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O trabalho docente no contexto das relações capitalistas de produção.

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

ADRIANA E SILVA SOUSA

O TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DAS REAÇÕES CAPITALISTAS DE PRODUÇÃO

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ADRIANA E SILVA SOUSA

O TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES CAPITALISTAS DE PRODUÇÃO

Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação Brasileira.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas

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“Lecturis salutem”

Ficha Catalográfica elaborada por

Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593 tregina@ufc.br

Biblioteca de Ciências Humanas – UFC

S696t Sousa, Adriana e Silva.

O trabalho docente no contexto das relações capitalistas de produção / por Adriana e Silva Sousa. – 2008. 111f. ; 31 cm.

Cópia de computador (printout(s)).

Dissertação(Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,Faculdade de Educação,Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza(CE),28/08/2008.

Orientação: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas. Inclui bibliografia.

1-PROFESSORES – CONDIÇÕES SOCIAIS – BRASIL.2- PROFESSORES – CONDIÇÕES ECONÔMICAS – BRASIL.3-RELAÇÕES TRABALHISTAS – BRASIL .4-TRABALHO.5-CAPITAL(ECONOMIA).I- Chagas. Eduardo Ferreira,orientador. II.Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. III-Título.

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ADRIANA E SILVA SOUSA

O TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES CAPITALISTAS DE PRODUÇÃO

Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de Pós-graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação Brasileira.

Dissertação aprovada em 28 de Agosto de 2008.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

__________________________________________

Profa. Dra. Francisca Clara de Paula Oliveira Universidade Regional do Cariri – URCA

_________________________________________ Profa. Dra. Sandra Cordeiro Felismino Universidade Federal do Ceará – UFC

_________________________________________ Prof. Dr. Éneas Arrais Neto

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me dado força para trilhar essa caminhada.

Aos meus pais pelo incentivo tantas vezes dado e pelas alegrias que sempre compartilharam a cada vitória.

Aos meus irmãos (Adelaide, Anderson e Adrilene) que de diferentes formas fizeram parte de toda a minha vida acadêmica, estando presente em todos os momentos e fazendo de cada vitória minha suas vitórias também.

Aos meus cunhados Roberto e Marcelo e a minha cunhada Ana Paula que ao entrarem em nossa família passaram a sonhar também nossos sonhos, dando força em todos os momentos que em precisamos deles.

Ao meu marido Franzé não só pelo companheirismo e carinho a mim dedicados, mas igualmente pela força que me deu em cada momento dessa caminhada, desde a decisão em participar do processo de seleção do mestrado até essa etapa final da defesa, acreditando sempre em minha capacidade de superar as dificuldades, sendo um porto seguro em minha vida.

Ao grupo de Estudos Saber e Formação Humana que apesar do seu modesto tamanho, nunca deixou de ser grande em pretensões, proporcionando leituras de clássicos imprescindíveis à construção sólida de conhecimentos. Aqueles que dele fizeram parte contribuindo com as discussões propostas em todos os estudos, o meu muito obrigado. Aqui destaco a professora Maria Luisa Amorim e as alunas Aline Brasil, Natália Naly e Jodele Damasceno.

Aos meus amigos de curso, Fabiano e Tiago, que, além das discussões de cunho teórico, tantas vezes foram companheiros nos momentos de desânimo e tudo isso sem deixar de perder o humor.

Ao professor Eduardo Chagas pela orientação rigorosa, além da atenção minuciosa na leitura dos textos produzidos para essa dissertação.

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Aos que fazem parte do Labor (Laboratório de Estudos sobre o Trabalho e Qualificação Profissional) que tão bem me acolheram e confiaram em mim em diversos momentos, além da oportunidade de participar de decisões importantes na caminhada acadêmica desse grupo. Destaco em especial aqueles que mais de perto estiveram comigo: Elenilce, Antônia, Gardênia, Tatiane, Prof. Enéas Arrais e Prof. Hildemar Rech.

A Faculdade de Educação e a Universidade Federal do Ceará pela oportunidade de realizar o curso.

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RESUMO

Nossa investigação tem seu principal objetivo centrado na forma como as relações capitalistas de produção perpassam o trabalho docente e a partir dele delineiam-se dois outros objetivos configurados na compreensão do caráter dialético do trabalho. Para alcançar tais objetivos, realizamos em um primeiro momento, reflexões em torno do trabalho como condição natural e eterna da vida humana, no sentido de resgatar idéias que possibilitem a superação do entendimento de que o capital é elemento imprescindível do processo de trabalho em geral, desvendando a compreensão de que todo processo de trabalho é processo de trabalho do capital. Tentou-se, ainda, mostrar que o trabalho é um ato fundante do ser social, um ponto de partida do processo de humanização sem o qual a vida não existiria. Em um segundo momento dessa dissertação objetivou-se contribuir com a discussão em torno da categoria trabalho na sua forma de ser na sociedade capitalista. Constatou-se que numa sociedade baseada na propriedade privada, a produção não tem como primeiro objetivo as coisas capazes de satisfazer as necessidades humanas, mas sim aquelas resultantes de um trabalho gerador de mais-valia, ou seja, uma produção de um objeto que tenha um valor a mais do que o inicialmente foi empregado. No sentido de nos aproximarmos de uma observação mais significativa de como as relações capitalistas de produção perpassam a educação e o trabalho docente nos fundamentamos em dois principais autores para compor o terceiro momento dessa dissertação: István Mészáros e Dermeval Saviani. Buscou-se, também, dados estatísticos baseados na Sinopse do Censo dos Profissionais do Magistério da Educação Básica: 2003 e nas pesquisas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) com a finalidade de evidenciar a realidade denunciada ao longo do texto. Nesse momento, tentamos aproximarmos da realidade de trabalho do professor, das suas condições de vida e de como as relações capitalistas se inserem no exercício diário de sua atividade. Foi traçado, assim, um quadro da atual situação dos professores da educação básica no Brasil, indicando não só suas relações de trabalho, mas igualmente suas condições socioeconômicas. Ao percorrermos esse caminho de investigação constituímos as considerações finais que apontam para a idéia de que os limites impostos pela lógica capitalista deixam o professor encurralado, podendo ele, pouco fazer diante dos ditames de uma lógica que nega até mesmo sua função principal, transmissão do saber sistematizado. Disto resulta um cotidiano permeado de tensões e frustrações, das quais muitas vezes, não consegue superar. Vê-se, portanto, que a quebra das amarras impostas pelo capital ao trabalho docente, passa por uma revolução dos meios de produção e tem uma amplitude maior no processo de apropriação dos meios de produção por todos.

