• Nenhum resultado encontrado

Jornalismo transmídia no dossiê Tudo Sobre Belo Monte 1. Marcos Carvalho MACEDO 2 Yvana FECHINE 3 Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jornalismo transmídia no dossiê Tudo Sobre Belo Monte 1. Marcos Carvalho MACEDO 2 Yvana FECHINE 3 Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

Jornalismo transmídia no dossiê Tudo Sobre Belo Monte1

Marcos Carvalho MACEDO2 Yvana FECHINE3

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

Resumo

Articular conteúdos diversos, complementares e autônomos, distribuídos em diferentes mídias ou plataformas explorando as potencialidades da convergência midiática e da cultura participativa constitui a especificidade do modelo transmídia, desenvolvido na indústria do entretenimento, e ensaiado também no jornalismo. O objetivo deste trabalho é investigar como o modelo transmídia, especialmente as narrativas transmídias (Jenkins, 2009a), foi implementado no dossiê Tudo Sobre Belo Monte, publicado pelo Grupo Folha. A partir da sistematização de conceitos como transmidiação e conteúdos transmídias (Fechine et al, 2013), procuramos identificar as estratégias utilizadas para propagação e expansão dos conteúdos jornalísticos através da análise dos desdobramentos temáticos dos conteúdos produzidos e distribuídos na internet, no jornal impresso, na televisão e em aplicativo do conglomerado.

Palavras-chave: jornalismo; transmidiação; narrativas transmídias; convergência midiática.

Introdução

Com a crise dos modelos tradicionais de produção e distribuição de notícias, as empresas de jornalismo têm repensado suas rotinas e estimulado novas formas de engajamento de seu público. Os investimentos em produção de conteúdos multimídias que estabeleçam algum tipo de interação com os consumidores, hoje bem mais ativos do que há alguns anos, apesar de estar longe do ideal, já se constituem uma urgente e indiscutível necessidade. A cultura participativa, desencadeada pelas ferramentas que permitem aos consumidores também produzir e distribuir informação, não se restringiu ao ambiente da web. As mudanças são mais amplas e afetam o modo de consumir informação também em outras mídias.

É neste contexto que as produções de narrativas transmídias encontram espaço. A possibilidade de utilizar diversas mídias para distribuição de conteúdos que se desdobram e mantém relação entre si pode ser vista como uma tentativa de alcançar consumidores cada vez mais segmentados, já que cada conteúdo se torna um ponto de entrada para todos os demais. No jornalismo, as narrativas transmídias tendem a se concretizar em grandes

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Jornalismo, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2 Graduado em Jornalismo 2016.1 pelo DCOM-UFPE, email: marcosjovem@hotmail.com

(2)

reportagens que abordam temas complexos e polêmicos, e necessitam de maior aprofundamento e contextualização.

O presente artigo investiga a produção de jornalismo transmídia. Pretendemos averiguar como o modelo de produção e distribuição de conteúdos associados em diversas mídias, até então praticado de forma mais recorrente pela indústria do entretenimento, vem sendo explorado também no jornalismo. As narrativas transmídias, apontadas como a forma mais rara e complexa de desenvolvimento desse modelo, serão o objeto da atenção específica deste estudo. Nosso objetivo é caracterizar tais narrativas no jornalismo a partir dos desdobramentos temáticos de conteúdos espalhados em diversas mídias do dossiê Tudo Sobre Belo Monte, publicado pelo Grupo Folha.

Ainda que escassas, as produções transmídias têm chamado atenção pelas possibilidades que oferecem ao jornalismo de reencontrar seu espaço no novo cenário de convergência midiática. Os desafios são muitos, sobretudo porque se trata de um modelo concebido para o entretenimento, mais especialmente do cinema e da televisão, embora os estudiosos do tema não deixem de considerar sua aplicabilidade no jornalismo em geral.

Com a ampliação do acesso, a web tem se tornado um importante ponto de referência no processo de convergência dos meios, visto agora de forma diferente daquele até então anunciado, de cooptação dos antigos meios pelas tecnologias digitais. “Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de forma cada vez mais complexas” (Jenkins, 2009a, p. 32).

