Nº CAPA SINOPSE
1.
SILVA, Claudinei A. F. A carnalidade da reflexão: ipseidade e alteridade em Merleau-Ponty. São Leopoldo (RS) : Nova Harmonia, 2009, 328p
seu necrológio sobre Merleau-Ponty, aponta uma certa "visão infantil" que perpassa todo o discurso e a ação de Merleau-Ponty. Mas é preciso ter essa visão infantil para derrubar esses pressupostos. E ninguém fazia melhor esse trabalho do que Merleau-Ponty. Não uma visão adulta, já "carregada" de preconceitos; mas, sim, uma visão ingênua, não corrompida, para vasculhar todo o arsenal teórico e denunciá-lo um após o outro; não só os dogmas da filosofia clássica, para ver o invisível, ouvir o inaudível e, dessa maneira, ir interrogando a interrogação até não restar um só resto. Mas isso é realmente possível? Merleau-Ponty provavelmente diria que não. É por isso que, ao picotar a obra, revela-se um non-sense absoluto. São as mesmas interrogações que Merleau-Ponty põe em foco. A radicalidade não significa, de maneira alguma, outro tipo de investigação. Significa apenas pôr em jogo uma espécie de "ir ao fundo"; e não uma outra filosofia. É falso pensar que existiria, "grosso modo", entre A Fenomenologia da Percepção e O Visível e o Invisível, uma ruptura. Enfim, tudo parece indicar apenas um aprofundamento. Nesse sentido, a obra de Merleau-Ponty, instigante, é um modelo. Se uma figura me ocorre é a de um pensamento concêntrico - onde não há ponto de partida, nem ponto de chegada. Esse inacabamento é sua maior grandeza. Assim, só posso congratular-me com Claudinei de Freitas, que soube acompanhar tão bem o pensamento merleau-pontyano nesse pequeno primor intitulado A Carnalidade da Reflexão: ipseidade e alteridade em Merleau-Ponty. Continue assim!
2.
SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da. A natureza primordial: Merleau-Ponty e o logos do mundo estético. Cascavel (PR) :
Edunioeste, 2010, 208p (Série Estudos Filosóficos, nº 12).
3.
SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da Silva (Org.). Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, 40 anos depois. Cascavel (PR) : Edunioeste, 2013, 153p.
“Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, quarenta anos depois”. Celebramos efetivamente este ano o quadragésimo aniversário da morte de Gabriel Marcel, ocorrida em Paris, no dia 8 de outubro de 1973. Seu percurso de pensamento inicia 60 anos antes, momento, pois, em que se engaja na Grande Guerra que vai dizimar a Europa. É nesse período que é inaugurado o seu Diário
metafísico e publicado uma primeira coletânea de duas peças de teatro
precedidas de um importante prefácio, O limiar invisível. Com Gabriel Marcel, encontramos Sócrates. Trata-se de um homem que não ambiciona construir uma carreira acadêmica para ser “professor” ou tornar-se “especialista” de um autor ou um período da História da Filosofia, nem mesmo construir (mais um) “sistema” filosófico novo, mas um homem que quer ouvir o mundo, que se surpreende e que busca compreendê-lo. Ele é um homem de diálogo, também. Tanto é que, a partir de 1930, o filósofo recebe em sua casa em Paris, no apartamento na Rue de Tournon, às sextas-feiras à noite, jovens que querem fazer filosofia. Algumas dezenas de metros dali, é claro, há a Sorbonne. Na Sorbonne, porém, não se faz filosofia; estudam-se as doutrinas e os “grandes autores”. Entre esses jovens que aprenderiam com Gabriel Marcel a fazer filosofia se encontram: Jean-Paul Sartre, Emmanuel Levinas e Paul Ricœur. Em 1927, com a publicação do primeiro Diário metafísico se sela uma virada que irá orientar de maneira diversa a filosofia francesa. Trata-se, verdadeiramente, de uma obra inovadora, como o foram para a geração anterior, o Ensaio