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RESUMÉ

Notre enquête a son principal objectif centré sur la forme telles que les relations capitalistes de production au travers du travail de professeur et à partir de celui-ci se dèfinissent deux autres objectifs configurés par la compréhension du caractère dialectique du travail. Pour atteindre de tels objectifs, nous devons avoir, dans un premier temps, des réflexions autour du travail comme condition naturelle et éternelle de la vie humaine, dans le sens d'approuver les idées qui puissent dominer la compréhension que le capital est un élement indispensable du processus du travail en géneral, révelant, ainsi, que tout le processus du travail est en fait le processus de faire travailler le capital. Essayons, encore, de démontrer que le travail est un acte fondateur de l'être social, un point de départ du processus d'humanisation sans lequel la vie n'existerait pas. Dans un deuxième temps de cette dissertation, l'objectif sera de participer en discutant autour de la categorie de travail selon sa forme d'être dans une société capitaliste. Nous constatons que dans une société basée sur la société privée, la production n'a pas comme objectif premier les choses capable de satisfaire aux necessités humaines, mais, surtout, celles résultant d'un travail générateur de plus-value, c'est-à-dire, une production d'un objet qui ait une valeur supérieure à celui qui était initialement appliqué. Dans le sens où nous nous approcherions d'une observation plus significative du comment les relations capitalistes de production traversent l'éducation et le travail du professeur, nous nous basons sur deux principaux auteurs pour composer le troisième temps de cette dissertation: István Mészáros et Dermeval Saviani. Nous avons cherché aussi dans les données statistiques basée sur une étude réalisée au sein du corps des professeurs du ministaire de l'éducation élementaire (2003) et dans les recherches de la Conféderation Nationale des Travailleurs de l'Éducation (CNTE) ayant pour finalité d'esposer la réalité dénoncée tout au long du texte. Maintenant, tentons de nous approcher dela réalité du travail de professeur, de ses condition de vie et de comment les relations capitalistes s'insèrent dans l'exercice des ses activités quotidiennes. Ainsi, a été écrit le cadre de l'actuelle situation des professeurs de l'éducation élémentaire au Brésil, en indiquant non seulement ses relations au travail, mais également ses conditions sociaux-économiques. En parcourant ce chemin d'ivestigation, nous avons établi les considérations finales qui prouvent que les limites imposées par la logique capitaliste laissent le professeur sans libérté, l'empêchant de répondre aux dires d'une logique qui n'admet même pas sa fonction principale, à savoir celle de la transmission du savoir systematisé. De cela résulte un quotidien plein de tensions et de frustrations que parfois la majorité n'arrive pas à supporter. On peut voir que la libération des obligations faites par le capital du professeur passe par une révolution des moyens de production est a une amplitude plus grande dans le processus d'appopriation des moyens de production par tous.

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SUMÁRIO

Página

RESUMO 6

ABSTRACT 7

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 CAPÍTULO 1: O TRABALHO COMO CONDIÇÃO DA VIDA HUMANA ... 20

2.1 O Trabalho como Produtor de Valor de Uso: as contribuições de Marx e Engels... 22

2.2 Categorias e Conexões Categoriais que Operam no Interior do Trabalho: a contribuição de Lukács ... 33

3 CAPÍTULO 2: O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA ... 41

3.1 O Trabalho Estranhado ... 43

3.2 A Relação Salarial ... 48

3.3 As Relações de Trabalho na Sociedade do Capital ... 54

3.4 A Jornada de Trabalho e Suas Condições ... 60

4 CAPÍTULO 3: EDUCAÇÃO, ESCOLA E TRABALHO DOCENTE NA LÓGICA DO CAPITAL ... 74

4.1 A Educação na Sociedade do Capital ou Reflexões acerca de como as Relações Capitalistas Influenciam a Prática Educativa ... 75

4.2 Trabalho, Educação e Escola na Sociedade Brasileira ... 80

4.3 O Trabalho Docente no Contexto das Relações Capitalistas de Produção ... 94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem sua primeira preocupação pautada na forma como as relações capitalistas de produção perpassam o trabalho docente, e quais suas implicações para a realização deste trabalho. As condições de trabalho precárias, os baixos salários, as imposições de políticas públicas de cunho mercantilistas são alguns dos elementos empíricos que trazem uma necessidade veemente de um aprofundamento da questão. Contudo, tivemos o cuidado de não nos limitarmos à análise dos dados empíricos colocados no cotidiano. Buscamos elementos teóricos que nos falassem da realidade dada. Pautados nessa intenção, surgem outros objetivos a essa investigação como: a busca de uma compreensão dialética da categoria trabalho e a investigação do entendimento de como se dá o processo educacional dentro do capitalismo. Esses elementos tornam possível uma análise mais significativa das condições objetivas nas quais se realiza o trabalho docente.

Destacamos que, se não lançamos mão de uma pesquisa empírica em que fossem utilizados questionários, entrevistas ou outros instrumentos metodológicos, é por acreditarmos que a realidade dada, e muitas vezes demonstrada em pesquisas de âmbito regional e nacional, já nos seria de grande valia e se tornaria mais representativa do que buscar em um grupo isolado de entrevistados, a realidade como um todo. Nossa tentativa foi de análise ampla da relação entre a forma de ser do trabalho na sociedade capitalista e como essa forma se reproduz na atividade docente. As estatísticas aqui utilizadas, especialmente no Capítulo 3 desta dissertação, foi uma forma de mostrar que as condições de trabalho forjadas por uma sociedade que tem como fundamento o acúmulo de riquezas, não se restringem a nenhum grupo de trabalhadores.

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trabalho docente parece, na maioria das vezes, ser esquecida em nome da busca de soluções imediatistas. Até mesmo a luta organizada em sindicatos ou outras organizações, freqüentemente, secundarizam a necessidade de compreender para além das necessidades evidenciadas no cotidiano da educação.

Embora saibamos que a luta cotidiana é importante, e que os elementos empíricos fazem parte da totalidade de relações construídas em determinadas condições de um processo de organização social, entendemos que se permanecermos presos aos vestígios deixados por um complexo social e tentarmos extrair somente deles o entendimento da realidade concreta, corremos o risco de cair numa interpretação abstrata. Pensando assim, fincamos nosso estudo na investigação que parte da empiria de como o trabalho docente se apresenta na sociedade capitalista, de forma a constituir uma primeira aproximação da realidade concreta dada. A partir de então, buscamos elementos teóricos que pudessem aprofundar a natureza e a complexidade das relações que o professor estabelece na lógica do capital, não o desvencilhando da totalidade de como se fundam as determinações do trabalho nessa sociedade.

Feitas essas primeiras considerações, tomemos como ponto de partida dessa introdução a nossa premissa fundamental, a qual será a norteadora de toda estrutura teórica dessa dissertação: a atividade docente é trabalho. Embora pareça simples negar ou afirmar tal pressuposto, há uma imensa complexidade que envolve essa afirmativa, pois se trata de um caminho envolto de questões não só no campo teórico, mas prático também. Isso porque notamos certo incômodo por parte de alguns grupos acadêmicos em considerar o trabalho docente como trabalho, e como esse debate recai mais profundamente na área de estudos marxistas – ou seja, são estudiosos que partem de Marx e tomam posicionamentos diferentes, diametralmente opostos –, a questão torna-se ainda mais sutil e, ao mesmo tempo, mais árdua de ser enfrentada.

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de valores de uso, conseqüentemente é produção. Se esses elementos são tomados como fundamento, o trabalho docente não é trabalho, mas sim práxis social.