Convergência não é um conceito novo, mas o significado que apresenta hoje difere substancialmente daquele até então concebido. Inicialmente definiu-se convergência a partir de elementos tecnológicos, depois dos meios e, por fim, dos conteúdos e da cultura. Apesar deste histórico, coube a Jenkins (2009a), com a publicação de Cultura da Convergência, a popularização desta ideia, evidenciada de forma mais ampla pelo autor na descrição das produções e práticas do mundo do entretenimento.

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. (Jenkins, 2009a, p. 29).

(3)

comunicação. Os novos consumidores são estimulados pela cultura participativa potencializada pela web, a apropriarem-se dos conteúdos, tomarem parte no processo de produção e distribuição ou até produzirem seus próprios conteúdos. Tratamos por cultura participativa “o cenário e o conjunto variado de possibilidades abertas aos consumidores de maior acesso, produção e articulação de conteúdos midiáticos, a partir da digitação e convergência dos meios” (Fechine et al. (2013, p. 27).

Neste cenário, a web ocupa lugar de destaque. Seu ambiente de digitalização e convergência desenvolve nos consumidores habilidades e competências diferenciadas como design, programação, criação, edição, mediação, etc.. “A web representa um lugar de experimentação e inovação, onde os amadores sondam o terreno, desenvolvendo novos métodos e temas e criando materiais que podem atrair seguidores, que criam suas próprias condições”. (Jenkins, 2009a, p. 207)

Transmidiação e Narrativas transmídias

A conceituação de narrativa transmídia – objeto de interesse específico deste trabalho – possui um recorte mais preciso dentro do leque variado de manifestações multiplataformas e multimídias, envolvendo a relação entre distintas plataformas tecnológicas no ambiente da cultura participativa. Por isso, antes de partirmos para sua caracterização, conceituaremos o fenômeno mais amplo, no qual estas estão inseridas, que é a transmidiação, conforme tem sido proposto por Fechine (2013, 2014). Esta distinção entre transmidiação e narrativa transmídia é fundamental para compreensão das manifestações potencializadas pela convergência midiática e a cultura participativa.

Entendemos transmidiação como um modelo de produção orientado pela distribuição em distintas mídias e plataformas tecnológicas de conteúdos associados entre si e cuja articulação está ancorada em estratégias e práticas interacionais propiciadas pela cultura participativa estimulada pelo ambiente de convergência. Por envolver uma cadeia criativa multiplataforma, esse modelo de produção é adotado mais frequentemente por corporações que atuam em distintas mídias (Fechine et al., 2013, p. 26).

(4)

Na transmidiação é fundamental também a produção de conteúdos associados entre si, que devem fazer parte do mesmo universo narrativo e manter uma relação estreita com um conteúdo ou texto de referência, veiculado na mídia regente. Para isso faz-se necessário uma instância produtora responsável pelo projeto ou ação transmídia que articule estratégias e práticas para engajar seus destinatários-consumidores.

Na caracterização de um projeto transmídia o que o constitui como tal é a articulação entre o texto de referência e os desdobramentos e complementações veiculados em outras mídias e dispositivos. O que podemos considerar como o texto ou o enunciado transmídia só se manifesta no momento mesmo em que se dá essa articulação entre conteúdos (Fechine, 2014). A transmidiação não existe para aquele consumidor que não aciona, a partir do ponto de acesso, os demais conteúdos associados. O texto transmídia representa, portanto, o resultado do conjunto das manifestações de um projeto transmídia.

O texto transmídia pode ser pensado como a totalidade da manifestação que resulta da articulação de enunciados correlacionados e distribuídos em distintas plataformas tecnológicas, ou seja, corresponde ao todo que resulta da articulação das partes propostas pelo enunciador e operada pelo destinatário (Fechine, 2014, p. 121).

A proposta de Fechine (2014) é de tomar a hipertextualidade como chave de leitura para pensar a organização do texto transmídia, porque ele só se concebe enquanto tal à medida que consumidores acessam conteúdos associados a partir de um destes mesmos conteúdos. Quando um texto em uma mídia ou plataforma leva o consumidor a conectar-se a outro texto em outra mídia ou plataforma que complementa o anterior, ativa, então, a transmidiação. Esse modo de organização da linguagem baseado na associação e remissividade entre textos pode ser pensado, em termos mais amplos, como hipertextualidade.

