o que eu fazia. Hoje não. Agora faço atividades rotineiras, padronizadas. Acho que eu poderia contribuir muito mais, pelo conhecimento e experiência que adquiri. Acho que a instituição poderia aproveitar melhor. Eu poderia auxiliar em decisões importantes relacionadas ao orçamento da universidade” (SIC).

Em relação ao conhecimento e percepção na prática sobre a missão, visão e valores institucionais, todos os entrevistados afirmaram conhecê-las, e que não as relacionam com a realidade. A servidora B.S respondeu:

“Eu até conheço sim, mas, na verdade, não tem nada a ver com o que vemos por aqui. Eles deixam isso em quadrinhos nas mesas e nas paredes, mas não é nada disso...” (SIC)

Quando perguntados se conseguem enxergar de que forma suas atribuições estão relacionadas às metas institucionais, 03 servidores entrevistados responderam que não identificam relação entre suas funções e as metas da universidade.

“Olha, eu não vejo muita relação, não só do meu trabalho, mas de quase todos os técnicos, com as metas institucionais. Às vezes eu tenho a impressão que alguns serviços são totalmente dispensáveis. Parece que se não existirem, não fará diferença, mesmo sendo de extrema importância. É porque a universidade não vê como importante, né?” (H.L SIC.)

Sobre as relações de trabalho, 03 entrevistados disseram que possuem boas relações com boa parte dos servidores. Por outro lado, M.D respondeu que há um esforço de sua parte para um convívio suportável, mas não acha o clima do setor agradável.

No que se refere à autonomia para planejamento e execução do trabalho, verifica-se, nas respostas, não haver. Isso pode ser observado na fala do respondente H.L:

“Olha, é muito difícil trabalhar aqui, nesse sentido. Não temos apoio, liberdade, autonomia para fazer o que estudamos ser o melhor. Vejo que tenho colegas que buscam melhorar o trabalho, contribuir, mas nunca há permissão, liberdade, apoio” (SIC).

A servidora R.E respondeu:

“Aqui tem muitas coisas pré-estabelecidas. Já existem várias orientações da Reitoria e da própria legislação que não dão muito espaço para sugestões de mudança. Às vezes, a gente até pensa que

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alguns processos funcionariam melhor se fossem realizados de outra forma, mas é muito difícil que isso seja levado em consideração.”

Pode-se identificar pela fala dos entrevistados o “engessamento” dos processos de trabalho no serviço público. O excesso de burocracia tende a anular qualquer participação do sujeito, que não consegue enxergar o motivo do seu trabalho.

À questão sobre o recebimento de feedback sobre o trabalho que desenvolve, os entrevistados responderam:

“Não recebo feedback. O que acontece é que às vezes algum professor deixa um bilhete na minha mesa ou me manda algum e-mail queixando-se de algo” (B.S. SIC).

“Não recebo feedback, mas também isso não tem me incomodado muito” (M.D. SIC).

“Alguns colegas de trabalho às vezes me dizem algo sobre o meu trabalho, ou os alunos” (H.L. SIC).

No que é relativo à percepção da própria saúde desde a entrada no atual trabalho, verificou-se que os entrevistados destacaram terem sentido alterações em sua saúde após o inicio das atividades na função que exercem.

“Desde que entrei percebi muitas alterações emocionais e físicas, tinha uma indisposição constante, e não dava vontade de fazer mais nada” (B.S. SIC).

“Depois de alguns meses, comecei a ter problemas estomacais. Fiz vários exames e o médico me disse que tinha origem emocional. E acho que faz sentido mesmo, porque eu tenho estado bem desgostoso com meu trabalho.” (H.L SIC).

“Minha saúde oscilou bastante desde que entrei aqui. Após alguns anos de quando entrei, minha saúde ficou bastante comprometida. Foi na época em que ocupava um cargo de diretor de área”. (M.D. SIC).

A última questão abordava a intenção de permanecer ou não no trabalho onde se encontra. Os respondentes foram recorrentes em afirmar que pensam em sair da atual atividade, como pode ser observada nas falas que seguem:

“Já pensei em sair e continuo pensando. É algo que está mesmo planejado. Já estudo há um tempo para outros concursos” (B.S. SIC).

“Tenho estudado muito para outros concursos na minha área” (H.L. SIC). “Estou aguardando ser chamado num concurso que passei” (M.D. SIC).

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A partir do referencial teórico e da pesquisa realizada para o presente artigo, verificou-se haver diversas variáveis na relação trabalhador-organização que influenciam na saúde mental dos trabalhadores. A própria forma de seleção de pessoal contribui para a falta de nexo entre o perfil pessoal/profissional e o cargo a ser ocupado. Os servidores, ao assumirem um cargo público, nada ou pouco sabem sobre a função que irão exercer. Percebe-se, além disso, que a própria instituição desconhece sobre a real necessidade de determinados cargos e qual será o papel dos profissionais dentro da realidade do trabalho.

Essa distância entre o perfil profissional e a função a ser exercida, somada a falta de autonomia para planejar e executar o próprio serviço resulta em baixa identificação com o trabalho. Nota-se também que os servidores públicos entrevistados sabem muito pouco sobre o objetivo do seu trabalho dentro da instituição como um todo, sobre a forma como o próprio exercício contribui para as metas institucionais. Essa falta de sentido por parte do funcionário define bem a alienação do trabalho. A missão, visão e valores da instituição estão acessíveis externamente, via quadros, murais e sites, mas não foram internalizadas. Não se concretizaram na realidade diária das atividades laborais.

A dificuldade da instituição em compreender o que determinado profissional pode realizar em seu espaço de trabalho pode prejudicar o andamento das funções e consequentemente a realização de feedback aos trabalhadores, que realizam suas atividades, muitas vezes, sem saber se estão de acordo com que os demais esperam dele. A partir dos relatos, também foi possível verificar que alguns servidores buscam alternativas de atuação que visam melhorar os processos de trabalho e atingir as metas institucionais, mas não têm autonomia para fazê-los. A constante derrota diante das diversas tentativas leva à um sentimento de frustração que paralisa o trabalhador naquele espaço onde atua, e muitas vezes o faz buscar outras oportunidades de trabalho.

A respeito da saúde dos servidores, houve depoimentos sobre importantes acometimentos durante o exercício na instituição. A forma de adoecer é muito individualizada, diz respeito à subjetividade de cada individuo. No entanto, o desencadeador é externo. Está relacionado ao contexto em que o trabalhador está inserido. Os entrevistados não estão expostos a riscos físicos em seus ambientes. O risco encontra-se na própria organização do trabalho. Todos os que relataram comprometimento de sua saúde, fez algum tipo de relação com o atual trabalho, com

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as relações pessoais existentes nele, com a falta de autonomia, de identificação com o trabalho, de isonomia no tratamento das pessoas, com os privilégios, enfim, com fatores que os afastam do objetivo de seu atuar.

Vale ressaltar que a estabilidade do serviço público e a qualidade do plano de cargos e salários não têm sido variáveis suficientemente capazes de reter os trabalhadores na instituição. Assim, sugere-se um estudo mais detalhado, que inclua outras categorias de servidor público para investigar e propor ações que possam prevenir o adoecimento decorrente do sofrimento no trabalho nesta realidade.

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Referências

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