Se nosso pressuposto tem início nas reflexões feitas por Dermeval Saviani que já no final da década de 1970 afirma que a educação é trabalho, não nos limitamos em seus estudos, embora estes nos tenham sido de grande valia para um primeiro momento de entendimento acerca da problemática. Saviani determina a natureza da educação no âmbito da categoria trabalho não-material que se caracteriza pela não separação entre produto e ato de produção. O autor afirma que:

Com efeito, não estaremos, por certo, forçando a análise se afirmamos que a produção não-material coincide com a produção de saber. De fato, a produção não-material, isto é, a produção espiritual, não é outra coisa senão a forma através da qual o homem apreende o mundo expressando a visão daí decorrente de distintas maneiras.1

É perseguindo um caminho gradativamente mais sólido para constituir essa premissa de que o trabalho docente é trabalho, que encontramos em Marx considerações efetivas que nos pudessem fundamentar nessa discussão. Se muitos partem do Capítulo V do Livro I de O Capital para retirar a definição de trabalho em que Marx faz uma definição geral dessa categoria, ao afirmar que “o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”2, no Capítulo VI Inédito de O Capital3, ele complexifica essa definição ao considerar a existência de uma

produção não-material que analisa a natureza da coisa, podendo esta separar-se ou não do processo de produção. Diante desses dois primeiros elementos que aqui destacamos, já podemos afirmar que a negação ou afirmação da natureza da ação docente exige compreensão da complexidade das relações que são estabelecidas entre os homens e não só entre o homem e a natureza.

As considerações dos estudiosos que analisam a educação, e conseqüentemente o trabalho do professor como práxis social e não como trabalho, afirmando que a educação

1SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas-SP: Autores

Associados, 1997, p. 11.

2MARX, Karl. O Capital: crítica à economia política. Livro I. Tomo I. São Paulo: Civilização Brasileira,

2006, p. 211.

3 MARX, Karl. Capítulo VI Inédito de O Capital: resultados do processo de produção imediata. São Paulo:

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não faz parte da matriz ontológica ser social, parecem ignorar as afirmativas de Marx acerca da análise do trabalho produtivo e improdutivo presentes no Capítulo VI Inédito de O Capital. Nesse texto, Marx afirma que:

as diversas capacidades de trabalho que cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato de formação de mercadorias, ou melhor, neste caso, de produtos – um trabalha mais com as mãos, outro mais com a cabeça, este como diretor (manager. Ing.), engenheiro (engineer. Ing.), técnico etc., aquele como capataz (overlook. Ing.), aquele outro como operário manual ou até como simples servente – temos que são cada vez em maior número as funções da capacidade de trabalho incluídas no conceito imediato de trabalho produtivo, diretamente explorado pelo capital e subordinados em geral ao seu processo de valorização e de produção.4

Vejamos que Marx considera a complexidade das relações de trabalho que formam a força produtiva do capital. Não faz distinção entre o que seja ou não trabalho, pois todas as atividades realizadas no processo produtivo são consideradas trabalho. O autor somente observa que em alguns momentos se trabalha mais fundamentalmente com a cabeça e em outros com as mãos. Observemos que ele cita como exemplos de trabalho não só as atividades de transformação direta da natureza, mas também aquelas em que a ação situa-se a um nível de relações entre pessoas e conhecimento, no caso do diretor e do engenheiro.

Fica claro que Marx vai além da definição de trabalho como processo de produção imediata de transformação da natureza pelo homem. Percebemos claramente essa idéia quando ele discute as diferentes formas de trabalho assalariado: ele fala da execução de serviços, da atividade de médicos, advogados, entre outros, como trabalho assalariado5.

É evidente que quando escreveu suas obras, Marx se ocupou fundamentalmente do trabalho presente no processo de produção imediata. Contudo, ao citar outro tipo de atividade que não esteja relacionada restritamente à relação homem x natureza, ele não faz essa diferenciação do que é ou não trabalho; ao contrário, nos evidencia um complexo de relações que se estabelecem. Vejamos que ele faz afirmações acerca dos serviços como forma peculiar de trabalho e não como atividade de não trabalho.

4 Ibidem, p. 110 – grifos nossos.

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Eis sua afirmação acerca do serviço: “Serviço não é em geral mais do que uma expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como coisa, mas como atividade.”6

Corroborando com essa idéia, Eduardo Chagas destaca que é limitada a compreensão de que o trabalho envolve somente a relação homem-natureza, ao destacar nos Manuscritos de 1844 e n’O Capital o complexo de idéias que envolve a categoria trabalho. O autor afirma que:

Embora se tenha expressado aqui que trabalho tem como pressuposto a relação do homem com a natureza, ele não deve ser entendido, como alguns pensam, apenas como condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza, pois Marx fala, em O Capital, que o trabalho envolve: 1. o próprio trabalho, que é também intercâmbio entre trabalho e trabalho (os diversos ramos de trabalho), ou seja, uma atividade social, coletiva, com vistas a um fim; 2. uma atividade que se aplica à natureza, o objeto universal do trabalho humano; e 3. os seus meios, ferramentas, instrumentos, com os quais o homem transforma a natureza. Também, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844) (Ökonomisch-philosophische Manuskripte aus dem Jahre 1844), trabalho é, para Marx, uma atividade complexa, que envolve: 1. a relação do homem com o objeto, o produto, o resultado da objetivação de seu trabalho; 2. a relação do homem com o próprio trabalho, com a sua atividade produtiva; 3. a relação do homem com a sua vida genérica (o seu ser genérico) e, por fim, 4. a relação do homem com outros homens.7

Diante das idéias aqui colocadas, o trabalho do professor pode ser considerado trabalho com bastante tranqüilidade uma vez que Marx questiona até mesmo a produtividade desse trabalho, e afirma categoricamente que o professor é um trabalhador. Senão vejamos sua assertiva:

Um mestre-escola que ensina outras pessoas não é um trabalhador produtivo. Porém, um mestre-escola que é contratado com outros para valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento (Knowledge mongering institution. Ing) é um trabalhador produtivo.8

6 Ibidem, p. 118.

7CHAGAS, Eduardo Ferreira. A Natureza Dúplice do Trabalho em Marx: trabalho útil-concreto e trabalho

abstrato. No prelo.

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Esta opção de considerar o trabalho docente como trabalho, direciona o presente estudo para uma abordagem que tenha sua linha de investigação pautada na centralidade do trabalho. É no sentido de discorrer sobre a problemática acima proposta para essa dissertação que a estruturamos em três capítulos, dos quais os dois primeiros têm como preocupação o entendimento da dialética do trabalho, situando o seu sentido original e suas determinações na sociedade capitalista. Interessa-nos mostrar o trabalho em si mesmo e seus desdobramentos na atual forma de organização social. Dessa forma, os Capítulos 1 e 2 representam as idéias básicas sob as quais tentamos realizar uma leitura, o mais profunda possível, acerca da educação e mais especificadamente do trabalho docente, chamando atenção para um contexto amplo de relações sociais que determinam a atividade docente que vão além das superficialidades das políticas públicas.

No Capítulo 1 – O Trabalho como Condição da Vida Humana

ocupamo-nos em resgatar a categoria trabalho em seu sentido ontológico como atividade criadora do homem. Nele pudemos construir um estudo teórico que nos afastasse das conclusões levianas de que o trabalho é em sua essência da forma como se apresenta na sociedade capitalista. Para isso, entendemos ser necessário um estudo a partir da obra de Marx em que pudéssemos pinçar essa compreensão do trabalho. Partimos, então, dos Manuscritos Econômico-Filosóficos9 e de O Capital10, pois em um primeiro momento de estudos, já tínhamos constatado que ao mesmo tempo em que Marx nega a forma de trabalho na sociedade do capital, ele o afirma como atividade criadora do homem.

