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Mal de Pott: tratamento clínico e cirúrgico *

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Academic year: 2021

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LUIZ FERNANDO DA F. SISMEIRO, ROBERTO ANTONOLLI DA SILVA

RESUMO

Foram analisados os prontuários de 22 pacientes aten-didos no período de março de 1983 a março de 1993, diagnosticados como portadores de tuberculose verte-bral. Destes, três foram excluídos, por não terem retor-nado para controle ambulatorial. Todos os pacientes tra-tados fizeram uso de quimioterapia tríplice (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) e colete gessado por período mínimo de seis meses. Apenas dois pacientes foram sub-metidos a tratamento cirúrgico associado à quimiotera-pia e imobilização gessada. Os procedimentos cirúrgicos foram: a) drenagem cirúrgica do abscesso por via ante-rior (caso 15); b) drenagem do abscesso, descompressão medular e artrodese com enxerto ósseo de perônio e ilía-co em chips por via anterior (caso 11). Apesar da utiliza-ção de métodos conservadores na maioria dos casos (17 pacientes), o índice de bons resultados foi semelhante aos descritos na literatura, com a realização de procedi-mentos cirúrgicos. Essa constatação é de grande impor-tância em nosso contexto, onde as condições socioeconô-micas dificultam os procedimentos invasivos.

SUMMARY

Pott’s disease: clinical and surgical treatment

The promptuaries of 22 patients attended in the period from March 1993 to March 1983, diagnosed as vertebral tuberculosis carriers, were analysed. From these, three patients were excluded for not having re-turned to ambulatorial control. All treated patients used

* Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. Universitá-rio da Univ. Fed. de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS. 1. Chefe do Serviço.

2. Preceptor da Residência e Orientador. 3. Residente do 3º Ano.

Rev Bras Ortop – Vol. 29, Nº 3 — Março, 1994

triple chemotherapy (rifampicina, isoniazida and pirazi-namida) and plaster cast waistcoat for a minimum period of 6 months. Only 2 patients were submitted to surgical treatment associated to chemotherapy and plaster immobilization. The surgical procedures were: a) foreway surgical drainage of the abscess (case 15); b) abscess drainage, medullary lack of compression and arthrodesis with foreway bone transplant (grafting) from the fibula and ilium (thighbone) in chips (case 2). Des-pite the utilization of conservative methods in most of

the cases (17 patients) the rating of good results was similar to those described in the literature with the use of surgical procedures. This remark is of great impor-tance in our context where socioeconomic conditions dif-ficult invasive procedures.

INTRODUÇÃO

A literatura descreve a tuberculose da coluna verte-bral em múmias egípcias que datam de 3.000 AC, sen-do o primeiro relato realizasen-do por Hipócrates em 450 AC (8,11)

. Sir Percival Pott, em 1779, foi o primeiro autor a realizar descrição detalhada da enfermidade e sua expo-sição, incluindo os achados de autópsia(11,14)

. Laennec, em 1804, sugeriu que as muitas formas de tuberculose, até então consideradas como doenças diferentes, eram na realidade manifestações de uma mesma patologia(15)

. Villemin, em 1805, estabeleceu a natureza contagiosa do processo pela inoculação em animais de laboratório com tecido lesado (15)

.

O termo tuberculose entrou em uso em 1839. É uma doença infecciosa crônica, endêmica, causada pelo

Myco-bacterium tuberculosis, bacilo álcool-acidorresistente,

descrito por Robert Koch em 1882. Pode também ser causada por outras formas de Mycobacterium (M. bovis,

M. kansasin, M. fortuitum, M. martinum, M.

intracellu-l a s e )( l , 4 , 5 , l 6 ) .

(2)

A infecção tornou-se epidêmica com a revolução in-dustrial, que gerou grandes aglomerados e precárias con-dições socioeconômicas.

Vários métodos de tratamento têm sido descritos na literatura. Wilkins (1886), Hada (1891) e Chipault (1893) realizaram a estabilização da tuberculose verte-bral por meio de ‘‘arames enrolados” ao redor das apó-fises espinhosas, por via posterior (6,9)

. Hibbs, em 1911, realizou artrodese precoce por via posterior, com resulta-do satisfatório, desde que a destruição vertebral não fos-se fos-severa(10)

. Albee, em 1911, efetuou a artrodese com enxerto ósseo (2,6)

de tíbia, com bons resultados; o méto-do se difundiu rapidamente.

O tratamento não operatório cresceu com o desco-brimento dos agentes quimioterápicos contra o bacilo da tuberculose, sendo a estreptomicina a primeira medi-cação efetiva a ser introduzida em 1945.

