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JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO DO TRABALHO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDAE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Marcelo Freire Gonçalves

JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

NO DIREITO DO TRABALHO

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDAE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Marcelo Freire Gonçalves

JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

NO DIREITO DO TRABALHO

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estudar a longa evolução do trabalho, em especial, na sociedade capitalista contemporânea sob a ótica do humanismo consagrado no primado da dignidade da pessoa humana. Aborda-se a transição da sociedade brasileira pelo passado escravista até a modernidade competitiva. Essa análise demonstra que o processo de construção da ordem capitalista no Brasil não foi uniforme. As fase ou ciclos econômicos impactaram decisivamente na formação das relações de trabalho. Passa-se em seguida para o estudo do Direito do Trabalho, mormente após a evolução dos direitos humanos. A constitucionalização do Direito do Trabalho, a valorização do ser humano e a despatrimonialização do direito privado mereceram aprofundado estudo a fim de se compreender o avanço do jus-humanismo e o declínio do positivismo jurídico. Nesse aspecto, demonstra-se que a Constituição Federal de 1988 representou um novo paradigma valorativo a ser observado tanto nas relações públicas como privadas. O valor social do trabalho, a livre iniciativa e o primado da dignidade da pessoa humana forneceram um arcabaouço normativo cuja interpretação pelo operador do direito permite concretizar os dirietos sociais. Finalmente, avalia-se a eficácia horizontal dos direitos humanos fundamentais em dois casos concretos e o papel do Poder Judiciário na máxima eficácia dos direitos humanos fundamentais.

(5)

ABSTRACT

The present work aims to study the evolution of the work, in particular, in contemporary capitalist society from the standpoint of humanism as set out in the primacy of human dignity. Addresses the transition from the slave past Brazilian society to modern competitive. This analysis demonstrates that the construction process of the capitalist order in Brazil was not uniform. The phase or cycle decisive impact on the formation of working relationships. It goes then to the study of labor Law, especially after the evolution of Human Rights. The constitunalization of the Labor Law, the appreciation of the human being and the private deserved in depth study in order to understand the progress of jus-humanism and the decline of legal positivism. In this respect, it is demonstrated that the Federal Constitution of 1988 represented a new paradigma values to be observed in both the public and the private relationships. The social value of work, free enterprise and the primacy of human dignity provided a legal interpretation to the operator whose right to make operational and the social rights. Finally, we evaluate the effectiveness of horizontal two fundamental human rights in concrete cases and the role os the Judiciary in the maximum efficiency of fundamental Human Rights.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é compartilhar o sucesso com os demais. Aqui não faltaram pessoas amigas que, diretamente ou indiretamente, colaboraram para a finalização do nosso trabalho.

Em primeiro lugar ao Criador, o nosso Deus maior, que nos ampara e nos conduz pelos campos da vida.

Dando sequência, a minha esposa Dirley Aparecida e a minha filha Mariana, molas mestre de nossa vida. Agradecimentos pelos empurrões diante dos obstáculos da vida.

Aos meus familiares, principalmente aos meus pais Heitor e Maria Augusta por sempre terem acreditado na minha educação.

Aos funcionários do meu gabinete no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, pelo apoio, pela torcida e um todo especial ao nosso Chefe de Ganinete Cesar Henrique.

Não menos querido, muito pelo contrário, ao meu prezado orientador Professor Ricardo H. Sayeg, que com suas aulas trouxe uma nova visão do mundo jurídico. Figura ímpar como pessoa, que nos leva a ter mais esperança na vida humana.

(7)

Se as coisas são inatingíveis...ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora A mágica presença das estrelas!

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1 - AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO LIGADA AOS DIREITOS HUMANOS 13

1.1 – Breve histórico 13

1.1.1 Período pré-colonial (1500-1530) 15

1.1.2 Período da economia escravista de cultivo do açúcar (séculos XVI e XVII) 17

1.1.3 Período da economia escravista mineira (século XVIII) 24

1.1.4 Período da economia cafeeira e transição para o trabalho assalariado 26

1.1.5 Leis contra a escravidão 34

1.1.6 Período da industrialização 39

1.2 Evolução dos direitos humanos 42

1.3 Reflexos da evolução dos direitos humanos no âmbito do trabalho 47

CAPÍTULO 2 – AMBIENTE CONSTITUCIONAL DO CONTRATO DE TRABALHO 52

2.1 – Constitucionalização do Direito do Trabalho 52

2.2 – A positivação dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988 67

2.3 – Princípios constitucionais aplicados na hermenêutica justrabalhista 78

CAPÍTULO 3 – APLICAÇÃO HORIZONTAL DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTRATO DE TRABALHO 85

3.1 – Noção de direitos humanos 85

3.2 – Eficácia dos direitos humanos fundamentais 101

3.3 – Aplicação horizontal dos direitos humanos fundamentais no contrato de trabalho 110

3.4 – O papel da jurisdição na eficácia horizontal dos direitos humanos fundamentais 121

CONCLUSÃO 129

(9)
(10)

INTRODUÇÃO

Dentro do capitalismo humanista, há três primados que cercam a condição humana:

Família – Trabalho - Liberdade

Dentro da concepção de direitos humanos passada nas aulas do Professor Ricardo Hasson Sayeg, vê-se a importância do jusnaturalismo voltado para a concepção de fraternidade.

Se fosse adotado o pensamento do Professor Milton Friedman, o Brasil nunca seria um país capitalista.

A globalização não trouxe frutos para a maioria da Humanidade. Via de regra beneficiou os habitantes dos países ditos do Primeiro Mundo.

O progresso acelerado dos países ricos provocou o aquecimento global nos países pobres.

Tome-se, como exemplo, as Ilhas Maldivas.

As águas do mar estão cobrindo as ilhas do oceano Pacífico e o governo daquele país procura outros países dispostos a receber seus cidadãos. Mais recentemente ocorreram os episódios das cidades da serra fluminense em que se verificaram demonstrações de solidariedade em contraposição ao lucro ganancioso.

Todavia, nos tempos atuais, a defesa intransigente do fundamentalismo de mercado ganhou fôlego, seja através da redefinição do papel do Estado, seja por meio de reformas econômicas e políticas que concentram a riqueza.

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setores da economia, privatizações em larga escala, liberalização financeira e comercial e regime cambial.

Os reflexos desse modelo político e econômico nas relações privadas revelam um acentuado individualismo em que o outro não é visto como parceiro, mas sim como adversário ou concorrente.

A filosofia cristã, há muito tempo, impôs um temor reverencial aos detentores dos meios de produção estimulando a igualdade. Forneceu a justificativa moral necessária para assegurar o mínimo e indispensável à sobrevivência humana.

É importante citar a Doutrina Social da Igreja desenvolvida na Encíclica

Rerum Novarum, de 1891, de Leão XIII; na Encíclica Quadragesimo Anno, de

1931, de Pio XI; em discursos e documentos pontifícios de Pio XII; nas Encíclicas Mater et Magistra, de 1961, e Pacem in Terris, de 1963, de João XXIII; na Encíclica Populorum Progressio, de 1967; e na Laborem Exercens, de 1981, de João Paulo II. Surgiu, na época, como uma alternativa aos exageros do liberalismo econômico e do comunismo. Apregoava teses com forte sentido humanista. Partia da premissa de que a dignidade do trabalhador merecia a mais alta valoração, razão pela qual o Estado deveria regular as relações de trabalho a fim de evitar a aniquilação dos mais pobres.1

O Professor Ricardo Sayeg consagra em sua tese “Filosofia Humanista do Direito Econômico”, que a solução está no ideal que contempla a liberdade e a igualdade na medida fixada pela fraternidade, numa cadeia de adensamentos entre elas, em prol do homem livre.

