• Nenhum resultado encontrado

A instituição de tributos manifestamente inconstitucionais: uma análise comportamental

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A instituição de tributos manifestamente inconstitucionais: uma análise comportamental"

Copied!
86
0
0

Texto

(1)

Pró-Reitoria Acadêmica

Escola de Direito

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito

A INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS MANIFESTAMENTE

INCONSTITUCIONAIS: UMA ANÁLISE COMPORTAMENTAL

Brasília - DF

2015

Autor: André Zancanaro Queiroz

(2)

ANDRÉ ZANCANARO QUEIROZ

A INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAIS: UMA ANÁLISE COMPORTAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Strictu Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Julio Cesar de Aguiar

(3)

7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

Q3i Queiroz, André Zancanaro.

A instituição de tributos manifestamente inconstitucionais: uma análise comportamental. / André Zancanaro Queiroz – 2015.

85 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015. Orientação: Prof. Dr. Julio Cesar de Aguiar

1. Direito. 2. Tributos inconstitucionais. 3. Análise comportamental do direito. 4. Escolhas públicas. I. Aguiar, Julio Cesar de, orient. II. Título.

(4)

Dissertação de autoria de André Zancanaro Queiroz intitulada “A instituição de tributos manifestamente inconstitucionais: uma análise comportamental”, apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito da Universidade Católica de Brasília, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

______________________________ Prof. Dr. Julio Cesar de Aguiar

Orientador Presidente da Banca

_____________________________ Prof. Dr. Benjamin Miranda Tabak

Membro Interno

Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB

____________________________ Prof. Dr. Eduardo Borges da Silva

Membro Externo

Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN

(5)

DEDICATÓRIA

(6)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Julio Cesar, que acreditou neste trabalho quando este não passava de uma vaga ideia discutida após as aulas. Sem seus ensinamentos, que foram a base para todo o trabalho, este não seria possível.

Aos meus irmãos, Victor Hugo e Fabíola, que ouviram meus lamentos e me deram forças durante a realização deste trabalho.

A todos os professores da Universidade Católica de Brasília que indiretamente colaboraram com este trabalho pelos conhecimentos aplicados nesta dissertação.

Aos meus colegas de advocacia, Luciano e Francismar, que compreenderam minhas ausências e me auxiliaram sempre que foi preciso.

Aos meus colegas mestrado, Ênio, Marco Aurélio e Leonardo, que compartilharam as angústias e desafios da vida acadêmica.

(7)

RESUMO

Referência: QUEIROZ, André. A instituição de tributos manifestamente inconstitucionais:

uma análise comportamental. 85 folhas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

O presente trabalho busca descrever por uma perspectiva interdisciplinar razões para a instituição, por lei ou por atos normativos editados pelo Executivo, de tributos manifestamente inconstitucionais. A escolha da Análise Comportamental do Direito e, subsidiariamente, da microeconomia enquanto referenciais teóricos para a elaboração do trabalho ocorre em razão de limitações da metodologia da Ciência do Direito, que busca apresentar interpretações do texto legal, inferir a validade de normas jurídicas e a licitude de atos e fatos jurídicos, sem apresentar motivos para a eficácia de normas ou descrever razões para a edição de normas inconstitucionais e atos ilícitos. Assume-se que o fenômeno investigado pode ser entendido como um comportamento realizado pelas autoridades políticas, passível de investigação pela Análise Comportamental, que ocorre em razão de uma motivação em determinados contextos, e é selecionado por contingências. A política pode ser compreendida enquanto um mercado, regido pelas regras definidas pela Constituição aplicadas, em última instância, pelo Judiciário. Os políticos possuem como objetivo principal obter votos dos eleitores para serem eleitos a cargos eletivos. O aumento de gastos públicos possibilita a adoção de leis e políticas públicas com capacidade de receber votos, enquanto a elevação de tributos é medida impopular. Aos membros do Legislativo, mais suscetíveis a pressões por parte dos eleitores, foi conferida a prerrogativa de elevar tributos. Quando o Executivo precisa elevar a carga tributária, precisa barganhar a aprovação de leis com o Legislativo. A elevação de tributos por atos normativos manifestamente inconstitucionais ocorre quando os custos políticos e eleitorais de barganha para seguir as regras previstas na Constituição para a majoração da carga tributária são superiores ao custo político e o custo de suportar as punições decorrentes de realizar o comportamento investigado.

(8)

RESUMO EM LINGUA EXTRANGEIRA

The present work aims to describe the reasons to institute distinctly unconstitutional laws to increase taxes under an interdisciplinary perspective. The choice of Behaviorist Analisys of Law and, subsidiary, microeconomics perspectives was made because the traditional method of the Science of Law has limitations, searching to elaborate interpretations of the Law and conclude the validity of rules and lawfulness of legal facts, without explaining the reasons of effectiveness of rules or to disobey the law. It is assumed that the investigated phenomenon is a behavior practiced by political authorities, liable to a behaviorist investigation, which occurs in response to motivations under a context, being selected by contingencies. Politics may be comprehended as a market, regulated by rules presented in the Constitution, enforced by the Judiciary. Politicians need, as main objective, to obtain votes to be elected to elective offices. The increase of governmental expenses allows the adoption of popular rules and public policies. Otherwise, the increase of taxes is unpopular. To the legislators, more susceptible of electoral pressure, was designated the function to elevate taxes. The Executive branch has to logroll with parliamentarians to approve laws that increase taxes and enable the increase of public expenses. The increase of taxes by unconstitutional rules occurs when the cost of logrolling to approve a law that follows the Constitution is higher than the political costs and the cost to bear the sanctions to the illicit investigated behavior.

(9)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 10

2. OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES E OS

DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA 13

2.1 – A SEPARAÇÃO DOS PODERES – OS PAPEIS DO LEGISLATIVO, DO

EXECUTIVO E DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA 15

2.2. OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA TIPICIDADE E DA MORALIDADE

ADMINISTRATIVA 17

2.3. A DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA 19

2.4. A EFICÁCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS

CONTRIBUINTES 19

2.5. LIMITAÇÕES DA TRADICIONAL CIÊNCIA DO DIREITO PARA EXPLICAR MOTIVOS PARA A EDIÇÃO DE ATOS NORMATIVOS MANIFESTAMENTE

INCONSTITUCIONAIS 24

3. A ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO E O COMPORTAMENTO

INVESTIGADO 26

3.1. O ATO DE INSTITUIR TRIBUTOS ENQUANTO COMPORTAMENTO 27

3.2. COMPORTAMENTO E EVOLUÇÃO 30

3.2.1. A seleção filogenética 31

3.2.2 – A seleção ontogenética 33

3.2.3. A seleção sociocultural 36

3.3. O COMPORTAMENTO INVESTIGADO ENQUANTO FRUTO DE SELEÇÃO

POR CONSEQUÊNCIAS 39

4. A ANÁLISE COMPORTAMENTAL E A TEORIA MICROECONÔMICA,

RELAÇÕES CONCEITUAIS 42

4.1. O PRESSUPOSTO DA RACIONALIDADE, A RACIONALIDADE LIMITADA E

SUA RELAÇÃO COM A ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO 43

4.2. A TOMADA DE DECISÕES EM ORGANIZAÇÕES – RACIONALIDADE

MÚLTIPLA E REDE DE COMPORTAMENTOS ENTRELAÇADOS 44

5. A INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA 47

5.1. A POLÍTICA ENQUANTO MERCADO 48

(10)

5.2.2. A atuação das autoridades políticas 50 5.2.3. A atuação de grupos de interesses 52 5.2.4. A atuação dos burocratas e do Judiciário 54 5.2.5. O papel do Judiciário no controle da aplicação das regras do jogo 55 5.3. O AUMENTO DE GASTO ENQUANTO MEDIDA POPULAR; A ELEVAÇÃO DE

ALÍQUOTAS DE TRIBUTOS ENQUANTO MEDIDA IMPOPULAR 56

5.4. A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS E DOS BENEFÍCIOS POLÍTICOS DA ELEVAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA ENTRE O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO E O

SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO 57

6. A COBRANÇA DE TRIBUTOS MANIFESTAMENTE ILÍCITOS ENQUANTO

COMPORTAMENTO PASSÍVEL DE SELEÇÃO 60

6.1. FORMAS DE REDUZIR O IMPACTO POLÍTICO-ELEITORAL DA ELEVAÇÃO

DE TRIBUTOS 61

6.2. ELEVAÇÃO DA ARRECADAÇÃO SUPERIOR AOS CUSTOS DE COBRANÇA E

DISCUÇÃO JUDICIAL 65

6.3. CUSTO DAS PUNIÇÕES APLICADAS PELAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS 67

6.3.1. Sanções aplicáveis aos entes políticos 67 6.3.2. Sanções aplicáveis às autoridades políticas 70 6.4. A MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS POR ATO ILÍCITO COMO FORMA DE

REDUZIR O CUSTO DE BARGANHA 72

6.5. POSSÍVEIS SOLUÇÕES 72

7. CONCLUSÃO 74

8. REFERÊNCIAS 77

(11)

1. INTRODUÇÃO

Dentre as diversas atribuições do Estado está a de arrecadar recursos através de tributos que tornam possível a realização de outras atividades que lhe são inerentes, como a prestação de serviços públicos para a população e a manutenção do sistema político. Neste sentido, a atividade de arrecadar tributos é indispensável para a manutenção do Estado e se converte em um dever constitucional dos cidadãos.

