• Nenhum resultado encontrado

EXPERIÊNCIAS E SABERES DE VIDA EM NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "EXPERIÊNCIAS E SABERES DE VIDA EM NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS"

Copied!
211
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SIMONE JOAQUIM CAVALCANTE

EXPERIÊNCIAS E SABERES DE VIDA EM NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS

JOÃO PESSOA (PB)

2019

(2)

SIMONE JOAQUIM CAVALCANTE

EXPERIÊNCIAS E SABRES DE VIDA EM NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba, na Linha de Pesquisa Estudos Culturais da Educação, em cumprimento às exigências para a obtenção do título de Doutorado em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Eulina Pessoa de Carvalho (Universidade Federal da Paraíba)

Coorientadora: Profa. Dra. Inês Assunção de Castro Teixeira (Universidade Federal de Minas Gerais)

JOÃO PESSOA (PB) JUNHO/2019

(3)
(4)

SIMONE JOAQUIM CAVALCANTE

EXPERIÊNCIAS E SABRES DE VIDA EM NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para a obtenção do título de Doutorado em Educação.

Apresentada em: 19/06/2019

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Profa. Dra. Maria Eulina Pessoa de Carvalho Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPB)

(Orientadora)

___________________________________________________

Profa. Dra. Inês Assunção de Castro Teixeira Programa de Pós-Graduação em Educação (UFMG)

(Coorientadora)

_________________________________________________

Profa. Dra. Joselina da Silva

Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (UFRRJ)

_________________________________________________

Prof. Dr. Waldeci Ferreira Chagas Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

_________________________________________________

Profa. Dra. Maria do Rosario de Fátima Andrade Leitão

Programa de Pós-Graduação em Extensão e Desenvolvimento Rural (UFRPE)

_________________________________________________

Profa. Dra. Maria Lúcia da Silva Nunes Programa de Pós-Graduação em Educação (UFPB)

(5)

Dedico a todas as mulheres negras que lutaram/lutam, resistiram/resistem, amaram/amam, rezaram/rezam, curaram/curam, escreveram/escrevem, cantaram/cantam, batucaram/batucam, dançaram/dançam, construíram/constroem e protagonizaram/protagonizam seus saberes em processos educativos não escolares ao longo da vida.

(6)

AGRADECIMENTOS

Nesta etapa de minha trajetória acadêmico-profissional-política-social-feminista- antirracista, tenho consciência do meu compromisso com a realidade social de que também faço parte. Assim, refazer caminhos me possibilitou vislumbrar o tempo de conhecer- aprender, fazer escolhas teóricas e metodológicas afirmativas, pesquisar, apresentar os resultados das escolhas e reafirmar as escolhas ao longo desse percurso.

A fé é um elemento subjetivo, intransferível e inenarrável, por isso, agradeço a Deus, representado pela energia que emerge de toda a natureza, dos seres vivos alcançáveis aos nossos olhos ou não, visíveis, como as águas, o fogo, as pedras e as folhas, e invisíveis, como o vento, o perfume das flores e o aroma das matas que podemos sentir, o canto dos pássaros, o som das águas das chuvas, das cachoeiras, dos rios e dos mares e o brado dos animais que podemos ouvir. Agradeço a toda minha ancestralidade!

À minha mãe, pelo ventre que me acolheu e o sangue que pulsou e impulsionou a vida, pelo amor, pelo cuidado e por compreender minhas ausências nos almoços de domingo.

Ao meu pai, que sempre me incentivou a estudar e por compreender cada fase, embora não participasse efetivamente dos processos.

A Luiza Lopes da Silva (Lalu) e Maria de Lourdes Ferreira Gomes (dona Lourdes), por sua imensurável contribuição. Elas me confiaram seus relatos orais, acionaram suas lembranças, escavaram as memórias, revelaram estados d’alma e contaram suas trajetórias de vida, cuja experiência foi transmutada nas narrativas. Permitiram-me conhecer seus saberes e processos educativos não escolares. Suas histórias possibilitam várias reflexões para a vida, cada uma a seu modo, com suas especificidades e os desafios enfrentados, principalmente no sentido de conseguir sobrepujar, muitas vezes (e outras não), os ditames da cultura androcêntrica, patriarcal, sexista e racista, que mostra como as mulheres negras têm superado determinadas interdições no tempo (história) e no espaço (relações sociais).

À Professora Maria Eulina Pessoa de Carvalho, que me acolheu em sua orientação, e à Professora Inês Assunção de Castro Teixeira, que também me acompanhou na fase final da pesquisa.

À Professora Alejandra Montané López, do Programa de Douctorad Educación y Sociedad, Universidad de Barcelona, pela acolhida acadêmica, por ocasião do Doutorado Sanduíche na Espanha.

Às Professoras Joselina da Silva (UFRRJ), Maria do Rosario de Fátima Andrade Leitão (UFRPE), Teresa Cristina Furtado de Matos (UFPB), Maria Lúcia da Silva Nunes

(7)

(UFPB), Jeane Félix da Silva (UFPB), por sua participação e pelas contribuições, e ao Professor Waldeci Ferreira Chagas (UEPB), no Exame de Qualificação e Banca de Defesa.

Às professoras e aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPB Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudo, no Brasil e no exterior, este através do Programa de Doutorado Sanduiche no Exterior (PDSE).

Agradeço, ainda, pela generosa contribuição de Adélia Gomes de Moura, que indicou Lalu Lopes, e de Rogério Ferreira Gomes, que me conduziu à dona Maria de Lourdes.

Estamos ligadas pelos fios que tecemos nessa grande rede de saberes e fazeres – teórico, pedagógico, político, social, cultural e ancestral.

Meu agradecimento especial a Efigênia Lopes da Silva, pela atenção e pela presteza nas informações complementares, compartilhadas via correio eletrônico e whatsaap, e, igualmente, a Rogério Gomes, pelas informações repassadas, autorizadas por sua mãe.

À Stella Santiago, por compartilhar a vida, as alegrias, as tristezas, as esperanças, os lugares, os sabores, as viagens e a família; pelo carinho, pelos cuidados e pela paciência nessa desafiante trajetória e pela tradução dos textos em língua inglesa.

À minha irmã Luciana Joaquim Cavalcante, que sempre emanou palavras de incentivo, esperança, força e fé. Obrigada por suas orações! Igualmente, à Adriana Joaquim Cavalcante e Tânia Joaquim Cavalcante, pelas orações e pensamentos positivos.

À minha querida amiga, Josefa da Silva, pelas leituras iniciais, pela revisão prévia de texto, pelas sugestões pertinentes e pelos entusiasmados debates a respeito do tema.

Ao meu amigo Luciélio Marinho, pela amizade, pelo carinho, pelas aventuras e viagens que compartilhamos e pelas experiências que vivenciamos.

A Jucilene Nascimento, pela alegria de conhecê-la nessa trajetória acadêmica e de vida, pela amizade, pelo carinho e pelas orações.

A Lígia Isídio, que me apresentou outras mulheres, por ocasião da pesquisa de campo.

A Rejane Maria Araújo, pela presteza e compromisso na revisão de texto.

A Verônica Lourenço, a Maurílio de Sousa e a José Lucas, pelas palavras motivadoras de força, foco, positividade e fé, e por emanar sempre boas energias conectadas com o cosmo ancestral.

A vida é assim: construímos trajetórias sempre com a colaboração de outras e de outros e trilhamos caminhos de mãos dadas. Por isso, nunca andamos sós!

(8)

“Você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até aqui. Percorri milhas e milhas antes de dormir. Eu nem cochilei. Os mais belos montes escalei. Nas noites escuras de frio chorei [...]. A vida ensina e o tempo traz o tom. Pra nascer uma canção. Com a fé do dia a dia encontro a solução. Encontro a solução [...]”

(A Estrada, Cidade Negra).

(9)

CAVALCANTE, Simone Joaquim. Experiências e saberes de vida em narrativas de mulheres negras. 2019 210 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2019.