A participação dos empregados na condução do negócio apresenta-se como uma medida de integração entre o capital e o trabalho (Marcelo Freire Gonçalves. A Participação do Empregado na Direção da Empresa. Tese de

1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19.ª ed. rev. e atual. São

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Mestrado, ano de 2003, PUC-SP). É possivelmente a manifestação concreta da fraternidade no âmbito da relação de emprego.

Em data relativamente recente o então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva promulgou a Lei n.º 12.353, de 28 de dezembro de 2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos Conselhos de Administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha maioria do capital social com direito a voto.

Há, ainda, expressão mais eloquente da concretização dos direitos humanos no âmbito do trabalho. Na impossibilidade do empregador manter a empresa passaria esta aos empregados como meio de continuidade do trabalho (Acórdão SDC 00304/2002-2 proferido no processo SDC 00312/2000-3).

Nesta oportunidade queremos demonstrar nossa experiência na Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, onde nos defrontamos com a eficácia do direito positivo dentro da visão humanista do pleno emprego.

(13)

CAPITULO I

AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO LIGADA AOS DIREITOS HUMANOS

1.1 Breve histórico:

A história da Humanidade está intimamente relacionada aos conflitos pela riqueza. Os homens desde tempos imemoriais disputam a posse dos meios de subsistência.

O trabalho humano é, sem dúvida alguma, um dos instrumentos de geração de riqueza.

Assim, desde a Antiguidade havia a disputa pela força de trabalho. É nesse contexto que se insere a escravidão.

É bom lembrar que o escravo era tido como propriedade e não titular de direitos (cidadão).

Aristóteles, na obra “Política”, admitiu a escravidão e pretendeu justificar a relação entre senhor e escravo a partir de uma teoria melhor do que aquela que apontava a escravidão como pura violência.

Veja que Aristóteles adota o pensamento corrente na época de que o escravo era mera ferramenta:

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outras. Ele é em si uma ferramenta para manejar ferramentas.2

Tampouco existe amizade em relação a um cavalo, a um boi ou a um escravo enquanto escravo, pois não há nada em comum entre as duas partes: o escravo é uma ferramenta viva e a ferramenta é um escravo inanimado. Enquanto escravo, portanto, não se pode ser seu amigo, porém, enquanto ser humano isso é possível, pois parece haver uma certa justiça entre um homem qualquer e outro homem qualquer que tenham condições para participar de um sistema jurídico ou ser partes em um contrato: portanto, pode haver amizade com um escravo na medida em que este é um homem.3

A escravidão é analisada por Aristóteles em meio à tentativa de justificar a existência de formas distintas de governo do homem sobre o homem.

Ele explica que o escravo por natureza é uma criatura que obedece à paixão e não concebe a razão. Acrescenta que a própria natureza distinguiria os corpos dos escravos e do senhor, sendo que o primeiro seria forte para o trabalho servil, enquanto que o segundo seria inútil para o trabalho físico, mas útil para a vida política e para as artes. Conclui que, para os escravos, seria melhor que fossem dirigidos pelo senhor, dotado de razão.

O escravo por natureza seria somente o bárbaro.

O escravo por convenção nasce da estipulação, segundo a qual todos os homens capturados em guerra tornam-se propriedade do captor.

Porém Aristóteles ressalta que o escravo por convenção não poderia decorrer simplesmente do poder de um homem infligir violência a outro. Isso porque, se fosse admitida essa idéia, um nobre poderia ser escravo, o que não é aceito na lógica aristotélica.

2 ARISTÓTELES. Aristóteles – Vida e Obra. Política. Tradução de Therezinha Monteiro

Deutsch e Baby Abrão. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. p. 148.

3 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret,

(15)

O escravo por convenção teria que coincidir com o escravo por natureza, o que significa que, numa guerra contra tribos bárbaras, seria justo fazer escravos.

Esse raciocínio aristotélico será resgatado no período das grandes navegações, pois serviria de justificativa para que espanhóis e portugueses viessem a utilizar a mão-de-obra escrava no continente americano.

Além dos conflitos e justificativas morais do emprego da mão-de-obra, faz-se necessário compreender a dinâmica dos sistemas econômicos, em especial do capitalismo que prevaleceu ao longo dos últimos séculos.

O estudo do trabalho depende da compreensão da dinâmica do capitalismo numa sociedade. Isso porque a modificação do sistema econômico influencia diretamente na relação de trabalho.

Tome-se como exemplo a evolução da relação de trabalho na sociedade urbana brasileira a partir dos anos 50. A industrialização brasileira - causa direta da evolução das relações de trabalho no ambiente urbano – foi proporcionada pela acumulação de riquezas geradas pelo café. Antes desse período, a sociedade brasileira era marcadamente rural.

A ordem capitalista brasileira transitou pelo passado escravista até a modernidade competitiva. É certo que essa transição foi extremamente lenta e gradual e, mesmo na atualidade, vislumbra-se a herança do passado escravista.

Isso significa que não houve uma ruptura completa, mas um processo de adequação à nova dinâmica exigida pela ordem capitalista.

Torna-se necessário, portanto, compreender as fases ou ciclos da economia brasileira desde o período colonial até a modernidade.

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No período pré-colonial (1500-1530), o Brasil não despertava interesse de uma economia mercantilista como a de Portugal. Nesse período os interesses do Estado metropolitano e da burguesia mercantil portuguesa estavam voltados para as riquezas africanas (ouro, sal e escravos) e para as ricas Índias Orientais que atraiam o comércio internacional.

As populações indígenas que habitavam as terras brasileiras viviam num sistema primitivo, possuindo uma agricultura rudimentar. A produção destinava-se apenas ao consumo coletivo.

O pau-brasil foi o único produto com valor econômico considerável que despertou o interesse dos portugueses. Era uma madeira muito utilizada na manufatura têxtil europeia, especialmente nas tinturarias de Flandres.

Uma vez descoberto, o pau-brasil foi declarado monopólio real (estanco) pela Coroa portuguesa.

O particular somente poderia comercializar o pau-brasil se o Estado lhe doasse uma concessão e, ainda assim, reservando para si o direito de cobrar obrigações e tributos do arrendatário.4

Em troca do pagamento de quatrocentos cruzados anuais e do envio de, no mínimo, seis navios por ano, a Coroa portuguesa arrendou a exploração do pau-brasil a um grupo de cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo) liderado por Fernão de Noronha. A partir de 1513, foi declarada livre a exploração do pau-brasil desde que se pagasse à Coroa portuguesa um quinto do valor da madeira explorada.5

Foi utilizada a mão-de-obra indígena livre para extração, corte e transporte de madeira até os navios.

(17)

Os comerciantes portugueses estabeleciam feitorias na Costa e utilizavam o trabalho indígena, através do escambo. A indústria da extração pode sobreviver e se desenvolver graças à existência numerosa de tribos nativas no litoral brasileiro. Os indígenas sujeitavam-se ao trabalho árduo de cortar árvores de grande porte e transportar a madeira até a praia e daí às embarcações em troca de quinquilharias de valor ínfimo.

A indústria extrativa do pau-brasil era essencialmente nômade já que não havia sentido em estabelecer feitorias nem povoamento em qualquer ponto, uma vez que a madeira explorada espalhava-se pelo país e, rapidamente, esgotava-se pelo corte intensivo.

Talvez pelo caráter nômade dessa indústria foi que os povos indígenas inicialmente foram suficientes como mão-de-obra.

Porém, já no período da colonização, os povos indígenas não aceitaram mais passivamente o trabalho organizado pelos colonos. Isso porque eram povos seminômades, portanto, pouco afeitos às ocupações sedentárias. A vida no período da colonização era bastante estranha aos hábitos indígenas.6

Com isso, muitas tribos passaram a resistir à ocupação portuguesa e à imposição do trabalho. Essa resistência criou certo embaraço à colonização e obrigou os portugueses a procurar uma alternativa à mão-de-obra indígena.