Esta característica, explorada pelo webjornalismo, tem como função remeter ou conectar a outras informações, sejam elas textos, imagens fixas ou em movimento, sons ou infografias, e “abre uma diversidade de itinerários de leitura tão vasta quanto o número de arranjos e combinações possíveis” (Canavilhas, 2014, p. 9), permitindo organizar conteúdos em fragmentos, ao mesmo tempo dependentes e autônomos de sentidos entre si. A hipertextualidade aproxima-se, então, do modo de organização do texto transmídia.

(5)

programa narrativo (expansão). Dentre as estratégias de expansão, os autores identificam as narrativas transmídias como uma das manifestações da transmidiação. Para Fechine (2013, 2014) as narrativas transmídias ocorrem quando o texto de referência (narrativa principal) se desdobra em novas histórias a partir do universo narrativo. Nessa lógica, as narrativas transmídias são consideradas uma das mais complexas e bem articuladas manifestações da transmidiação.

Os distintos modos de expansão do universo podem ser considerados, nas ações mais complexas, como programas narrativos auxiliares ou secundários, contribuindo, a partir da articulação com o programa narrativo principal ou de base (texto de referência), para a construção de uma narrativa transmídia scricto

sensu (Fechine, 2014, p. 122, grifo próprio).

Embora não seja o primeiro a tratar de narrativas transmídias, foi Jenkins (2009a) que desenvolveu de forma mais compreensível este conceito e apontou as particularidades deste modelo de produção. O autor descreve como textos articulados em uma única narrativa são concebidos de forma tão ampla que não se reduzem a uma única mídia. O fluxo de conteúdos movimenta-se em múltiplas plataformas e mídias, aproveitando-se da cooperação entre os múltiplos mercados e da cultura participativa.

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo” (Jenkins, 2009a, p. 138).

Posteriormente, Jenkins (2009bc) propõe sete princípios a partir dos quais se organizam as narrativas transmídias. Compreendemos que não se tratam de critérios de classificação das produções transmídias e sim de características que se manifestam em maior ou menor grau nestas produções: tornar os conteúdos Distribuíveis x Exploráveis (Spreadability vs. Drillability); explorar sua Continuidade x Multiplicidade (Continuity vs. Multiplicity); bem como o potencial de Imersão x Extração (Immersion vs. Extractability); desenvolver a Construção de Universos (Worldbuilding); e a Serialidade (Seriality) dos conteúdos; explorar a Subjetividade (Subjectivity) dos personagens; e estimular a Performance (Performance), dos fãs.

(6)

como já vem sendo explorados nas redações, ainda que não com a mesma intensidade que a indústria cinematográfica de Hollywood.

A maioria destes princípios, no entanto, não aprofundam a relação existente entre os conteúdos que compõem o texto transmídia, entendido como a totalidade dos conteúdos associados. Não são capazes, portanto, de tornar clara a existência de uma narrativa transmídia, visto que não caracteriza a especificidade das narrativas transmídias: os desdobramentos ou complementaridade de conteúdos em outras plataformas ou mídias a partir do texto de referência e dentro de um mesmo universo narrativo, que segundo Fechine et al. (2013) são as estratégias de expansão. Ainda assim, subsidiam nosso processo de análise na identificação das funções dos conteúdos do dossiê Tudo Sobre Belo Monte.

Por se tratar de um processo que vem sendo incorporado pouco a pouco em uma atividade com rotinas produtivas marcadas pelo deadline do fechamento, Moloney (2011), Scolari (2013), Renó e Flores (2012) e Canavilhas (2013), dentre outros autores, tendem a considerar o jornalismo diário, com as restrições da brevidade de tempo, o menos indicado para explorar as narrativas transmídias.