sobre os dados imediatos da consciência, de Bergson, A interpretação dos sonhos, de Freud, ou as Investigações lógicas, de Husserl. Um Diário metafísico, portanto. Em outras palavras, um pensamento em ato que
não suprime o tempo de sua própria elaboração. Um pensamento que ensaia que retoma e se corrige. Um pensamento que se surpreende, tateia e busca mais luz. Um pensamento que retoma tudo novamente e tenta traçar um caminho em direção ao concreto. “Convém, explica Gabriel Marcel, partir de algumas experiências bastante simples e imediatas, mas que o filósofo ainda em nossa época tende a negligenciar”. É a filosofia que se descobre novamente, tal como ela fora descoberta com Sócrates e, antes, com Tales, Heráclito, Parmênides entre outros. Gabriel Marcel não escreve livros. Com isso, pretendo dizer que o seu estilo filosófico não é o da summa ou do tratado, nem da tese de doutorado, nem de comentários acerca das obras de filósofos anteriores. Na verdade, ele não escreveu nada que se parecesse com Ser e tempo, de Martin Heidegger – publicado no mesmo ano que o Diário metafísico – ou O ser e o nada, Totalidade e
infinito, Tempo e narrativa, Redução e doação. Ele deixa um Diário metafísico, mas são somente alguns anos depois de tê-lo escrito, e por
insistência de seu amigo Jean Wahl, que decidiu publicá-lo, o que, no início, não passava de simples notas tendo em vista uma tese de doutorado. Esse diário continuará então com Ser e ter (1935) e Presença
e imortalidade (1959). A sua pesquisa filosófica se elabora na forma de
artigos e conferências que são, em seguida, reunidos em coletâneas: Da recusa à invocação (1940), Homo viator. Prolegômenos a
uma metafísica da esperança (1945), O mistério do ser (1951), Os homens contra o humano (1951), ou, ainda, O homem problemático (1955). É no
possível ler, reunidos em conjunto, a peça O mundo partido e o que pode ser considerado o Discurso do método do autor do Diário metafísico, a conferência sobre Posição e aproximações concretas do mistério
ontológico. Entre os estilos de intervenção de Gabriel Marcel, ainda
encontramos artigos de crítica dramática – o autor dedica várias noites por semana ao teatro –, escritos autobiográficos e uma extensa correspondência, em parte, ainda inédita. Gabriel Marcel é um homem da palavra, do encontro e do diálogo. Agora é o momento de reler, “40 anos depois”, o autor de o Diário metafísico. Como compreender a filosofia do último século, sem Gabriel Marcel? Ora, direta ou indiretamente, a obra marceliana fecunda, efetivamente, toda a filosofia francesa. Ela inaugura uma filosofia da situação, da presença no mundo, do corpo próprio, da intersubjetividade e da fidelidade, da narrativa e do testemunho criador, do apelo e da resposta, do acontecimento, do dom e da esperança, como temas que foram, logo em seguida, desenvolvidos, respectivamente, por Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Michel Henry, Emmanuel Levinas, Paul Ricœur, Jean-Louis Chrétien, Jean-Luc Marion e Marguerite Léna. As vigorosas análises marcelianas, tais como a distinção entre o “ser” e o “ter”, o que é um “mistério” e o que o distingue do “problema”, a crítica da objetividade e do esquema da causalidade constituem parte do patrimônio comum da filosofia contemporânea. Em 1930, Jean Wahl consagra um estudo sobre o Diário metafísico de Gabriel Marcel. Dois anos mais tarde, Wahl o aproxima de William James e Alfred North Whitehead, mostrando que esses três autores imprimem um movimento similar Em direção ao concreto. Em 1936, foi a vez de Louis Lavelle apresentar Um diário metafísico em O eu e o seu destino. Logo mais, Ricœur prestaria homenagem ao seu mestre consagrando um livro em Gabriel Marcel e Karl Jaspers: filosofia do mistério e filosofia do