Portanto não há muitas informações sobre o período pré-colonial. Sabe-se, porém, que a atividade extrativa do pau-brasil teve relativo êxito e a forma de exploração da mão-de-obra foi o escambo.

1.1.2 Período da economia escravista de cultivo do açúcar (séculos XVI e XVII):

6PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. 49.ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense,

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É preciso lembrar que Portugal e Espanha largaram na frente da corrida colonialista. Países como Inglaterra, França e Holanda contestavam a rápida expansão comercial de Portugal e Espanha. As demais nações europeias opunham-se à divisão de terras feitas por Portugal e Espanha e sustentavam que portugueses e espanhóis não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado7.

Percebe-se que a exploração e a ocupação econômica do território brasileiro foi fruto da pressão política das demais nações europeias.

Colhe-se da lição de Celso Furtado8:

“(...) quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras – aliás a primeira colônia de povoamento do continente -, é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente.”

No início, Portugal desconhecia a existência de ouro no interior do Brasil. Ao contrário da Espanha, os portugueses precisaram definir uma forma de exploração econômica das terras que cobrisse os gastos de defesa dessas extensas terras.

O empreendimento escolhido foi o cultivo do açúcar. Isso porque os portugueses já haviam acumulado conhecimento técnico a partir da experiência nas ilhas do Atlântico.

7

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 34.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 27.

(19)

Celso Furtado9 destaca que os holandeses contribuíram decisivamente para a expansão do mercado do açúcar. Eles não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto, já que financiaram também as instalações produtivas no Brasil e a importação da mão-de-obra escrava.

A produção e o transporte do açúcar exigiam uma grande quantidade de trabalhadores cujo recrutamento não poderia ser feito em Portugal, já que o referido país ibérico não dispunha de excedente populacional suficiente para o empreendimento.

Além disso, era extremamente difícil e ruinosa a transferência de mão-de-obra da Europa para o Brasil. Transportar uma grande quantidade de trabalhadores da Europa para o Brasil gerava custos elevados. As condições de trabalho no Brasil eram piores que aquelas enfrentadas na Europa, de modo que somente com a oferta de salários bem superiores é que seria possível convencer os trabalhadores a se fixarem no Brasil Colônia.

A dificuldade em recrutar mão-de-obra branca européia foi bem exemplificada por Caio Prado Jr.10:

(...) nem na Espanha, nem em Portugal, a quem pertencia a maioria delas, havia, como na Inglaterra, braços disponíveis e dispostos a emigrar a qualquer preço. Em Portugal, a população era tão insuficiente que a maior parte do seu território se achava ainda, em meados do séc. XVI, inculto e abandonado; faltavam braços por toda parte, e empregava-se em escala crescente mão de obra escrava, primeiro dos mouros, tanto dos que tinham sobrado da antiga dominação árabe, como dos aprisionados nas guerras que Portugal levou desde princípios do séc. XV para seus domínios do norte da África; como depois, de negros africanos, que começam a afluir para o reino desde meados daquele século. Lá por volta de 1550, cerca de 10% da população de Lisboa era constituída de escravos negros.

9 Ibid. p. 34.

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Como visto, os portugueses já estavam familiarizados com o mercado africano de escravos.

No início, utilizaram a mão-de-obra escrava indígena. O emprego dessa mão-de-obra não foi muito proveitoso diante das hostilidades dos índios.

Não se pode perder de vista que, no começo da colonização, a mão-de-obra nativa foi fundamental na instalação da colônia.

Já, no período da instalação da monocultura do açúcar, o emprego da mão-de-obra indígena encontrou grandes dificuldades, seja porque não se adaptaram ao trabalho na lavoura de cana, seja porque resistiram bravamente à escravidão que os portugueses tentaram lhes impor.

Ao perceberem os portugueses que a importação de escravos africanos era um negócio altamente rentável, passaram a utilizá-la largamente.11

Impende observar que somente o trabalho escravo era viável num sistema de produção com pequena margem de lucro e condições de trabalho degradantes. Por certo não seria possível manter quantidade significativa de trabalhadores livres sujeitos a uma rotina de trabalho desgastante com remuneração baixa.

Lúcio Kowarick12 bem sintetiza o trabalho escravo nesse período:

Trabalho compulsório também porque, devido às estreitas margens de lucro, era imperioso para a empresa colonial subjugar, de forma permanente e disciplinada, grande quantidade de trabalhadores. Ela deveria levar adiante um processo cuja viabilização econômica dependia de uma produção em larga escala, voltada para o já partilhado e competitivo mercado mundial. Dessa forma, tornava-se inviável a submissão da mão-de-obra livre, pois, para afastá-la da economia de subsistência, seria necessário

11 Ibid. p. 35.

12 Trabalho e Vadiagem: A origem do trabalho livre no Brasil. 2.ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e

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atribuir-lhe vantagens materiais incompatíveis com a dinâmica inerente ao empreendimento colonial, que só poderia estruturar-se na superexploração do trabalho. Assim o trabalho escravo, por meio de jornadas extremamente longas e do rebaixamento também extremado dos níveis mínimos de subsistência, mostrar-se-ia mais vantajoso do que tentar uma submissão em massa da população livre, cuja viabilidade num contexto de disponibilidade de terras era praticamente irrealizável.

Dessa forma, a mão-de-obra escrava africana substituiu com êxito uma mão-de-obra menos eficiente e de recrutamento incerto.13

Aliás, foi a exigência da colonização na América que ressuscitou a escravidão na civilização ocidental, sendo que estava em declínio desde fins do Império Romano.14

É importante esclarecer que o processo de substituição do índio pelo negro prolongou-se até o fim da era colonial e se deu em ritmo diferente em cada localidade do Brasil. Em regiões como Pernambuco e Bahia, o processo foi rápido, ao passo que, na Amazônia e em São Paulo, perdurou até o século XIX.15

Essa observação é importante para compreender o processo de construção da ordem capitalista no Brasil, que não foi uniforme. Mais adiante será demonstrado que a transição para o trabalho livre também não foi uniforme, conforme ensina Adalberto Cardoso16:

As diferenças regionais quanto ao timing da transição são reflexo de outro aspecto relevante da ordem escravista: a existência de diferentes regimes de escravidão. Sabe-se hoje, com muito mais propriedade, que o padrão de sujeição dos cativos nos canaviais de Pernambuco ou da Bahia era diferente do imperante nos pampas gaúchos, nas minas de ouro e diamantes das Gerais, nos cafezais do vale do Paraíba, em cidades

13 Ibid. p. 84.

14 PRADO JR., Caio. op. cit. p. 34. 15 Ibid., p. 37.

16 A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência

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pequenas do interior de São Paulo, numa cidade grande como o Rio de Janeiro ou no interior dos engenhos de açúcar. Neste último caso, por exemplo, hierarquias ocupacionais distinguiam os escravos segundo a qualificação para o uso adequado do maquinário, a capacidade de produção do açúcar com determinado padrão de qualidade etc., gerando expectativas de ascensão social e de alforria que não existiam nos campos de cana ou de algodão.

A expansão de grandes empreendimentos agrícolas (engenhos de açúcar) somente foi possível com a utilização em larga escala da mão-de-obra africana escrava.

Uma parte dos escravos ocupava-se do plantio destinado ao abastecimento da população local, ao passo que o restante era direcionado para as obras de instalação do empreendimento, para as tarefas agrícolas e industriais do engenho.