Produções transmídias devem ser concebidas e desenvolvidas com cuidado e em um tempo maior para se tornarem eficazes. Da concepção à distribuição uma franquia de Hollywood leva anos para seu lançamento. Mas tradições de longas investigações ou documentários estendidos estão profundamente enraizados no jornalismo. Coberturas de questões complexas e contínuas – imigração, consequências de guerras, conflitos sociais – prestam-se perfeitamente para uma abordagem aprofundada e distribuição complexa. (Moloney, 2011, p. 12, tradução nossa).

Na visão de Moloney (2011), o jornalismo literário e o jornalismo público são potenciais formas para exploração de narrativas transmídias, tanto porque propicia maior profundidade e contextualização na abordagem de temas, criando conexões entre estruturas narrativas ou favorecendo a multiplicidade de vozes, quanto pela capacidade de interação que incorpora o público, estimulando a conversa entre cidadãos de modo a aprofundar discussões de temas relevantes para a sociedade.

Jornalismo transmídia no dossiê Tudo Sobre Belo Monte

O dossiê4 Tudo Sobre Belo Monte, primeiro da série Tudo Sobre, projetado pelo Grupo Folha, trata da construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, às margens do

(7)

Rio Xingu, no Pará. O projeto de dossiês, desenvolvido posteriormente com outras temáticas, articula uma reportagem especial, publicada no portal, com conteúdos associados veiculados nos principais veículos do conglomerado de mídias: além do próprio portal, no Jornal Folha de S. Paulo e no telejornal semanal TV Folha, então exibido pela TV Cultura5.

Assumimos a reportagem para web A Batalha de Belo Monte, publicada em 15 de dezembro de 2013 no hotsite agregado ao Portal da Folha de S. Paulo, como o texto de referência, isto é, como texto a partir do qual se desenvolveu um programa temático principal. Esta qualificação fica evidente também porque os conteúdos ligados à reportagem que foram veiculados no jornal impresso, na TV ou mesmo nas matérias do portal da Folha, remetem, de uma maneira ou de outra, ao hotsite. Temos então, além do texto de referência, uma mídia de base ou regente, ou seja, uma mídia a partir da qual o texto transmídia se articula. Essa mídia de referência é a internet, rede mundial de computadores, e a plataforma utilizada é a web6.

A noção de hipertextualidade citada anteriormente como chave de leitura do texto transmídia foi tomada como um dos pressupostos para análise do dossiê Tudo Sobre Belo Monte. Exploramos o modo como os conteúdos produzidos para as diversas mídias associam-se ao texto de referência e como reportam-se uns aos outros ou desdobram-se e ampliam em novos conteúdos distribuídos em outras mídias e plataformas.

Para perceber a articulação entre os conteúdos distribuídos nas mídias utilizadas, um caminho de investigação que se mostrou possível foi a partir da análise dos aspectos temáticos abordados tanto no texto de referência quanto nos textos associados. Procuramos, neste caso, traçar um paralelo entre universo narrativo, mais recorrente na ficção, e universo temático, mais adequado a uma abordagem jornalística. Esta perspectiva, apoiada no método de análise para reportagens especiais adotado por Fechine (2013-2016), nos pareceu razoável por evidenciar como os conteúdos se desdobram e avançam na abordagem de novos aspectos temáticos para além do texto de referência e da mídia regente, bem como por se tratar, em última análise, de uma reportagem especial, cuja principal característica é aprofundar um determinado tema, oferecendo diversos pontos de vista sobre o mesmo.

A reportagem A Batalha de Belo Monte está organizada em cinco capítulos – Obra, Ambiente, Sociedade, Povos Indígenas e História – , além de um Making-of, dois artigos de

5 O Programa TV Folha deixou de ser exibido na TV Cultura em abril de 2014, tornando-se um produto exclusivo da internet, apesar de manter o mesmo formato.