Capener iniciou a drenagem dos abscessos tuberculo-sos com o acesso póstero-lateral, que foi estendido por Dott e Alexander à costotransversectomia(3,7)

. Em 1955, Hodgson e Slock reavivaram o interesse pelo acesso ante-rior da coluna vertebral, preconizado anteante-riormente por Ito & col. em 1934(12,13)

. Chu, em 1967, adotou o méto-do de Hodgson, que consiste em desbridamento e artro-dese anterior precoce, com mais de 90% de sucesso. Hudson & col. empregaram a descompressão anterior radical e a artrodese em todos os pacientes com para-plegia(5)

.

Em nosso serviço, optou-se pelo tratamento conser-vador, com quimioterapia tríplice e colete gessado. Ape-nas dois casos foram submetidos a tratamento cirúrgico, pois apresentavam comprometimento neurológico impor-tante e sem resposta ao tratamento conservador.

Masculino 68,4%

Feminino 31,6% MATERIAL E MÉTODO

Utilizamos os prontuários de 22 pacientes atendidos no período de março de 1983 a março de 1993. Os crité-rios utilizados na seleção foram: a) emprego de esque-ma tríplice em associação com a imobilização gessada; b) associação de procedimento cirúrgico com esquema tríplice e imobilização gessada; c) tempo mínimo de tra-tamento e evolução ambulatorial de seis meses,

Ao final da avaliação, 19 prontuários correspondiam a esses pré-requisitos. A idade média dos pacientes foi de 25,6 anos, estando o mais jovem com três anos e o mais idoso, com 65 (gráfico 1).

Houve predominância do sexo masculino (15 pacien-tes) em relação ao feminino (sete pacienpacien-tes) (gráfico 2). O tempo de evolução ambulatorial variou de seis a 72 meses, com média de 15,9 meses. As queixas mais co-muns foram dor torácica ou lombar e dificuldade para deambular. O déficit neurológico dos pacientes foi ava-liado segundo a escala de Frankel (tabela 1).

Além da história e exame físico, os pacientes foram submetidos a exames complementares (tabela 2), para confirmação diagnóstica e avaliação dos resultados obti-dos com o tratamento. A localização e a extensão da lesão foram determinadas pela associação de exame físi-co, radiológico e tomográfico (tabelas 3a e b).

A normalização do hemograma, avaliando-se princi-palmente o restabelecimento da relação

linfócito/monó-Gráfico 1

Gráfico 2

TABELA 1 Escala de Frankel

Sensibilidade Motricidade Nº de pacientes

A (–) (–) 0 B (+) (–) 0 C ( + + ) (+) 3 D Normal ( + + ) E Normal Normal 11 5

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cito, e a diminuição dos níveis da velocidade de hemosse-dimentação foram utilizadas como parâmetros para a determinação da cura.

TRATAMENTO

O tratamento quimioterápico baseou-se no esque-ma tríplice, associando-se entre si rifampicina,

pirazina-TABELA 2 Exames complementares

Exame N° de pacientes

Exame radiológico 19

Hemograma (linfócito, monócito) 19

V H S 19

PPD 10

Anatomopatológico 5

Pesquisa de BAAR 3

CT 3

Punção vertebral (agulha de Ottolenghi) 1

TABELA 3A

Localização das Iesões N° de pacientes

Coluna cervical 1

Coluna torácica 8

Coluna Iombar 10

TABELA 3B

Caso Nome Localização da Iesão

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 1 3 14 15 16 17 18 19 A.L. J.R.A. A.A.R. P.R. S. J.G.D.C. E.F.S. C.R.F. E.R.J. D . V . L.G.C. L.R.S. S.P.B. V.J.R. S.R.A. M.F. W.F.R. G.B.P. T.S.F. A.F.S. Cervical Torácica Torácica Torácica Lombar Lombar Lombar Lombar Torácica Lombar Torácica Torácica Lombar Lombar Torácica Lombar Lombar Torácica Lombar

mida e isoniazida em suas doses padronizadas (tabela 4). O tempo médio de tratamento foi de 10,3 meses, com mínimo de seis e máximo de 18 meses.

Em 17 pacientes, houve associação entre quimiotera-pia e tratamento ortopédico, utilizando o colete gessa-do em 16 pacientes e o halo-gesso em um. Dois pacien-tes foram submetidos a procedimento cirúrgico, imobili-zação gessada e quimioterapia. Os procedimentos cirúr-gicos realizados foram: a) descompressão medular, drenagem de abscesso e fixação com enxerto de perônio e ilíaco em chips (caso 2); b) drenagem do abscesso (caso 1 1).

Ao final do follow-up dos oito pacientes que apre-sentaram déficit neurológico no início do tratamento, apenas dois não evoluíram na classificação de Frankel. Dois pacientes Frankel C e quatro pacientes Frankel D evoluíram para Frankel E (tabela 5).

Quanto às queixas subjetivas, 11 pacientes estavam assintomáticos, quatro queixavam-se de dor lombar e dois referiam dor lombar e diminuição da força muscu-lar dos MMII (tabela 6).