Para que esta atividade fosse realizada de forma justa e igualitária, bem como para evitar arbitrariedades e abusos por parte dos administradores dos entes tributantes, a Constituição Federal estabeleceu limites rígidos delimitando a competência estatal para criar e cobrar tributos. Para garantir a aplicação destas normas constitucionais, dotou o Poder Judiciário de grande independência no intuito de que seus membros não obtivessem qualquer benefício da decisão, seja favorável ou desfavorável ao contribuinte.

Neste sentido, o Judiciário, frequentemente, considera ilícitos atos administrativos de lançamento tributário, atos normativos e leis que instituem ou regulamentam a cobrança de tributos, formando com o tempo, jurisprudência que se consolida e é convertida em súmulas por algumas cortes superiores.

Não obstante, é comum os entes políticos editarem atos normativos tributários manifestamente inconstitucionais, sejam estes elaborados pelo Executivo, sejam por instrumentos legais editados pelo Legislativo. Mesmo que a realização de tais atos pareça, em uma primeira análise, contraditórios em razão do dever dos governantes de gerir os recursos públicos de forma adequada, além dos custos de processos judiciais e das sanções aplicadas a estes ilícitos, que suportadas pelo ente político e pelas autoridades envolvidas.

Surge, desta maneira, a questão a ser respondida por este trabalho: Por que motivo, apesar da existência de garantias fundamentais aos contribuintes e do dever da administração pública de agir de acordo com a legalidade, dentro dos limites constitucionais de competência definidos pela Constituição e de acordo com o princípio da moralidade, é comum a ocorrência de atos normativos que determinam a cobrança de tributos manifestamente ilícitos?

(12)

que levam indivíduos ou instituições a adotar de forma frequente um determinado comportamento.

O referencial teórico escolhido para explicar a ocorrência do fenômeno identificado é a Análise Comportamental do Direito, especialmente por buscar aplicar o conjunto de ferramentas sedimentadas na análise comportamental, também chamada de behaviorismo, para explicar fenômenos jurídicos.

Considerando que a análise comportamental parte do pressuposto de que o comportamento humano ocorre em razão de motivos e contextos para a sua realização, bem como que se tornam recorrentes no repertório de indivíduos, grupos e organizações por existirem contingências de reforço que superam as punições, são apresentadas as possíveis contingências políticas, econômicas, jurídicas e eleitorais para que o comportamento investigado ocorra.

Assim, no primeiro capítulo são apresentadas algumas regras constitucionais fundamentais para a instituição e majoração de tributos, bem como indícios de que o descumprimento destas regras pelas autoridades políticas é recorrente, indicando a existência de situações em que há redução da eficácia das normas constitucionais apresentadas. Neste capítulo são abordadas as limitações da Ciência do Direito para explicar o fenômeno apresentado, por ter como objeto a descrição de normas comportamentos enquanto lícitos ou ilícitos, e não a descrição de razões para a eficácia das normas apresentadas.

No segundo capítulo o fenômeno apresentado é apontado como um comportamento, passível de investigação e de descrição pelo referencial teórico da Análise Comportamental. São apresentados os conceitos de comportamento, contingências, motivação e contexto, bem como a descrição da forma de seleção dos comportamentos para que sejam incorporados ao repertório de indivíduos e de grupos, de organizações ou se sistemas sociais.

No terceiro capítulo é feito uma relação entre a Análise Comportamental do Direito e a Análise Econômica do Direito, relacionando o pressuposto da racionalidade utilizado na microeconomia como uma definição do comportamento que, estrategicamente, confere maiores reforços e menores punições aos indivíduos do que todos os outros comportamentos possíveis quando atuam sob a mesma motivação e contexto, sendo, portanto, propenso a ser incorporado ao repertório comportamental e difundido culturalmente pela imitação.

(13)

contingências existentes no meio político e o comportamento esperado dos membros de cada grupo.

(14)

2. OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES E OS DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Ao versar sobre a existência de atos normativos manifestamente inconstitucionais em matéria tributária, o Ministro Presidente do STF Luiz Octavio Galloti afirmava se tratar de caso de “inconstitucionalidade útil”, onde a inércia do Judiciário produziria situação em que seria possível combater crise financeira pela arrecadação indevida de tributos que só viriam a ser considerados inconstitucionais após longo período de discussões judiciais. Nas suas palavras:

Imbuídos, com fervor, do prestígio das novas técnicas da administração ou da economia (que ambicionam resultados mais eficazes do que os proporcionados pelo culto do direito), órgãos e entidades governamentais, de todos os níveis da Federação, habituaram-se a subestimar mandamentos constitucionais, cegos pelo escopo de conquistar, a curto prazo, tudo quanto julgam necessário à satisfação do bem público, sem ponderar, a médio ou longo prazos, o significado dessas práticas, como ruptura do processo de nosso desenvolvimento político e social.

Eis, então, o fenômeno que já foi denominado "inconstitucionalidade útil", obediente à presunção de que, no demorado percurso das instâncias judiciárias (e apenas para os que a elas foi dado recorrer), sobrevirá o reconhecimento do direito, depois de ultrapassada a emergência ou crise financeira, que se tivera, por objetivo imediato, debelar. (GALLOTI, 1991).

A utilização deste termo, “inconstitucionalidade útil”, se consagrou em célebre voto do Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 1.102, proferido no ano de 1995, no qual expos sua opinião, baseada em experiência pessoal:

(15)

ilicitudes ocorreriam por gerar benefícios imediatos de aumento de arrecadação, ainda que acabassem declarados inconstitucionais pelo Judiciário.

Tal observação não responde, entretanto, os motivos que levam as autoridades a instituir ou majorar de forma inconstitucional, diante da possibilidade fazê-lo na forma prevista pela Constituição. Poderia parecer, em um primeiro momento, um comportamento contraditório.

Antes de investigar os motivos para que tal fenômeno ocorra é necessário delimitar as normas constitucionais básicas para instituir e cobrar tributos, e os meios de controle que garantem a eficácia destas normas, para, somente após, apontar possíveis razões para tais comportamentos.

Enquanto diploma normativo fundamental que define a divisão das funções políticas, com superioridade hierárquica sobre as demais normas do ordenamento, a Constituição delimitou as atribuições das respectivas autoridades, dividindo a organização do Estado em entes políticos de distintas abrangências territoriais e funcionais, como a União, os estados e os municípios.

Dentre os poderes conferidos aos entes políticos, está o de criar tributos, normas que possuem a função arrecadar recursos do setor privado para custear a despesa de entes estatais ou paraestatais. Assim, as competências para tributar as bases imponíveis foram divididas entre os entes políticos pelo Constituinte de acordo com os critérios de conveniência política e econômica, de forma que cada um possui atribuições distintas quanto ao que pode tributar, sendo vedado ultrapassar os limites de competência outorgados para a instituição de tributos.

A Constituição delimitou os processos formais de criação de normas de cada ente político, definindo também limitações quanto ao conteúdo. Para evitar a concentração de poder, dividiu as funções políticas estatais em três “poderes” autônomos, em um sistema de controles institucionais mútuos.

