Agentes Antimaláricos
Antiparasitários – Agentes antimaláricos
- Introdução: ciclo de vida do parasita e alvos para o tratamento e profilaxia da malária
• Aminoquinolinas e amino-álcoois • Artemisinina e peróxidos sintéticos
• Antifolatos
- Novos alvos e novas abordagens terapêuticas - Fármacos antimaláricos e seu desenvolvimento
Malária (humana)
:
5 espécies do género Plasmodium (P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae, P. knowlesi)P. falciparum e P. vivax: > 95% dos casos de malária
P. falciparum: quase todos os casos severos e fatais
Em 2002 estimou-se que existiam 660 milhões de casos clínicos de malária a P. falciparum que morriam 1-3 milhões pessoas/ano, na maioria crianças com menos de 5 anos (1 morte cada 30 segundos)
homepage.mac.com
1º tratamento efectivo – casca Cinchona (habitantes Perú)
introduzido na Europa séc. XVII (Jesuítas)
Avanços científicos significativos sobre a Malária
Laveran - (1880) observa parasitas dentro de
eritrócitos de pessoas com malária (Prémio Nobel Medicina – 1907)
Illustration drawn by Laveran of various stages of malaria parasites as seen on fresh blood. Dark pigment granules are present in most stages.
www.lawestvector.org
P. vivax e P. ovale
acordo com a fase em que actuam
Esquizonticida sanguíneo ou agente supressor: fármaco que actua sobre as formas assexuadas sanguíneas do parasita prevenindo a esquizogonia e acabando com os sintomas da doença. Podem ser supressores (eliminação
completa dos parasitas) através de uma terapia ininterrupta (cloroquina, quinina, amodiaquina, artemisinina, antifolatos)
É a fase mais fácil de tratar
Esquizonticida tecidular ou agente profiláctico causal: fármaco que actua sobre as formas assexuadas do parasita nos tecidos (fígado)
Primário – actua sobre as formas pré-eritrocíticas evitando a invasão dos
eritrócitos (primaquina)
Secundário – actua sobre as formas exo-eritrocíticas secundárias ou latentes
Gametocitocida: fármaco que actua sobre as formas sexuadas do parasita evitando a transmissão ao mosquito (primaquina)
Esporontocidas: fármaco que actua sobre os esporozoítos matando o parasita assim que entra na corrente sanguínea logo após a picada do mosquito
Supressão ou profilaxia clínica: prevenção dos sintomas clínicos e da parasitémia por acção sobre as formas assexuadas sanguíneas
(cloroquina, amodiaquina, artemisinina, proguanilo, pirimetamina)
Profilaxia causal: prevenção completa da infecção eritrocítica por acção de agentes que actuam sobre os esporozoítos ou sobre as formas tecidulares primárias do parasita (primaquina)
Cura clínica: alívio dos sintomas e recuperação aparente do doente, sem que, necessariamente, tenha havido eliminação completa da infecção (cloroquina, amodiaquina)
H O H N O N H
Quinina – 1ª substância pura a ser usada em terapêutica
N S
N N
+
Azul de metileno (corante)
Paul Ehrlich
Azul metileno – efectivo a corar parasitas da malária
Azul de metileno
– base para desenvolvimento de
antimaláricos sintéticos
N N S N N N N O N H N N Cl N H N O N H N +
substituição de 1 grupo metilo por 1 cadeia dialquilamino-alquilo
cadeia lateral ligada a diferentes sistemas heterocíclicos
pamaquina (1925)
4-Aminoquinolinas
- Esquizonticidas sanguíneos
- Fármacos sintomáticos (actuam na fase da doença em que há sintomas)
N Cl
N
H N
- Introduzida durante 2ª Guerra Mundial - Boa eficácia
Mecanismo de acção
• Parasita intra-eritrocítico Hemoglobina (endocitose) • Hb : digerida no V.A. por proteases aa e heme
• Heme (FeII) Heme (FeIII): tóxico para o parasita
Mecanismo de acção
β β β
Heme
β-hematina
Hemozoína
Mecanismo de acção
- Acumulação no interior do V.A.
do parasita (pH V.A. 5,3)
CQ (pKa1 = 8,1 pKa2 = 10,2)
- Bloqueio da formação da hemozoína
- Ligação do fármaco ao heme e alteração da permeabilidade da membrana do vacúolo?