RESUMO

A revisão da produção acadêmica a respeito dos saberes e dos processos educativos não escolares das mulheres negras idosas é um tema ainda pouco explorado nas pesquisas sobre educação e um desafio para as pesquisas acadêmicas. Ao olhar para a realidade social, vê-se que esse é também um grupo de pouca ou quase nenhuma visibilidade. Diante desse panorama, o estudo partiu da seguinte pergunta: como foram constituídos os saberes não escolares de Luiza Lopes da Silva (Lalu) e Maria de Lourdes Ferreira Gomes ao longo de oito décadas de existência? O objetivo desta pesquisa foi de compreender seus processos educativos não escolares, a partir dos núcleos de sentidos: modos de ser mulher, sonhos interditados, saberes sobre as plantas, gosto pelas letras e trabalho comunitário. Lalu Lopes e Lourdes Ferreira, escolhidas como participantes e colaboradoras do estudo, apresentam pontos comuns em seus saberes não escolares. Ambas nasceram na década de 1930, conhecem os usos das plantas/ervas medicinais, oriundas do meio rural, são filhas de agricultores, estudaram os primeiros anos da educação básica e se autodeclaram negras. Elas também se diferenciam, sendo uma poetisa e a outra educadora popular, posicionando-se como sujeito feminino no mundo, nos seus modos de ser, agir, existir e resistir. Esta tese, realizada entre 2015 e 2019, baseou-se nas abordagens teórico-metodológicas da pesquisa narrativa articulada aos estudos feministas, balizados pela Epistemologia Feminista, e traz as narrativas e a valorização da experiência das mulheres. Implica também o reconhecimento e a importância dos saberes não escolares protagonizados pelas mulheres sujeitos da pesquisa, evocados pela experiência e transmutados na narrativa. A tese indica que investigar e compreender os processos educativos não escolares, por meio das experiências e da história de vida dessas mulheres negras idosas (octogenárias), possibilita pensar em outras formas de produzir e de adquirir o conhecimento, em que a relação aprender-ensinar não se limita às estruturas institucionais formais, nas escolas e nos centros acadêmicos nem se encerra nelas.

Nas histórias de Lalu Lopes e de Lourdes Ferreira e seus saberes, suas experiências trazidas em suas narrativas rompem as barreiras do silêncio social e acadêmico e transpassam as fronteiras da invisibilidade na pesquisa em Educação.

Palavras-chave: Experiência. Narrativas de mulheres negras. Saberes não escolares. Lalu Lopes. Lourdes Ferreira.

(10)

CAVALCANTE, Simone Joaquim. Life experiences and knowledge in narratives of black women. 2019 210 f. Thesis (Doctorate in Education) – Program of Postgraduate studies in Education, Federal University of Paraíba, João Pessoa, 2019.

ABSTRACT

The review of academic production regarding the knowledge and non-school educational processes of older black women is a topic still little explored in education researches and a challenge for academic researches. Looking at social reality, it can see that this is also a group of poor or no visibility. Given this scenario, the study started from the following question:

how were the non-school knowledge of Luiza Lopes da Silva (Lalu) and Maria de Lourdes Ferreira Gomes constituted over eight decades of existence? The objective of this research was to understand their non-school educational processes, from the core of senses: ways of being women, interdicted dreams, knowledge about plants, taste for letters and community work. Lalu Lopes and Lourdes Ferreira (they have been chosen as participants and collaborators of the study) present common points in their non-school knowledge. Both of them were born in the 1930s, they know the uses of medicinal plants/herbs from rural areas, they are daughters of farmers, they studied the early years of basic education and self- described black. They also differ, being a poet and the other popular educator, positioning themselves as a female subject in the world, in their ways of being, acting, existing and resisting. This thesis, conducted between 2015 and 2019, is based on the theoretical- methodological approaches of narrative research articulated with feminist studies, based on Feminist Epistemology, and brings the narratives and appreciation of women's experience. It also implies the recognition and importance of non-school knowledge carried out by women research subjects, evoked by experience and transmuted in the narrative. The thesis indicates that investigating and understanding non-school educational processes, through the experiences and life history of these elderly (octogenarian) black women, allows us to think about other ways of producing and acquiring knowledge, in which the learn-teach relationship is not limited to, formal institutional structures in schools and academic centers. In the stories of Lalu Lopes and Lourdes Ferreira and their knowledge, their experiences brought in their narratives break down the barriers of social and academic silence and cross the boundaries of invisibility in educational research.

Keywords: Experience. Narratives of black women. Non-school knowledge. Lalu Lopes.

Lourdes Ferreira.

(11)

CAVALCANTE, Simone Joaquim. Experiencias y conocimiento de la vida en narrativas de mujeres negras. 2019 210 f. Tesis (Doctorado en Educación) – Programa de Posgrado en Educación, Universidad Federal de Paraíba, João Pessoa, 2019.

RESUMEN

La revisión de la producción académica con respecto a los saberes y los procesos educativos no escolares de las mujeres negras ancianas es un tema aún poco explorado en la investigación sobre educación y un desafío para la investigación académica. Al observar la realidad social, se puede ver que también es un grupo de poca o ninguna visibilidad. Ante esta situación, el estudio comenzó a partir de la siguiente pregunta: ¿cómo se constituyeron los ocho años de existencia del conocimiento no escolar de Luiza Lopes da Silva (Lalu) y María de Lourdes Ferreira Gomes? El objetivo de esta investigación fue comprender sus procesos educativos no escolares, desde los núcleos de sentidos: formas de ser mujer, sueños prohibidos, saberes sobre las plantas, gusto por las letras y trabajo comunitario. Lalu Lopes y Lourdes Ferreira, elegidas como participantes y colaboradoras del estudio, presentan puntos comunes en sus saberes no escolares. Ambas nacieron en la década de 1930, conocen los usos de las plantas/hierbas medicinales de la zona rural, son hijas de agricultores, estudiaron los primeros años de la educación básica y se autodescribieron como negras. También difieren entre ellas, siendo una poetisa y otra educadora popular, posicionándose como un sujeto femenino en el mundo, en sus formas de ser, actuar, existir y resistir. Esta tesis, realizada entre 2015 y 2019, se basa en los enfoques teórico-metodológicos de la investigación narrativa articulada con estudios feministas, delimitados por la Epistemología Feminista, y aporta las narrativas y la valoración de la experiencia de las mujeres. También implica el reconocimiento y la importancia de los saberes no escolares protagonizados por las mujeres sujetos de la investigación, evocados por la experiencia y transmutados en la narrativa. La tesis indica que investigar y comprender los procesos educativos no escolares, a través de las experiencias y la historia de vida de estas mujeres negras de edad avanzada (octogenarias), nos permite pensar en otras formas de producir y adquirir conocimiento, en las cuales la relación aprender-enseñar no se limita a estructuras institucionales formales en escuelas y centros académicos, ni tampoco se encierra en estos lugares. En las historias de Lalu Lopes y Lourdes Ferreira y sus saberes, sus experiencias aportadas en sus narrativas rompen las barreras del silencio social y académico y atraviesan las fronteras de la invisibilidad en la investigación en Educación.

Palabras clave: Experiencia. Narrativas de mujeres negras. Conocimiento no escolar. Lalu Lopes. Lourdes Ferreira.