Assim, o sistema constitucional tributário brasileiro se traduz em um conjunto de normas jurídicas veiculadas pela Constituição Federal que estabelece a estrutura fundamental do sistema tributário nacional (VELLOSO, 2012, p. 15 e 18), estabelecendo um plexo de regras de competência atribuídas a autoridades políticas, com atribuições distintas para estabelecer tributos, fiscalizar, cobrar e controle de validade das normas. Essas regras de competência se traduzem em determinação do poder de tributar e seus limites, sendo estes direitos subjetivos dos contribuintes que podem se opor à atividade de tributação estatal.

(16)

poderes políticos e de princípios constitucionais que limitam a competência tributária, com alguns, pertinentes a este estudo, delineados neste trabalho, ainda que de forma sucinta, com apresentação apenas dos pontos que serão relevantes para o desenvolvimento das teses ora levantadas.

2.1 – A SEPARAÇÃO DOS PODERES – OS PAPEIS DO LEGISLATIVO, DO EXECUTIVO E DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Para evitar a concentração de poderes políticos em uma ou algumas autoridades, a Constituição Brasileira dividiu as funções políticas em três “poderes” distintos, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, cada um realizando preponderantemente uma das funções típicas que lhe foi designada. (BASTOS, 2001, p. 352 e 353)

Assim, o Legislativo se ocupa majoritariamente com a atividade de produzir a legislação, normas jurídicas dotadas de generalidade e abstração. No âmbito tributário, o Legislativo é dotado da competência de criar tributos, assim entendidas as normas gerais e abstratas que determinam o dever dos cidadãos e das empresas de entregar ao Erário parte de seus recursos em razão de comportamentos lícitos, que serão utilizados para custear a despesa pública. (VELLOSO, 2012, p. 24)

Cada ente político, em nosso sistema constitucional, foi dotado de legislativo próprio, com representantes eleitos em sistema proporcional para cargos na Câmara dos Deputados, da União, nas assembleias legislativas estaduais e nas câmaras de vereadores municipais. O Senado Federal, por sua vez, obedece ao sistema majoritário na eleição dos representantes (BASTOS, 2001, p. 358).

Pelo número de representantes eleitos, pela forma de escolha dos membros por sistema proporcional, é o poder político de maior representação popular, razão pela qual recebeu a incumbência constitucional de elaborar os instrumentos normativos que determinam o dever de realizar obrigações tributárias, delimitando o comportamento que enseja em tributação, a base econômica imponível, a alíquota a ser aplicada e a pessoa responsável pelo pagamento.

(17)

Diferente do Legislativo, apenas o cargo de chefe do Executivo de cada ente político é escolhido por eleições majoritárias, cabendo ao candidato eleito nomear as demais autoridades políticas subordinadas, como ministros de Estado e secretários.

Na atividade tributária, cabe ao Executivo receber, exigir, fiscalizar e normatizar a forma de arrecadação de tributos, dentro dos limites estabelecidos pelo legislativo.

O Executivo pode ainda editar normas dotadas de generalidade e abstração (MELO, 2007, p. 34) que tornem possível o cumprimento das atividades de arrecadação e fiscalização tributária, estabelecendo regras por atos infralegais que regulamentam a forma de informar e documentar a ocorrência de fatos que geram a obrigação tributária, sem ultrapassar os limites determinados pela lei (CARVALHO, 2009a, p. 58).

Ao Judiciário, em matéria tributária, resta a função de julgar os conflitos resultantes de atos administrativos realizados pelo Executivo na cobrança e fiscalização de tributos, verificando a adequação destes aos atos normativos às determinações legais, bem como a adequação das normas editadas por atos infralegais às leis, e destes e das leis às regras de competência e princípios delimitados pela Constituição (MELO, 2007, p. 36).

Para realizar suas funções de controle dos atos realizados pelos outros poderes sem influências nas decisões a serem adotadas, a Constituição conferiu aos membros do Judiciário amplo grau de autonomia funcional, de modo que podem julgar a licitude dos atos administrativos e normativos editados pelo Executivo e a constitucionalidade e forma de aplicação com pouca influência dos demais poderes políticos.

Apesar de serem os membros dos Tribunais Superiores serem nomeados pelo Presidente da República, com aprovação pelo Senado, denotando poder de influência do Executivo e do Legislativo sobre a cúpula do Judiciário, ainda assim, a Constituição Federal garante aos membros destes tribunais prerrogativas para assegurar a independência, como a irredutibilidade de vencimento, a vitaliciedade no cargo até a data de aposentadoria, impossibilidade de sofrer penalidades em razão de manifestação de opinião no exercício funcional e a proibição de exercício de atividade político-partidária. (MORAES, 2011, p. 523 a 533)

(18)

Quando existe um conjunto reiterado de decisões sobre casos semelhantes, onde se afirma a violação dos mesmos dispositivos constitucionais ou legais, cria-se um conjunto de precedentes chamado de jurisprudência. Deste conjunto de decisões, os tribunais podem editar súmulas, que se traduzem em uma síntese do entendimento jurisprudencial, ou mesmo súmulas vinculantes, preceitos normativos editados pelo Supremo Tribunal Federal de observância obrigatória pelos demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública. (MENDES; BRANCO, 2014, p. 976 e 977)

Ainda que, com exceção das súmulas vinculantes, formalmente não seja obrigatório seguir a jurisprudência, estas indicam a posição estável de tribunais, que tendem a repetir as decisões tomadas de forma reiterada, de forma que as leis e atos normativos editados pelo Executivo que contrariam as súmulas ou jurisprudência estável são manifestamente ilícitos por terem poucas chances de êxito em uma disputa judicial.

2.2. OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA TIPICIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O sistema constitucional tributário prevê princípios, um conjunto de valores e regras de hierarquia superior, que devem ser observados pelo legislador e pelas autoridades administrativas ao instituir e cobrar tributos. Dentre os diversos princípios previstos na Constituição estão o da legalidade, da tipicidade tributária e o da moralidade administrativa. Enquanto princípios constitucionais se destinam ao legislador, ao Executivo e ao Judiciário, cada um no exercício de suas atribuições funcionais, devendo ser seguidos por todos os poderes estatais.

O princípio da legalidade representa um dos pilares do regime democrático. Previsto no artigo 5º, II, da Constituição, determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Decorre de um valor implícito de que as obrigações impostas pelo Estado devem ser elaboradas com maior representação, mediante processo legislativo que possibilite ampla participação popular, razão pela se impõe que ocorram por meio de lei (VELLOSO, 2012, p. 221).

(19)

Ainda que o existam exceções ao princípio da legalidade com relação à majoração de alíquotas, possibilitando que a União o faça por ato do Poder Executivo, conforme previsto nos artigos 153,§1º, referente a impostos, e 177, §4º, I, b, referente à contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre o comércio de combustíveis, estas alterações devem observar os limites estabelecidos na lei que instituiu estes tributos, sendo, portanto, uma possibilidade de reduzir e reestabelecer alíquotas previstas em lei por ato infralegal (VELLOSO, 2012, p. 224).

Como exceção ao princípio da reserva legal absoluta temos ainda a delegação para a alteração de alíquotas do ICMS monofásico sobre combustíveis e lubrificantes pelos Estados e do Distrito Federal através de seus representantes em conselho fazendário, previsto no artigo 154, §4º, IV, da Constituição Federal, por não haver previsão de limitação expressa em lei nas alíquotas (VELLOSO, 2012, p. 223)

Do princípio da legalidade decorre o princípio da tipicidade tributária, que determina que a lei deva estabelecer todos os aspectos da norma jurídica tributária, com acentuada precisão. Tanto a hipótese de incidência, pela descrição do comportamento que ensejará a tributação, do local e momento para a sua incidência, quanto o consequente normativo, com a previsão o sujeito ativo, o contribuinte, a base de cálculo e a alíquota, têm que constar de lei formal (VELLOSO, 2012, p. 223). Desta maneira, a lei tem que desenhar o tipo tributário, com os componentes mínimos que torne possível a sua identificação, sem deixar espaço para inovações advindas de atos infralegais.

Se o princípio da reserva legal estabelece requisito de validade de normas que instituem tributos, serve também de limitação objetiva para a Administração Tributária, exigindo-lhe que fiscalize, lance e cobre tributos com a estrita observância das disposições legislativas (VELLOSO, 2012, p. 222).

