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Atualmente a responsabilidade na adolescência tem sido alvo de amplas

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Academic year: 2021

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Título: Adolescência, violência e responsabilidade

Atualmente a responsabilidade na adolescência tem sido alvo de amplas discussões nos meios de comunicação. O estudo teórico deste tema vem sendo recebido como um bálsamo que poderia vir a resolver os problemas relativos a adolescentes que se portam como inimigos da sociedade. Queremos de antemão esclarecer que o objetivo de nosso trabalho não é “defender” ou “proteger” o adolescente da sociedade, e nem tampouco seu inverso, mas sim, discutirmos tema tão caro para a psicanálise como a responsabilidade.

Tal discussão tem seu foco principal por encontrarem-se os adolescentes em um estado de exclusividade: para o Direito Penal Brasileiro os adolescentes são considerados inimputáveis, ou seja, “não responsáveis”

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e estão sujeitos à legislação específica

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. O que isto quer dizer? Quer dizer que se uma pessoa matar mas for menor de dezoito anos ela é isenta de pena. Não só é isenta de pena, como, por não se configurar a culpabilidade

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, para o Direito não há crime. Ora, se não há crime, conseqüentemente, não há autor do ato, como podemos ler na Revista dos Tribunais

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“Por serem inimputáveis, a criança ou adolescente jamais cometem crimes ou contravenções, incorrendo tão-só em ato infracional...” Portanto, dizer que um adolescente cometeu um crime é, à luz do Direito, um erro, pois para o Direito não há crime na adolescência e sim “ato infracional”.

De acordo com o Código Penal

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, os menores de dezoito anos e os loucos são, previamente, excluídos de qualquer possibilidade de se responsabilizar por seus atos.

1Artigo 27 do nosso Código Penal, “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

2 Estatuto da Criança e do Adolescente lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, Lei n° 8.242 de 12 de outubro de 1991 – 3ª ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001.

3 É o que será mensurável caso o autor do crime seja considerado responsável

4 Revista dos Tribunais, número 681/328, 2000, pp. 91 e 92

5 CÓDIGO PENAL – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 9ª edição.

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No caso dos loucos o juiz deve solicitar laudo psiquiátrico para que se constate a existência da doença mental. Com os menores de dezoito anos a causa biológica (imaturidade) é suficiente para que não seja atribuída a responsabilidade penal, não havendo necessidade de nenhuma indagação psicológica ou psiquiátrica.

Investigando a justificativa de vários autores do Direito

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para a inimputabilidade na adolescência compreendemos não se tratar de uma questão de maturidade biológica e nem por acreditarem que um adolescente não entende o caráter ilícito do ato infracional.

Trata-se de uma “política criminal”

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, não os destinando a uma forma de castigo que acreditam contribuir para uma vida criminosa. Aqui temos um primeiro problema, pois porque razão um adolescente deve ser poupado de uma forma de castigo que acreditam ser perniciosa e um adulto não? Porque então não trabalhar para uma modificação do sistema carcerário, que sabemos ser altamente desumano?

Também encontramos uma associação direta entre delinqüência juvenil e menor abandonado, pobreza, falta da educação, tanto escolar quanto a dos pais.

Apesar de no Direito Penal haver um consenso de que o elemento “vontade” é importante na imputação da responsabilidade, ou seja, ter conhecimento de que o ato cometido é um ato contrário ao Direito, ainda assim, os menores de 18 anos são considerados irresponsáveis, mesmo supondo-se que entendiam perfeitamente o caráter ilícito do crime. Portanto, o que temos no Direito Penal é uma situação de exceção para os menores de dezoito anos.

A medida sócio-educativa, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, não tem como objetivo a punição, como é o sentido da pena para maiores de 18 anos, mas sim o de uma assistência educativa. Visaria “corrigir” os jovens, considerados

6 Maiores informações podem ser encontradas na dissertação de mestrado “A questão da responsabilidade na adolescência sob a ótica da Psicanálise e do Direito”, defendida em setembro de 2007 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro pela autora deste trabalho.

7 Hungria, N. - Comentários ao Código Penal , vol. I, tomo 2°, arts. 11 a 27, Rio de Janeiro, Edição Revista Forense, 3ª edição, 1955, p. 353-354.

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portadores de uma deficiência qualquer que precisa ser “consertada”; com medicação específica, psicoterapia ou com a educação que lhes faltou. Como se fazendo os ajustes necessários em uma máquina que vem funcionando mal ou ainda extirpando variáveis exteriores

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àquele sujeito, garantimos uma “adequação” deste à vida em sociedade. O objetivo é “reformar” o sujeito, como se ele tivesse “erros” que podem ser consertados por nós.

Temos então o saber do lado dos especialistas, dos doutores. Onde fica o sujeito?