Estruturamos esse primeiro capítulo em dois diferentes momentos. Primeiro, evidenciamos na obra do próprio Marx que o trabalho é uma atividade genuinamente humana que funda o ser social, sendo, portanto, objetivação de valores de uso necessários a existência humana. Nesse tópico já evidenciamos o caráter dialético do trabalho, idéia esta que se torna mais sólida quando da conclusão da leitura do Capítulo 2 da presente dissertação. No segundo momento do Capítulo 1, mostramos que é através do trabalho que o homem dá o salto para a humanização ao superar sua animalidade no processo de produção de sua existência. O homem, então, supera a consciência fenomênica e passa a transformar a causalidade em causalidade posta através da consciência que pressupõe uma finalidade, uma teleologia. Para esse entendimento, assim como para a compreensão dos elementos categoriais que operam dentro da categoria trabalho, tivemos como fundamento

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os estudos de Georg Lukács em sua obra Ontologia do Ser Social11 e no texto As Bases

Ontológicas da Atividade Humana12.

O Capítulo 2 – O Trabalho na Sociedade Capitalista – constitui-se a partir da

necessidade de compreender o trabalho na sua forma de ser na lógica do capital, pois precisávamos de elementos que nos aproximasse do entendimento das relações de trabalho do professor, fugindo dessa forma da superficialidade que se mostra na empiria. Nosso objetivo neste capítulo era compreender como se dão as relações do trabalho numa sociedade baseada na acumulação de riquezas e na propriedade privada. Com essa intenção, buscamos nos Manuscritos de 1844, no Trabalho Assalariado e Capital13 e n’O Capital os elementos que nos esclarecessem como se dão as relações de trabalho no capitalismo, assim como o processo de negação da formação humana.

Na primeira parte desse capítulo, abordamos as quatro determinações do estranhamento do homem em relação ao trabalho que realiza, mostrando que, na sociedade capitalista, há uma produção em que o próprio homem que a realiza não se reconhece nela, pois, ao produzir mercadorias as quais não lhe pertencem, produz sua própria miséria. Seguindo as reflexões acerca da condição do trabalho na lógica capitalista, propomos o segundo momento do Capítulo 2, no qual tratamos das especificidades da relação salarial, uma vez que o trabalhador troca sua força de trabalho, sua atividade vital, por uma determinada quantidade de dinheiro que irá representar o quantum de meios de subsistência que poderá adquirir.

Para finalizar esse capítulo, dispomos de mais dois últimos tópicos que se complementam ao tratarem das relações de trabalho e da jornada de trabalho, respectivamente. O penúltimo versa sobre a condição da força de trabalho como mercadoria que o homem terá que vender para não renunciar sua existência, enquanto o último aborda em que condições se realiza o trabalho na sociedade capitalista, destacando não só dados empíricos colocados por Marx no século XIX, como também atualizando a problemática, e situando inclusive dados sobre o trabalho docente. Também refletimos nesse tópico sobre a composição da jornada de trabalho e o processo de apropriação do sobretrabalho.

11 LUKÁCS, Georg. O Trabalho. In: Ontologia do Ser Social. Tradução: Ivo Tonet (ainda não publicada).

Disponível em: <http://www.sergiolessa.com>.

12 LUKÁCS, G. As Bases Ontológicas da Atividade Humana. Temas de Ciências Humanas. São Paulo:

Ciências Humanas, n. 4, 1978, p. 1-18.

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Com esses dois primeiros capítulos, pretendemos deixar claro que há uma relação dialética no trabalho, uma vez que este é, na sua essência, atividade criadora do homem, ao mesmo tempo em que, na sociedade capitalista o trabalho transforma-se em negação da formação humana. Nosso objetivo é não deixar dúvidas de que o processo de produção do capital é antes de tudo um processo real de trabalho apropriado por relações privadas de produção. Não se trata aqui de considerar o capital como elemento necessário do trabalho humano em geral, mas de entender que o processo de trabalho capitalista não anula as determinações gerais do trabalho humano. É uma produção de produtos ao mesmo tempo em que se produzem mercadorias.

Tendo já constituído essa primeira parte do arcabouço teórico nos capítulos 1 e 2, dispomos de elementos para um abordagem do contexto educacional de forma mais segura, uma vez que a educação, assim como o trabalho, carrega, na sociedade capitalista, uma contradição nas suas relações. Esta contradição se efetua na medida em que a educação – que é elemento de formação do homem, de apreensão das potencialidades do mundo – é, ao mesmo tempo, na sociedade capitalista, estrutura de negação do conhecimento, força ideológica a serviço do capital e formação de mão-de-obra capaz de reproduzir o sistema de produção baseado na propriedade privada. Essa é a questão inicial proposta para o Capítulo 3 – Educação, Escola e Trabalho Docente na Lógica Capitalista

– que vai nos aproximar da discussão em torno do nosso objeto de investigação, pois na medida em que realizamos um estudo acerca da educação na sociedade capitalista, ao mesmo tempo nos aproximamos de um retrato da atual situação de trabalho dos professores no Brasil.

Estruturamos o Capítulo 3 em três momentos. No primeiro, tratamos da educação na sua forma de ser no capitalismo, a função que exerce nesse sistema, sem deixar de resgatar o seu sentido último de elemento formador da humanidade. Para isso, tomamos como principal referencial teórico István Mészáros em suas obras Marx: a Teoria da Alienação14 e Educação Para Além do Capital15. No segundo item desse capítulo, aproximamo-nos da realidade brasileira através de Dermeval Saviani. Constituímos a partir desse autor uma leitura do papel da escola numa sociedade de classes, nos aproximando das transformações educacionais regidas pela lógica do capital, além de trazer alguns elementos para a discussão em torno da educação como trabalho. No

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terceiro momento, nos ocupamos da realidade dos professores. Buscamos em dados estatísticos baseados na Sinopse do Censo dos Profissionais do Magistério da Educação Básica: 200316 e nas pesquisas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a elucidação da realidade que já denunciávamos nos dois outros tópicos. Nesse momento, aproximamo-nos da realidade de trabalho do professor, das suas condições de vida e de como as relações capitalistas se inserem no exercício diário de sua atividade. Traçamos, assim, um quadro da atual situação dos professores no Brasil, indicando não só suas relações de trabalho, mas igualmente suas condições socioeconômicas.

Embora a maior parte dos dados estatísticos elencados para essa dissertação faça referência ao trabalho dos professores da educação básica, destacamos que a nossa investigação acerca do exercício da docência tem um sentido mais amplo de entendimento de como as relações capitalistas de trabalho passam a integrar o trabalho do professor. Mesmo porque, as precárias condições de trabalho aliadas ao processo de desvalorização da docência não é um fato isolado que pertença a esse ou aquele nível de ensino, mas um processo abrangente de precarização das condições objetivas de trabalho nas quais estão inseridos esses profissionais. Também pelos mesmos motivos não separamos aqui professores de instituições públicas ou privadas que, embora tenham suas especificidades, fazem parte de uma mesma realidade em que a educação tem seu sentido invertido e volta-se cada vez mais para a valorização de uma sociedade que tem como prerrogativa o aumento da riqueza e a criação de necessidades superficiais.

Baseado nessa estrutura que acabamos de descrever, é que pudemos constituir nossas considerações finais que foram pautadas na relação entre a realidade dada e o estudo teórico realizado numa busca de melhor contribuir para o entendimento das relações de trabalho do professor.