(20)

2.3. A DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A atribuição de instituir tributos é outorgada aos entes políticos pela Constituição Federal, em competência legislativa para instituir, modificar e extinguir tributos. Esta competência é exclusiva do titular do tributo, sendo esta titularidade conferida às pessoas políticas aptas a legislar indelegável e irrenunciável (VELLOSO, 2012, p. 24).

Ao outorgar a competência para instituir os tributos, a Constituição Federal delimita, com razoável precisão, a matéria fática de que se pode valer o legislador na instituição dos tributos. Em relação aos impostos nominados, delimita o arquétipo do tributo, com a definição da hipótese de incidência e a base de cálculo de cada um destes impostos (MACHADO, 2015, p. 279) que vincula o legislador à materialidade constitucionalmente determinada sujeita à tributação. Idênticas ponderações se aplicam às contribuições especiais nominadas.

Estes conceitos empregados no texto constitucional expõem limites ao legislador, que somente poderá atuar dentro dos parâmetros das competências que lhe são conferidas. Estas definições conceituais não podem ser alteradas para se esquivar dessa vinculação, sendo os conceitos de direito privado utilizados expressamente ou implicitamente na Constituição limites semânticos a serem observados no exercício da competência tributária (VELLOSO, 2012, p. 32 e 33).

Quanto aos tributos vinculados a uma atuação estatal – as taxas e as contribuições de melhoria – que podem ser instituídas por qualquer ente político, a Constituição Federal delimita a materialidade que pode se valer o legislador para instituir o tributo se referindo à atividade estatal correspondente, de realização definida pelas respectivas atribuições destas pessoas políticas, seja na prestação de serviços, seja no exercício de poder de polícia ou mesmo na construção de obras públicas (MACHADO, 2007, p. 279).

Nos impostos e contribuições especiais não nominados, de competência residual da União para a sua instituição, a Constituição Federal estabelece limites para o exercício da liberdade do legislador escolher materialidades para instituir tributos, excluindo matérias fáticas e impondo a adoção de regras específicas de processo legislativo.

2.4. A EFICÁCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES

(21)

nos princípios e limites objetivos expostos no texto constitucional, a sujeição dos cidadãos ao poder tributário encontra, nestes mesmos aspectos, direitos subjetivos negativos, ou seja, direitos de defesa contra eventuais abusos do Estado na atividade tributária.

A possibilidade de se opor a atos administrativos e normativos que contrariem o ordenamento confere eficácia jurídica a estes direitos negativos, assim considerados não apenas a vigência da norma, mas também a possibilidade de produzir efeitos jurídicos em maior ou menor grau para regular uma matéria, dizendo respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica (SARLET, 1999).

Entretanto, possibilidade não implica efetividade. Possuir eficácia jurídica não significa, necessariamente, que a norma terá eficácia social, representada pela “materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, e simboliza a aproximação entre o dever ser normativo e o ser da realidade social” (SARLET, 1999).

Com efeito, as normas jurídicas, enquanto comandos prescritivos de condutas intersubjetivas, podem não ser efetivamente seguidas pelas pessoas que são destinatárias destes comandos, havendo, nestes casos, o problema de falta de eficácia social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 103 e 104), em maior ou menor grau, de acordo com o nível de aplicabilidade destas normas.

Quando a falta de eficácia social de uma norma ocorre em intensidade suficiente para resultar na sua completa inobservância por todos os participantes de relações jurídicas que estariam sujeitos à sua aplicação, bem como na ausência de aplicação pelas autoridades responsáveis pelo controle destas relações, como delegados, promotores e juízes. Quando uma norma carece de efetividade a ponto de ser ignorada pelos próprios membros do Judiciário, autores de manuais de Direito atribuem a esta norma a revogação por costume. Em casos como este, a norma passa ser sintomaticamente descumprida pela sociedade por ela regulada.

Pode ocorrer de normas possuírem baixa eficácia social, situações nas quais possuem eficácia jurídica, podendo ser opostas pelas pessoas detentoras de direitos a agressões que vierem a sofrer, mas que costumam ser descumpridas com frequência pelos destinatários destas normas, gerando considerável grau de litigiosidade, elevado número de demandas judiciais decorrentes das violações a estas normas jurídicas, quando confrontado com o número de pessoas atingidas por estas normas.

(22)

destinatários destas normas à sua observância espontânea, que passa a ocorrer apenas após determinação judicial.

Uma investigação sobre a eficácia social de normas jurídicas que utilizasse estritamente os métodos da Ciência do Direito, restrita às manifestações judiciais, implicaria em fazer uma descrição das normas e verificar a quantidade e qualidade de decisões existentes sobre a matéria, supondo que, havendo grande número de condenações, existiria uma grande quantidade de violações àquela norma. Em um sistema com eficácia social da norma secundária, sancionadora, que representa direitos subjetivos a serem tutelados pelo Judiciário, quando a norma primária fosse violada, esta seria objeto de grande número de ações judiciais para corrigir a ausência de cumprimento espontâneo por parte do destinatário da norma primária.

Tal abordagem é condizente com uma metodologia tradicional da Ciência do Direito, que se propõe a descrever o Direito em seu aspecto normativo, se investiga apenas os fenômenos que integram o universo jurídico, através da transcrição em linguagem jurídica pela pessoa competente para tanto (CARVALHO, 2009a, p. 1 a 17; CARVALHO, 2009b, p. 75 a 77), sendo que fenômenos alheios à linguagem jurídica são irrelevantes por não fazerem parte de seu objeto de estudo.

No âmbito Direito Tributário, uma forma de medir a eficácia social dos direitos subjetivos dos contribuintes através do cumprimento espontâneo destas determinações da Administração Tributária e pelo Legislativo dos entes políticos, é pesquisar o grau de litigiosidade das normas constitucionais que estabelecem limites objetivos com razoável precisão semântica ao poder de tributar.

(23)

Existem ainda outras normas que estabelecem limites objetivos e que são classificadas como princípios, enquanto normas de hierarquia superior, como, por exemplo, os princípios da anterioridade e da irretroatividade. Tais princípios, entretanto, dizem respeito apenas à aplicação de tributos no tempo, tendo o seu escopo normativo bastante reduzido, que se exaure após o período determinado, sendo capazes de gerar uma quantidade menor de litígios do que o princípio da legalidade, em vista da duração indeterminada das normas que lhe contrariem, razão pela qual este foi princípio escolhido para a presente pesquisa.

Em um levantamento de decisões tomadas em alguns tribunais estaduais e nos tribunais superiores nos respectivos portais eletrônicos, utilizando-se como parâmetro o termo “legalidade tributária”, realizada no dia 14 de setembro de 2015, se constatou a existência de número expressivo de decisões, especialmente por se tratar de uma norma que representa um limite objetivo à competência tributária.

No Superior Tribunal Federal, foram encontrados 229 acórdãos, 2870 decisões monocráticas e 5 casos de repercussão geral. Com o intervalo de busca reduzido às decisões proferidas no período de um ano, foram 17 acórdãos e 352 decisões monocráticas.

Entre os casos de maior frequência, incluem-se: a majoração de valor de contribuição destinada a conselho profissional; instituição e majoração de ICMS por ato infralegal; limitação de crédito ou compensação por ato infralegal; reconhecimento de imunidades tributárias; e a determinação de bases de cálculo de taxas que ultrapassam os limites conceituais deste tributo ou que majoram a base de cálculo por ato infralegal.

No Superior Tribunal de Justiça, foram encontrados 256 acórdãos e 6.893 decisões monocráticas. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foram encontrados 4219 acórdãos, sendo que 311 foram proferidos apenas no último ano. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios foram encontrados 108 acórdãos, 108 decisões monocráticas. No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foram encontrados 411 acórdãos.

(24)

Tais resultados, no espaço amostral selecionado, informam um elevado grau de litigiosidade envolvendo os limites objetivos determinados pelos princípios da legalidade, da tipicidade e limites constitucionais de materialidade no exercício da competência tributária.