Resistência dos parasitas à Cloroquina
- uso massivo de CQ
- > 80% isolados são resistentes à CQ
- acumulação de CQ no V.A. é menor
- efluxo rápido do fármaco e não diminuição do uptake
Resistência dos parasitas à Cloroquina
- mutação no gene pfcrt que codifica para uma proteína, PfCRT (chloroquine resistance transporter), localizada no V.A.
Reversores da resistência à CQ N MeO MeO OMe OMe CN Verapamil N N Cl Clorfeniramina
Modificações estruturais na CQ
1 – Alteração do comprimento da cadeia diamino-alquilo
Cadeia lateral:
Exemplo : encurtamento da cadeia lateral N Cl N H NEt2 AQ 13
- retem actividade contra parasitas resistentes à CQ
IC50 – 59 nM AQ13 IC50 – 315 nM CQ
- em doses elevadas AQ13 é mais tóxica do que a CQ, em ratos - os 2 resíduos alquilo no N terminal sofrem desalquilação
Alternativa N F3C N H N H
2 – Introdução de grupos aromáticos na cadeia lateral N Cl N H OH NEt2 Amodiaquina (AQ) - aumento da lipofilia
- efectiva contra estirpes resistentes à CQ - barata
N Cl N H NEt2 N Cl N NEt2 O N Cl N H OH NEt2 S R [O] R-SH
Quinonimina – sucesptível a ataque nucleofílico (grupos tiol)
N Cl N H OH NEt2 Isoquina
Activa contra estirpes resistentes à CQ, in vitro (K1) > AQ N Cl N H OH N H Terc-butilisoquina
Evitar a α-hidroxilação enzimática
N Cl N H F N H Fluoro-amodiaquina
3 – Dimerização das 4-aminoquinolinas
• ligação feita por linkers de tamanho e natureza variável • tamanho da molécula não permite que se possa inserir no
sítio de ligação do substrato da PfCRT
N N N N N N Cl Cl Piperaquina
- desenvolvida nos anos 1960 - largamente usada na China
N Cl N H N CH3 Bases fracas Acumulação no V.A.
Sub-estrutura para complexação Fe(III) da Protoporfirina IX (heme)
Inibição da formação da
β ββ
H O H N O H N R S Quinina
• Ainda é um fármaco importante no tratamento da malária • Tratamento durante 7 dias
N H N O H CF3 CF3 Mefloquina
Sintetizada durante a II G. M. : protótipo quinina Seleccionada em 1963 Walter Reed Army
Uso terapêutico em 1985 Activa por via oral
Efectiva contra as fases intra-eritrocíticas
Efectiva em dose única em zonas com baixo nível de resistência
O H N O H N O H N O H N N H N O O H H Q=1,0 Q=1,0 Q=0,3 (Racemato) Q = Equivalente de quinina
N H N O H Cl Cl N H N O H Cl Cl Cl Cl N H N O H CF3 CF3
Actividade antimalárica aumentada; fototoxicidade inaceitável
Retém actividade alta sem fototoxicidade
8-Aminoquinolinas
N O N H N• Protótipo das 8-aminoquinolinas
• Início II Guerra Mundial – único fármaco anti-recaídas disponível
• Toxicidade – síntese de outras 8-aminoquinolinas
N N
H
NH2
• Cura radical malária P. vivax e profilaxia causal • Activa contra formas exo-eritrocíticas primárias
(P. vivax e P. falciparum)
• Activa contra formas exo-eritrocíticas latentes (P. vivax e P. ovale)
• Activa contra formas sanguíneas assexuadas em doses elevadas e tóxicas (P. falciparum e P. vivax)
• Activa contra as formas sexuais sanguíneas dos diferentes
Plasmodia
• Hemólise intravascular aguda em doentes com deficiência em G6PD
• t1/2 relativamente curto (4-6h) – administração diária
durante 14 dias para a cura
Esforço de síntese e de screening de várias 8-aminoquinolinas por parte do WRAIR e de outros grupos estabeleceu a
N R R R N H R X 1 2 3 4 5 6 7 8 1 2 3 4
• Substituição em C4 (R2) e C2 (R3) pode aumentar o índice terapêutico
4-CH3 4-OCH3 2-CH3 2-OCH3
• Substituição em C5 (R1) pode melhorar a actividade