Onde fica aquele que sofre, sonha, transgride? As teorias desenvolvimentistas o excluem com o argumento da maturação: “Ele não está desenvolvido o suficiente”; as teorias sociológicas o desresponsabilizam: “Ele é vítima da sociedade”. Ou então estamos esperando aquele grande achado da ciência: a substância x é responsável pela criminalidade, mas certamente a nova substância comercializada pelo laboratório Y, poderá resolver este problema? De qualquer forma, em qualquer destas teorias, o sujeito perde as rédeas de sua vida, virando um joguete de forças maiores. Seguindo este raciocínio, até que ponto na execução das medidas sócio-educativas valoriza-se o adolescente sujeito de um ato? Ouve-se o que o adolescente tem a dizer sobre seu ato?

As medidas sócio-educativas os auxiliam ou afogam aquilo que no sujeito insiste em se fazer ouvir?

No entanto, para falarmos de responsabilidade, sob o ponto de vista da psicanálise, precisamos, em princípio, saber quem é este que transgride. O Direito, assim como a Medicina e a Psicologia, trabalham e pensam a categoria de sujeito de formas diversas, resultando em diferentes interpretações em relação aos atos daquele que age.

8 Exteriores como aquilo que o sujeito não pode controlar, alheio à sua vontade.

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Será Freud que trará ao mundo a descoberta do inconsciente. “(...) todos os atos e manifestações que noto em mim mesmo e que não sei como ligar ao resto de minha vida mental, devem ser julgados como se pertencessem a outrem; devem ser explicados por uma vida mental atribuída a essa outra pessoa”.

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Para a psicanálise, é exatamente aqui onde o sujeito se localiza, neste que ele não reconhece, mas que fala e age por ele.

Não é no pensamento que está o sujeito, pelo contrário, quando ele pensa, está fora de seu ser. Lacan aponta para a existência de dois lugares diferentes: o lugar do “penso” e o lugar do “sou”.

O inconsciente, este desconhecido, é regido por suas próprias leis e estas não dependem e nem se subordinam à vontade humana. Encontramos um estranho entre o ato de pensar e a ação propriamente dita. Esta concepção é que norteará a clínica ou a escuta do sujeito, pois se fundamenta na distinção entre o eu e o sujeito.

Freud faz ainda a desconcertante descoberta que “no inconsciente não há indicações de realidade, de modo que não se consegue distinguir entre a verdade e a imaginação que está catexizada com afeto”.

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A esta nova concepção da realidade chamou de realidade psíquica. “O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica”.

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Em 1920 com o texto Mais Além do Princípio do Prazer, Freud encontra a compulsão à repetição e a descreve economicamente, como tensão que não cessa, o resto que insiste.

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Surge então uma face escura, formulada por Freud como pulsão de morte. Descobre a existência de um resto que persiste no psiquismo, levando o sujeito a repetir uma experiência desprazerosa compulsivamente. Este resto, sua fonte provém da pulsão de morte. Aquilo que perturba o sujeito a nível de seu eu, é justamente aquilo que lhe traz prazer a nível inconsciente. Ou seja, onde o sujeito diz sofrer, é ali onde

9 Freud,O Inconsciente (1915), in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. XIV, 1975, p.195.

10 Idem, Carta 69 - Extratos dos documentos dirigidos a Fliess, 1950 (1892-1899) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. I, p. 358.

11 Idem, A Interpretação dos Sonhos (1900-01) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. V, p. 554.

12 Freud já havia se referido a esta tensão que não desaparece no texto Projeto para uma psicologia Científica de 1895.

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mais goza. Há uma divisão do sujeito contra ele mesmo. O que fazer frente a um sujeito marcado por um corte, uma divisão, que faz com o que diz sentir como um desprazer a nível do eu, a nível do inconsciente, é o que o satisfaz?

No Seminário A Ética da Psicanálise Lacan adverte que o gozo é um mal,

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pois se relaciona ao mal do próximo, criando conseqüentemente, a total desarmonia nas relações sociais entre os homens, já apontada por Freud em O Mal-estar na Civilização.

O conceito de gozo equivale ao que Freud descobriu na economia do masoquismo, quer dizer, uma patologia do prazer no desprazer.

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Encarado como aquilo que faz o sujeito destruir a si mesmo, o gozo é o que o afasta de toda moderação e bem-estar. Lacan menciona que o gozo prejudica não apenas a homeostase do sujeito mas também o laço social, resistindo à moderação do princípio de prazer.

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Podemos agora compreender a necessidade da existência da lei. Segundo Freud a lei se faz necessária porque “apenas proíbe os homens de fazer aquilo a que seus instintos os inclinam”

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, pois o desejo de transgredir é de todo sujeito. A lei impõe limite ao gozo e aponta que transgredir é gozar.

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No texto Por que a guerra? vai dizer que a união se faz necessária para compensar a fortaleza que uma única pessoa poderia adquirir sobre os demais. Cada um deve renunciar a sua liberdade pessoal para uma convivência social pacífica. Freud nos alerta sobre a dificuldade, inerente à condição humana, para a constituição, com o próximo, de um tecido social. Há necessidade de uma instituição que zele para que um indivíduo não se submeta sobre os demais: essa instituição é exercida pelo Direito.