Para aprofundar um pouco mais a questão, foi selecionado especificamente a existência de litígios envolvendo a aplicação da limitação na tributação por ISS na locação de bens móveis. Este caso foi escolhido por ser emblemático, demonstrando situação de elevada litigiosidade em situação pacificada no Judiciário, com observância obrigatória pelos três poderes em todos os entes políticos por ter sido objeto da Súmula Vinculante nº 31 do STF,

que determina que “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer

natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

O fato de existir súmula vinculante, entretanto, não evitou a existência de elevada litigiosidade. Em busca efetuada dia 14 de setembro de 2015 foram encontrados 388 acórdãos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 27 no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Da mesma maneira, um número significativo de decisões foi encontrado em portais de busca a respeito de majoração da base de cálculo do IPTU em percentual superior aos índices

de inflação, em ofensa a Súmula 160 do STJ, que determina que “É defeso ao município

atualizar o IPTU mediante decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”, podendo ser citados como exemplos do STF, o RE 648.245, julgado em agosto de 2013; do STJ o AgRg no AREsp 66849 / MG e o AgRg no AREsp 16828 / GO, ambos de dezembro de 2011; do TJ/BA a Apelação APL 00090228020078050274, de fevereiro de 2014; e do TJ/PR o AI 6957720 PR 0695772-0, de março de 2011.

(25)

2.5. LIMITAÇÕES DA TRADICIONAL CIÊNCIA DO DIREITO PARA EXPLICAR MOTIVOS PARA A EDIÇÃO DE ATOS NORMATIVOS MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAIS

Este capítulo se iniciou apresentando a opinião de dois Ministros do Supremo Tribunal Federal, baseada na intuição e na experiência, que apontam para a existência de atos normativos manifestamente ilícitos em matéria tributária. Apontam para um juízo de que a edição de tais atos normativos em matéria tributária ocorre por ser, em algum momento, e em alguma medida, útil para as autoridades políticas que os editam deixar de forma voluntária e consciente de obedecer a limitações constitucionais, reduzindo a eficácia social da Constituição.

Indicam como motivos que justificariam tais comportamentos das autoridades políticas o fato de obterem benefícios, como, por exemplo, a possibilidade de combater uma crise fiscal, combinada com a possibilidade de restituir estes valores exigidos injustamente apenas após longo período, em razão da morosidade do Judiciário, deixando o problema para ser solucionado por outros políticos; ou ainda, pela possibilidade de sequer ter de restituir o montante arrecadado injustamente à maioria dos contribuintes, que não costumam propor ações pedindo a restituição do que foi pago.

Tais relevantes opiniões servem de ponto de partida para a investigação proposta neste trabalho. São baseadas na observação, na vivência no meio jurídico, apresentando razões para a edição de tais atos normativos. Conforme argumentar-se-á adiante, elas não explicam, entretanto, as razões para não seguir as regras constitucionais para majorar ou instituir tributos.

A própria metodologia da Ciência do Direito possui limitações para explicar o fenômeno apresentado. Ao afirmar um corte metodológico que escolhe como objeto de estudo apenas os fatos que ingressaram no sistema jurídico por relato em linguagem de acordo com os procedimentos previstos pelo direito por autoridade com competência para tanto, acaba excluindo a possibilidade de investigar razões não explicitadas nos documentos jurídicos, além de retirar do seu campo de abrangência qualquer evento que não tenha ingressado no ordenamento jurídico.

(26)

implica necessariamente presumir a eficácia da norma secundária, com a aplicação da sanção pelo Judiciário, excluídas as investigações sobre normas que não possuem eficácia alguma, revogadas pelo desuso.

Por sua vez, sabendo-se que a edição de um ato normativo em matéria tributária tem o condão de atingir todos os contribuintes daquele tributo, comparando com o universo de contribuintes presentes em todo o país, pode-se inferir que o conjunto de decisões judiciais apresentado anteriormente é pequeno. A passividade destes contribuintes pode ser um dos motivos para a edição de atos normativos manifestamente inconstitucionais, mas é negligenciada pela Ciência do Direito.

Por se tratar de uma dissertação de mestrado, com as consequentes limitações de tempo e recursos, se utilizará como premissa, em razão do número expressivo de ações existentes e da variedade de casos identificados, que as normas constitucionais possuem eficácia social, mas são, com frequência, descumpridas em situações nas quais tal descumprimento pode trazer benefício às autoridades.

(27)

3. A ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO E O COMPORTAMENTO INVESTIGADO

Conforme exposto, apesar da delimitação de competências para editar instrumentos normativos em matéria tributária prevista na Constituição Federal e da possibilidade de controle desses atos pelo Judiciário, é possível que a instituição e determinação de cobrança de tributos com elevada probabilidade de serem julgados ilícitos ocorra com frequência em nosso meio político e jurídico. A explicação para a recorrência deste fenômeno, entretanto, ultrapassa os limites de investigação da Ciência do Direito enquanto método formado por conjunto de paradigmas de observação e avaliação das normas jurídicas.

Isto ocorre em razão de que a Ciência do Direito se limita ao papel de elaborar proposições normativas a respeito de como deve ser interpretada a lei, descrevendo as regras de comportamento existentes em um determinado ordenamento jurídico, tomando como objeto de observação o conjunto de enunciados presentes nos diplomas legais que constituem o direito positivo (IVO, 2008). Daí decorrem, entre outras coisas, a tendência dos juristas a se

concentrarem na busca de soluções ex post aos casos a eles submetidos, sem se preocuparem

com as consequências em termos comportamentais de suas decisões, bem como o desinteresse para com os motivos que influenciaram a criação dos textos legais ou as implicações sociais da aplicação das normas jurídicas (AGUIAR, 2013).

Sendo o Direito um fenômeno existente enquanto parte da realidade cultural humana, pode-se afirmar que este existe em razão de sua criação e aplicação feita por intermédio do comportamento de pessoas ao discutir os termos e elaborar os textos legais, bem como de ler, transmitir por linguagem e agir de acordo com as regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Entretanto, apesar de as normas jurídicas serem destinadas a regular o comportamento humano, a Ciência do Direito é destituída de teorias que expliquem o comportamento, delimitando o seu escopo como sendo apenas a elaboração proposições normativas formuladas pela interpretação dos textos legais (GICO, 2010, p. 16), o que não é suficiente para atingir os objetivos do presente trabalho.

(28)

Neste contexto, útil é a utilização das referências teóricas da Análise Comportamental, também nominada Behaviorismo Radical, especialmente em sua aplicação à investigação de fenômenos jurídicos, conforme a proposta metodológica apresentada por Aguiar (2014b), para investigar como o comportamento humano é afetado por regras e como evolui em razão das contingências, especialmente delimitando conceitos básicos a serem utilizados durante o trabalho, modelagem, contingências e redes de comportamento entrelaçados.

Isso porque, conforme o referencial empregado, o Direito é um sistema funcionalmente especializado que controla algumas contingências capazes de punir o comportamento das pessoas através da estipulação de regras, visando dissuadir os seus destinatários de realizarem alguns comportamentos ou induzi-los a agir de alguma maneira.

Para, tanto, inicialmente, é necessário delimitar o comportamento investigado, apresentado enquanto comportamento individualizável e passível de investigação pela referencial teórico adotado, enquanto objeto de estudo, ainda que de forma abstrata.

3.1. O ATO DE INSTITUIR TRIBUTOS ENQUANTO COMPORTAMENTO

Antes de indagar sobre os motivos que poderiam levar à sua ocorrência, é preciso delimitar o comportamento investigado, descrevendo-o enquanto padrão comportamental, indicando as pessoas responsáveis por sua realização, como e em que contexto ocorrem e se são frequentes no repertório comportamental destas pessoas.

De acordo com a análise comportamental, o comportamento ocorre em razão de uma motivação, anterior ao comportamento, em um contexto que sinaliza a disponibilidade de um reforço, identificado por situações passadas que foram reforçadas com consequências físicas ou sociais capazes de trazer benefícios ao indivíduo, reforçando este comportamento, ou realizar uma ação para evitar consequências capazes de prejudicar o indivíduo, através de punições. Estas variáveis de motivação e consequências são chamadas de contingências (AGUIAR, 2013, p. 184). As contingências tornam possível a identificação de comportamentos, bem como a proposição das possíveis razões de sua ocorrência e frequência.

O comportamento que é objeto do presente estudo é o de estabelecer regras para a cobrança de tributos que provavelmente serão consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário.

