Carta da Pós do IPUSP sobre o impacto da pandemia da Covid-19 nas atividades acadêmicas
São Paulo, 29 de abril de 2020.
À comunidade acadêmica do IPUSP,
À Comissão de Pós-Graduação,
Em meio ao isolamento ao qual estamos impelidos, há apreensão sobre a comunicação entre estudantes da pós-graduação e a Universidade: algumas informações têm chegado a nós de maneira confusa e por canais diferentes, principalmente no que diz respeito aos prazos para entrega de teses, dissertações e relatórios de qualificação para mestrado e/ou doutorado.
Por isso, vimos por meio desta carta compartilhar reflexões relacionando o que temos vivido coletivamente com a atividade de pesquisa na pós-graduação e questionando a cobrança de normalidade no andamento das pesquisas que nos é imposto neste momento. O objetivo é encontrarmos o melhor endereçamento para as questões trazidas junto às comissões, serviços e representações da Universidade. O diálogo com os representantes discentes de outros programas do Instituto de Psicologia, e da Universidade como um todo, alargará as problemáticas pensadas. Por ora, elencamos alguns elementos a serem cuidados:
1. Campos de pesquisa fechados e voltados para outras atividades nesse momento. Instituições com as quais fazemos pesquisa vêm sendo afetadas diretamente pela pandemia, alterando as formas e fluxos de trabalho com o seu público, fazendo campanhas para arrecadação de alimentos e produtos de higiene para famílias que estão em situação de vulnerabilidade social neste momento e até mesmo mantendo suas portas fechadas. Há ainda pesquisas que tomam as próprias instituições de saúde como campo de investigação, como exemplo, hospitais públicos que foram referenciados como porta de entrada para o tratamento da Covid-19. Essas especificidades geram desafios ao processo de aprovação/autorização, pelas respectivas instituições, no que concerne à entrada das pesquisadoras e pesquisadores em campo, tendo implicações à aprovação dos projetos nos Comitês de Ética em Pesquisa das secretarias de saúde nas quais tais instituições são vinculadas. Situações como essas engendram imprevisibilidades aos períodos de entrada e permanência em campo, bem como dos cuidados de biossegurança que devem ser tomados pelas pós-graduandas e pós-graduandos, ainda que se considere uma realidade em que o impacto da
pandemia tenha sido mitigado. Considerando que uma relação de qualidade com o campo importa para a produção de nossas pesquisas e para as pessoas com as quais nos comprometemos nesse percurso, o momento vem requerendo cuidados outros que afetam nossos procedimentos e processos de pesquisa.
2. Mudanças na rotina diante do cenário global que estamos vivendo: temos sido demandados a pensar e nos informar constantemente sobre a pandemia e adaptar hábitos e tarefas de acordo com as exigências da situação. Isso traz agravamento aos quadros de ansiedade afetando a produção escrita.
3. Bibliotecas fechadas: estamos distanciados das bibliotecas que costumávamos usar para consulta bibliográfica, como lugar de estudo e escrita, e como ponto de acesso ao computador/internet. Não podemos contar que teremos renda para adquirir os livros necessários para nossas pesquisas (especialmente os pós-graduandos que vivem com bolsa). A biblioteca é também usada como local de escrita e nem todos dispõem de ambiente silencioso para trabalhar em suas residências. Essas são implicações diretas do fechamento das bibliotecas que afetam os prazos a serem cumpridos em meio a pandemia.
4. Situações de risco e adoecimento físico pela Covid-19: a produção acadêmica pode não alcançar os níveis esperados com adoecimentos de pessoas próximas por Covid-19, reorganizações do cotidiano pelo compartilhamento da residência com pessoas no grupo de risco, necessidade de isolamento completo como prevenção da transmissão para outras pessoas.
5. Cancelamento e adiamento de eventos científicos/grupos de estudo/cursos: uma pesquisa, embora tenha seus muitos momentos de fazer solitário (especialmente nas escritas e estudos), não se faz isolada e sim em interlocução. Essa interlocução foi afetada com os cancelamentos dos eventos nos quais trocamos experiências e saberes com nossos pares.