Para se ter uma ideia da importância econômica da mão-de-obra escrava africana nos engenhos de açúcar, vinte por cento do capital fixo da empresa destinava-se à mão-de-obra:

O montante de capitais invertidos na pequena colônia já era, por essa época, considerável. Admitindo-se a existência de apenas 120 engenhos – ao final do século XVI – e um valor médio de 15 mil libras esterlinas por engenho, o total dos capitais aplicados na etapa produtiva da indústria resulta próximo de 1,8 milhão de libras. Por outro lado, estima-se em cerca de 20 mil o número de escravos africanos que havia na colônia por essa época. Se se admite que três quartas partes dos mesmos eram utilizadas diretamente na indústria do açúcar e se lhes imputa um valor médio de 25 libras, resulta que a inversão em mão-de-obra era da ordem de 375 mil libras. Comparando esse dado com o anterior, depreende-se que o capital empregado na mão-de-obra escrava deveria aproximar-se de vinte por cento do capital fixo da empresa. Parte substancial desse capital estava constituída por equipamentos importados.17

(23)

Também havia, nos engenhos, alguns trabalhadores assalariados que exerciam diversos ofícios e a supervisão do trabalho dos escravos.

Já nessa época, destacava-se a acentuada concentração da riqueza gerada na colônia nas mãos da classe de proprietários de engenho.

Assim, nesse período, formaram-se grandes propriedades açucareiras que reuniam um número grande de indivíduos sob a direção imediata do proprietário ou seu feitor. Essa forma de exploração foi a única organização coletiva de trabalho e da produção no Brasil daquela época.18

A estrutura era bastante complexa, pois compreendia numerosas construções e aparelhos. Em regra, as propriedades eram constituídas pela casa-grande que compreendia a habitação do senhor, a senzala dos escravo e outras instalações acessórias, tais como: oficinas, estrebarias etc.

Por um longo período, a produção do açúcar, na forma de produção acima mencionada, seria a base da economia brasileira. Como assinala Caio Prado Jr.19, até meados do séc. XVII, o Brasil seria o maior produtor mundial de açúcar.

Contudo não se pode ignorar que, paralelamente aos engenhos, formou-se uma economia de subsistência na colônia em que formou-se produziam gêneros de consumo.

A pecuária desenvolveu-se no Interior já que os férteis terrenos de beira-mar estavam ocupados com a cultura da cana. O movimento de exploração da pecuária partiu da Bahia e Pernambuco. A partir da Bahia, ocupou Norte e Noroeste em direção do rio São Francisco. A partir de Pernambuco, o movimento seguiu em direção Norte e Noroeste, ocupando o Interior dos atuais Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

18 Ibid., p. 38.

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Os trabalhadores nas fazendas de gado eram recrutados entre índios e mestiços, bem como entre foragidos dos centros policiados do litoral. O trabalho era livre.

1.1.3 Período da economia escravista mineira (século XVIII):

No século XVIII, ocorreram as primeiras descobertas de jazidas auríferas. A partir de então, Portugal concentraria sua atenção na mineração do ouro no Brasil. As demais atividades entrariam em decadência.

É bem verdade que o estado de pobreza da Metrópole impulsionou a iniciativa de procurar ouro no Brasil Colônia.

Já no início do século XVIII, em Portugal, formou-se uma grande corrente migratória espontânea com destino ao Brasil. Uma grande quantidade de recursos foi deslocado do Nordeste do Brasil, especialmente a mão-de-obra escrava.20

A diferença no emprego da mão-de-obra na economia açucareira em relação à economia mineira é que diz respeito à quantidade e forma de utilização:

Se bem que a base da economia mineira também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia açucareira. Os escravos em nenhum momento chegam a constituir a maioria da população. Por outro lado, a forma como se organiza o trabalho permite que o escravo tenha maior iniciativa e que circule num meio social mais complexo. Muitos escravos chegam mesmo a trabalhar por conta própria, comprometendo-se a pagar periodicamente uma quantia fixa a seu dono, o que lhes abre a possibilidade de comprar a própria liberdade. Esta simples possibilidade deveria constituir um fator altamente favorável ao seu desenvolvimento mental.21

20FURTADO, Celso. Op. cit. p. 118.

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A alta lucratividade inicial da mineração induzia a concentração de recursos e a uma crise de abastecimento, haja vista a elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte.

Entretanto a economia mineradora começou a entrar em declínio com o esgotamento rápido das jazidas auríferas. É importante destacar que, na colônia, exploravam-se apenas os depósitos superficiais de aluvião. Áreas entranhadas no solo demandavam técnicas desconhecidas pelos colonos.

Além disso, o intrincado sistema de regulamentação da atividade mineradora imposto pela Metrópole contribuiu para a apressada decadência desse período. Veja, por exemplo, que, na época, fixou-se uma quota anual mínima denominada quinto - já que se referia ao quinto de todo ouro extraído – destinada à Fazenda Real. Caso o quinto não fosse atingido, procedia-se ao derrame no qual se obrigava a população a completar a soma.22

É importante destacar que a decadência econômica é pródiga em induzir fortes conflitos sociais. Em princípio, se poderia imaginar que o declínio da exploração do ouro no Brasil geraria essa consequência.

Todavia Celso Furtado23 assinala que o regime de trabalho escravo impediu que o colapso da produção de ouro gerasse conflitos sociais mais relevantes.

A desagregação do empreendimento minerador provocou o decaimento dos pequenos núcleos urbanos que haviam surgido ao redor dos centros de exploração. A dispersão dos elementos formadores da economia mineradora provocou a descapitalização do sistema. A população dispersa voltou-se para o regime de subsistência.

Se for observado que, em torno de um século atrás, havia uma economia de alta produtividade (açucareira), conclui-se que o retrocesso foi

(26)

enorme. A desarticulação da economia mineradora atrofiou o sistema produtivo, reduzindo-o a uma agricultura de subsistência.

Celso Furtado24 sintetiza com maestria o quadro de decadência econômica que afetou a mão-de-obra:

Dessa forma, uma região cujo povoamento se fizera em um sistema de alta produtividade, e em que a mão-de-obra fora um fator extremamente escasso, involuiu numa massa de população totalmente desarticulada, trabalhando com baixíssima produtividade numa agricultura de subsistência. Em nenhuma parte do continente americano houve um caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem européia.

Com efeito, esses fatores explicam a condição precária dos trabalhadores nos dias atuais. Por certo não se trata de um fenômeno isolado. É o resultado da combinação de fatores econômicos e históricos.

1.1.4 Período da economia cafeeira e transição para o trabalho assalariado:

No século XIX, despontava como classe dominante os grandes senhores agrícolas. Já na segunda metade do século XVIII, a agricultura ressurge em vista do desenvolvimento do mercado para seus produtos. O comércio colonial para os países da Europa ganha importância, haja vista as disputas travadas em torno da questão colonial (como as guerras napoleônicas, por exemplo).

Além disso, o fenômeno da Revolução Industrial reativa a demanda por matérias-primas como o algodão.

(27)

É bom lembrar que a economia brasileira estava intimamente ligada às economias europeias.

Nesse período, os ingleses, amparados em razões morais e motivados pelos interesses antilhanos que denunciavam a escravatura brasileira como fator de depressão do mercado do açúcar, pretenderam eliminar o tráfico transatlântico de escravos.25

Há, ainda, outra razão que bem explica a motivação de uma nação como a Inglaterra para lutar contra a escravidão.

Caio Prado Jr.26 explica que o trabalho escravo gera mais custos que o trabalho assalariado na indústria manufatureira:

(...) De modo geral, e de um ponto de vista estritamente financeiro e contabilístico, o trabalho escravo, em outras circunstâncias iguais, émais oneroso que o assalariado. O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem a duração da vida de um indivíduo; assim sendo, mesmo sem considerar o risco que representa a vida humana, forma um adiantamento a longo prazo de sobretrabalho eventual a ser produzido; e portanto um empate de capital. O assalariado, pelo contrário, fornece aquele sobretrabalho sem adiantamento ou risco algum. Nessas condições, o capitalismo é incompatível com a escravidão; o capital, permitindo dispensá-la, a exclui. É o que se deu com o advento da indústria moderna.