(29)

comportamento investigado se inclui a discussão de políticos com assessores, secretários e técnicos, o debate político entre os parlamentares e interessados, a elaboração e revisão do texto por diversos participantes, votação, aprovação pelo gestor público, diversos atos para a publicação das normas.

Poderia se falar, então, mesmo diante da complexidade relatada, em um comportamento individualizado a ser investigado utilizando a Analise Comportamental? Entendemos que sim.

Mesmo diante de uma rede de comportamentos entrelaçados (AGUIAR, 2013, p. 170-175) em que participam diversas pessoas, cada uma realizando comportamentos que servem de motivação, contexto e consequência de outros, para fins de investigação o presente trabalho adota uma simplificação que se reduz ao comportamento individual do político. Este, como gestor, determina e aprova a elaboração de regras sobre tributação utilizando os instrumentos normativos de sua competência, ou aquele que, como parlamentar, elabora e/ou vota o projeto de lei que institui ou majora tributos em conjunto com os demais parlamentares.

Essa simplificação se justifica em razão de serem estes políticos as pessoas dotadas de poder de decisão sobre a elaboração e serem diretamente beneficiadas ou prejudicadas pelas contingências reforçadoras ou punitivas decorrentes do comportamento investigado. Neste sentido, conforme pontuam Baum (2006, p. 218) e Skinner (2003, p. 340), é possível tratar de organizações, instituições e grupos como indivíduos em uma análise comportamental. Isso porque, apesar das pessoas mudarem, as relações de reforço envolvidas permanecem as mesmas.

Apesar de a edição de um ato normativo necessitar da realização de diversas ações que poderiam ser descritas isoladamente enquanto comportamentos, o objeto de estudo da teoria behaviorista radical é o comportamento molar (BAUM, 2006, p. 100-103), entendido como o conjunto de ações realizadas durante um período de tempo, unidas por características e objetivos comuns, ainda que interrompidas para a realização de outros comportamentos.

Ainda que a edição de atos normativos dure dias ou meses, sendo realizados diversos outros comportamentos pelo político em questão neste período, como buscar o filho na escola, comer refeições, viajar para outras cidades e dormir, todas as ações unidas pela característica comum de compor o processo de elaboração e aprovação da criação de regras jurídicas são consideradas como um único comportamento.

(30)

autoridades políticas que compõem o Legislativo e realizado por autoridades políticas que compõem o Executivo.

De acordo com o princípio da legalidade tributária vigente no Brasil (CARVALHO, 2009, p. 174), em regra, já que existem exceções previstas constitucionalmente, os tributos apenas podem ser criados ou majorados por meio de lei em sentido estrito, editadas pelas diferentes casas legislativas de cada ente político, municípios, estados e União, obedecendo aos limites materiais e formais estabelecidos pela Constituição Federal.

Desta maneira, o comportamento investigado pode ser realizado por parlamentares quando, conjuntamente, exercendo sua função legislativa em um parlamento, elaboram regras sobre a cobrança de tributos que extrapolam os limites de sua competência legislativa estabelecendo a cobrança de tributos sobre patrimônio ou rendimentos que não poderiam ser tributados por aquele ente político, ou quando deixam de observar as regras do processo de elaboração de leis.

Igualmente, realiza o comportamento investigado o Chefe do Executivo de algum dos entes políticos ou autoridades em cargos de sua indicação, especialmente em órgãos públicos responsáveis pela administração tributária, que elaboram atos normativos infralegais, como decretos, instruções normativas ou portarias, que estabelecem ou majoram tributos em ofensa ao princípio da legalidade ou a outras limitações previstas constitucionalmente.

Sendo o comportamento investigado passível de individualização e partindo do pressuposto delimitado no capítulo anterior de que este tipo de ato normativo é editado de forma recorrente em nosso meio político e jurídico, resta avaliar as razões para este comportamento ser comum no repertório comportamental das autoridades políticas, apesar de ser ilícito.

(31)

3.2. COMPORTAMENTO E EVOLUÇÃO

Em um prazo mais longo de análise, o modelo comportamental behaviorista radical apresenta uma relação causal entre a frequência relativa de um padrão de comportamento no repertório de um ou um grupo de indivíduos e as consequências decorrentes de tal comportamento para este indivíduo ou grupo de indivíduos em questão, de modo que estas relações causais – denominadas contingências – são responsáveis três níveis evolucionários aos quais estão sujeitos os seres humanos. O nível filogenético opera quando se tratar de contingências de sobrevivência ou reprodução de uma população indivíduos ao longo de várias gerações; o nível ontogenético opera quando se tratar de seleção padrões de comportamentos de um único indivíduo de acordo com a sua história de reforços e punições; o nível sociocultural ocorre pela seleção de padrões de comportamentos de grupos, de acordo com o controle destes grupos sobre o comportamento de seus membros (AGUIAR, 2014a, p. 11).

Apesar de a evolução do comportamento humano ocorrer em três níveis, estes não operam de forma isolada, mas sim simultânea e concorrente, de acordo com os diferentes tipos de contingências aplicáveis, sejam de sobrevivência e reprodução da espécie, seja de reforços e punições recebidos por um indivíduo ou pelo controle de comportamentos de grupos, entendo como contingências o conjunto de variáveis que cooperam para a ocorrência de determinado acontecimento e suas consequências, em uma relação causal.

Neste aspecto, a evolução está ligada a um processo de seleção por consequências (SKINNER, 2007), de forma que a seleção ocorrida nos níveis ontogenético, também chamado de modelagem, e sociocultural guardam semelhanças com o processo de seleção natural explicado pelos biólogos (BAUM, 2006, p. 87 a 90; AGUIAR, 2014a, p. 11).

(32)

3.2.1. A seleção filogenética

O primeiro nível de seleção capaz de influenciar o comportamento humano é o filogenético. Isso porque a herança da história genética da espécie humana, moldada por milhares de anos de seleção natural, não apenas determina a configuração de nosso código genético, nossos aspectos corporais e aparência, como também grande parte do comportamento dos indivíduos e de grupos. Deste modo, a configuração genética influencia o comportamento dos indivíduos de diversas maneiras, como pela capacidade de aprendizado, pelo comportamento humano gregário definido pela necessidade de afeto e convivência em grupo, ou mesmo por comportamentos respondentes, respostas automáticas do corpo a estímulos ambientais.

Desta maneira, se os indivíduos humanos se comportam da maneira como ocorre, em grande proporção é por causa de características definidas pela configuração genética, configuração esta selecionada naturalmente por largo período de tempo, transmitidas durante a reprodução da espécie (BAUM, 2006, p. 76-82).

Neste contexto, a seleção filogenética é operada por contingências ambientais que são capazes de determinar a sobrevivência e reprodução de características de uma espécie ou sua extinção, em um processo chamado de seleção natural pela teoria da evolução das espécies, desenvolvida por biólogos (BAUM, 2006, p. 76-82).

Para que a seleção filogenética, por contingências ambientais, ocorra, é necessária a existência de três condições, quais sejam, variação populacional, possibilidade de transmissão de características e competição para melhor se adaptar ao ambiente com membros da mesma espécie e de outras espécies. Para a diferenciação em espécies distintas ao longo do tempo, soma-se às condições apresentadas a necessidade de isolamento geográfico (BAUM, 2006, p. 76-82).

A variação é indispensável para que ocorra a seleção, pois sem ela não haveriam características diferenciadoras que possibilitassem a seleção. A variação acontece pela presença e interação no mesmo ambiente de indivíduos da mesma espécie com características diferentes, variação esta que, em grupos homogêneos, ocorre através de fenômeno aleatório de mutação genética, onde surgem características físicas não herdadas na transmissão de genes ocorrida através da reprodução. Essa variação pode ser em aspectos anatômicos, fisiológicos ou mesmo em comportamentos inatos (BAUM, 2006, p. 76-82).

(33)

de determinada espécie faz parte da herança da história evolutiva de seus antepassados, por seleção ocorrida ao longo de muitas gerações (BAUM, 2006, p. 76-82).

A transmissão de características genéticas ocorre pelo processo de reprodução, no qual um indivíduo (se a reprodução é assexuada) ou dois indivíduos da mesma espécie (se a reprodução for sexuada) transmitem seu código genético combinado na criação de um novo indivíduo da mesma espécie. Assim, a transmissão por recombinação genética na reprodução sexuada também é uma importante fonte de variação nas características filogenéticas (BAUM, 2006, p. 76-82).