6. Estágios PAE: Há disciplinas da graduação com estagiários/as PAE interrompidas e que devem continuar presencialmente no retorno das aulas, ultrapassando o calendário previsto inicialmente. Sabemos que o edital para o próximo semestre já foi lançado. Mas ainda temos dúvidas sobre como ficarão as situações em que monitores estão sem atividades com os estudantes neste semestre. Como será encaminhado o cumprimento desses estágios?
7. Chamamento do Ministério da Saúde dos profissionais de saúde para trabalhar no enfrentamento à Covid-19: Como é sabido, todos os profissionais da saúde, o que inclui os psicólogos, foram convocados, pela Portaria nº 639/2020, a se apresentarem para trabalhar no enfrentamento do Covid-19, se assim desejarem. Salientamos que mesmo sendo uma apresentação opcional, diante da gravidade do que estamos vivendo precisamos considerar a possibilidade de interesse de pós-graduandos, com e sem bolsa, de trabalharem no enfrentamento à Covid-19. Quais serão as implicações de nos pormos à disposição (considerando os prazos e o recebimento de bolsa)?
8. Realização de bancas: Se tornou uma situação que exige outros cuidados. Nesse cenário, um convite para a participação em uma banca de qualificação ou defesa deve incluir a verificação da saúde dos convidados, sua disponibilidade para o evento considerando a estrutura do seu local de isolamento e, finalmente, suas formas de adaptação ao trabalho. Docentes também têm relatado dificuldades de trabalho nesse momento - especialmente, os mais velhos que se enquadram no grupo de risco ou que dispõem de menos afinidade com os aparatos tecnológicos.
9. Bolsas: Com o novo corte imposto aos nossos programas pela Portaria 34 da Capes, um novo cenário, ainda mais crítico, de oferta de bolsas se impôs. Isso tem gerado preocupações aos ingressantes deste ano que concorrerão às bolsas. O cenário econômico é preocupante para todos e os pós-graduandos precisam agora, mais do que nunca, contar com informações sobre a oferta de bolsas para este ano, a fim de que possam se planejar nesse cenário difícil que se instaura.
Falamos muito sobre saúde mental na pós-graduação nos últimos anos, reconhecendo que estatisticamente seus estudantes vivem mais quadros de adoecimento do que a população em geral. Esse aspecto tem de ser considerado de forma categórica nesse momento: Há pós-graduandos que não conseguiram retornar para suas cidades de origem e estão sozinhos nesse período? Há pós-graduandos que têm enfrentado adoecimentos mentais nesse período e não têm conseguido manter a produtividade de antes da quarentena? Todos possuem ambiente adequado para trabalho em uma pesquisa em casa (silêncio, ambiente reservado, computador, acesso à internet etc.)? (Vimos a circular enviada pela Pró-reitoria de Pós-Graduação acerca da distribuição de chips e modem para pós-graduandos em maior vulnerabilidade que cuidará da questão do acesso à internet). Quais situações ainda não receberam nossa atenção?
Considerando os elementos trazidos na carta, que afetam nossos trabalhos de pesquisa, como ficam os prazos de teses, dissertações, relatórios de qualificação daqueles que têm suas entregas após a data estipulada pela pró-reitoria para adiamento (31 de julho)?
Os pós-graduandos estão adaptando as maneiras de trabalhar em suas pesquisas com as exigências atuais e estão dependentes de comunicados e decisões da Universidade que interferem em suas vidas. Por isso, há necessidade de fortalecermos e criarmos outros canais de comunicação já conhecidos por estudantes, professores e funcionários da Universidade a fim de dirimir os efeitos negativos em nossas pesquisas. Nesse sentido, foi aberto algum canal de comunicação com os representantes discentes da pós-graduação para as tomadas de decisão sobre esse momento? Eles têm conseguido participar das reuniões das comissões/conselhos que são representantes via internet?