Saliente-se que, em 1845, foi aprovado o ato Bill Aberdenn pelo Parlamento inglês que tornava lícito o apresamento de qualquer embarcação empregada no tráfico africano e sujeitava os infratores a julgamento por pirataria perante os tribunais do Almirantado. Desde então, a Marinha de Guerra inglesa não respeitava as águas territoriais brasileiras e praticava verdadeiros atos de guerra ao caçar os navios negreiros.27

24 Op. cit. p. 134.

25 FURTADO, Celso. Op. cit. p. 145. 26 Op. cit., p. 175.

(28)

Em 1850, é proibido o tráfico de escravos no Brasil.

O trabalho escravo gerou graves consequências sociais e econômicas para o Brasil. Estabeleceu limites à expansão e à diversificação econômica do país, uma vez que não permitia a sua utilização em atividades mais bem estruturadas com uma divisão de tarefas mais complexas e especializadas.28

O café surge em 1830 como principal produto de exportação diante do declínio do açúcar e do algodão.

Todavia o governo central enfrentava sérias dificuldades financeiras. Para se ter uma ideia, o governo central não conseguia arrecadar recursos para arcar sequer metade dos seus gastos agravados com a revolta na província da Cisplatina. A forma que o governo encontrou para financiar o déficit foi a emissão de papel-moeda. Com isso, houve uma desvalorização da moeda e consequente elevação relativa dos preços dos produtos importados. Os efeitos dessa crise atingiram principalmente as populações urbanas de pequenos comerciantes, empregados públicos, militares etc.29

A organização da cultura do café assentava-se no trabalho escravo. Foi possível utilizar essa mão-de-obra subutilizada da região da antiga mineração. É bom lembrar que a produção do café concentrou-se na região montanhosa próxima à cidade do Rio de Janeiro. No terceiro quartel do século, os preços do café recuperaram-se, enquanto que os do açúcar permaneceram o que forçou uma forte migração da mão-de-obra do Norte para o Sul. Essa migração de escravos da região Norte para o Sul foi incrementada depois da proibição do tráfico negreiro. Diante da impossibilidade de importar escravos, a solução encontrada foi trazer escravos de outras regiões do Brasil, principalmente do Nordeste.

(29)

Há um dado que bem contextualiza a influência da mão-de-obra escrava na evolução do trabalho no Brasil: o Brasil e os Estados Unidos da América foram os dois principais países escravistas no continente americano, sendo que o Brasil, no século XIX, importou três vezes mais escravos que os Estados Unidos da América.

Todavia os Estados Unidos tinham uma força de trabalho escravo de quatro milhões e o Brasil tinha em torno de um milhão e meio. A explicação para isso é a elevada taxa de natalidade nos Estados Unidos e a alta taxa de mortalidade no Brasil em vista das precárias condições de trabalho neste último.30

Em paralelo, havia uma mão-de-obra com baixíssima produtividade na economia de subsistência. Nas zonas urbanas também havia uma massa de trabalhadores que não conseguia encontrar uma ocupação permanente.

Mas o país padecia da falta de mão-de-obra.

É bom lembrar que havia significativa resistência à utilização do trabalhador livre nacional, pois ele era tido como preguiçoso, pouco confiável e privado de mentalidade moderna (burguesa acumulativa, já que se contentaria com muito pouco).31

A solução encontrada foi o fomento da imigração europeia:

Em 1852, um grande plantador de café, o senador Vergueiro, se decidiu a contratar diretamente trabalhadores na Europa. Conseguindo do governo o financiamento do transporte, transferiu oitenta famílias de camponeses alemães para a sua fazenda em Limeira. A iniciativa despertou interesse, e mais de 2 mil pessoas foram transferidas, principalmente de Estados alemães e da Suíça, até 1857. A idéia do senador Vergueiro era uma simples adaptação do sistema pelo qual se organizava a emigração inglesa para os EUA na época colonial: o

30 Ibid., pp. 174-175.

(30)

imigrante vendia o seu trabalho futuro. Nas colônias inglesas, o financiamento corria por conta do empresário. No caso brasileiro, o governo cobria a parte principal desse financiamento, que era o preço das passagens da família. É fácil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente numa forma de servidão temporária, a qual nem sequer tinha um limite de tempo fixado como ocorria nas colônias inglesas.32

Essa espécie de exploração da mão-de-obra imigrante suscitou forte reação dos países europeus, os quais passaram a dificultar a emigração de trabalhadores para países escravistas como o Brasil.

Adotou-se o regime de parceria no qual o colono assumia parte do risco do empreendimento.

Com isso, a renda do colono era incerta.

Nesse sistema, o proprietário da terra fomentava o endividamento do imigrante, postergando, com isso, a sua saída da fazenda. O latifundiário impedia que o imigrante formasse poupança suficiente para saldar as dívidas do seu contrato de trabalho.

Alguns expedientes adotados pelos fazendeiros consistiam em repartir de forma desigual da produção por meio do escamoteamento de pesos e medidas, taxa de cobrança de juros, taxas e comissões no preço dos alimentos que os colonos compravam nas vendas das fazendas.33

A partir de 1860, adotou-se o sistema misto no qual o colono recebia um salário fixo para cuidar de um certo número de pés de café. Também recebia um salário variável o qual era pago no momento da colheita de acordo com o volume desta.

Contudo as condições de trabalho não se alteraram e os colonos estrangeiros permaneceram em regime de servidão disfarçado.

(31)

A partir de 1870, o governo passou a custear as despesas dos colonos com a viagem. Ao fazendeiro, cabia o dever de arcar com os gastos do imigrante durante o seu primeiro ano de trabalho. Também deveria o fazendeiro disponibilizar uma parte da terra para que os imigrantes cultivassem gêneros de primeira necessidade para a manutenção da família.

Nesse mesmo período, processava-se a unificação política da Itália, o que provocou o declínio da indústria manufatureira do Sul. O excedente de mão-de-obra do Sul da Itália em busca de novas oportunidades de trabalho abraçou a idéia da imigração para o Brasil.

Assim, formaram-se as condições necessárias para uma grande corrente migratória para o Brasil.

Como se observa, mesmo antes da abolição da escravatura, já se acentuava a corrente migratória de trabalhadores da Europa para o Brasil.

Em 1888, torna-se insustentável a manutenção do trabalho escravo no Brasil. Desde antes, já se fazia sentir a pressão inglesa para acabar não só com o tráfico de escravos, como também com a escravidão.

Merece registro o fato de que a primeira manifestação de um órgão coletivo a favor da emancipação dos escravos partiu do Instituto de Advogados do Rio de Janeiro. Aliás, as reações mais consistentes contra a escravidão partiram do grupo de intelectuais da sociedade brasileira: advogados e juristas.34

De fato, advogados e juristas estavam entre as primeiras classes a defender a abolição da escravatura. O desenvolvimento de uma classe social intermediária, que não representava nem a elite econômica, nem a camada miserável foi fundamental para o processo de abolição. O processo de

33 KOWARICK, Lúcio. Op. cit. p. 37

(32)

urbanização, o surgimento das primeiras indústrias, organismos financeiros, desenvolvimento de grupos artesanais de trabalhadores livres estimulou o crescimento dos profissionais liberais. Essa nova classe não estava comprometida com a escravidão, razão pela qual funcionou como suporte à ação abolicionista.35

Após a abolição, as lavouras do café mais do que nunca dependiam da mão-de-obra imigrante livre.