É pela competição, entretanto, que ocorre a efetiva seleção das características que melhor se adaptaram ao meio. Isso porque o indivíduo que possui as características que o tornar mais adaptado a resistir às contingências ambientais terá uma probabilidade maior de viver um período de tempo maior do que os outros indivíduos de sua espécie e se reproduzir mais vezes, transmitindo essa característica a um número maior de descendentes até que esta se torne comum àquela espécie (BAUM, 2006, p. 76-82; AGUIAR, 2014a, p. 12-13).

Por outro lado, características que não se mostrarem adequadas para a sobrevivência em competição com demais indivíduos acabam resultando em uma vida mais curta e uma quantidade menor de transmissão por reprodução, se tornando menos frequente com o tempo (BAUM, 2006, p. 76-82; AGUIAR, 2014a, p. 12-13).

Em suma, características que resultam em uma melhor adaptação provavelmente serão transmitidas mais vezes e se tornarão mais frequente em uma espécie no decorrer do tempo. Por sua vez, características que não favorecem a adaptação ao meio provavelmente serão transmitidas em menor intensidade, tornando-se menos frequentes ou até mesmo chegando a serem eliminadas de determinada espécie (BAUM, 2006, p. 76-82; AGUIAR, 2014a, p. 12-13).

Em casos de existência de grupos populacionais isolados geograficamente, de forma a não ser possível adquirir características de outros grupos ou transmitir as características neste selecionadas, a seleção pode conduzir a diferenciações tão profundas que ocasionam na diferenciação em espécies distintas (BAUM, 2006, p. 76-82).

(34)

3.2.2 – A seleção ontogenética

Assim como características filogenéticas são selecionadas por consequências ao longo de gerações, de acordo as contingências naturais, o comportamento de um indivíduo se altera durante o decorrer de sua vida, sendo selecionado de forma análoga à seleção natural, de acordo com o histórico de punições e reforços recebidos em resposta aos comportamentos, em um processo chamado pela teoria analítico-comportamental de modelagem (BAUM, 2006, p. 87-93).

Neste sentido, diferente dos comportamentos respondentes, ou reflexos, que acontecem automaticamente, em razão de determinado estímulo, são inatos e compõem um repertório comportamental que é transmitido geneticamente (BAUM, 2006, p. 78-79), o comportamento operante se torna mais ou menos frequente em razão de um segundo nível de seleção por consequências, a seleção ontogenética (AGUIAR, 2014, p. 5-9).

Conforme exposto anteriormente, a teoria behaviorista explica que o comportamento ocorre em razão de uma motivação, anterior ao comportamento, diante de um contexto que sinaliza a disponibilidade de consequências físicas ou sociais podem trazer benefícios ao indivíduo, reforçando este comportamento, ou prejudicar o indivíduo, através de punições. Estas variáveis de motivação e consequências são chamadas de contingências (AGUIAR, 2013, p. 186).

A motivação ocorre por estímulos recebidos, como necessidades fisiológicas (fome, sede, frio) ou sociais (afeto, reconhecimento social, entretenimento). O contexto é o ambiente presente, como a existência de uma geladeira que possibilita que o comportamento de abri-la e pegar comida possa saciar a fome, ou a existência de um telefone e de dinheiro que possibilite pedir uma pizza por entrega. Os reforços são consequências que satisfazem os motivos existentes, como receber diversão, saciar a fome, receber afeto, e as punições são consequências que causam aversão ao indivíduo, como dor, tratamento agressivo ou raiva.

(35)

comportamento não atenda o motivo que lhe deu causa, provavelmente não será repetido em situação futura semelhante, tornando-se menos frequente ou cessando completamente no repertório comportamental.

Igualmente, em uma relação entre dois ou mais indivíduos, o comportamento de ambos serve de reforço e punição mútuos, ocorrendo uma modelagem de ambos ou de todos os envolvidos nesta interação (BAUM, 2006, p. 90).

Para explicar como ocorre a seleção ontogenética delineada, bastante elucidativos são dois exemplos apresentados por Aguiar, (2014b, p. 253 a 257), que reproduzo sinteticamente.

No primeiro exemplo, se considera a existência de um rato faminto posicionado em uma caixa na qual existe uma alavanca que, caso acionada, libera uma pequena quantidade de comida para ser consumido pelo animal. Não conhecendo tal dispositivo, o rato realizará uma série de comportamentos distintos, como andar, cheirar, se coçar, até que em algum momento acidentalmente pressionará a alavanca que liberará a comida. Em um segundo momento, a tendência é que realize atos que antecederam a liberação da comida até que, novamente, pressione a alavanca, e assim sucessivamente até que o animal passe a pressionar a alavanca sempre que estiver com fome. Caso o comportamento de pressionar a alavanca deixe de ser reforçado com comida, provavelmente se tornará menos frequente, até atingir níveis idênticos de frequência aos anteriores à implantação do reforço.

No segundo exemplo, um homem que foi contratado para trabalhar em um escritório passa a ter de lidar com uma gerente que constantemente lhe tratava de forma aversiva, com cobranças e repreensões constantes. Certo dia, por acidente, esquece no escritório um presente que iria dar a uma amiga, sendo encontrado pela gerente que logo que lhe questiona se aquele presente era para ela. Constrangido, o homem mente e responde que sim, percebendo que o tratamento aversivo cessou naquele dia. Nos dias seguintes, o homem levou outros presentes, como flores, chocolate, doces e outros mimos, sempre com o mesmo resultado, percebendo que se repetir este ato de tempos em tempos não precisaria mais enfrentar repreensões da gerente.

(36)

Neste contexto, a seleção por consequências no nível ontogenético guarda semelhanças com a seleção natural, pois igualmente possui como requisitos para a sua ocorrência a variação, a repetição e a concorrência.

Assim, a primeira característica para a ocorrência da seleção ontogenética é a variação, que acontece em razão dos indivíduos não realizarem os mesmos comportamentos da mesma maneira todas as vezes, bem como em razão de situação induzida pelo ambiente (BAUM, p. 88-90).

Isso porque, ao realizar comportamentos já existentes no repertório, pode acontecer que este seja realizado de forma levemente diferente, podendo esta diferença na execução surtir resultados reforçadores ou não ao indivíduo. Igualmente, novos comportamentos são realizados com certa frequência em resposta a estímulos diversos, em um padrão condizente e semelhante ao repertório comportamental do indivíduo, podendo resultar em um aprendizado de novas formas de atender uma motivação, caso o comportamento seja reforçado (BAUM, 2006, p. 88-90).

Desta maneira, dentre inúmeros comportamento variantes, realizados em face de uma motivação e contexto, aqueles que se adaptam melhor, sendo reforçados de forma mais intensa, tendem a se repetir, ou seja, a incorporarem-se ao repertório comportamental de um indivíduo. Existindo vários comportamentos distintos no repertório comportamental que podem ser realizados, dados a motivação e o contexto relevantes, estes irão competir, havendo uma seleção daqueles comportamentos que se mostraram mais adaptados à situação no passado (BAUM, 88-92).

Assim como o comportamento é selecionado através de reforços, também o é por punições. Conforme desdobramento no exemplo apresentado por Aguiar (2014a, p. 16-17):

[N]o caso do funcionário, pode-se, novamente, imaginar uma contingência punitiva análoga. Digamos que ele começasse a namorar uma colega de escritório, a qual, por ciúmes, brigasse com ele, sempre que o visse entregando presentes à gerente. A conjugação das duas consequências do comportamento de presentear a gerente levaria, provavelmente, a uma significativa diminuição de tal comportamento, sempre que a namorada estivesse presente.

Neste aspecto, há que se ressaltar que a seleção comportamental ocorre dentre os comportamentos possíveis sob a influência da mesma motivação e contexto.

(37)

homem, o tratamento aversivo recebido da gerente, tendo ainda a função de aumentar ou reduzir a própria consequência reforçadora (AGUIAR, 2014a, p. 17).