Esperamos que as questões trazidas aproximem as decisões da realidade que nós, pós-graduandos, temos vivido nesse momento. Estamos disponíveis para conversar e auxiliar como for possível com as medidas a serem tomadas, entendendo que o quadro de incertezas afeta todos aqueles que compõem a Universidade.
Reiteramos que enquanto pesquisadoras/es seguiremos fazendo nossas pesquisas dentro das possibilidades impostas a cada um(a) de nós nesse contexto de isolamento necessário para a contenção da pandemia. E para que as pesquisas não sejam prejudicadas é necessário que estejamos em comunicação constante e que os prazos sejam revistos, respeitando a peculiaridade da situação e a singularidade de cada pesquisador(a).
Assinam esta carta, junto ao Coletivo da Pós, os/as seguintes discentes de mestrado e doutorado da pós-graduação do IPUSP:
1 Coletivo da Pós do IPUSP - 2 Alba Regina Ferreira de Camargo PSA 3 Alberto Borges Valente Neto PSA
4 Alceu Martins Filho PSE
5 Amanda Ribeiro PST
6 Ana Clara Fusaro Silva Rodrigues PSC 7 Ana Helena Rizzi Cintra PSA
8 Anátale Viana Garcia PSE 9 Andréia Maria de Lima Assunção PSA
10 Beatriz Saks Hahne PSA
11 Carolina Terruggi Martinez PSA 12 Cintia Paloma Lopes Lima PSA 13 Dâmaris Campos Teixeira NEC 14 Daniel Nascimento Teixeira Oliveira PSA 15 Danilo Salles Faizibaioff PSC
16 Diana Villac Oliva PSA
17 Elaine C. G. Santos NEC
18 Eliane de Negreiros Figueiredo Fernandes PSA
19 Elisa Penna Bernal PSA
20 Fabiana Haddad Kurbhi PSA
21 Fernanda de Almeida Eira NEC
22 Gabriel Katsumi Saito PSA
23 Giscarla Dantas PSA
24 Henrique Araujo Aragusuku PST 25 Herik Rafael de Oliveira PSA 26 Iatan Rodrigues Boutros Ladeia PSE
27 Iván Godoy PST
28 Joana Sampaio Primo PSC
29 José Fernando Andrade Costa PST 30 Juliana Beatriz Ferreira de Souza PSC
31 Karla Angnes PSA
32 Leonardo Araújo Lima PST
33 Luciana Santos Barbosa NEC 34 Luiza Ribeiro Ferreira PSA 35 Luíza Gonzalez Ferreira PSE 36 Maria Beatriz Bueno Domingues PSA
37 Maria Fernanda Aguilar Lara PST
38 Mariana Desenzi Silva PSC
39 Marina Botteon Bergamaschi PST 40 Pablo Pamplona de Castro PST 41 Pâmela Damilano dos Santos PSE 42 Patricia Ferreira de Andrade PSA 43 Paula Carolina Mariano Furlan PSA 44 Paula Puertas Beltrame PSC
45 Priscila Galhardo PSA
46 Priscila Leite Gonçalves PSA 47 Priscilla Santos de Sousa PSC 48 Raquel Benato Rodrigues da Silva PSA 49 Raquel Irene de Macedo PSA
50 Raul Gomes de Almeida PST
51 Renata Penalva PSA
52 Rocio Bravo Shuna PST
53 Rodney Querino Ferreira da Costa PSA 54 Rodolfo Luis Almeida Maia PST 55 Rodrigo de Oliveira Feitosa Vaz PSA
56 Rodrigo Silva Santos PST
57 Rosângela Neves Santana PSA 58 Sandra Regina Ramos Braz PST 59 Santina Rodrigues de Oliveira PSA 60 Sheila de Cássia Ferreira Torres PSA
61 Tamires Viana PST
62 Thais Sindice Fazenda Coelho PSA