Enfim, acreditamos que elucidar as questões acerca da realização do trabalho docente na sociedade capitalista torna-se necessário para compreender em que contexto de inserção se dá essa atividade que, em maior ou menor medida, pode ou não, dentro das muitas adversidades do cotidiano escolar, limitá-lo a um simples processo de reprodução do status quo. Igualmente, esperamos deixar claro que o processo contraditório presente na educação é evidência concreta de que há possibilidades de transformação da ordem social

16 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Sinopse do Censo dos

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2 CAPÍTULO 1: O TRABALHO COMO CONDIÇÃO DA VIDA HUMANA

Neste capítulo apresentaremos a discussão em torno do trabalho como condição natural e eterna da vida humana, objetivando resgatar idéias que possibilitem a superação do entendimento de que o capital é elemento imprescindível do processo de trabalho em geral, assim como desmistificar a compreensão de que todo processo de trabalho é processo de trabalho do capital. Essas questões são importantes de serem retomadas uma vez que, conforme afirmamos na introdução, nossa investigação tem sua centralidade na categoria trabalho. Por tal razão, entender a essência do trabalho nos mune de elementos para uma análise mais significativa acerca de como as relações capitalistas de produção se inserem no trabalho do professor, invertendo seu objetivo primeiro de realizar um trabalho educativo que tenha como premissa a transmissão e assimilação do saber produzido historicamente e capaz de possibilitar ao homem explorar as propriedades do mundo através de uma produção material livremente associada. É nesse sentido que Saviani17 nos fala da inversão do sentido da escola que passa a secundarizar seus principais aspectos pautados no domínio do conhecimento sistematizado em razão de outras atividades acessórias. Estejamos certos de que se não nos atermos em entender o trabalho como atividade criadora do homem, corremos o sério risco de perder de vista a compreensão de qualquer determinação fora dos limites do capitalismo e assim podemos acreditar que essa forma de produção é definitiva e, desse modo, só há soluções dentro dela e em conformidade com seu moldes.

Munidos dessa intenção de explicitar o sentido ontológico do trabalho, procedemos a um estudo expressivo sobre essa categoria na tentativa de compreender seu caráter dialético, superando a forma em que se apresenta na sociedade comandada pelo capital. Como forma de realizar uma análise que permitisse esse entendimento, buscamos dois principais referenciais teóricos: Karl Marx e Georg Lukács.

Em Marx procuramos identificar os diferentes momentos de sua obra em que trata da questão do trabalho como produtor de valor de uso, portanto essencial à existência do homem em qualquer que seja a forma de sociabilidade. Para realizar o resgate de tal idéia, concentramos nossos estudos em duas de suas principais obras: Manuscritos

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Econômico-Filosóficos (1844) e O Capital (1867). Contudo, não deixamos de considerar outros escritos que também pudessem contribuir no entendimento da dialética do trabalho como: A Ideologia Alemã (1846-47), Crítica ao Programa de Gotha (1875), Capítulo VI Inédito de O Capital (s/d).

Através dos estudos de Lukács, procuramos nos aproximar dos diferentes elementos que operam dentro da categoria trabalho, assim como buscamos subsídios teóricos que nos aprofundassem na compreensão contida nos estudos de Marx em que o trabalho é atividade autocriadora do homem. A investigação em torno da obra de Lukács concentrou-se no capítulo “O Trabalho” de sua obra maior Ontologia do Ser Social18. Também nos serviu de apoio o texto As Bases Ontológicas da Atividade Humana19 no qual identificamos importantes elementos da compreensão do trabalho como condição da vida humana.

Ainda como elemento teórico, contamos com as contribuições de Friedrich Engels que, como autor mais próximo dos estudos de Marx, também tratou do trabalho em seu sentido original. Dos escritos de Engels, nossa escolha decaiu sobre a leitura do texto O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem (1876)20, no qual o autor coloca como idéia central a criação e o desenvolvimento do homem pelo trabalho. Esse texto revela-se como importante elemento para o entendimento da centralidade do trabalho. Conforme afirma Lukács21, Engels tem o mérito de ter colocado o trabalho como centro da humanização do homem, vendo nesta atividade o motor decisivo do processo de desenvolvimento do ser homem.

Entendemos que, a partir dessas referências teóricas, poderemos constituir mais significativamente esse primeiro momento de um arcabouço teórico sobre a categoria trabalho que melhor irá iluminar nosso trajeto acerca das questões da influência da lógica capitalista no trabalho do professor.

18 A leitura do capítulo O Trabalho da Ontologia do Ser Social, de Lukács, foi realizada através da tradução

feita por Ivo Tonet, ainda não publicada. Disponível em: <http://www.sergiolessa.com>

19 LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas da Atividade Humana. Op. cit., n. 4, p. 1-18.

20 O ano refere-se ao período em que Engels escreveu o texto, pois sua publicação só foi feita 20 anos depois,

em 1896.

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2.1 O Trabalho como Produtor de Valor de Uso: as contribuições de Marx e Engels

Para iniciar nossa discussão em torno do caráter fundante do trabalho, partimos da obra do próprio Marx, tentando proceder a uma exegese das suas obras mencionadas anteriormente. Objetivamos, dessa forma, captar em diferentes passagens os elementos que nos fundamentem no entendimento da categoria trabalho como atividade criadora do homem.

Marx e Engels em A Ideologia Alemã consideram que o primeiro ato histórico do homem pelo qual se distingue dos animais é o fato dele produzir os meios de vida que satisfaça suas necessidades, pois, ao realizarem sua atividade produtiva, produzem, indiretamente, sua própria vida material. Isso se dá porque o homem precisa produzir permanentemente sua própria existência, uma vez que esta não é garantida naturalmente. Sobre esse aspecto, os autores afirmam que:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal.22

Se partirmos de uma visão materialista dialética da história, como fizeram Marx e Engels, entenderemos que os indivíduos são produtos das condições materiais de sua existência assim como estão condicionados por sua organização temporal. A produção das idéias, portanto, está vinculada à atividade material que o homem realiza. Dessa forma, a distinção entre o homem e o animal aparece mesmo na realização do trabalho pelo qual o homem produz os elementos que fazem parte da sua própria materialidade.23

Contudo, para termos essa compreensão “positiva” do trabalho, é necessário considerar cuidadosamente as passagens em que Marx trata das determinações dessa categoria, para não acreditar, ilusoriamente, se partirmos de uma leitura superficial, que o trabalho é essencialmente momento de negação do homem. Se no Caderno I dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, na seção em que trata do salário, Marx assevera que

22 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas,

1979, p. 27.

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o trabalho é pernicioso e funesto, não deixa, contudo, de considerar qual é o momento de realização desse trabalho. Senão, vejamos sua assertiva: “Afirmo, porém, que o trabalho – não apenas sob as condições atuais, mas também na medida em que, em geral, sua finalidade é a mera ampliação da riqueza – é pernicioso, funesto”.24

Dialeticamente, ainda nos Manuscritos de 1844, Marx, ao mesmo tempo em que coloca a forma reducionista na qual o trabalho aparece na sociedade capitalista na medida em que é subsumido pela produção de riqueza, resgata o caráter último do trabalho como atividade vital do homem. Assim afirma:

Pois primeiramente o trabalho, a atividade vital, a vida produtiva mesma aparece ao homem apenas como um meio para a satisfação de uma carência, a necessidade de manutenção da existência física. A vida produtiva é, porém, a vida genérica. É a vida engendradora de vida.25

Se avançarmos na leitura da obra de Marx, podemos ver que n’O Capital ele nos deixa claro sob que condições o valor de uso, resultado do trabalho útil necessário à existência humana, passa a ser mera mercadoria considerada agora apenas no seu aspecto quantitativo.