O trabalhador brasileiro livre foi empregado primordialmente nas regiões estagnadas para as quais o imigrante não foi. Nas fazendas de café, o trabalhador nacional foi utilizado apenas de forma subsidiária.36

A Lei do Ventre Livre e a proibição do tráfico negreiro tornavam o escravo uma mercadoria extremamente cara. Não é nenhum exagero afirmar que alguns proprietários de terras haviam mobilizado parcela de seu capital nos escravos. Por isso a ideia da abolição da escravatura assustava os fazendeiros. Muitos acreditavam que uma mudança tão drástica como essa poderia representar a ruína dos mesmos.

Porém outros destacavam que a abolição da escravatura faria com que os fazendeiros não precisassem mais empenhar significativas quantias na comercialização de escravos.

Assim, haveria a liberação de vultosos capitais antes utilizados exclusivamente na comercialização de escravos.

É curioso o caso de algumas ilhas das Antilhas inglesas citado por Celso Furtado37 em nota de rodapé.

35 COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 4ª ed. São Paulo: Fundação Editora da

UNESP, 1998.

(33)

Na ilha de Antígua, a abolição da escravatura teve um caráter puramente formal. É importante esclarecer que, lá, as terras eram monopolizadas por uma única classe social. A literatura inglesa especializada narra que a assembleia daquela ilha dispensou os escravos das obrigações criadas pelo Apprenticeship System. Nesse sistema, introduzido pelo Parlamento britânico como medida de transição para a abolição da escravatura, os escravos eram obrigados a trabalhar para seus senhores, durante seis anos, numa jornada diária de sete horas e meia, mediante o fornecimento de alimentação, vestuário e alojamento. Facultava-se ao escravo trabalhar mais duas horas e meia para receber salário. Ao final desse sistema, com a libertação total dos escravos, os fazendeiros ajustaram-se para fixar um salário extremamente baixo. Sem qualquer outro opção, os ex-escravos sujeitaram-se a essas condições degradantes nas plantações.

Com isso, os ex-escravos, em vez de trabalharem sete horas e meia para cobrir as despesas com alojamento, alimentação e vestuário como ocorria no Apprenticeship System, passaram a trabalhar dez horas diárias para alcançar a mesma situação. Concluíram os britânicos que as indenizações pagas pelo governo da Grã-Bretanha aos senhores de escravos antilhanos beneficiaram os escravistas, sem qualquer benefício prático aos trabalhadores.

Com efeito, a pura e simples abolição da escravatura sem alternativa real de trabalho não traduz benefício direto aos ex-escravos. Sem oportunidade e em franca condição de desigualdade econômica, os ex-escravos sujeitaram-se a um regime de sujeitaram-servidão em que a liberdade era apenas formal.

O autor acima mencionado ressalta que, na região nordestina de cultivo do açúcar, ocorreu fenômeno semelhante.

(34)

É bom lembrar que, com a introdução da estrada de ferro, foi possível explorar terras mais distantes. Tais localidades apresentavam-se mais produtivas, razão pela qual os cafeicultores podiam pagar salários mais altos do que os senhores de engenho.

Essa situação favorável proporcionou salários mais elevados aos ex-escravos.

Houve certa redistribuição de renda na região Sudeste se feita essa comparação com o Nordeste.

Mas os cafeicultores preferiram a mão-de-obra imigrante mais especializada.

No plano geral, a abolição da escravidão não gerou modificação na organização da produção nem na distribuição de renda. O processo de abolição da escravatura deveria ser acompanhado de uma ampla reforma agrária, uma vez que a liberdade somente é plena se o trabalhador dispõe dos meios materiais necessários para a satisfação de suas necessidades básicas. Em outras palavras, a liberdade somente é plena se for acompanhada de uma vida digna.

A falta de planejamento e empenho do governo em proporcionar uma assistência material ao escravos recém-libertados lançou à margem da sociedade a comunidade afrodescendente. A situação precária dos ex-escravos reflete-se nas condições de vida e organização da classe trabalhadora pelo período seguinte.

1.1.5 Leis contra a escravidão:

(35)

um tópico ao conjunto de leis tendentes à abolição da escravatura, especialmente num país como o Brasil que adotou a tradição romano-germânica (direito positivado em códigos).

Como efeito, o processo de abolição da escravatura foi fruto da combinação de alguns fatores, tais como: o advento da industrialização e a necessidade de novos mercados consumidores para as potências capitalistas, avanço das ideias liberais, pressão externa inglesa, revoltas internas e crise política na monarquia brasileira.

Todavia é inegável que o surgimento lento e gradual de uma legislação abolicionista é um marco na nossa história. Até porque traduz a evolução da nossa sociedade. Por isso merece destaque especial.

Abaixo será citada não só a legislação brasileira, mas também a legislação estrangeira que, diretamente, impactou os rumos da escravização no Brasil:

A Lei de 26/01/1818 proibia o tráfico de possessões portuguesas.

A Lei de 07/11/1831 proibia a importação de escravos. Essa lei foi fundamental para que a Inglaterra reconhecesse a independência do Brasil.

O Bill Palmerston de 24/08/1839 autorizava os navios britânicos a apresarem os navios negreiros.

O Bill Aberdeen de 08/08/1845 submetia os navios brasileiros à jurisdição britânica.

A Lei Eusébio de Queiroz de 04/09/1850 proibia, definitivamente, a importação de africanos.

(36)

Nelson Câmara38 lembra que o Brasil já revelava um conceito de país que não cumpria seus compromissos.

O ilustre autor assevera que as Leis de 1818 e de 1831 já preparavam a inevitável proibição do tráfico de escravos.

Mas somente em 1850 é que se aboliu, de forma definitiva, a importação de escravos.

Essa proibição tornou o escravo um produto raro para os fazendeiros.

Nessa época, as fazendas de café do Sudeste prosperavam, enquanto que os engenhos de açúcar no Nordeste estavam em declínio.

Diante da demanda por mão-de-obra escrava na região Sudeste e da ascensão econômica dos cafeicultores, surgiu o risco de transferência dos escravos da região Nordeste para o Sudeste onde se pagava mais pela mão-de-obra escrava. Nesse contexto, o deputado João Maurício Wandeley, Barão de Cotegipe, propôs a criação de uma lei que proibisse o tráfico interprovincial de escravos. Esse projeto não foi adiante, mas algumas províncias criaram taxas locais sobre a saída de escravos. Esse contexto desfavorável ao Norte e Nordeste seria decisivo para fazer com que as ideias abolicionistas tivessem mais êxito se comparadas com o Sudeste e o Sul.39

Em 1869, foi proibida a venda de escravos em leilão, graças ao projeto de lei apresentado por José de Alencar, grande romancista.

Alguns países da América Central possuíam um Código Negro que impunha limites às crueldades contra os escravos, prescrevendo um mínimo de direito aos negros.40

38 Escravidão nunca mais: um tributo a Luiz Gama. São Paulo: Lettera.doc, 2009. p. 149. 39 PRADO JR., Caio. op. cit. p. 174.

(37)

No Brasil, tal código não existiu, mas os castigos corporais tornaram-se mais escassos após a Lei do Ventre livre e do Sexagenário.

A Lei do Ventre Livre permitia ao escravo a formação de pecúlio por seu trabalho a fim de alcançar a sua libertação. Desse modo, o filho do ventre livre dava direito ao senhor a uma indenização.

Ressalte-se que foram travadas batalhas nos tribunais em que alguns juristas contrários à Lei do Ventre Livre chegaram a invocar o antigo Direito Romano para sustentar que o ventre de mulher escrava geraria escravo. Com o advento da Lei n.º 2.040/1871 é que se impediu a tentativa de burlar a Lei do Ventre Livre.41

No dia 08/05/1888, o Ministro da Agricultura Rodrigo Augusto da Silva, que fazia parte do Gabinete de Ministros presidido por João Alfredo Correia de Oliveira, formulou a proposta de abolição da escravatura, a qual foi apresentada à Câmara dos Deputados pelo o projeto de lei de abolição da escravatura. O projeto foi discutido e votado na Câmara nos dias 9 e 10 de maio de 1888.