paradoxo (1948). Convertido à fé católica em 1929 – e, apesar de
recusar a expressão –, ele é considerado, desde então, como o representante do “existencialismo cristão”. Os estudos sobre a sua obra se multiplicam e a sua reputação internacional se mostra patente. Em 1949 e 1950, ele pronuncia as Palestras Gifford na Universidade de Aberdeen, em seguida, em 1961 e 1962, serão as Palestras William
James em Harvard. Doutor honoris causa de várias universidades, recebe
certamente, um autor fácil. Adentrar no pensamento marceliano exige um paciente trabalho de leitura, longe dos padrões e dos livros que pretendem fornecer receitas supostamente filosóficas para “melhor viver”. Devemos aceitar, com ele, em perdermo-nos, enganarmo-nos, mudarmos de itinerário, se quisermos seguir as voltas e reviravoltas do Diário metafísico. Gabriel Marcel é um filósofo itinerante que nunca para de repor, no início, o seu pensamento para explorar a existência e de se colocar mais próximo daquilo que se revela como mistério. Mesmo já, em idade avançada, ele permanece nômade. “Eu tendo a crer”, escreve o filósofo, “que é, então, da essência de um pensamento filosófico vivo, de repor sempre, em algum grau de questionamento, as conclusões as quais ele tem, pouco a pouco, chegado. [...] Sem dúvida, a filosofia é essencialmente uma busca e esta busca é a da Verdade. Ora, essa palavra possui, entretanto, uma ambiguidade fundamental que devemos identificar. A Verdade, no sentido filosófico da palavra, é incomensurável com as verdades particulares veiculadas pelas descobertas do cientista ao termo de suas pacientes investigações” (Presença e imortalidade). Um pensamento filosófico não emerge do ter, e não saberia ser possuído como uma coisa. “Há algo de absurdo quanto a certa pretensão de querer ‘encapsular o universo’, num conjunto de fórmulas mais ou menos rigorosamente encadeadas”. É o homem que está no centro da meditação de Gabriel Marcel; o homem, em carne e osso, em situação, encarnado, o homem que sofre e espera. É bem mais o sentido concernente da “minha vida” que descubro por meio da reflexão filosófica. Trata-se, portanto, de refazer, por nossa conta, o caminho que ele mesmo percorreu, associando-se às suas hesitações, às suas incertezas, ao seu constante aprofundamento das mesmas questões, de tentar a possibilidade de encontrar um apoio, talvez um guia. Gabriel Marcel não nos ensina a filosofia, não nos fecha em algum sistema – Gabriel Marcel nos ensina a filosofar. Sob esse aspecto, ele é um verdadeiro mestre. Ora, o leitor pode, talvez, começar com as Entrevistas de 1968 entre Gabriel Marcel e Paul Ricœur, prosseguir com O homem problemático ou com o Ensaio
de filosofia concreta e desfrutar, mais em seguida, o Homo viator além
próprios; ela é a negação ativa de uma inércia interior; ela pode ser concebida não apenas como um elã, mas como uma irrupção”. O que torna possível essa irrupção é o inesgotável concreto. “Esse inesgotável”, previne Gabriel Marcel, “cada um de nós só pode alcançar com o mais intacto, com aquilo que há de mais virgem de si mesmo”. Ler Gabriel Marcel para reaprender a admirar. Ler Gabriel Marcel para continuar a aventura, correndo o “bom risco”, o que é, no dizer de Platão, a filosofia. Ler Gabriel Marcel para nos desprender de nós mesmos e deixar advir o virginal, o vívido e o bom tempo presente.
Paris, 24 de julho de 2013 Pascal David, op,
Professor de Filosofia
Association “Presence de Gabriel Marcel” Rua de Tournon, nº 21 - 75006 Paris (França) www.gabriel-marcel.com
4.
SILVA, C. A. F.; MÜLLER,M. J.. (Org.) Merleau-Ponty em Florianópolis.
1ed.Porto Alegre : FI, 2015, v., p. 171-196.