Em todos os estágios sociais, o produto do trabalho é valor-de-uso; mas só um período determinado do desenvolvimento histórico, em que se representa o trabalho despendido na produção de uma coisa útil como propriedade objetiva, inerente a essa coisa, isto é, como seu valor, é que transforma o produto do trabalho em mercadoria26.

A partir das primeiras alusões aqui já realizadas, torna-se evidente que Marx compreende o caráter dialético do trabalho, ou seja, vê em que medida ele é atividade fundante do ser social e em que momento torna-se elemento de negação da formação humana. Podemos ver que ele não se limita ao modo como o trabalho se apresenta na sociedade capitalista, assim como não considera esta forma como determinação última e

24 MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Op. cit., p. 29-30. 25 Ibidem, p. 84.

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verdadeira do trabalho, ao contrário, compreende que há uma dupla determinação no trabalho.

Nesse sentido, Marx, no Livro I de O Capital, na seção em que trata do duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria, faz, em nota de rodapé, uma crítica a Adam Smith, pois este entende o trabalho somente como sacrifício do ócio, da liberdade e da felicidade, sem considerar que é também função necessária à vida humana. O que Smith parece não entender é que o ócio é tempo livre resultado do trabalho e, assim sendo, jamais a liberdade poderá ser antítese do trabalho, pois não há homem sem trabalho. A liberdade real tem sua efetivação no trabalho e não é sinônimo ócio simplesmente, pois o homem como um ser de necessidades precisa satisfazê-las e só pode fazer isso através de sua atividade produtiva, o trabalho, que é elemento essencial de sua autoconstrução. Assim se refere Marx a Smith:

Presente ele que o trabalho, enquanto representado no valor da mercadoria, só conta como dispêndio de força de trabalho, mas concebe esse dispêndio apenas como sacrifício de ócio, liberdade e felicidade, sem considerar que é também uma função normal da vida. 27

Conforme afirma Tonet28, o trabalho é fundamento ontológico da liberdade, não podendo o puro ócio, na medida em que é negação do trabalho, ser expressão plena da vida humana. Vejamos, pois, que embora as formas concretas do trabalho (escravismo, servil e trabalho assalariado), historicamente situadas, nos leve superficialmente à idéia do trabalho como castigo, é o que parece fazer Adam Smith, é preciso resgatar a compreensão última do trabalho como atividade fundamental à existência do homem.

Em sentido oposto à crítica feita a Smith, Marx faz a crítica ao pensamento de Hegel sobre o trabalho. Ao partir da economia política clássica, Hegel concebe o trabalho somente em seu aspecto positivo, enquanto processo criador do homem, como sua essência confirmativa. Como se percebe através dos Manuscritos de 1844, Hegel não se aproxima do processo de alienação negativa presente no trabalho, dentro da contradição capital-trabalho, que divide, fragmenta, aliena e mutila o homem. Marx reconhece a contribuição de Hegel no conhecimento de que o homem se autoconstrói e é produto de seu próprio

27 Ibidem, p. 69.

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trabalho, entretanto vai além e mostra o trabalho na sociedade capitalista como uma ação historicamente determinada, baseada na propriedade privada e na exploração do homem pelo homem.

No trabalho, na forma em que se apresenta na sociedade capitalista, constituída com base na apropriação privada dos meios de produção, há uma sobreposição do valor de troca em relação ao valor de uso. Sem nos aprofundarmos na questão, vamos somente assinalar alguns primeiros elementos de estranhamento do trabalho que convertem em desrealização do ser social sua atividade produtiva, pois o trabalho na forma social do capital é tema de nosso próximo capítulo.

Tenhamos como elementos iniciais a idéia de que, na sociedade capitalista, o trabalho transforma-se em mero meio de subsistência, pois o operário coloca sua força de trabalho à disposição para ser vendida em troca apenas do salário – determinada quantidade de dinheiro que garantirá que ele possa trocar pelos meios de subsistência que possibilite a reprodução da sua capacidade de trabalho e da sua “espécie”. Isso porque é preciso que sempre haja homens, mulheres e crianças que sejam obrigados a vender sua força de trabalho à produção capitalista, transformando sua força vital em mercadoria ao mesmo tempo em que produzem outras mercadorias. Nesse processo produtivo, o que o trabalhador produz não é para si, mas para outro, assim como não se reconhece nem mesmo na atividade produtiva que realiza.

Contudo, é necessário compreender que, mesmo no modo de produção capitalista, o processo de trabalho não anula suas determinações gerais. Continua a produzir produtos, apesar de ao mesmo tempo produzir mercadorias. A produtividade do trabalho não desaparece, pois, apesar de produzir valor de troca, a objetivação do trabalho é também produção de valor de uso que satisfaz as necessidades humanas. Portanto, percebemos que o modo de produção capitalista não se contrapõe ao trabalho, mas utiliza-o a seu favor através do processo de produção de mais-valia. Por conseguinte, o que vai diferenciar, a produção capitalista de uma outra organização social que tenha como objetivo primeiro a satisfação das necessidades humanas é o objetivo da produção capitalista que é pautado na produção e na apropriação de valor excedente.

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Considerando o seu lado real – considerando-o como processo que por meio do trabalho útil cria com valores de uso novos valores de uso – o processo de produção do capital é antes do mais um processo real de trabalho. Como tal, os seus elementos, as suas componentes conceptualmente determinadas, serão os do processo de trabalho em geral, os de qualquer processo de trabalho, seja qual for o nível de desenvolvimento econômico e o modo de produção sobre cuja base se efetua. 29

Portanto, existe uma diferença fundamental entre a produção de valor de uso através da realização do trabalho na sociedade capitalista e a objetivação do trabalho em seu sentido ontológico. Essa diferença incorre no fato de que na sociedade capitalista a produção de valor de uso só é possível na medida em que é também valor de troca. Isso porque o valor de uso, nessa forma de sociedade, só satisfaz as necessidades humanas, na medida em que pode transformar-se em mercadoria. Diferentemente, a realização ontológica do trabalho tem como horizonte a satisfação das necessidades humanas, tanto da matéria como do espírito.

É a partir das leituras de Marx, aqui já apontadas, que podemos afirmar, seguramente, que, tomando em seu sentido ontológico, o trabalho é uma atividade criadora do homem mesmo que se mostre de forma contrária no capitalismo. É através dele que o homem torna-se homem, uma vez que esta atividade possibilita, essencialmente, sua inter-relação com a natureza e com os outros homens, marcando a passagem do ser meramente biológico para o ser social. Tal passagem se dá resultante da peculiaridade de que o homem transforma e adapta a natureza a si, através do trabalho, diferentemente dos outros animais que se adaptam à natureza existente.