No dia 11 do mesmo mês, o projeto seguiu para o Senado, tendo sido debatido nos dias 11, 12 e 13.

Em razão da viagem de Dom Pedro II à Europa, a lei foi sancionada pela Princesa Isabel.

Assim, a Lei n.º 3.353, posteriormente batizada como Lei Áurea, foi assinada no Paço Imperial, no dia 13/05/1888, por Dona Isabel e Rodrigo Augusto da Silva.

(38)

De fato, a lei apenas reconheceu um fato inevitável em face da pressão internacional, da desordem na senzala e do quase consenso nacional acerca da questão.

Veja a lição de Nelson Câmara:

A Lei de 13 de maio de 1888 limitou-se a reconhecer e confirmar um fato preexistente e evitou maiores perturbações e desordens, se não terríveis calamidades. A emancipação estava feita no dia em que os ex-escravos se recusaram a marchar para o trabalho e começaram os êxodos das fazendas. A lei confirmou a liberdade, dando-lhe a sanção dos poderes públicos; mas, sem a lei, não deixaria de acontecer o fato que se impunha contra todas as resistências, ponderava o Jornal do Comércio em outubro de 1888.42

Por certo, a lei emancipadora, no caso da escravatura, chancelou um movimento que já ganhava força entre a incipiente classe média brasileira e populares que não tinham escravos. A população que possuía escravo era uma minoria. Por isso ficava cada vez mais difícil para os proprietários de escravos encontrar apoio moral para a escravidão.

Ademais, desde os anos 1870, desenvolvia-se, ainda que timidamente, algumas fábricas, organizações financeiras, setores do comércio, tudo impulsionado pela urbanização. Esse quadro descortinava novas oportunidades de investimento do capital. Com isso, não mais convinha aos fazendeiros imobilizar o capital em escravos, produto que se depreciava rapidamente.

Por isso muitos fazendeiros de regiões prósperas aderiram à causa abolicionista.

(39)

A ordem jurídica escravocrata já não mais dispunha da adesão espontânea da sociedade brasileira. O resultado dessa insatisfação social refletia nas revoltas nas senzalas, o Exército já não mais aceitava ordens para perseguir escravos, sociedades abolicionistas conspiravam, etc.

Era necessário que a ordem jurídica fosse alterada para acompanhar a dinâmica social, sob pena de desprestígio e desobediência civil aberta.

Com efeito, a Lei Áurea reconheceu um fato social que se impunha há muito tempo.

A importância dessa lei reside na consagração de um pensamento libertário cujo efeito moral conduziu o país para novos rumos, haja vista o movimento republicano. Um dos efeitos mais evidentes era o alinhamento do Brasil às demais nações do mundo ocidental que, há muito tempo, já condenavam a escravidão. Outro ponto que merece especial destaque é que, caso a abolição não ocorresse, haveria o grave risco de tumultos sociais, os quais já vinham ocorrendo com certa frequência.

De certa forma, a Lei Áurea trouxe relativa pacificação social.

1.1.6 Período da industrialização:

O advento da República representou o rompimento com certas posições conservadoras. Surgiu um novo espírito empreendedor em que se buscava a prosperidade material.

Por um longo período a produção cafeeira continuou sendo a principal atividade econômica do país. Mas já se via sinais de certa prosperidade do comércio e da indústria. O capital internacional faz-se sentir de forma mais destacada em alguns setores privados.

(40)

Nesse período da República, o Brasil é um país cujo comércio externo está apoiado na exportação de matérias-primas e gêneros tropicais.

Com a crise do café em 1896, o Brasil fica refém da finança internacional. A entrada de capitais estrangeiros permite restabelecer as contas externas e, ao mesmo tempo, promove uma certa ascensão dos padrões de vida nacional.

Como já foi dito, a indústria no Brasil ainda era incipiente. O desenvolvimento nacional ainda apoiava-se na exploração de matérias-primas e gêneros tropicais.

As razões para o tardio desenvolvimento da indústria estão na escassez de recursos energéticos, falta de siderurgia e fraqueza do mercado consumidor. Além disso, as regiões do Brasil não estavam integradas e suas respectivas produções destinavam-se quase exclusivamente para o mercado externo.

Porém havia também alguns fatores que criaram terreno fértil para a expansão da indústria no Brasil. São eles: o elevado custo da manufatura importada necessária ao consumo interno, o aumento progressivo das tarifas alfandegárias a partir de 1844, que protegeu a incipiente indústria, a abundância de algodão e a disponibilidade de mão-de-obra.

Esse último fator é o que mais nos interessa. Veja o que leciona Caio Prado Jr.43:

Numa economia agrária e escravista como a nossa, e onde a grande lavoura teve um papel absorvente e monopolizador das atividades rurais, a grande massa dos homens livres fica à margem. É o que se verifica efetivamente, e sintoma disso será a desocupação e a vadiagem que representaram sempre o estado normal de

(41)

grande parte da população da colônia. Aí a indústria nascente encontrará amplo abastecimento de mão-de-obra; deficiente, é verdade, e muitas vezes precária e incerta. Mas compensando-se com seu ínfimo preço.

Nesse período, há um desenvolvimento modesto principalmente da indústria têxtil.

Já no século XX, o Brasil enfrentou a crise da superprodução do café que levou a uma baixa de preços do produto.

Seguiu-se, então, a política de valorização do produto implementada pelo governo brasileiro. Essa política teve relativo êxito até a crise mundial de 1929. Isso porque, para manter o elevado preço do café, o governo brasileiro mantinha estoques que controlavam artificialmente a oferta do produto no mercado mundial. Em 1929, havia sido acumulado um elevado estoque, graças a financiamento de bancos estrangeiros. A acumulação de estoques de café criou uma pressão inflacionária.

Com a crise de 1929, o mercado de capitais estava em profunda depressão, o que tornava escasso o crédito para financiar a retenção de novos estoques. A crise atinge a produção do café.

Vale enfatizar que, depois de 1907, os grandes lucros da lavoura de café, obtidos graças à política de valorização, foram aplicados na indústria.44

Ao mesmo tempo em que a industrialização ganhava fôlego, o excedente de mão-de-obra da zona rural sem acesso a uma gleba de terra vem para a zona urbana. Essa migração fornecerá para a indústria uma reserva de mão-de-obra que pressionará para baixo os salários.

(42)

Pouco tempo depois, muitos desses imigrantes estrangeiros ou seus filhos formaram o perfil dos industriais brasileiros, como os Matarazzo, Crespi, Jaffet, Pereira Ignacio etc.45. O período que se seguiu de certa prosperidade permitiu-lhes a acumulação de capital necessário para investir na produção.

No período de 1924 a 1930, muitas empresas enfrentaram dificuldades. A exceção fica por conta das indústrias subsidiárias de grandes empresas estrangeiras que exploraram os ramos de veículos automotores, produtos farmacêuticos, aparelhos elétricos, alimentação, etc.

Após a Segunda Guerra Mundial, essas indústrias contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da indústria de base no Brasil.

Ao mesmo tempo em que a industrialização ganhava fôlego, na primeira metade do século XX, ocorria o crescimento das aglomerações urbanas. Em virtude da industrialização, formam-se núcleos econômicos com grande poder de produção e consumo.

Nesse contexto é que surgirão os movimentos operários como resultado do atrito entre o capital e o trabalho. As principais leis de proteção ao trabalhador também serão fruto da ameaça de eclosão de conflitos sociais. Finalmente, observa-se a construção de uma consciência comum entre a classe trabalhadora, culminando nas primeiras organizações sindicais.