(12)

LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS

BDTD: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES: Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEBs: Comunidades Eclesiais de Bases

CECAPAS: Centro de Capacitação e Acompanhamento aos Projetos da Seca CEP: Comitê de Ética e Pesquisa

CNBB: Conferência dos Bispos do Brasil EJA: Educação de Jovens e Adultos

FFPG: Faculdade de Formação de Professores de Goiana IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES: Instituição de Ensino Superior

LDBN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC: Ministério da Educação (Brasil)

NEABI: Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas

NEABIG: Núcleo de Estudo Afro-brasileiro, Indígena e de Gênero OFMCSF: Ordem dos Frades Menores Conventuais de São Francisco OMS: Organização Mundial de Saúde

PDSE: Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior PJMP: Pastoral da Juventude do Meio Popular

PMJP: Prefeitura Municipal de João Pessoa PPGE: Programa de Pós-Graduação em Educação

PRORURAL: Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural de Pernambuco SENAR: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

UB: Universidade de Barcelona (Espanha) UEPB: Universidade Estadual da Paraíba UFBA: Universidade Federal da Bahia

UFCG: Universidade Federal de Campina Grande UFPB: Universidade Federal da Paraíba

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Luiza Lopes da Silva... 70

Figura 2: Lalu e mana Deda, em 8 de abril de 1985, João Pessoa (PB)... 72

Figura 3: Certidão de casamento de registro civil, em 28 de dezembro de 1950... 77

Figura 4: Lalu e Luiz Lopes na Primeira Comunhão de Elias e Cristina em 1974... 85

Figura 5: Lalu aos 44 anos, grávida da filha mais nova, Jaciara, em 1978... 86

Figura 6: Lalu no casamento de uma das filhas, em 11 de novembro de 2000... 88

Figura 7: Lalu no jardim de casa, em janeiro de 2017, João Pessoa (PB)... 103

Figura 8: Luiza Lopes da Silva e seu filho Marcos, em 1954... 108

Figura 9: Capa do livro Minhas Poesias, Luiza Lopes da Silva, 2010... 115

Figura 10: Capa do livro Livre como o vento, Lalu Lopes, 2014... 116

Figura 11: Lançamento do livro: Livre como o vento, novembro de 2014... 117

Figura 12: Maria de Lourdes Ferreira Gomes (s.d.)... 122

Figura 13: Material do Curso de Animadores de Comunidades das CEBs (s.d.)... 133

Figura 14: Certificado de Alfabetização (2008)... 142

Figura 15: Carteira de sócia da Associação Brasileira de Saúde Popular (ABRASP), Bio-Saúde (2004)... 149

Figura 16: Capa do ‘Caderno de Remédios Caseiros’, julho de 1995... 150

Figura 17: Lourdes no quintal de casa, em 13 de julho de 2017... 152

Figura 18: Lourdes Ferreira em casa, inspecionando sua estante de remédios caseiros, em 2000... 154

Figura 19: Jornal Notícias Aliadas, Lima (Peru), em 2000... 161

Figura 20: Material A Missão de uma Comunidade Eclesial de Base no Mundo... 165

Figura 21: Lourdes Ferreira socializando os saberes sobre as plantas e seus benefícios, Afya, em João Pessoa/PB (s.d.)... 174

Figura 22: Lourdes Ferreira socializando os saberes, pilando e preparando multimistura, Afya, João Pessoa/PB, em 1997... 174

(14)

SUMÁRIO

PRÓLOGO... 14

1 INTRODUÇÃO... 16

2 2 O PROBLEMA, OS OBJETIVOS E AS BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS DA PESQUISA... 28

2.1 Delineamento do problema, os objetivos da pesquisa e sua localização na produção acadêmica... 28

2.2 Mulheres negras em estudos feministas e a problemática no Brasil... 38

2.3 Caminhos metodológicos... 56

2.3.1 As mulheres escolhidas... 56

2.3.2 Procedimento de coleta de dados... 58

2.3.3 Organização e análise de dados... 65

2.4 A questão ética na pesquisa: dilemas e possibilidades... 66

3 EXPERIÊNCIAS E SABERES DE VIDA EM NARRATIVAS DE LALU LOPES... 70

3.1 Modos de ser mulher... 81

3.2 Sonhos interditados... 89

3.3 Saberes sobre as plantas... 95

3.4 Gosto pelas letras... 105

4 EXPERIÊNCIAS E SABERES DE VIDA EM NARRATIVAS DE LOURDES FERREIRA... 122

4.1 Modos de ser mulher... 129

4.2 Sonhos interditados... 136

4.3 Saberes sobre as plantas... 144

4.4 Trabalho comunitário... 162

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 177

FONTES DOCUMENTAIS... 184

BIBLIOGRAFIA... 186

ANEXOS... 196

(15)

PRÓLOGO

Quando me propus a ouvir e a contar a história de vida da poetisa Luiza Lopes da Silva, conhecida como Lalu Lopes, e da educadora popular, Maria de Lourdes Ferreira Gomes – Lourdes Ferreira – logo pensei que suas experiências e os saberes de vida deveriam ser conarrados, porque não se conta uma história sem contar a si mesmo, ainda mais, ao perceber a alegria e a vivacidade que elas expressaram quando souberam que suas histórias tomariam eco para além dos espaços onde estão inseridas. Entendi que, desde o primeiro momento em que fosse ouvi-las, deveria exercer uma escuta sensível de sua narratividade, já que elas me permitiram conhecer suas vidas, inscrevê-las no campo da produção acadêmica e da pesquisa em educação e reconhecê-las como relevantes no âmbito da construção do conhecimento – saberes que conferem sentido à vida – que ultrapassam as fronteiras da ciência hegemônica.

LUIZA LOPES DA SILVA nasceu em 9 de agosto de 1934, no município de Areia, Paraíba, Brasil. Estudou até a 3ª série do ensino primário, incompleto. Filha de agricultores da Paraíba, é poetisa. Casou-se aos 14 anos. Teve 15 partos naturais, sendo 10 meninas e 5 meninos. Desses filhos(as), 2 morreram, recém-nascidos. O primeiro filho homem, quinto por ordem de nascimento, morreu em 2004. Ela tem 9 filhas e 3 filhos, totalizando 12. Escreveu e publicou dois livros de poesias: Minhas Poesias (SILVA, 2010)1 e Livre como o vento (LOPES, 2014)2, em que aborda temas como: educação, envelhecimento, solidão, natureza, maternidade, entre outros. Atualmente é aposentada por idade, dedica seu tempo à escrita de aspectos do cotidiano e a escrita de si.

MARIA DE LOURDES FERREIRA GOMES nasceu em 9 de julho de 1936, no município de Guarabira, Paraíba, Brasil. Estudou até o 4º ano do Ensino Fundamental, na modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA). É ervanária e educadora popular.

Filha de agricultores da Paraíba, casou-se aos 25 anos. Tem seis filhas, uma das quais é adotiva, e cinco filhos. Aos 12 anos de idade, trabalhou como empregada doméstica, atividade que desenvolveu até antes de se casar. Hoje, também aposentada por idade, continua produzindo remédios caseiros com plantas/ervas medicinais e dedica seu tempo a ensinar a outras mulheres a cuidarem de si.

1 O primeiro livro foi publicado com o nome de registro civil da autora, Luiza Lopes da Silva.

2 O segundo livro foi publicado com o nome social da autora, Lalu Lopes.

(16)

Os relatos orais de vida, evocados pelas lembranças das mulheres e fragmentados pelos esquecimentos desejados por suas memórias, são parte de uma narrativa de si, cujas experiências são implicadas em sonhos, aspirações, saberes, fazeres e assinaladas pelos modos de ser mulher. Anunciam lugares de fala e da existência, que alteram o espaço que elas ocupam ao longo da vida, cada uma do seu jeito de estar no mundo, como mulher negra, sujeito feminino que transgride, a partir de suas vivências cotidianas, as estruturas de opressão e de subalternidade. Assim, nas histórias que contam, elas trazem seus processos educativos não escolares, ensinamentos, aprendizagens e estratégias de desconfinamento social e formas de existir, que serviram para se manterem ativas, criativas e dar sentido à realidade concreta, superar, algumas vezes, e outras não, os desafios que emergem na dinâmica da vida.

Lalu Lopes traz, em seus poemas, uma escrita que pulsa vida, revela um eu existencial, expressa alegria e destila sentimentos de tristeza e de desalento, inspirados em acontecimentos que são conteúdos de uma vida real, cartografada em versos. Os poemas que fazem parte de sua narrativa, no decurso de sua octogenaridade, lançam luz às suas experiências criadoras.