O trabalho é, portanto, um ato fundante do ser social, ponto de partida do processo de humanização. É atividade central da sociabilidade humana, pois, se considerarmos o trabalho em sua estrutura básica geral, veremos que ele implica teleologia, causalidade, busca dos meios, objetivação, por conseguinte, dispêndio de energias não somente físicas, mas também intelectuais, ou seja, dispêndio de força vital. 30

Como processo em que participam o homem e a natureza imprimindo forma útil à vida humana, o trabalho é força natural, força de trabalho do homem que, mediada pela natureza e pelos instrumentos de trabalho, produz valores de uso. Assim

29 MARX, Karl. Capítulo VI Inédito de O Capital. Op. cit., p. 46.

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considerando, é necessário entender, segundo indica Marx em O Capital, que todo processo de trabalho, independentemente da sua forma de sociabilidade, é formado por três principais elementos: a atividade adequada a um fim (o próprio trabalho); o objeto de trabalho e o instrumental de trabalho. Por objeto de trabalho podemos entender como sendo todas as coisas que o trabalho apenas separa do meio natural, portanto fornecidos pela natureza. É o elemento no qual o homem age e lhes dá vida útil.

Instrumental de trabalho é definido como “uma coisa ou complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto”.31 Marx destaca a relevância dos meios de trabalho como elemento que caracteriza a forma especificadamente humana dessa atividade. É através do instrumental de trabalho que se pode indicar o grau de desenvolvimento da força humana de trabalho, pois, ao considerar suas características, podemos distinguir como se realiza o processo de produção em diferentes épocas econômicas, indicando o grau de independência do homem com relação à natureza e até mesmo as condições em que o trabalho está sendo realizado.

Engels32 chama a atenção para o fato de que o trabalho inicia-se somente com a elaboração dos instrumentos. Primeiramente, os instrumentos de caça e de pesca, resultantes, provavelmente, da necessidade material do homem de ter um uma alimentação mais variada para depois desenvolverem-se as mais diferentes formas de forças produtivas que avança no progresso corporal do homem e alarga-se aos mais modernos meios de produção da atualidade.

Em síntese, Marx faz a seguinte afirmação a respeito do processo de trabalho:

No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir o produto. O produto é um valor-de-uso, em material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se, e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em

31 MARX, Karl. O Capital. Livro I, tomo I. Op. cit., p. 213.

32 ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: MARX, Karl;

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movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um tecido. 33

Ao considerar os meios necessários à atividade produtiva (atividade, objeto e instrumental), assim como os elementos categoriais que fazem parte dessa atividade (causalidade, teleologia e objetivação), os estudos marxianos mostram que o trabalho é uma atividade produtiva pela qual o homem submete a natureza ao seu domínio. Assim, o trabalho é uma atividade exclusivamente humana e apenas existe enquanto faz parte do mundo dos homens. Não por acaso Marx faz uma comparação entre a abelha e o arquiteto. Em sua célebre frase, evidencia o caráter humano do trabalho que está, sobretudo, no fato do homem primeiro construir na mente aquilo que construirá objetivamente. Assim diz ele:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir a colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem que subordinar sua vontade.34

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx já torna evidente a idéia do trabalho como uma atividade própria do ser humano. É nesse sentido que podemos ver claramente como a construção do pensamento marxiano passa por uma elaboração que tem seu fio condutor bem pautado no entendimento da natureza última do trabalho como atividade vital e produtiva do homem. Na obra citada, Marx afirma:

É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga etc. No entanto, produz apenas aquilo que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral[mente], enquanto o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz livre da carência física, e só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só produz para si mesmo, enquanto o homem reproduz a

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natureza inteira; [no animal] o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu produto.35

Podemos dessa forma concluir que, ao produzir os valores de uso, o homem estabelece um intercâmbio material com a natureza, produzindo formas materiais indispensáveis à vida humana. Trata-se de uma atividade que cria condições para a liberdade do homem. Isso porque através do trabalho, ele não estará, como os animais, preso às condições exclusivamente orgânicas da natureza, mas pode humanizá-la na medida em que a transforma na tentativa de satisfazer suas necessidades. A esse respeito, Marx assevera:

O animal é imediatamente um com sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ela coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal.36

Corroborando com essa idéia, Marx afirma ainda que:

Precisamente por isso, na elaboração do mundo objetivo [é que] o homem se confirma, em primeiro lugar e efetivamente, como ser genérico. Esta produção é a vida genérica operativa. Através dela a natureza aparece como sua obra e sua efetividade (Wirklichkeit). O objeto do trabalho é portanto objetivação da vida genérica do homem: quando o homem se duplica não apenas na consciência, intelectual[mente], mas operativa, efetiva[mente], contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele.37

Como podemos perceber, desde 1844 Marx ratifica em diferentes momentos o processo de afirmação do homem pelo trabalho, uma vez que considera esta atividade como vida produtiva, vida criando vida. Quando se segue na leitura dos Manuscritos de 1844, constatamos que a relação homem-natureza se realiza na medida em que esta última oferece os meios de vida ao homem, pois o trabalho não existe sem os objetos nos quais

35 MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Op. cit., p. 85. 36 Ibidem, p. 84.

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possa se exercer, assim como é ela que oferece o meio de subsistência física do trabalhador.

Nesse sentido, constatamos que mesmo em O Capital – obra em que expõe a forma como a sociedade capitalista se apresenta em suas relações sociais de exploração do homem pelo homem – Marx não deixa de nos reafirmar a natureza última do trabalho humano como atividade criadora, como expressão da liberdade humana objetivamente. Nesse sentido, ele ressalta que:

O trabalho, como criador de valor-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade – é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana.38

Na obra em questão, encontramos diferentes momentos em que Marx trata da auto-afirmação do homem pelo trabalho. Logo no início do capítulo V de O Capital em que trata do processo de trabalho e do processo de produção de mais-valia, Marx destaca o significado do trabalho em seu sentido ontológico como um processo de apropriação da natureza pelo homem, controlando-a e regulando-a. Trata-se de um processo de apropriação dos elementos da natureza, humanizando-os ao mesmo tempo em que se humaniza.

Considerando, ainda, o trabalho em seu sentido ontológico, Marx afirma que essa atividade trata-se de um meio pelo qual o homem transforma um determinado objeto a partir de uma finalidade posta. O produto do processo de trabalho será um valor de uso que satisfará as necessidades humanas, seja do estômago ou do espírito, seja da produção ou do consumo. Sendo assim, o processo de trabalho é atividade que possui como finalidade a criação de valores de uso, momento, portanto, de apropriação dos elementos naturais pelos homens ao seu favor.

Ao trabalhar, o homem insere novas propriedades aos objetos atribuindo-lhes funções e modos de operar completamente novos. Isso resulta do caráter teleológico do trabalho que faz surgir uma objetividade inteiramente nova nos elementos primitivos. Dessa forma, podemos afirmar que é através do caráter teleológico que se torna possível

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realizar materialmente uma finalidade pensada, resultante de uma necessidade humano-social. O trabalho revela-se, então, como “condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural e eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais”.39

O processo de trabalho que prioriza a criação de valores de uso que satisfaça as necessidades humanas é o trabalho útil e deve ser considerado do seu ponto de vista qualitativo, segundo seu objetivo e conteúdo. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dela. O trabalho é, assim, uma função normal da vida humana que produz os valores de uso necessários à sua manutenção através da ação produtiva do homem sobre a matéria fornecida pela natureza. Esses valores de uso são, portanto, resultado da mudança de formas de matéria existente.