1.2 Evolução dos direitos humanos:

O Direito do Trabalho, desde o seu surgimento positivado na Revolução Industrial, sempre buscou a harmonização do capital e do trabalho. Pode-se afirmar que o escopo sociológico do Direito do Trabalho corresponde justamente à pacificação social do conflito originado entre o capital e o trabalho.

44 PRADO JR., Caio. Op. cit. p. 264.

(43)

A compreensão de sua evolução, culminando no estágio atual, exige o estudo da ascensão dos direitos humanos. Isso porque a consagração dos direitos sociais é reflexo da validação internacional dos direitos inerentes ao ser humano.

Não é fácil precisar um único momento como a origem dos direitos humanos, uma vez que não só os direitos humanos, mas também os demais ramos do direito são produto da convergência de diversos fatores políticos e sociais.

Alexandre de Moraes46 lembra que o Código de Hamurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um conjunto de direitos comuns a todos os homens. As ideias de Buda acerca da igualdade entre os homens influenciaram a filosofia e a religião. Na Grécia, vários estudos sobre a necessidade de igualdade e liberdade do homem, a crença na existência de um direito natural anterior e superior às leis escritas também sinalizavam para a evolução do pensamento acerca dos direitos naturais. Em Roma, estabeleceu-se um sistema normativo com mecanismos de interditos, visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A Lei das Doze Tábuas é considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção dos direitos do cidadão. Finalmente, as ideias do cristianismo com a mensagem de igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo ou credo influenciou pensadores, fornecendo os subsídios sobre as quais se assentariam mais tarde os postulados dos direitos humanos.

A expressão direitos humanos remonta à Idade Média. Veja que, em 1215, João Sem Terra outorgou a Magna Charta Libertatum que previa a liberdade da Igreja na Inglaterra; restrições tributárias; proporcionalidade entre delito e sanção; previsão do devido processo legal; livre acesso à Justiça; liberdade de locomoção. Posteriormente, a Petition of Right de 1628, o Habeas

46 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos Fundamentais e as Constituições Brasileiras. In:

(44)

Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689 compreendiam uma série de restrições à ação estatal, o que, por certo, preservava o indivíduo. Na mesma linha de garantias ao indivíduo, pode-se citar a Revolução dos Estados Unidos da América: Declaração de Direitos de Virgínia, de 16 de junho de 1776; Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 4 de julho de 1776; Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787. Mas é no Leviatã de Thomas Hobbes (1651) que, pela primeira vez, define-se direito do homem.47

A Revolução Francesa produziu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, destacando-se as seguintes previsões: princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência; liberdade religiosa, livre manifestação do pensamento.

No entanto a consagração dos direitos humanos veio com a sua introdução pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Essa concepção contemporânea dos direitos humanos é o resultado da internacionalização dos direitos humanos no pós-guerra. É, na verdade, uma resposta da comunidade internacional às atrocidades cometidas durante o regime nazista.48

Os horrores da Segunda Guerra Mundial significam um marco da história contemporânea em que houve a ruptura total de um sistema político com os predicados da condição humana.

A partir de então, desenvolveu-se a ideia de que a existência de um sistema de proteção internacional poderia prevenir eventuais violações a direitos básicos do homem. Tais direitos transcendem aos direitos puramente

Constitucionalismo Social: estudos em homenagem ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. São Paulo: Ltr, 2003. p. 230.

47 ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr,

2005. p. 40.

48 PIOVESAN, Flávia. Direito ao Trabalho e a Proteção dos Direitos Sociais nos Planos

(45)

estatais. A Unesco define os direitos humanos como uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado e, por outro, regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.49

Alexandre de Moraes50 sintetiza as teorias que esclareceram os fundamentos dos direitos humanos:

A teoria jusnaturalista fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Assim, os direitos humanos não seriam uma criação dos legisladores e, por isso, não desapareceriam.

A teoria positivista fundamental apregoa a existência dos direitos humanos na ordem normativa. Por isso seriam direitos humanos fundamentais somente aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado.

A teoria moralista fundamenta os direitos humanos fundamentais na própria experiência e consciência moral de um povo.

O ponto comum a todas essas teorias era a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado.51

Merece especial destaque em nosso estudo a Declaração dos Direitos do Homem de 1948, pois, como visto, é o marco contemporâneo da ascensão e profusão dos conceitos e valores dos direitos humanos na civilização ocidental. Flávia Piovesan lembra que “(...) a Declaração de 1948 vem a inovar a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção

49 Les dimensions internationales des droits de I’homme. Unesco: 1978, p.11. apud MORAES,

Alexandre de. Direitos humanos Fundamentais e as Constituições Brasileiras. In: PELLEGRINA, Maria Aparecida. TORRES DA SILVA, Jane Granzoto (coord.). Constitucionalismo Social: estudos em homenagem ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. São Paulo: Ltr, 2003. p. 227.

(46)

contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos.”52

Como se observa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem contemplou duas características definidoras dos direitos humanos que marcaram todos os demais ordenamentos jurídicos de proteção dos direitos humanos: a universalidade e a indivisibilidade.

A universalidade significa a extensão universal dos direitos humanos, considerando o ser humano – titular de direitos – como um ser moral dotado de unicidade existencial e dignidade. A dignidade é inerente e incondicionada. A dignidade humana foi adotada como valor fundante e norteador dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

Ressalte-se que, após a Segunda Grande Guerra, emergiu uma forte crítica ao positivismo jurídico puro. Isso porque tanto o fascismo como o nazismo ascederam ao poder na Itália e Alemanha, respectivamente, sob o manto da legalidade e em nome dela promoveram barbaridades.

Com isso, ganhou corpo a crítica ao positivismo jurídico puro. Pensadores passaram a repudiar a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos.53

A indivisibilidade dos direitos humanos é a conjugação dos direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais. Quando um deles é violado, os demais também são. Por isso Flávia Piovesan ensina que os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e interrelacionada de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais.54

Como visto, a evolução dos direitos humanos, tendo por norte o princípio da dignidade humana, espraiou-se para os ordenamentos jurídicos do mundo

52 Op. cit. p. 6.

(47)

ocidental moderno, contaminando, ainda, os principais ramos da ciência jurídica. Interessa-nos, sobretudo, o estudo da influência dos direitos humanos no direito do trabalho, o que será objeto de estudo no tópico seguinte.

1.3 Reflexos da evolução dos direitos humanos no âmbito do trabalho:

No panorama histórico, pode-se afirmar que a primeira influência significativa dos direitos humanos, ainda incipientes, no mundo do trabalho deu-se através da Revolução Francesa de 1789, na qual já se condenava abertamente a escravidão.

Como já foi visto, somente nos tempos modernos é que os direitos humanos ganharam a configuração que conhecemos hoje e foram albergados, explícita ou implicitamente, na grande maioria dos ordenamentos jurídicos mundiais.

As relações de trabalho sempre foram fonte de atritos sociais, já que, nelas, era emblemática a luta de forças sociais. Seja na Idade Antiga com a escravidão, seja na Idade Média com a servidão, seja depois na Idade Moderna novamente com a escravidão e, finalmente, na Idade Contemporânea com o conflito entre os detentores dos meios de produção e o proletariado.

Interessa-nos o sistema capitalista no Mundo Contemporâneo, pois dele originou-se o sistema de proteção das grandes massas. O moderno sistema de proteção aos trabalhadores vem da eclosão de conflitos provocados pelo desequilíbrio aviltante entre os que detinham o capital e os que não possuíam senão sua força de trabalho.55

O avanço tecnológico da Revolução Industrial contrastava com a miséria coletiva produzida. A desigualdade econômica criava um abismo social aparentemente insuperável e colocava em perigo a estabilidade da sociedade liberal.

55 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho: com análise do contrato

Referências

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