Quanto a Lourdes Ferreira, ao contar suas experiências, impulsiona a si mesma, aciona uma energia vital que a faz criar uma história para si e dá vida a sua ação social comunitária.

Parafraseando Sílvia Navarro Pedreño (2017), essas experiências podem ser compreendidas como uma expressão de otimismo da prática, de força de vontade em oposição ao pessimismo da razão, que se apresentava como destino fim, mas que foi transformado por sua capacidade de resistência ao longo da vida e de mantê-la proativa.

João Pessoa (PB), Outono de 2019.

(17)

1. INTRODUÇÃO

Inicio este trabalho refazendo alguns caminhos que me levaram à definição do tema das experiências e saberes de vida de mulheres negras. Tal escolha implica o reconhecimento e a importância dos saberes não escolares protagonizados pelas mulheres sujeitos da pesquisa, saberes evocados pela experiência e transmutados na narrativa. Demarca ainda um posicionamento enquanto professora-pesquisadora, sujeito social e político.

Para viabilizar a pesquisa, estabeleci aproximações e construí vínculos sociais e afetivos com essas mulheres, que me possibilitaram tal aproximação e confiaram contar suas histórias. Ao ouvi-las, lancei-me ao desafio e à responsabilidade de conarrá-las.

Os saberes não escolares, que tomo como objeto de estudo desta tese, referem-se ao que se aprende e/ou (re)significa no conhecimento tácito da vida prática, na vivência e na experiência social cotidiana. São os saberes que somos capazes de elaborar e reelaborar, fazendo leituras e releituras de mundo. Como diz Pedreño (2017, p. 280), “esse saber nos transforma, dá forma a nossa vida e a modela, no sentido de produtora de atitude e conduta”.

A ideia de saber que lastreia este estudo não valoriza um tipo de saber em detrimento de outro, mas compreende que existem outras formas de conhecer fora dos “muros” das escolas e dos “bancos” das universidades – em espaços não escolares – aprendizagens constituídas ao longo da vida, nas relações construídas e estabelecidas com vários sujeitos e grupos inseridos em contextos e realidades.

Em se tratando de processos educativos não escolares, Trilla (2011) assinala que a educação não formal, ou seja, a que não está padronizada de acordo com as estruturas formais de educação escolar, é “toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema oficial” (p. 19). Nesse sentido, os processos educativos não escolares são os que “duram por toda a vida e em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes e modos de discernimento mediante as experiências diárias e sua relação com o meio ambiente” (ibidem), como ocorreu na história de Lalu Lopes e de Lourdes Ferreira ao longo da vida.

Fernández (2006), por sua vez, define a educação não formal como um tipo de prática que ocorre em “processos organizados, com a intenção de alcançar aprendizado, mas que não são necessariamente gerados a partir da administração do Estado, mas de outras instâncias sociais (família, sociedade civil, organizações não-governamentais, empresas, igrejas)” (p.

18), espaços não escolares onde são gerados conhecimentos válidos. Esses saberes e

(18)

processos educativos ainda são pouco abordados na produção acadêmica e desprestigiados no interior dos centros universitários.

Como assinalado nas primeiras linhas, refazer caminhos exige indicar os itinerários desse processo que, de alguma forma, conectam-me ao tema de pesquisa. Esse percurso é marcado por muitos ensinamentos e aprendizagens. Assim, observando esse panorama e orientada, inicialmente, pelos ensinamentos em contextos de formação educativa não escolar, busquei, em minha trajetória, acessar diversas trilhas, não somente as que rotineiramente aprendemos a fazer nos caminhos para a escola e a universidade, mas, aprender a conhecer processos educativos mais amplos, horizontais, solidários, afetivos, emancipatórios, sensíveis, dinâmicos, complexos.

Já as aprendizagens dessa trajetória são demarcadas pelas opções políticas, teórico- metodológicas, pedagógicas e afetivas que fiz ao longo da vida, muitas vezes, transgredindo ensinamentos que aprendemos na família, na escola, na religião e na sociedade, de modo geral, especialmente, quando abordamos temas que implicam posicionamentos políticos e teóricos, como narrar histórias de mulheres, evocando o gênero e a raça como parte constitutiva de um processo histórico em que elas estão situadas.

Para Carvalho e colaboradores (2016a, p. 11) gênero é conceitualmente definido como

“o conjunto de sentidos atribuídos a corpos e a identidades/subjetividades, e por extensão, a objetos, espaços e práticas materiais e simbólicas denominados de femininos ou masculinos, de forma dicotômica e hierárquica”; e raça, como “cientificamente uma construção social [...].

Podemos dizer que as ‘raças’ são efeitos de discursos [...]. As sociedades humanas constroem discursos sobre suas origens e sobre a transmissão de essências entre gerações”

(GUIMARÃES, 2003, p. 96), introjetados em nosso pensamento, na forma individual e social coletiva.

Em outras palavras, esses discursos, muitas vezes, orientam os sujeitos a assumirem papéis sociais definidos, para homens e mulheres, em posições polarizadas de gênero, que se traduzem em atitudes sexistas e deflagram práticas e posturas racistas. Essas instituições, de âmbito público e privado, buscam, em suas preleções, determinar como devemos nos comportar em uma sociedade gendrada e racialmente dividida. Todavia, contrário a tais lições, procurei fazer e refazer caminhos opostos, para não cair nas armadilhas desses discursos que, historicamente, perseguiram e atravessaram as gerações e nos colocaram, social e culturalmente, em lugares hierárquicos, regidos, sobretudo, pelo sexismo e pelo racismo.

(19)

Quanto ao sexismo diz respeito às definições de papéis e de lugares sociais determinados, estabelecidos e regulados na formação cultural e linguística, destinados a homens e a mulheres, em decorrência da relação entre sexo e gênero, codificados em relações de poder e da imposição de se tornar um homem ou uma mulher socialmente (MEYER, 2010;

MATHIEU, 2009). É, ainda, a “discriminação de sexo; historicamente, a inferiorização das mulheres e consequente detenção de poderes e privilégios pelos homens” (CARVALHO et al., 2016a. p. 10). Além disso, implica a “atitude preconceituosa que prescreve para homens e mulheres papéis e condutas diferenciadas de acordo com o gênero atribuído a cada um, subordinando o feminino ao masculino” (BRASIL, 2009a, p. 178), uma realidade ainda a superar.

O racismo, por sua parte, é um sistema (SANTOS, 1984), uma estrutura de pensamento que preconiza e afirma a superioridade de um grupo étnico-racial sobre outro. O conceito é ampliado, ao afirmar que o sistema “engloba ideologias racistas, atitudes motivadas por preconceitos raciais, comportamentos discriminatórios, disposições estruturais e práticas institucionalizadas causadoras de desigualdade racial” (ONU, 1978) e segrega socialmente as pessoas por causa de sua cor e/ou da origem étnica. De acordo com Grada Kilomba (2016, p. 176), há uma “irracionalidade do racismo que nos coloca sempre como o

‘Outro’, como diferente, como incompatível, como conflitante, como estranho(a) e incomum”.

Glória Ladson-Billings (2006) ressalta que foram construídos distintos regimes de verdade(s) sobre a categoria raça, fazendo com que tomasse dimensões nunca antes imagináveis, quando identificou, classificou e hierarquizou os tipos de seres humanos. Assim,

“o pensamento corrente sobre a raça afirma que essa é uma construção social, e o processo pelo qual surgem os significados raciais denomina-se formação racial” (p. 261). São construções complexas, que necessitam constantemente de análises críticas, reflexões e mudanças de postura nas relações sociais e institucionais, que estruturam o racismo e que ainda têm desafiado a sociedade contemporânea (ALMEIDA, 2018).