(8)

opinião e um mapa interativo da Bacia do Rio Xingu, bem como o link para uma página onde é possível acessar o newgame Folhacóptero, todos acessíveis no menu lateral do hotsite. Apesar desta divisão, a análise mais detalhada dos conteúdos nos fez reagrupar os aspectos temáticos abordados de outra forma. Esta nova divisão temática tornou-se necessária para facilitar o trabalho posterior de comparação dos aspectos temáticos entre o texto de referência e os textos associados. Organizamos da seguinte maneira os temas abordados na reportagem para web:

Figura 1: Quadro temático do texto de referência (reportagem para web)

Fizemos o esforço de sintetizar os temas tratados na reportagem, realocando os aspectos temáticos abordados nos cinco capítulos do texto de referência em dois grandes temas. O primeiro deles, a Obra de construção da Usina, e segundo envolvia os impactos causados com instalação da Usina, na verdade, o ponto desencadeador da discussão e da reportagem. Estes dois temas se desdobraram em outros aspectos temáticos (Figura 1).

(9)

A partir destas estratégias transmídias de propagação e expansão, e tomando como referência as subcategorias propostas por Fechine et al. (2013), procuramos agrupar, a partir de uma perspectiva do próprio fazer jornalístico, os textos associados ao texto de referência a partir de suas funções comuns. Alguns dos textos apresentavam mais de uma função. Nestes casos, optamos por identificá-los a partir da função de maior destaque ou apontar as ênfases, quando possível, de cada função presente nos textos. Os resultados desta análise foram sistematizados na Tabela 1. Descreveremos, a seguir, cada uma das categorias e funções identificadas.

Tabela 1: Estratégias e funções dos conteúdos em Tudo Sobre Belo Monte

ESTRATÉGIAS FUNÇÕES PROPAGAÇÃO Reprodução Reedição Síntese Promoção EXPANSÃO Atualização Aprofundamento e contextualização Debate Vivencial Imersão Fiduciária Fonte: Elaboração do autor.

As estratégias de propagação têm a finalidade de apresentar o texto de referência, despertar o interesse de consumidores e remetê-los aos desdobramentos temáticos, isto é, aos conteúdos associados que resultavam de estratégias de expansão.

O primeiro modo de propagação assumiu a função de reprodução de parte do texto de referência em outra mídia, sem qualquer adaptação de formato ou acréscimo de aspectos temáticos. O Portal de notícias da Folha, na data do lançamento da reportagem para web, publicou integralmente os textos dos capítulos sem a mesma formatação apresentada no hotsite especial, com uma ou outra galeria de fotos7. O Jornal Folha de S. Paulo, na mesma data, limitou-se a publicar o primeiro capítulo no Caderno Ilustríssima, repetindo a mesma prática no Caderno Folha 10 (21/12/2013). Mapas e infográficos que integravam o texto de referência também foram reproduzidos em mateira do Caderno Mercado 2 (14/12/2013).

(10)

Outra forma de propagação do texto de referência consistiu na reedição dos conteúdos, adaptando-os à linguagem específica da mídia utilizada, mas sem tratar de novos aspectos temáticos. Duas matérias publicadas no Caderno Mercado do Jornal Folha de S. Paulo traziam à tona a discussão sobre a construção da Usina, utilizando como gancho os dados da pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha para a reportagem. Todos os aspectos temáticos desenvolvidos nesta matéria estavam presentes no texto de referência, no entanto, foram apresentados no Jornal com outra redação pelo repórter Marcelo Leite.

A síntese foi identificada como outra função de conteúdos cuja estratégia era a propagação do texto de referência. A finalidade, neste caso, era sumarizar o texto de referência, fazendo um resumo dos aspectos temáticos ali presentes em outra mídia. Esta espécie de conteúdo foi uma forma de adaptação, mas distinguiu-se dela por abordar de forma condensada todos os temas do texto de referência, ainda que através de outro arranjo estrutural, inclusive privilegiando um ou outro aspecto. O programa TV Folha Especial Belo Monte (12/01/2014), procurou resumir em três blocos, por meio de imagens e depoimentos, mais de 30 horas de material produzido para o projeto. Os percursos temáticos presentes nos três blocos - O Canteiro, Altamira e Os impactados - seguiam quase a mesma lógica do texto de referência, com as necessárias realocações temáticas, como a história do Projeto e os Povos Indígenas, para conseguir abordar todos os aspectos em pouco mais de 26 minutos de programa.