Já o contexto sinaliza a situação na qual o comportamento acontecerá. No caso do rato, o contexto pressupõe a presença da alavanca, para o homem, a presença de uma gerente de gênero oposto e da possibilidade de adquirir e entregar presentes. Em situações novas de contexto semelhante os indivíduos tendem a se comportar de maneira como fizeram no passado para atender suas motivações, ainda que em ocasiões distintas. Havendo uma mudança de ambiente, como mudar de escritório, a existência de uma gerente indica ao homem de nosso exemplo a possibilidade de entregar presentes periodicamente para obter um tratamento privilegiado, tendendo a deixar de se comportar desta maneira se o comportamento não for reforçado (AGUIAR, 2014a, p. 15).

A seleção comportamental ontogenética pode produzir comportamentos mais fortes ou mais fracos no repertório do indivíduo, podendo se incorporar de tal forma ao indivíduo que dificilmente pode ser alterado por novas relações de contingências, gerando comportamentos de timidez ou extroversão, gerando ideologias e preconceitos arraigados na personalidade, resultando em pessoas propensas a autocontrole ou indisciplinadas. Isso porque o repertório comportamental dos indivíduos é um agregado de comportamentos que foram selecionados durante a vida, por sua história de experiências, situações vividas e reforços recebidos (BAUM, 90-92).

3.2.3. A seleção sociocultural

Para compreendermos o terceiro nível de seleção comportamental por consequências, temos que considerar que as pessoas vivem em sociedade, ambientes nos quais o comportamento de umas serve de motivação, contexto, reforços ou punições para o comportamento de outras (SKINNER, 2003, p. 352-355). Assim, a vida em sociedade determina a existência de contingências sociais que exercem a função de controlar o comportamento de indivíduos e de grupos.

(38)

Neste sentido, a seleção sociocultural ocorre pela preservação das “práticas culturais que possibilitem uma melhor adaptação às contingências de sobrevivência e reprodução do grupo como um todo tenderão a predominar em detrimento das práticas culturais alternativas menos adaptativas” (AGUIAR, 2014a, p. 17). Assim como as características genéticas e o comportamento individual se adaptam ao ambiente em razão das contingências, o comportamento de grupos também é selecionado pelas contingências existentes no ambiente natural e no ambiente social, através da interação com outros grupos.

Além da modelagem do comportamento dos indivíduos por reforço e punição, o comportamento individual é também alterado pela transmissão de práticas comuns ao grupo por meio de regras e de imitação (BAUM, 2006, p. 274-276)

O comportamento transmitido por imitação ocorre quando um indivíduo, observando outro receber reforço social ou punições ao adotar certos comportamentos, passa a adotar comportamentos semelhantes aos que foram reforçados no outro membro do grupo ou se abstém de realizar comportamentos que foram punidos (BAUM, 2006, p. 274-275). Desta maneira, por exemplo, quando uma pessoa recebe muitos elogios à sua aparência em razão de um penteado diferente, outras pessoas passam a imitar o penteado buscando o mesmo elogio, até que este se torna comum no grupo em questão.

O comportamento controlado por regras, por sua vez, ocorre quando se transmite por comportamento verbal uma consequência futura, recompensa ou punição, para a realização de um tipo de comportamento. Assim, os indivíduos ou grupos realizam ou deixam de realizar comportamentos para não receber punições ou para receber recompensas. Em todo momento na sociedade, indivíduos exercem funções de transmitir e controlar o comportamento de outros por regras e seguem outras regras sociais que controlam o seu comportamento (BAUM, 275-276).

Desta maneira, conforme define Aguiar (2014a, p. 10):

(39)

Disto, temos grupos desorganizados e sem procedimentos consistentemente mantidos e organizações (AGUIAR, 2014a, p. 18), criadas para manipular um conjunto de variáveis no controle de comportamentos por regras.

As organizações surgem pelo controle por um ou mais líderes do comportamento de outros indivíduos por reforçadores e punidores com vistas a atender os interesses dos líderes. Em organizações, lideres e liderados possuem reforços distintos para seus comportamentos, pois enquanto estes são controlados diretamente por contingências de satisfação de necessidades individuais, como, por exemplo, pelo salário, aqueles são controlados por contingências que determinam a sobrevivência da organização, como, por exemplo, o lucro em organizações de cunho econômico (AGUIAR, 2014a, p. 18).

Uma vez formada, a organização assume o controle sobre contingências que reforçam ou punem indivíduos externos à organização, cujo comportamento passa a reforçar ou punir o comportamento dos líderes (AGUIAR, 2014a, p. 18). Uma organização econômica, empresa, por exemplo, controla o comportamento dos funcionários através do dinheiro, controla o comportamento de pessoas que não fazem parte da empresa pelo fornecimento de bens e serviços e reforçam ou punem o comportamento do líder, proprietário, pelo lucro, que garante a sobrevivência da empresa, ou pelo prejuízo, em caso de gestão inadequada.

Na evolução sociocultural, o comportamento dos indivíduos é selecionado por contingências sociais compostas por redes de comportamentos entrelaçados, contingências sociais estas que, por sua vez, são selecionadas por contingências de sobrevivência e reprodução do grupo como um todo ou dos sistemas parciais existentes no interior deste, como as organizações.

Assim como os indivíduos alteram o seu comportamento para sobreviver e conviver em sociedade, as organizações alteram e produzem novas práticas para se adaptar às contingências sociais decorrentes de pessoas externas e de outras organizações e, desta forma, sobreviverem (SKINNER, 2003, p.340-342). Da mesma maneira como os indivíduos adotam comportamentos reforçados e abandonam comportamentos punidos, as organizações adotam práticas reforçadas e abandonam praticas punidas (AGUIAR, 2014a, p. 20-22).

(40)

econômica nos postulados sobre concorrência entre empresas que não operam dentro de custos e preços de venda competitivos.

Desta seleção de comportamentos em organizações, que acabaram se especializando na produção de certos tipos de reforçadores e punidores, surgem os sistemas funcionalmente organizados, ou agências, no termo empregado por Skinner (2003, p. 363), que emergem quando, nas palavras de Aguiar (2014a, p. 19):

[O]s padrões relativamente estáveis de influência comportamental recíproca entre determinadas organizações e os indivíduos que compõem o seu público-alvo se especializam no cumprimento de uma importante função para a sobrevivência e reprodução do grupo social como um todo, em um dado contexto espaço-temporal.

Como exemplos de sistemas funcionalmente organizados temos os sistemas político, econômico, jurídico, científico e educacional (AGUIAR, 2014a, p. 20), cada um destes sistemas determinando contingências específicas de punição e reforço e se adaptando às contingências que sofrem da interação com outros sistemas funcionais. Essa adaptação dos sistemas funcionais contribui para a sobrevivência de determinada sociedade, ou cultura, mas também para a preservação do próprio sistema.

Com relação aos sistemas funcionalmente organizados, todos os indivíduos estão sujeitos a contingências diversas oriundas de cada um destes sistemas, os quais estabelecem regras distintas, exercendo estas contingências um poder de controle maior ou menor, de acordo com o seu grau de importância relativo na vida de cada pessoa. Neste contexto, o sistema jurídico, conforme aponta Aguiar (2014a, p. 22-26), é apenas um dos sistemas que determinam contingências aos quais as pessoas estão sujeitas, existindo ainda contingências originárias de outros sistemas, em outras interações sociais, como familiares e afetivas, além de contingências fisiológicas.

3.3. O COMPORTAMENTO INVESTIGADO ENQUANTO FRUTO DE SELEÇÃO POR CONSEQUÊNCIAS

Referências

Documentos relacionados

O TBC surge como uma das muitas alternativas pensadas para as populações locais, se constituindo como uma atividade econômica solidária que concatena a comunidade com os

Assim, propusemos que o processo criado pelo PPC é um processo de natureza iterativa e que esta iteração veiculada pelo PPC, contrariamente ao que é proposto em Cunha (2006)

Os maiores coeficientes da razão área/perímetro são das edificações Kanimbambo (12,75) e Barão do Rio Branco (10,22) ou seja possuem uma maior área por unidade de

5) “Estado da arte” do desenvolvimento local sertaginense. “A Sertã continua a ser pequenina e com pouca população. O setor turístico tem vindo a melhorar e temos

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

exercício profissional. Relativamente a Pediatria, apesar da maioria das patologias que observei terem sido do foro reumatológico, penso que o meu contacto com esta

The posterior transverse variables (D1PM, D2PM and DM) presented a statistically significant difference regarding the gold standard (Typodont) for the plaster models performed