No Brasil, por exemplo, as relações étnico-raciais sempre foram tensionadas e violentas, devido ao processo histórico, econômico e cultural, fundado em um processo institucional segregacionista, que distingue pessoas por causa da cor. Sua complexa formação nacional está organizada em uma sociedade racialmente estruturada em vários setores, inclusive no educacional.

Com efeito, são muitas contrafaças quando o quesito cor/raça emerge como peça central no debate. “O conjunto dessas afirmações poderiam indicar uma grande visibilidade e

(20)

um trato frequente do tema no Brasil. No entanto, o que se observa é o oposto: ‘raça’ é quase um enredo, um palco para debate de ordem diversa” (SCHWARCZ, 2012, p. 30). Em outras palavras, pode-se dizer que a questão racial é um limite e um desafio, porque, em certa medida, “ninguém nega que existe racismo no Brasil, mas sua prática é sempre atribuída a

‘outro’” (ibidem). Uma situação que, no âmbito institucional, por exemplo, busca, em suas artimanhas, dissimular e/ou ocultar a realidade.

Dito isso, foi a partir de um olhar sensível para a realidade brasileira, ao tentar transgredir os discursos sexistas e racistas, ensinados e aprendidos nos espaços público e privado, que busquei, ao longo dessa trajetória, percorrer outras trilhas para me aproximar cada vez mais dos sujeitos ditos “não aproximáveis”, compartilhar vivências, saberes, fazeres, afetos e práticas político-pedagógicas antirracistas3 e antissexistas, para dar sentido às escolhas que fiz e motivar minha reflexão-ação e a pesquisa sobre o tema.

Apresento, ainda, um breve panorama de minha trajetória, que me aproxima do tema de pesquisa, alguns processos educativos escolares e não escolares; experiências sociais, culturais e acadêmico-profissionais, em função de que “nossos leitores têm o direito de saber a nosso respeito [...]. Eles querem saber o que desperta nosso interesse nos tópicos que investigamos, a quem estamos nos dirigindo e o que temos a ganhar com nosso estudo”

(WOLCOTT, 2010, p. 26 apud CRESWELL, 2014, p. 52), nessa interconexão entre o interesse e a produção de conhecimentos. Esse percurso, que prefiguro como elemento de uma

“cartografia de si”4, representa alguns deslocamentos: de onde vim, o que fiz, o que vivi, onde estou e qual é o meu posicionamento no mundo como professora-pesquisadora e feminista antirracista.

Na construção da “cartografia de si”, identifiquei aspectos fundamentais de minha trajetória, refazendo alguns caminhos que me levaram a escolher o tema desta investigação na pesquisa em educação, na perspectiva de gênero e étnico-racial. De acordo com Capitolina Díaz (2015, p. 176),

3 Ao longo dessa trajetória, me constitui como sujeito-político contra o racismo e suas estruturas psicossociais – os ensinamentos racializadores são perversos, tanto do ponto de vista psicológico, de uma perspectiva individual, quanto de uma psicologia social, coletiva (CARONE, 2009). São orientações que se iniciam desde a infância até chegar à fase adulta, produzindo seres potencialmente racistas – resultado de uma sociedade organizada, a partir de uma estrutura racial previamente definida. Portanto, um posicionamento que pode nos levar a muitos caminhos sinuosos, visto que a questão racial, no país, sempre foi pauta de muitos debates e colisões frontais.

4 Resultado da minha participação na oficina “Dels marcs ontoepistemològics, als marcs metodològics”, ministrada pela Professora Dra. Juana M. Sanchos. Atividade acadêmica desenvolvida na ‘Jornades de Tardor Doctorat’, realizada nos dias 29 e 30 de novembro de 2017, na Universidade de Barcelona – Espanha.

(21)

a perspectiva de gênero é um olhar para a vida social e política que visa revelar como as normas, práticas e estruturas sociais, políticas e econômicas, em princípio, podem afetar e, de fato, costumam acontecer, diferentemente para mulheres e homens e/ou certos grupos de mulheres.

Em 1995, quando me inseri nos grupos pastorais populares, comecei a participar sistematicamente dos ciclos de debates e de formação sociocultural e política, realizados pelas Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs)5 – uma organização que, desde a década de 1960, lançou-se na contramão da história em defesa do estado democrático de direito no Brasil que estava em risco. “A instituição eclesiástica começava a abrir novos horizontes em sua práxis [...]. Uma característica desse período foi buscar caminhos mais bem sintonizados com os desafios da realidade brasileira, sobretudo na defesa dos direitos humanos e sociais”

(DELGADO; PASSOS, 2010, p. 96-97). Assim,

as Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs) foram congregando grupos, pessoas e movimentos. Os círculos bíblicos absorviam em suas reflexões as situações concretas da vida [...]. A troca de experiências dos participantes era uma forma de socializar os problemas, as conquistas e perguntas de cada um.

Essa metodologia possibilitava a participação de todos e motivava o grupo para uma reflexão profunda sobre o texto e a realidade histórica. (ibidem).

Os encontros das CEBs aconteciam em contextos e em espaços educativos não escolares. Eram formações organizadas e conduzidas por educadoras e educadores populares paraibanos, em parceria com as teólogas feministas do Brasil, do setor progressista da Igreja Católica6 e de missionárias de outros países, como a Europa e a África, que desenvolviam trabalhos comunitários de base na Paraíba.

Ainda nesse período, também participei da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP)7, quando minha prática política social tornou-se mais consciente, comprometida,

5 Organizações populares formativas de caráter social e político, vinculadas à Igreja Católica no Brasil, fundadas na década de 1960, e cujo objetivo, naquela época, era de discutir sobre as condições socioeconômicas e políticas do país, que começava a perder gradativamente sua autonomia política e democrática em decorrência da articulação de um golpe de estado civil-militar, em 1964, que perdurou até 1985 (CEBs, 2018).

6 Adeptos/as da Teologia da Libertação, movimento interno da Igreja Católica que ganhou força nos anos de 1960, na América Latina, e agregou a dimensão teológica às questões sociais, políticas, culturais e históricas para refletir sobre o mundo social com mais criticidade sobre os fenômenos.

7 A PJMP está articulada em regionais, e a Paraíba se encontra na Regional Nordeste 2, da qual também fazem parte os estados de Pernambuco (PE), Alagoas (AL) e Rio Grande do Norte (RN) (PJMP, 2018). Ainda sobre as memórias da PJMP, lembro que, no final da década de 1990, participei, como colaboradora, da organização do Congresso dos 20 anos da PJMP, em João Pessoa (PB), realizado no período de 14 a 17 de janeiro de 1999, momento em que nos reunimos com mais de mil jovens de todo o Brasil para debater sobre temas variados, emergentes na sociedade brasileira.

(22)

sensível e atuante no decorrer dessa trajetória nas comunidades de base e nos movimentos sociais.

A PJMP nasceu em 1978 no Recife (PE), carregando na história do seu surgimento as sementes jogadas pela Juventude Operária Católica destruída pela ditadura com o golpe militar de 1964 [...]. O final dos anos 70 e os anos 80 no Brasil foi um período marcado por grandes movimentos de massa e pelo ressurgimento da sociedade civil [organizada], sobretudo das camadas populares, no cenário político nacional. (PJMP, 2018).

A metodologia desenvolvida por essas pastorais sociais, a partir de uma abordagem participativa nos grupos de formação, apresentava-se, naquele contexto, como uma “lente convergente” para enxergar com mais nitidez a realidade em que eu mesma estava inserida.

Nos grupos, refletíamos sobre as condições socioeconômicas de segmentos desfavorecidos e valorizávamos as experiências dos sujeitos políticos que atuavam nesses segmentos, motivando a produção de outros saberes e fazeres.

Essa abordagem gerou em meu processo educativo, de dimensão pessoal e política, um sentimento importante e significativo, ao me possibilitar olhar o mundo e a sociedade com outras lentes e ter uma visão mais ampla e a aproximação de outros sujeitos e realidades.