TABELA 4

Drogas antituberculose, suas doses e via de administração

Dose Droga

mg/kg máxima/dia(mg) via de administração

Rifampicina 10 600 Oral Isoniazida 10 400 Oral P i r a z i n a m i d a 3 5 2.000 Oral

TABELA 5 Escala de Frankel

Grau Inicial Final

C 3 pacientes 1 paciente D 5 pacientes (2) 1 paciente E 11 pacientes (4) 17 pacientes TABELA 6 Avaliação subjetiva Assintomáticos 13 Dor Iombar 4

Dor Iombar e diminuição da força muscular 2

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DISCUSSÃO

A utilização de método conservator em nosso servi-ço, num período de dez anos, mostrou-se extremamente satisfatório em todos os sentidos. O método é simples, de baixo custo, dispensando internações prolongadas, sendo de ótima aceitação pelo paciente.

Ocorreu melhora do quadro doloroso e neurologi-co pouneurologi-cos alias após o início do tratamento neurologi-com o esque-ma tríplice. As drogas utilizadas são distribuídas gratuita-mente e encontradas em qualquer unidade de saúde

cre-Fig. 1 — A.A.R. Lesão do corpo vertebral T12. Fase inicial.

Fig. 2 — L.R.S. Fase initial. Presença de abscesso paravertebral em coluna torácica.

denciada pela CEME, o que evita a suspensão do trata-mento pela falta da medicação. A imobilização gessada também possui baixo custo e é de fácil confecção.

Esses fatores contribuem para que o método de tra-tamento possa ser instituído em qualquer unidade de saúde, desde que possua as drogas e pessoal habilitado para a confecção do colete gessado.

O paciente A.A.R. (caso 3) foi internado com quei-xas de dor em coluna torácica, dificuldade para deambu-lar e parestesia em membros inferiores. Iniciada a qui-moiterapia tríplice, apresentou melhora progressiva da

Fig. 3 — J.R.A. Destruição do corpo vertebral e abscesso

para-vertebral. Fig. 4 — J.R.A. Fase final. 18° mês de evolução pós-operatória. Enxertos ósseos consolidados e incorporados.

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sintomatologia após o terceiro dia. Foi tratado por seis meses com esquema tríplice e imobilização gessada. No seguimento por 11 meses, apresentou regressão total do quadro, com ausência de seqüelas (figura 1).

O paciente A.L. (caso 1), portador de deformidade com cifose cervical, sinais de compressão medular e des-truição óssea do segmento C4-C5, foi submetido a trata-mento quimioterápico e imobilização rígida, tipo halo-gesso, por quatro meses e aparelho gessado tipo miner-va por dois meses. Atualmente, apresenta cura comple-ta da patologia, com regressão tocomple-tal do quadro neuro-lógico.

Dois pacientes foram submetidos ao tratamento ci-rúrgico, por apresentarem déficit neurológico importan-te que não regrediu com a quimioimportan-terapia.

O paciente L.R.S. (caso 11) não apresentava instabi-lidade mecânica da coluna torácica e foi submetido a drenagem do abscesso por via anterior, imobilização ges-sada e quimioterapia tríplice (figura 2).

O paciente J.R.A. (caso 2) apresentava lesões na co-luna torácica comprometendo o segmento T8 a T11, com alteração neurológica (Frankel C) e instabilidade mecâni-ca. Realizou-se drenagem do abscesso, descompressão medular, com ressecção dos corpos vertebrais, e artrode-se, com enxerto ósseo de perônio e ilíaco em chips (figu-ras 3 e 4).

CONCLUSÃO

Considerando que o número de casos notificados de tuberculose tem aumentado proporcionalmente à dete-rioração das condições socioeconômicas do país e com o aumento da contaminação pela AIDS, a conclusão a que chegamos é de suma importância. Mesmo um médi-co do interior pode tratar e evitar o encaminhamento de pacientes para centros distantes, desde que possa fa-zer o diagnóstico, ter acesso à drogas e conhecimento da técnica de confecção do colete gessado. O tratamen-to do paciente em seu próprio meio contribui para a ade-são ao método, o que certamente aumentará o índice de bons resultados.

Dos oito pacientes com alteração neurological trata-dos, seis evoluíram um grau ou mais na escala de Fran-kel (tabela 6). A regressão do déficit neurológico foi

ob-Rev Bras Ortop — Vol. 29, Nº 3 — Março, 1994

tida em 87,5%, após 15 dias de tratamento com o esque-ma tríplice e colete gessado. Constatamos que o tempo mínimo de tratamento para a obtenção da cura é de seis meses, tendo como parâmetro laboratorial a normaliza-ção do hemograma e a diminuinormaliza-ção do VHS.

Os procedimentos cirúrgicos que necessitem de insta-lações hospitalares apropriadas e equipe cirúrgica habili-tada em cirurgia da coluna vertebral devem ser indica-dos apenas em pacientes que não apresentem regressão da sintomatologia, após tratamento conservador ou insta-bilidade mecânica do segmento vertebral acometido.

REFERÊNCIAS

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