(11)

Figura 2 - Expansão temática do dossiê Tudo Sobre Belo Monte. Fonte: Elaboração do Autor Na análise dos conteúdos identificamos estratégias de expansão. Com a comparação de todos os temas abordados no texto transmídia sintetizamos no quadro Expansão Temática do Dossiê Tudo Sobre Belo Monte (Figura 2) como se deram os desdobramentos temáticos para outras mídias a partir do texto de referência. Para melhor visualização de expansão temática, destacamos as abordagens feitas em cada aspecto ampliado, tanto no texto de referência como nos demais textos associados em outras mídias.

A análise temática que evidenciou a presença de conteúdos desdobrados e associados ao texto de referência permitiu caracterizar o dossiê Tudo Sobre Belo Monte como uma narrativa transmídia jornalística, isto é, um texto que se distribui em diversas mídias através de conteúdos complementares que traziam informações novas e aprofundavam certos aspectos temáticos. O dossiê cumpriu as condições fundamentais deste modelo de produção, produzindo conteúdos jornalísticos autônomos em torno de um mesmo universo temático, no caso a construção da Usina de Belo Monte, no Pará, explorando tanto aspectos relativos à obra quanto aos impactos gerados por ela por meio da internet, do jornal impresso, da televisão, e de um aplicativo para smarthpone e tablet.

(12)

texto de referência, ampliando informações e contribuindo para uma melhor compreensão da questão tratada.

Identificamos conteúdos de expansão cuja finalidade principal foi a atualização do texto de referência, a partir dos acontecimentos recentes relacionados ao assunto. No jornalismo são as notícias ou hard news, que possuem o papel de manter o público informado dos últimos fatos. Foram publicadas matérias factuais no Jornal Folha de S. Paulo que ampliavam aspectos temáticos relativos à Obra, como, por exemplo, a determinação da paralização das obras da Usina pela Justiça Federal (18/12/2013); a sua retomada com a liberação judicial e a revelação de que havia um veio de ouro sob o local de construção da barragem (20/12/2013); assim como as soluções de engenharia na construção com a descoberta de rocha permeável em dois diques da barragem (14/12/2013).

Outros conteúdos de expansão presentes no dossiê tiveram como função o aprofundamento ou contextualização de aspectos temáticos presentes no texto de referência. Os desdobramentos procuravam detalhar algum aspecto relevante que não havia sido desenvolvido de forma mais ampla na reportagem para web. São matérias mais ao estilo “feature” ou de gavetas, que aprofunda um assunto numa dimensão mais atemporal. O Jornal Folha de S. Paulo pautou, durante a semana seguinte à publicação da reportagem A Batalha de Belo Monte, conteúdos de extensão através de matérias que desdobravam o aspecto temático da produção energética no Brasil, tomando a Usina de Belo Monte como gancho para a abordagem: sobre o sistema de transmissão de energia (16/12/2013); sobre energia eólica (17/12/2013); e sobre o atraso nas obras das usinas de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira (19/12/2013).

O Programa TV Folha Especial Belo Monte (12/01/2014) também acionou estratégias de expansão de conteúdos aprofundando aspectos temáticos relevantes. O enriquecimento com a utilização de novas fontes ou ampliação das falas das fontes já citadas na reportagem para a web poderia, em princípio, ser considerado parte das estratégias de expansão, mas destacamos novos aspectos temáticos abordados como: as condições de trabalho dos operários da Obra; o atraso nas ações compensatórias da cidade de Altamira, inclusive com o depoimento dos repórteres que destacaram as confusões de um dia de domingo na cidade; o relato humanizado do agricultor Benedito Balão, ribeirinho do Xingu, e a descrição de seu habitat e do sonho de voltar a viver às margens do rio.

(13)

analisando argumentos a favor ou contra a construção da Usina. No jornalismo esta forma de conteúdos identifica-se com os gêneros opinativos: editorial, artigo, colunas, cartas e charges. Citamos, por exemplo, os artigos “Arrancada histórica” (16/12/2013), “Em busca do equilíbrio” “Inadimplência ambiental”, na sessão Tendências / Debates (21/12/2013); e o Editorial “A lição de Belo Monte” (18/12/2013)8, além do próprio Debate promovido pela Folha, mas que optamos por categorizar sob outro aspecto.