Além disso, fez-me mirar em minha própria condição social, econômica e educacional, visto que emergia dessa realidade como estudante da escola pública pertencente à classe trabalhadora. Assim, ao viver essas experiências, entendi que era tempo de aprender a ser mais solidária, a conviver com a diversidade, pois, na diversidade, a diferença é um constituinte do nosso processo de humanização (GOMES; SILVA, 2011), e a compreender as estruturas de opressão – patriarcal, racista e de classe, sobretudo – na experiência histórica latino-americana, sequelada pelo processo colonizador.

As análises estruturais e de conjuntura mediadas pelas educadoras e pelos educadores populares sobre as condições em que vive a maioria do povo brasileiro, o problema da violência contra as mulheres, a situação socioeconômica das mulheres negras no Brasil, as tensões nas relações étnico-raciais no país e os lugares de desvalorização social da população negra no conjunto da sociedade denunciavam as estruturas de exclusão fundadas no patriarcado capitalista e sustentadas pelo racismo institucional8, que desnivelou socioeconomicamente os indivíduos e causou profunda desigualdade social e nítida divisão

8 O racismo institucional é entendido como o fracasso das instituições (públicas e privadas) ao prover um serviço profissional e de boa qualidade para as pessoas devido a sua cor, à cultura e à origem racial ou étnica;

igualmente, qualquer organização social, cultural, política ou religiosa que impeça as pessoas (segundo suas características genotípicas e fenotípicas) de desfrutarem de tais espaços (BRASIL, 2006a).

(23)

racial. Essa estrutura e conjuntura me instigavam ao compromisso com a realidade política do país, nos espaços onde estava inserida.

No Brasil, a década de 1990 foi um período de aguda desigualdade social, exclusão e marginalização de diversos setores da sociedade. Os segmentos da sociedade civil organizada, principalmente os movimentos de mulheres e os movimentos negros, com expressivo protagonismo das mulheres negras, reivindicavam do Estado o investimento em políticas públicas para a população mais pobre, sobretudo as pessoas e/ou os grupos vulnerabilizados, notadamente a maioria da população negra, cuja condição de vida social e econômica precária tornava-se ainda mais recrudescida para as mulheres negras, caracterizando-as como as mais pobres, que ainda permanecem na base da estrutura socioeconômica brasileira.

De acordo com Lélia Gonzalez (2008), para estudar a situação da população negra no Brasil, é necessário compreender que houve/há uma divisão racial do espaço delineada a partir de uma lógica racializada, em vários segmentos, do social ao educacional, do cultural à produção teórica, em que a questão racial passou a ser o elemento central de várias desigualdades e delimitou fronteiras para a equidade e o estabelecendo de privilégios para uns em detrimento de outros – “segregação, com acentuada polarização, extremamente desvantajosa para a população negra” (idem, p. 29), que ainda luta e resiste para manter a própria existência.

No Brasil, as condições de vida e de existência da maioria da população negra têm sido continuamente precarizadas, vinculadas ao racismo estrutural e vêm provocando vertiginosa desigualdade de oportunidades, mobilidade social e educacional. Por isso, as mulheres negras ainda são as mais afetadas pela desigualdade racial no país, articulada à divisão sexual e racial do trabalho, o que significa trabalhar mais e ganhar menos (GONZALEZ, 2008). Ressalte-se, ainda, que é preciso, com urgência, modificar essa realidade e valorizar as experiências acumuladas por outras mulheres negras ao longo da vida, no âmbito da produção do conhecimento e da vida social no contexto brasileiro, assim como em outras sociedades, onde o racismo estrutural está fundado, pois, “como grupo, as mulheres negras estão em posição incomum” (HOOKS, 2015, p. 207).

Em 2000, ao ingressar na Faculdade de Formação de Professores de Goiana (FFPG)9 – Pernambuco – para cursar a Graduação e Licenciatura em História, tive a oportunidade de

9 Antes de ingressar na Faculdade, em 1998 e 1999, fui estudante do Projeto Juventude Solidária, um curso preparatório para o acesso às Instituições de Ensino Superior, organizado pela Paróquia Santa Rita de Cássia, na cidade de Santa Rita – Paraíba. O curso era realizado nos finais de semana e foi criado para atender a estudantes da classe trabalhadora que não tinham condições financeiras de pagar os cursos preparatórios ofertados pelo setor privado. O corpo docente era formado de professoras e professores voluntários. Era uma época em que não

(24)

expandir e aprofundar a visão de mundo sobre os processos históricos, sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos, éticos e pedagógicos em distintas realidades, principalmente no Brasil e na América Latina. Os estudos, nessa área do conhecimento, com suas abordagens teóricas e metodológicas, durante o processo de formação acadêmico-profissional, possibilitaram compreender a educação como prática social e política e enxergar, com mais nitidez, os processos educativos formais10 e os processos educativos não escolares. Portanto, para mim, era tempo de conhecer-aprender, dialogar e compartilhar experiências em contextos de aprendizagens coletivas. Em sintonia com Freire (1997, p. 12), posso dizer que “a nossa experiência, que envolve condicionamentos, mas não determinismo, implica decisões, rupturas, opções, riscos”, uma postura orientada na teoria, na crítica-reflexiva e na prática político-pedagógica transformadora, emancipatória e autônoma.

Em 2004, seguindo o processo de formação acadêmico-profissional, optei por fazer o Curso de Especialização em Pedagogia Afirmativa: Educação, Cultura e História na Perspectiva Afro-brasileira11, também na mesma instituição (FFPG/PE). Durante o curso, realizei o estudo que englobava História e Cultura da África e dos Africanos/as, bem como os processos de luta, resistência, participação e contribuição dos negros e das negras no/do Brasil. A opção pelo estudo dessa temática representava, naquele momento, uma orientação pedagógica para minha prática docente e ação política. Era tempo de escolhas teóricas e metodológicas mais afirmativas, em que o pedagógico se entrecruzava com o político, porque

não é possível entender-me apenas como classe, ou como raça ou como sexo, mas, por outro lado, minha posição de classe, a cor de minha pele e o sexo com que cheguei ao mundo não podem ser esquecidos na análise do que faço, do que penso, do que digo. Como não pode ser esquecida a experiência social de que participo, minha formação, minhas crenças, minha cultura, minha opção política, minha esperança (FREIRE, 1997, p. 15).

Em 2005, fui convidada para atuar na Prefeitura Municipal de João Pessoa (PB)12 como auxiliar de gestão, no Centro de Referência da Cidadania13, realizando trabalho havia políticas de cotas nas Universidades públicas brasileiras, portanto, o acesso ainda era direito de poucos, um direito regulado no ingresso às instituições públicas de ensino superior no país.

10 A educação formal compreende “o sistema educacional altamente institucionalizado, cronologicamente graduado e hierarquicamente estruturado, que se estende desde os primeiros anos do ensino fundamental até os últimos anos da universidade” (TRILLA, 2011, p. 18).

11 O curso foi ofertado um ano depois da instituição da Lei 10.639/2003, que determinou a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas redes de ensino público e privado do país (BRASIL, 2003). Foi o primeiro curso de formação de professoras e professores no âmbito das ações afirmativas criado no Brasil, balizado na Pedagogia com abordagem inter/multidisciplinar.

12 De 2007 a 2012, seguindo esse fluxo profissional, atuei como assessora de Políticas Públicas para Diversidade Humana, na mesma gestão municipal, setor vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e à Diretoria de

(25)

administrativo e pedagógico no campo social, em que os debates sobre gênero e raça estiveram sempre em foco nas ações político-pedagógicas e culturais desenvolvidas. Recordo que, ao ingressar na área social, deparei-me com realidades mais recrudescidas, das violências contra as mulheres à violação dos direitos das crianças e adolescentes, e percebi a ausência das mulheres negras idosas empobrecidas no acesso aos escassos serviços sociais, embora houvesse a presença de outras mulheres em condições socioeconômicas mais estáveis.