A atividade produtiva do homem é, pois, dispêndio de sua força de trabalho direcionada a um determinado fim que está vinculado à satisfação das necessidades humanas. Por tal razão, afirmamos anteriormente que, mesmo na sociedade capitalista, onde se invertem as relações, o trabalho tem o seu caráter positivo como atividade produtora de valor de uso e não deixa de cumprir sua função primeira de satisfação das necessidades humanas, embora essa se dê na esfera do consumo ditado pelas regras do capital.

Entendemos, dessa forma, que o valor de uso destina-se a satisfazer as necessidades humanas com suas propriedades que são conseqüências do trabalho, uma vez que o homem modifica os elementos naturais de forma a torná-los úteis. Portanto, difere-se do processo de produzir valor – embora ambos os processos tenham uma ligação intrínseca, pois não há produção de valor sem que haja produção de valor de uso, um objeto não pode ter valor de troca se ele não tem utilidade – pois este só é considerado em seu aspecto quantitativo, enquanto o valor de uso é considerado qualitativamente segundo seu objetivo e conteúdo.

Em Lukács encontramos elementos que aprofundam a questão da produção do valor de uso. Para ele, a produção de valor de uso é uma forma de sujeitar a natureza ao homem e para o homem, na medida em que a transforma de acordo com as suas

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necessidades. Portanto, o trabalho como processo de produção é ineliminavelmente ligado à existência natural do homem. Conforme afirma Lukács:

A imensa maioria dos valores de uso surge a partir do trabalho, mediante a transformação dos objetos, das circunstâncias, do modo de agir, etc. naturais, e este processo, enquanto afastamento das barreiras naturais, com o desenvolvimento do trabalho, com a sua socialização, se amplia sempre mais, tanto em extensão como em profundidade40.

Em consonância com as reflexões elencadas até aqui, Engels desenvolve um conjunto de idéias com o objetivo refletir sobre o trabalho como categoria criadora do homem. É no seu texto Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem que, a partir de uma visão de certa forma naturalista da transformação evolutiva do homem, ele enfatiza o tornar-se homem através do trabalho; afirma que o trabalho não é só fonte de riqueza como pensam os economistas clássicos, mas também é condição básica e fundamental da vida humana. Compreende, então, que, até certo ponto, o trabalho criou o homem. Nesse sentido, fala do aperfeiçoamento das mãos pelo trabalho, que sendo órgão do trabalho é ao mesmo tempo produto dele.

O desenvolvimento não só das mãos, mas também da linguagem e do cérebro são concebidos como conseqüências do trabalho. Este é considerado uma atividade propriamente humana através da qual o homem se constrói e se diferencia dos outros animais, pois é através dele que o homem pode, a partir das necessidades que lhes surgem, obrigar a natureza a servi-lhe. Os outros animais, ao contrário, somente utilizam a natureza na medida imediata das suas necessidades e só a modifica na proporção em que estão presentes nelas e atuando ainda de forma imediata.

Dentro dessas reflexões, Engels destaca, ainda, que não podemos pensar o desenvolvimento da humanidade como conseqüência do cérebro, portanto, resultado daquilo que os homens pensaram, mas sim como resultado do produto das necessidades humanas, pois é a partir delas que, através do trabalho, o cérebro se transforma e pode elaborar instrumentos, iniciando, assim, a atividade chamada trabalho. Nesse sentido, Engels conclui que o trabalho desempenha papel decisivo no processo de constituição e desenvolvimento do homem.

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2.2 Categorias e Conexões Categoriais que Operam no Interior do Trabalho: a Contribuição de Lukács

É a partir de um resgate dos estudos realizados por Marx que Lukács aborda a questão do trabalho e retoma a idéia de que os homens se autocriam através de sua atividade produtiva. Dedica parte da sua obra Ontologia do Ser Social para tratar do trabalho em seu sentido originário como produtor de valor de uso, pois acredita que a análise dessa categoria é ponto inicialmente necessário para proceder a uma exposição em termos ontológicos das outras categorias específicas do ser social.

O lugar privilegiado que Lukács atribui ao trabalho quando se analisa o complexo concreto da sociabilidade como forma de ser justifica-se pelo fato de que todas as outras categorias já possuem um caráter social, desdobram-se no ser social anteriormente constituído, pressupondo, dessa forma, que o salto para a humanização tenha acontecido antes delas. Ao contrário, como afirma Lukács, o trabalho:

tem como sua essência ontológica um claro caráter intermediário: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílios, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como orgânica, inter-relação que pode até estar situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas antes de mais nada assinala a passagem no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social.41

O homem, como um ser de necessidades, busca a todo instante satisfazê-las e a cada novo instante cria novas necessidades. É através do trabalho que ele satisfaz suas carências e cria a possibilidade de seu desenvolvimento, pois “toda a atividade laborativa surge como solução de resposta ao carecimento que a provoca”.42 Nesse sentido, para Lukács, o homem é um ser que dá respostas.

Lukács considera, assim, que o trabalho aparece como uma base dinâmico-estruturante de um novo tipo de ser. Trata-se da possibilidade do homem ir além da fixação na competição biológica pela sobrevivência. É um processo de tornar-se homem através do trabalho. Essa idéia fica clara quando ele afirma: “O trabalho torna-se não simplesmente

41 LUKÁCS, Georg. Ontologia do Ser Social. Op. cit., p. 3.

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um fato no qual se expressa a nova peculiaridade do ser social, mas ao contrário – precisamente no plano ontológico –, converte-se no modelo da nova forma de ser em seu conjunto”.43

Podemos entender que através do trabalho o homem supera a animalidade e dá o salto para a humanização, superando a consciência fenomênica que é determinada apenas biologicamente. Esse salto proporciona o aperfeiçoamento de uma nova forma de ser, o nascimento de uma forma real mais complexa e, portanto, qualitativamente diferente da anterior. Consiste na passagem do ser orgânico para o ser social que acontece através de um desenvolvimento muito longo, contraditório e desigual.

Na Ontologia do Ser Social, Lukács nos esclarece que “a essência do salto é constituída por esta ruptura normal do desenvolvimento e não pelo nascimento, de uma forma imediata ou gradual, no tempo, da nova forma de ser”.44 O autor afirma ainda que:

O salto acontece logo que a nova constituição do ser se torna efetiva, mesmo que em atos isolados e inteiramente primordiais. Mas há um desenvolvimento extremamente longo, em geral contraditório e desigual, antes que as novas categorias do ser cheguem a um nível extensivo e intensivo que permita ao novo grau do ser constituir-se como um fato definido e fundado em si mesmo.45

Engels exemplifica o demorado tempo que o processo do salto para a humanização leva para acontecer. No estudo por ele realizado, aborda a questão da passagem da animalidade à humanidade. Aproxima-se do tema através da investigação do processo de transformação do macaco em homem no qual se desdobram os mais variados elementos até a decisiva superação da forma bestial do animal. Sobre essa extrema lentidão do processo, afirma:

Foi necessário seguramente, que transcorressem centenas de milhares de anos – que na história da Terra tem uma importância menor que um segundo na vida de um homem – antes que a sociedade humana

43 LUKÁCS, Georg. Ontologia do Ser Social. Op. cit., p. 6. 44 Ibidem, p. 5.

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