Este evento (18/12/2013), que reuniu especialistas para discutir diversos aspectos da Usina Belo Monte, chama atenção como um outro modo de expansão temática que não se refere a uma mídia específica. O público, convidado por meio de matérias no jornal e no portal para comparecer ao auditório na sede da Folha, em São Paulo, pôde presenciar posicionamentos diversos. Um desdobramento temático importante, mas atípico, porque sai do âmbito discursivo textual, para inserir-se em um nível mais vivencial, nos moldes apontados por Jenkins (2009b) de Extração (Extractability) e exemplificados por Moloney (2011) como workshops promovidos por jornalistas sobre temas de suas coberturas. Como não tivemos acesso ao debate na íntegra, só foi possível conhecer os aspectos temáticos expandidos através da matéria do Jornal Folha de S. Paulo (20/12/2013).

Observamos outros conteúdos que expandiam através de uma experiência de imersão em alguns dos aspectos abordados no texto de referência, proporcionada pela interação com o ambiente virtual, capaz de motivar a exploração e despertar interesse pelo assunto. Esta experiência aconteceu através do newgame Folhacóptero, aplicativo produzido especialmente para o dossiê temático Tudo Sobre Belo Monte. O jogo coloca o usuário no helicóptero da Folha para sobrevoar a Usina Belo Monte.

8 Pontos de vistas diversos sobre a Usina Belo Monte também apareceram na sessão Painel do Leitor. Posicionamento dos leitores, elogios e críticas ao trabalho, pedidos de correção de informações foram veiculados na sessão do jornal, no entanto, poucas foram as respostas dos jornalistas. O mesmo ocorreu nas redes sociais, pouco exploradas pelos produtores: o hotsite da reportagem para web não permite comentários, apesar de conter botões para compartilhamento no Twitter e Facebook.

(14)

Os aspectos temáticos mais evidentes presentes no aplicativo em relação ao texto de referência foram a noção da dimensão da usina, agora não mais descrita, e os impactos do alagamento, que acontece no jogo à medida que se cruza um dos círculos posicionado sobre a barragem. O sobrevoo pelo ambiente virtual do aplicativo coloca o usuário frente à frente com o objeto tão discutido, a Usina Belo Monte, e projeta o seu momento mais controverso, o alagamento, quando, de fato, passará a funcionar e efetivará seus impactos. Esta realidade, ainda que virtual, é presenciada pelo usuário.

Não podemos deixar de destacar um conjunto de abordagens que não se referiam a um aspecto temático em particular, mas tinham por função reforçar o contrato fiduciário9 tanto do texto de referência quanto de outros conteúdos transmídia. A estratégia era evidenciar o percurso de produção jornalística da reportagem, descrevendo o processo de produção e apuração da reportagem a fim de credenciá-la. Esta é uma prática recorrente no jornalismo investigativo, onde o repórter e os passos percorridos para chegar até as informações e fontes, acabam se constituindo parte do discurso. A TV Folha (22/12/2013) enveredou por este caminho descrever o processo de construção de pauta, a apuração e os desafios para captação de fotografia e vídeo. Os repórteres conversavam e testemunhavam suas impressões, as dificuldades e soluções encontradas no andamento da produção, ressaltando o trabalho em profundidade e as perspectivas de atualização do dossiê.

Considerações finais

As narrativas transmídias, compreendidas como uma das estratégias da transmidiação, tem se mostrado como um dos modelos possíveis no novo cenário do jornalismo, porque integra os recursos tecnológicos digitais e as redes, e explora um de seus aspectos mais significativos, a interpretação, a contextualização e o aprofundamento para qualificar mais a informação.

Da análise do dossiê Tudo Sobre Belo Monte, caracterizado como narrativa transmídia, ficou claro como a adoção de estratégias de expansão, seja para atualizar, detalhar, debater pontos de vista ou promover imersão ou vivência da temática, contribuíram para uma abordagem diferenciada. Os consumidores do dossiê que trilharam o percurso proposto pelos produtores, acompanhando as repercussões e desdobramentos

(15)

temáticos, tiveram um ganho na compreensão da temática abordada bem maior que aquele que acessou apenas uma mídia. As narrativas transmídias revelam, assim, seu potencial de promover um aprofundamento de questões relevantes e abrir espaço para múltiplas vozes numa sociedade onde não só a informação como os públicos estão fragmentados.