Naquele período, usando as lentes de gênero e étnico-raciais, que me possibilitariam olhar para aquela realidade, perguntei: Onde estavam as mulheres negras idosas? Por que elas não acessavam algumas atividades oferecidas pelos programas sociais? Como poder público, não estávamos enxergando-as? Era um olhar para a aguda exclusão social e racial. Portanto, perceber essa ausência despertou-me um sentimento de impotência, inércia e incompetência, do ponto de vista institucional – uma letargia do Estado brasileiro. Era necessário reconhecer que faltavam mais políticas públicas para a população negra brasileira e paraibana empobrecida. Carecíamos também de um recorte geracional que considerasse as sequelas históricas e socioculturais para esse grupo populacional14.

Aquele foi um tempo de muitos ensinamentos e aprendizagens, em que foram superados alguns desafios e compreendidos os limites das estruturas político-administrativas e algumas importantes conquistas, no âmbito das políticas públicas, no cenário local. Foi, também, um momento de demarcar um ‘lugar de fala’ (CERTEAU, 2008a; RIBEIRO, 2017) e de aproximar a teoria e a prática – a reflexão, a ação e a intervenção político-pedagógica, apesar de conhecer e reconhecer os limites burocráticos do sistema público estatal brasileiro e paraibano.

Em 2010, ao ingressar no Mestrado em História no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (PPGH/UFPB), realizei uma pesquisa sobre a história e a memória de Adélia de França, uma professora negra da Paraíba do século XX (1926-1976) (CAVALCANTE, 2012). A investigação buscou visibilizar a trajetória de Adélia de França, docente com importantes contribuições no campo da educação paraibana, e possibilitou ainda ampliar o campo de visão sobre a atuação laboral das professoras negras e Organização Comunitária e Participação Popular, até setembro de 2012. Depois desse período, sofreu uma reestruturação interna, vinculando-se ao gabinete do prefeito.

13 Unidade de atendimento comunitário e social, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e à Diretoria de Organização Comunitária e Participação Popular, da Prefeitura Municipal de João Pessoa, Paraíba, Brasil.

14 Naquele período, pouco a pouco, conseguimos dialogar com algumas mulheres, a partir de uma busca ativa, mas não logramos êxito naquela dura realidade de exclusão e baixa autoestima. Era necessária uma intervenção sistêmica, visando implantar e executar políticas públicas estruturantes, voltadas para esse segmento social, o que ainda não ocorreu.

(26)

não negras na história local. Era tempo de pesquisar, aprender os caminhos metodológicos da investigação e de apresentar os resultados das escolhas.

Em 2014, cursei Especialização em Direitos Humanos, pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e, no final, apresentei o trabalho intitulado: História e cultura afro- brasileira na sala de aula: educação para as relações étnico-raciais e para os direitos humanos.

Nesse período, ampliei e aprofundei algumas abordagens teórico-conceituais, explorando outras leituras sobre o tema, além de renovar o compromisso político-pedagógico e ético- social na luta contra o racismo, sobretudo o racismo institucional no campo da educação. Era tempo de reafirmar escolhas.

Em 2015, ao ingressar no Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba/Brasil (PPGE/UFPB), investiguei sobre os saberes não escolares de mulheres negras octogenárias da Paraíba, suas experiências e seus processos educativos não escolares, outro grupo de mulheres que está fora dos cânones da produção científica. A escolha por esse tema expressa a compreensão sobre a função social da educação como capaz de contemplar, no âmbito da investigação acadêmica, sujeitos de saberes e fazeres em processos educativos não escolares válidos, um estudo que se inscreve na perspectiva feminista e da educação social.

Em 2016, participei, sob a orientação da Professora Dra. Maria Eulina Pessoa de Carvalho (PPGE/UFPB), do processo seletivo Edital nº 19 do Programa de Doutorado Sanduiche no Exterior (PDSE), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Ministério da Educação do Brasil e do Edital nº 06/2016 da Coordenação do PPGE/UFPB para realizar o estágio doutoral na Universidade de Barcelona (UB), Campus Mundet, Espanha, no período de setembro de 2017 a março de 2018. Na UB, fui academicamente acolhida e tutelada pela Professora Dra. Alejandra Montané López e, sob sua direção, ampliei e aprofundei sob o ponto de vista teórico-metodológico, o trabalho de tese, principalmente ao cursar a disciplina Elaboración de Proyecto de Investigación Educativa y Social15. Esse período foi de largo crescimento no âmbito metodológico da investigação científica. Foi tempo de ampliar e consolidar as escolhas que se seguem nessa trajetória acadêmico-profissional, sociopolítica e pedagógica em constante processo16.

15 Disciplina realizada no período de 10 de outubro a 19 de dezembro de 2017, com aulas teóricas e práticas de metodologia da investigação educativa, ministrada pela Professora Dra. Alejandra Montané, do Programa de Doutorado Educação e Sociedade da UB.

16 Destaco, ainda, que em dezembro de 2018, conheci Inês Assunção de Castro Teixeira, professora visitante da UFPB, que assumiu a coorientação deste trabalho e trouxe contribuições para a pesquisa narrativa. Essa metodologia viabilizou contar as narrativas das mulheres sujeitos da pesquisa e historicizar suas experiências.

(27)

Com efeito, posso afirmar que foi um olhar para aspectos de uma realidade social que me motivou a fazer esta investigação no campo educacional, em uma perspectiva feminista e antirracista. Investigar, além de ser um processo sistemático e crítico, é de organização, de planejamento, de geração de conhecimentos e métodos definidos sobre determinado tema ou fenômeno para mostrar aspectos da realidade (CRESWELL, 2014; DENZIN; LINCON, 2006;

BAUER; GASKELL; ALLUM, 2014; DÍAZ, 2015; FLICK, 2009).

No domínio da educação formal, os processos educativos não escolares ainda são considerados de pouca e/ou nenhuma relevância social e cultural, desqualificados e, por vezes, desautorizados pelo saber formal, institucionalizado. Os estudos sobre a educação social tomam como pressuposto básico o conhecimento significativo, produzido pelos sujeitos em processos educativos não escolares, um fenômeno social e educativo que se desdobra fora do sistema da educação formal e suas plataformas de ensino e aprendizagem.

Os processos educativos não formais evocam temas de investigação que valorizam os saberes dos sujeitos, por meio da experiência ao longo da vida, e refletem sobre os modos de adquirir saberes fora dos modelos institucionais de produção de conhecimento e tipos de aprendizagem (TRILLA, 2011; FERNÁNDEZ, 2006; ORTEGA, 1998). Nesse sentido, a educação, como prática social, pode assumir diferentes perspectivas, e o processo educativo não escolar, que ocorre para além da escolarização formal e paralelamente a ela, acontece na família, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil (não governamentais), como sindicatos, associações de moradores/as, clubes recreativos, partidos políticos, organizações de mulheres, grupos de jovens, assim como nos espaços sociais, culturais, políticos, religiosos e virtuais. Esse processo também ocorre por outros meios, como o cinema, o teatro, a música, a literatura, a televisão, a internet e demais redes de socialização, comunicação e informação em geral (FERNÁNDEZ, 2006; TRILLA, 2011), como evidenciado nas trajetórias de Lalu Lopes e Lourdes Ferreira.

A esse respeito, Fernández (2006, p. 20) sugere que as sociedades se sustentam mais por processos educativos não escolares, a partir do que aprendem e/ou adquirem ao longo da vida, da experiência, do que, necessariamente, no interior das escolas, como espaços institucionalizados de um tipo de saber. Sua reflexão critica as estratégias operadas pelas instituições educacionais, que, dissimuladamente, desconhecem e/ou se programam sistemática e politicamente para desconhecer o que, de fato, emerge da sociedade, que são as experiências construídas com significados ao longo da vida. A educação institucionalizada no topo do seu saber-poder não valoriza o que sabemos como saber.