• fornece um grupo atractor de electrões e ao mesmo tempo aumenta o impedimento estéreo dificultando o metabolismo oxidativo dos outros substituintes
• Aumento do t 1/2 de eliminação
A tafenoquina foi seleccionada relativamente ao WR225448 devido a uma melhor actividade terapêutica
Estudos clínicos em humanos - 1992
Manufacturada pela GlaxoSmithKline
Actualmente está a ser investigada como possível tratamento e profilaxia para a malária
O O O H H O O1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Artemisinina
(isolada 1971 – Artemisia annua)
• Eliminação rápida da parasitémia
• Elevada eficácia em malária grave (cerebral – P. falciparum) • Toxicidade baixa
• Eficaz contra formas eritrocíticas (cura e profilaxia clínicas) • Solubilidade aquosa/oleosa inadequada e baixa/irregular
biodisponibilidade oral
- Característica estrutural chave de todas as artemisininas – sub-estrututa 1,2,4-trioxano (endoperóxido)
O O O H H O O
- Mecanismo não está completamente esclarecido
• Clivagem do endoperóxido pelo FeII do heme originando
radicais 1ários ou 2ários centrados no carbono
• Reacção com diferentes alvos proteicos ou com o heme
(inibição de uma série de enzimas e da destoxificação do heme)
• Inibição de uma bomba de Ca2+ dependente do ATP localizada
O O H H O O OR O O H H O O O O O O O O H H O O O O O R: -CH3 – Artemeter
-CH2CH3 - Arteeter Lipofilia (melhoria absorçãoGI – Admin. Oral)
• Artesunato - solubilidade aquosa ( i.v. - malária severa).
• Também i.m., oral e rectal • Instabilidade química
• Artelinato – solúvel água
• Metabolização rápida – t1/2 curto O O H H O O O O O H H O O OH O O O H H O O O OH OH OH OH O H O H HOOC desalquilação oxidativa hidroxilação glucoronação
• Neurotoxicidade – pensa-se que devido ao metabolito DHA
• Compostos com boa actividade in vitro
• Alguns com actividade in vivo promissoras
• Nenhum entrou em fase clínica de desenvolvimento
Todos estes compostos tinham alguma limitação • Sínteses complicadas
• Obtenção de produtos racémicos
• Propriedades farmacocinéticas fracas
O O O O N H NH2 OZ-227
- Bom balanço estabilidade/reactividade • Sistema 1,2,4-trioxalano
• resíduo de adamantano dá-lhe estabilidade
• ciclo-hexano permite-lhe ter reactividade suficiente para ter actividade
O O O O N H NH2 OZ-227
Antifolatos
- Inibem a síntese do DNA
- Os parasitas necessitam sintetizar o ácido fólico, usado como co-factor na síntese das pirimidinas
- São usados como agentes profilácticos e como agentes terapêuticos contra a malária
- Inibidores da dihidropteroato sintetase (DHPS) são selectivos para o parasita (enzima ausente nos humanos)
S N H2 NH2 O O N N OMe OMe N N MeO OMe N N MeO N H S N H2 O O R Dapsona
DHFR como alvo terapêutico
N N N H OH N H2 N N H R N N N H OH N H2 N H HN R NADPH NADP+ Cl NH N H N H N H N H Cl N N NH2 N H2 N N Cl N NH2 N H2Proguanilo Cicloguanilo Pirimetamina
Ácido di-hidrofólico Ácido tetra-hidrofólico
- Utilização simultânea de inibidores da DHPS e da DHFR - Aplicação em zonas de elevada resistência à cloroquina
- Número crescente de casos de resistência •Sulfadoxina/pirimetamina
•Sulfaleno/pirimetamina
Resistência aos inibidores da DHPS
• biossíntese aumentada de PABA pelo parasita
• enzima mutante com ligação diminuída das sulfonamidas
(maior Ki)
• captação diminuída das sulfonamidas pelo parasita
Resistência aos inibidores da DHFR
Compostos que actuam na cadeia respiratória
O transporte de electrões na cadeia respiratória mitocondrial do P. falciparum não está acoplado à síntese de ATP.