O problema é que as leis são insuficientes para frear a crueldade do homem. Há algo que escapa e insiste na satisfação pulsional. Este é o motivo que Freud vai falar de

13 Lacan, J., O Seminário, livro 7, A ética da Psicanálise (1959-1960), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991, p. 225.

14 Freud, S. - O Problema econômico do masoquismo (1924), in ESB, Imago Editora, vol. XIX, (1975).

15 Lacan, J., - O Seminário, livro 7, op. cit.

16 Freud, S. - Totem e Tabu (1913[1912]), in ESB, Imago Editora, vol. XIII (1975), p. 150.

17 Lacan, J. - O Seminário, livro 7. Op. cit., p. 217, grifo meu.

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um mal-estar que está na base da civilização. Há necessidade de se abrir mão de um gozo para se viver em civilização, o que gera, inevitavelmente, sofrimento.

Temos então o nosso sujeito, marcado pelo inconsciente e pela falta, que ocupa o lugar da desorganização, ao contrário da organização. Para o Direito o sujeito é um ser controlável, consciente de suas ações e livre para escolher entre o bem e o mal.

Podemos agora refletir de forma diferenciada sobre as transgressões. Tais atos podem dar prazer a um sujeito, ou ainda, estarem visando justamente a lei. No artigo

“Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa”, Freud comenta que no tratamento de pacientes seus que cometeram crimes, pôde verificar que esses atos visavam justamente à lei.

Como então não responsabilizar o sujeito por seu ato?

O problema central é que a punição por si só não produz a responsabilidade do sujeito por seu ato. Razão também pela qual a redução da maioridade penal não resolveria o problema da delinqüência juvenil. Este é o motivo que a Psicanálise considera a história particular de cada um, pois caso o sujeito não questione sua responsabilidade em relação ao seu ato, muito embora possa receber um castigo, não assentirá a punição, podendo viver em um total automatismo sem qualquer reflexão sobre seus atos. É por isso que Lacan nos diz que é fundamental um “assentimento subjetivo” para que o castigo tenha um significado para o sujeito.

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Portanto, precisamos nos responsabilizar até mesmo por aquilo que desconhecemos em nós. Isso que desconhecemos em nós, Freud chamou de inconsciente. Nossos sonhos são um bom exemplo. Somos responsáveis por eles? Freud

18 Idem, Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia (1950) in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.

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não nos deixa esquecer que, se não nos responsabilizamos pelos nossos sonhos, nada poderemos fazer com eles

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.

Se responsabilizar é sair da posição da queixa e se queixar é o mesmo que acreditar que alguém pode responder por aquilo que nos aflige ou que alguém é responsável pelo nosso mal-estar.

Mas então se o sujeito puder se responsabilizar por seu ato, isso possibilitará que posteriormente não cometa mais crimes? Pode ser que sim, mas também pode ser que não, cada caso é um caso, é impossível fazer este tipo de previsão. Lacan porém nos aponta que o próprio fato de falar a alguém tem como resultado a transferência, uma vez que ao falar, a dimensão do outro aparece. Podemos então tratar da responsabilidade quando permitimos que o sujeito possa falar. Somente através da palavra é possível a ocorrência de um processo de subjetivação, com possibilidade para o sujeito retificar sua posição frente ao mundo.

Queremos ainda salientar que não desconsideramos os efeitos da existência da miséria, da pobreza, do abandono e das precárias condições de vida que vive uma grande parte da população. Porém, visamos discutir qual a origem das transgressões sem transformá-la em uma visão simplista do problema, como por exemplo, reduzi-la ao contexto social do sujeito. O que a psicanálise tem a contribuir na interlocução com a Justiça é que existe outro registro, inconsciente, que impele o sujeito ao ato. Este reconhecimento pelo sujeito do que nele o impele a algo independente de sua vontade é um passo importante para que o sujeito se responsabilize e, a partir daí, possa escolher outra forma de se expressar. Caso contrário, estaríamos dizendo que os atos infracionais, as transgressões são decorrentes da falta de alimentação adequada, educação ou precárias condições de vida (baixos salários). Os crimes seriam

19 Freud, S., Algumas notas adicionais sobre a interpretação de sonhos como um todo (1925) in ESB, Rio de Janeiro, Imago Editora, vol. XIX, p. 165.

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exclusividade apenas das classes populares, quando sabemos a enorme incidência de crimes nas classes média e alta, porém que, muitas vezes, não chegam até os bancos dos réus.

Para finalizar, podemos agora compreender a instigante frase de Lacan

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num artigo de 1965 intitulado “A Ciência e a Verdade”: “Por nossa posição de sujeito somos sempre responsáveis”.

20 Idem, A Ciência e a Verdade (1960) in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.

Referências

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