(28)

Observando esse panorama, a tese defendida aqui é de que as mulheres participantes e colaboradoras deste estudo constituíram saberes da vida, ensinados, aprendidos, elaborados e reelaborados de geração em geração, além de ensinamentos e de aprendizagens ao longo da vida, que fundamentam seus saberes não escolares.

O texto da tese está estruturado em três capítulos. O primeiro apresenta o problema e os objetivos da investigação e sua localização na produção acadêmica, bem como os caminhos teóricos e metodológicos da pesquisa. Nele, depois de enunciar o problema e os propósitos da pesquisa, explicito a opção pela pesquisa narrativa como abordagem metodológica da investigação, articulada a elementos da Epistemologia Feminista, especialmente no que concerne às mulheres negras no Brasil.

No segundo capítulo, apresento a narrativa sobre os saberes de vida e os processos educativos não escolares vivenciados por Lalu Lopes, articulados aos núcleos de sentido:

modos de ser mulher, sonhos interditados, saberes sobre as plantas e gosto pelas letras.

Observao que o gosto pelas letras, de maneira particular, marca sua história como sujeito feminino no mundo e evidencia a forma como enxerga o mundo, as pessoas e o cotidiano.

No terceiro capítulo, de modo similar, trago uma narrativa sobre os saberes de vida e os processos educativos não escolares de Lourdes Ferreira, exponho trechos de seus relatos orais a respeito de suas experiências ao longo da vida, articulados aos núcleos de sentidos:

modos de ser mulher, sonhos interditados, saberes sobre as plantas e trabalho comunitário.

O trabalho comunitário, imbricado nos saberes sobre as plantas, assinala a dedicação e o compromisso de Lourdes com os direitos sociais e humanos, dentre outras marcas de sua história.

Por fim, nas considerações finais, destaco a singularidade que permeia a história de cada uma delas, em seus processos educativos não escolares, um tema que merece um olhar sensível na pesquisa em educação.

(29)

2. O PROBLEMA, OS OBJETIVOS E AS BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS DA PESQUISA

Neste capítulo, apresento o problema e os objetivos da pesquisa, localizando-a na produção acadêmica brasileira. O capítulo contém, ainda, uma discussão inicial da problemática das mulheres negras nas pesquisas feministas e sua contextualização no Brasil.

Completando as seções do capítulo apresento os caminhos metodológicos da investigação, envolvendo o processo de coleta, seleção, organização e análise do material empírico. A metodologia se insere nos domínios da pesquisa narrativa, porque por este caminho é possível alcançar as experiências individuais, de um ou mais sujeitos, sempre localizados em histórias coletivas. Esta metodologia permite analisar histórias vividas e contadas pelos indivíduos e pode ser organizada/estruturada a partir de temas enfatizados pelos sujeitos nos vários períodos do curso de suas vidas ou temas escolhidos pelos pesquisadores(as). No caso desta pesquisa, de núcleos de sentidos, não são abordados de modo linear. Essa forma de abordagem tem procurado rejeitar a ideia de linearidade e romper com a visão de progressividade na história de vida dos sujeitos (AVELAR, 2007). O estudo também aproxima, de um lado a pesquisa narrativa dos estudos feministas, uma articulação teórico- metodológica que busca valorizar as experiências das mulheres, no âmbito da produção do conhecimento, a partir de suas vozes, que são evocadas (OLESEN, 2006; BOLÍVAR;

DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001). De outro lado, o estudo considera aspectos relativos à história das mulheres negras no Brasil.

2.1 Delineamento do problema e dos objetivos da pesquisa e sua localização na produção acadêmica

O estudo em tela partiu da seguinte pergunta: Como foram constituídos os saberes não escolares de Lalu Lopes e Lourdes Ferreira ao longo de oito décadas de existência?

O objeto de estudo desta tese são os saberes não escolares de duas mulheres negras octogenárias da Paraíba, um tema ainda pouco explorado nas pesquisas em Educação, no Brasil e na Paraíba. Trata-se de um grupo social de pouca ou quase nenhuma visibilidade nas pesquisas acadêmicas.

O objetivo geral da investigação foi de compreender os processos educativos não

(30)

escolares de Lalu Lopes e Lourdes Ferreira. Para isso, elenquei os seguintes objetivos específicos: i) identificar e conhecer os saberes e os fazeres das mulheres sujeitos da pesquisa;

ii) descrever e analisar o contexto pessoal, social, histórico, cultural e educacional de suas histórias de vida; iii) apresentar as narrativas sobre seus saberes constituídos pelos processos educativos não escolares.

Reiterando, a abordagem teórico-metodológica desta tese baseia-se na pesquisa narrativa, “um estudo de histórias ou narrativas ou descrições de uma série de eventos que representam as experiências humanas” (CRESWELL, 2014, p. 219), articulada aos estudos feministas, balizados pela Epistemologia Feminista, cujas narrativas abordam a valorização da experiência das mulheres. As experiências e os saberes de vida nas narrativas de Lalu Lopes e Lourdes Ferreira são apresentados com base nestes núcleos de sentidos: modos de ser mulher, sonhos interditados, saberes sobre as plantas, gosto pelas letras e trabalho comunitário, elaborados, interpretados e analisados a partir das narrativas contadas por elas.

Os estudos com narrativas, estes têm obtido centralidade e respaldo nas pesquisas feministas, sobretudo, no que diz respeito à valorização das experiências das mulheres na sociedade e na história. Destaca-se, ainda, que “o feminismo reivindicou um modo próprio de conhecer das mulheres, distinto do raciocínio lógico-formal androcêntrico [...], que leva a considerar a narrativa como uma forma específica do discurso feminino” (BOLÍVAR;

DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001, p. 66-67). Porém tais discursos não são exclusivos do

“discurso feminino”, embora sejam bastante utilizados em alguns estudos feministas, principalmente, nos estudos sobre as mulheres, usando a oralidade para dar ênfase as suas vozes, que foram historicamente negadas, silenciadas e/ou frequentemente interrompidas.

Os estudos feministas, de modo geral, têm buscado, por meio das narrativas de história oral, história de vida e (auto)biografia, escutar as vozes das mulheres e valorizar as experiências e saberes de vida em diversos contextos e realidades. Devido a essa incursão teórico-metodológica, pude constatar tal iniciativa na revisão da literatura.

Prosseguindo, para melhor situar a problemática em estudo, apresento alguns trabalhos que dialoga com a tese, procurando situá-la na produção acadêmica brasileira. Nesta direção, em novembro de 2016 e julho de 2018, realizei uma revisão da literatura17, fiz o levantamento de teses e dissertações na base de dados Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), com vistas a identificar produções brasileiras e paraibanas que abordam temas com

17 Parte reduzida desse texto foi apresentada no XXIV EPEN – Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste – Reunião Científica da Regional Nordeste da ANPEd, realizado na Universidade Federal da Paraíba, de 19 a 22 de novembro de 2018, com o título História de vida e processo educativo não escolar de mulheres negras:

revisando a literatura acadêmica, no GT 21: Educação e Relações Étnico-raciais.

Referências

Documentos relacionados

Em que pese ausência de perícia médica judicial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, podendo

Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 2007. A organização como fenômeno psicossocial: notas para uma redefinição da psicologia organizacional e

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

6 Num regime monárquico e de desigualdade social, sem partidos políticos, uma carta outor- gada pelo rei nada tinha realmente com o povo, considerado como o conjunto de

O mecanismo de competição atribuído aos antagonistas como responsável pelo controle da doença faz com que meios que promovam restrições de elementos essenciais ao desenvolvimento

Afinal de contas, tanto uma quanto a outra são ferramentas essenciais para a compreensão da realidade, além de ser o principal motivo da re- pulsa pela matemática, uma vez que é

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

Considerando que a criminalização do aborto voluntário no primeiro trimestre da gravidez é uma grave intervenção em diversos direitos fundamentais da mulher e que essa