As categorizações propostas neste trabalho não têm a pretensão de se fazerem universais às narrativas transmídias no jornalismo. O olhar para o objeto de análise nos fez ver algumas das formas possíveis que tomavam os conteúdos nesse modelo de produção, mas ao mesmo tempo assinalar a convergência dos elementos próprios da cultura jornalista. O método ensaiado da análise temática dos conteúdos transmídias pode, ainda, ser apontado como uma contribuição para a identificação das estratégias de expansão transmídias no jornalismo em trabalhos futuros.

Referências Bibliográficas

CANAVILHAS, João. Jornalismo Transmídia: um desafio ao velho ecossistema midiático. In: RENÓ, Denis; CAMPALANS, Carolina; RUIZ, Sandra; e GOSCIOLA, Vicente. Periodismo Transmedia: miradas múltiples. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2013.

________. Hipertextualidade: novas arquiteturas noticiosas. In: CANAVILHAS, João (org.). Webjornalismo: 7 caraterísticas que marcam a diferença. Covilhã: LabCom, 2014, p. 3-24.

FECHINE, Yvana et al. Como pensar os conteúdos transmídias na teledramaturgia brasileira? Uma proposta de abordagem a partir das telenovelas da Globo. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (org). Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2013. FECHINE, Yvana. Disciplina Telecinejornalismo. Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2013-2016. Anotações e fichas de Aula.

_________. Interações discursivas em manifestações transmídias. In: FECHINE, Yvana. et al. (Orgs). Semiótica nas práticas sociais: Comunicação, Artes, Educação. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2014.

GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Tradução de Alceu Dias Barbosa Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009a.

_________ . The Revenge of the Origami Unicorn: Seven Principles of Transmedia Storytelling. 2009b. Disponível em: http://henryjenkins.org/2009/12/the_revenge_of_the_origami_uni.html. Acesso em 09 nov. 2015.

_________. Revenge of the Origami Unicorn: The Remaining Four Principles of Transmedia Storytelling. 2009c. Disponível em:

http://henryjenkins.org/2009/12/revenge_of_the_origami_unicorn.html. Acesso em 09 nov. 2015. MOLONEY, Kevin T. Porting Transmedia Storytelling to Journalism. 2011. 115 f. Dissertação (Mestrado em Artes). Faculty of Social Sciences, University of Denver.

Referências

Documentos relacionados

Consolidado Semestral do Plano Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA-CI) da UHE Belo Monte (Norte Energia), 5º Relatório Consolidado Semestral do Plano Básico Ambiental

Buscando analisar a estabilidade do processo ad- sortivo de células de Candida em bagaço de cana tra- tado com NaOH 2% durante o bioprocesso escolhido como modelo (bioprodução

Publicada, pela primeira vez, em 1994, pelas Edições Afrontamento, na colecção «Triciclo Voador», a obra Os Ovos Misteriosos, de Luísa Ducla Soares (n. 1939, Lisboa) é uma das

De  acordo  com  Cunha,  Costa  e  Cezario  (2003),  o  Funcionalismo  difere  do  Estruturalismo  e  do  Gerativismo  por  conceber  a  linguagem  como 

O projeto de Belo Monte sofreu inúmeras interferências e remodelações do governo federal. A presença do governo federal está em todas as etapas do projeto da UHE Belo Monte. Desde

Assim, tendo por referência um Universo de 27.250 Sociedades e 47.414 Empresas Individuais do setor da Restauração e Similares (divisão CAE 56), com um Volume de Negócios total

Tempestivamente, o proponente se manifestou concordando com a majoração do valor recomendada pelo Comitê e, com relação à restituição da quantia integralizada pelo subscritor

Shrinking the Earth não se desenvolve em tom alarmista, mas não deixa de ser um alerta sobre a situação atual e futura da Terra e seus habitantes: não temos mais um longo passado