A função mais importante da cadeia respiratória mitocondrial parece ser receber os electrões provenientes das desidrogenases
Os electrões são transferidos de diferentes desidrogenases para a ubiquinona (coenzima Q)
Os parasitas necessitam sintetisar as pirimidinas
Lapachol
Actividade antiplasmodial conhecida desde 1940
Falta de interesse destes compostos devido à disponibilidade da CQ
Menoctona
Características essenciais para actividade antiplasmódica: - 2-hidroxinaftoquinona
- resíduo ciclo-hexilo na cadeia lateral
Atovaquona
Metabolicamente mais estável
Actividade protozoária de largo espectro
Liga-se ao sítio Q0 do citocromo bc1 e bloqueia o transporte de es
Colapso do potencial da membrana mitocondrial
Shutdown do metabolismo mitocondrial (síntese das pirimidinas)
Morte do parasita
Cara
Desenvolveu rapidamente resistência à malária (troca de 1 aa no sítio Q0)
Forte sinergismo com o proguanilo
Desde anos 1990 administrada em conjunto com proguanilo (Malarone)
Usado em terapia e profilaxia
Lipofílica (admin. com comidas gordas) Geralmente bem tolerada
Apicoplasto Novos Alvos:
Replicação e transcripção do DNA; Biossíntese ácidos gordos II;
Biossíntese isoprenil
Vacúolo Alimentar Novos Alvos:
Falcipaínas e plasmepsinas
Mitocôndria Novos Alvos:
Dihidrooroato desidrogenase
Citoplasma Novos Alvos:
Glicólise; proteínas quinases; biossíntese de nucleótidos
P. falciparum intra-eritrocítico e possíveis novos alvos terapêuticos
Membrana Plasmática Novos Alvos:
Transporte de glucose; fluxo de nutrientes; antiporte Na+/H+
Parasita
Apicoplasto Novos Alvos:
Replicação e transcripção do DNA; Biossíntese ácidos gordos II;
Biossíntese isoprenil
Vacúolo Alimentar Novos Alvos:
Falcipaínas e plasmepsinas
Mitocôndria Novos Alvos:
Dihidrooroato desidrogenase
Citoplasma Novos Alvos:
Glicólise; proteínas quinases; biossíntese de nucleótidos
P. falciparum intra-eritrocítico e possíveis novos alvos terapêuticos
Membrana Plasmática Novos Alvos:
Transporte de glucose; fluxo de nutrientes; antiporte Na+/H+
Terapia de combinação
ACT (artemisinin-based combination therapy) – recomendada
pela OMS.
Adoptada pela maior parte dos países africanos e asiáticos onde a malária é endémica.
Combinação dupla ou tripla de fármacos com o objectivo de diminuir ou evitar o aparecimento de resistência aos fármacos
Exemplos: artesunato+mefloquina artesunato+amodiaquina
Objetivo: registar fármacos com um perfil adequado
Eficazes contra estirpes resistentes a outros fármacos
Cura em 3 dias (usando dose única diária)
Toxicidade baixa principalmente para crianças e grávidas
Baixo risco de aparecimento de resistência
Para aumentar o sucesso no desenvolvimento de fármacos antimaláricos têm sido investigadas várias aproximações:
Re-design de fármacos já existentes (quinolinas e peróxidos)
Novos usos de fármacos antigos (Lapdap+Art.)
Usar novos alvos específicos do parasita (identificados por
- 1ª doença tratada com uma substância pura (quinina)
- 1ª doença tratada com uma substância sintética (azul de metileno) - Início do séc. XX – endémica até à Noruega
- 2ª Guerra Mundial – aparecimento da cloroquina. Efectiva, segura e barata (fármaco maravilha)
- Amodiaquina: efectiva contra várias estirpes resistentes à CQ. Problemas de toxicidade.
- Mefloquina: eficiência diminuida. Combinação com artesunato.
- Lumefantrina: combinação com artemeter
- Atovaquona /proguanilo: efectiva em terapia e profilaxia (cara)
- Artesunato: principal componente na terapia de combinação das
artemisininas (recomendada pela OMS).
- Primaquina: único fármaco anti-recaídas (activo contra as formas
latentes do P.vivax e P. ovale).
1 - http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/114269691/PDFSTART M. Schlitzer, ChemMedChem 2007, 2, 944-986
2 - Burger’s Medicinal Chemistry and Drug Discovery 6th Edition, Volume 5: Therapeutic Agents