UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e
GestãoAmbiental
CONFLITOS INSTITUCIONAIS EM EMPREENDIMENTO DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE OITO PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS/PCHs NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO JURUENA, NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Brasília
IANE ANDRADE NEVES
CONFLITOS INSTITUCIONAIS EM EMPREENDIMENTO DO SETOR ELÉTRICO: ESTUDO DE OITO PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS/PCHs NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO JURUENA, NO ESTADO DE MATO GROSSO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge Rosa Carneiro
Dissertação de autoria de Iane Andrade Neves, intitulada Conflitos Institucionais em Empreendimento do Setor Hidrelétrico: Estudo de Oito Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs na Bacia Hidrográfica do rio Juruena, no Estado de Mato Grosso, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental, defendida e aprovada, em seis de dezembro de 2007, pela banca examinadora constituída por:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Jorge Rosa Carneiro - Orientador
____________________________________________________________
Dra. Rosangela de Souza Biserra - Examinadora Externa
____________________________________________________________
Profª. Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade - Examinadora Interna
DEDICATÓRIA
A Deus, ao meu pai Ivo Antônio Neves e a
todos aqueles que, de alguma forma,
acreditaram e contribuíram para a
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília (UCB);
Aos professores Paulo Jorge Rosa Carneiro (Orientador) e Antônio José Andrade Rocha, professor e ex-diretor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental da UCB a quem devo valiosos momentos de trabalho e amizade;
Aos colaboradores diretos e indiretos, seja pela disponibilidade de materiais ou em conversas, especialmente os colegas da Mappa Engenharia e Consultoria; da Juruena Participações e Investimentos S.A; representada pelo técnico Frederico G. Muller; da Agência Nacional de Energia Elétrica; da Fundação Nacional do Índio; da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso.
Aos parceiros de reflexão sobre o objeto desta pesquisa José Francisco Rodrigues Furtado, Robson Cândido da Silva e minha irmã Isis Andrade Neves;
Aos professores e funcionários do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental, pela convivência harmônica, apoio e amizade;
À amiga, comadre e professora Ida Claudia Pessoa Brasil pela atenção, carinho e toques durante os diferentes momentos do mestrado;
RESUMO
O estudo desta dissertação refere-se à avaliação da relação entre as instituições envolvidas no processo de licenciamento de oito Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) projetadas para serem implementadas na bacia hidrográfica do rio Juruena, em Mato Grosso (MT), a partir da visão propiciada pelo conjunto de normas ambientais, em especial do setor elétrico, sobre os recursos naturais, as comunidades indígenas residentes na região de influência, a sociedade nacional e o Estado. O modelo de geração de energia no Brasil está baseado, principalmente, em fontes hidráulicas, e quando houve uma redução na construção de novas usinas hidrelétricas, foram estabelecidas novas referências para o setor elétrico brasileiro, com claros incentivos pelo governo para a construção de PCHs. Os estudos exigidos para um empreendimento hidrelétrico servem de cenário para a relação entre as instituições envolvidas que tratam da análise dos impactos ambientais e socioeconômicos, tendo em conta as práticas públicas do setor elétrico e sua relação com os diferentes órgãos públicos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Secretaria do Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA/MT) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A FUNAI representando as comunidades indígenas; a SEMA/MT representando o Estado de Mato Grosso e seus recursos naturais; e a ANEEL responsável pelo recurso hidrelétrico. O tema trata do levantamento dos dispositivos legais e procedimentos em torno de empreendimentos hidrelétricos, que acabam sendo o centro de conflitos entre instituições públicas. Esse tema justifica-se pela necessidade de equacionamento da questão ambiental sobre empreendimentos de infra-estrutura para o país e o fato da aplicação da legislação ambiental ser passível de diferentes interpretações pelos vários entes públicos envolvidos.
ABSTRACT
The study refers to the evaluation of the relationship between the institutions involved in the process of licensing of eight Small Powerplants (PCH in Portuguese) designed to be implemented in the basin of the river Juruena, on the state of Mato Grosso (MT). This consider the vision provided by the set of environmental standards, particularly electric sector, on the natural resources, indigenous communities living in the region of influence, the national society and the state. The model of energy generation in Brazil is based mainly on hydraulic sources. When there was a reduction in the construction of new hydroelectric plants, have been established new references for the brazilian electric sector, with clear incentives by the government for the construction of PCH. The studies required for a Hydroelectric plant serve as a backdrop to the relationship between the institutions involved with the analysis of the socioeconomic and environmental impacts, considering the public practice of Electric Sector and its relationship with the different public agencies: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA/MT) and Fundação Nacional do Índio (FUNAI). The FUNAI representing indigenous communities, the SEMA/MT representing the State of Mato Grosso and its natural resources, and ANEEL is responsible for hydroelectric resource. The issue identifies the legal norms and procedures of hydroelectric plants which have just been the center of conflicts between public institutions. This theme is justified by the need for resolution of environmental matter about infrastructure’s implementation for the country and the different interpretations of environmental legislation by the various public areas involved.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estado de Mato Grosso e hidrografia...31
Figura 2 - Trecho do rio Juruena e tributários...32
Figura 3 - PCHs no rio Juruena, terras indígenas e municípios...38
Figura 4 - Hidrografia, rodovia e terras indígenas no Estado de Mato Grosso...39
Figura 5 - Trecho do rio Juruena, municípios, malha viária e terras indígenas...43
Figura 6 - Grupos indígenas na região do Alto Rio Juruena...45
Figura 7 - Área do estudo da Avaliação Ambiental Integrada/AAI...80
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 - Margem do rio Juruena...30
Foto 2 - Índio Nambikwara em traje de banho...52
Foto 3 - Índia Nambikwara confeccionando adorno...52
Foto 4 - Índio Rikbaktsa...52
Foto 5 - Índios Enawenê-Nawê em dança tradicional...52
Foto 6 - Índios Paresi em reunião...52
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Bacia Hidrográfica do alto e médio Juruena, PCHs e terras indígenas...92
Mapa 2 – Localização dos eixos dos barramentos em relação a TI Nambikwara...96
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Bacias Hidrográficas do Estado de Mato Grosso...29
Tabela 2 - PCHs quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto...34
Tabela 3 - Caracterização das Terras Indígenas na região das oito PCHs...46
Tabela 4 - Informações relacionadas às entidades governamentais no caso das oito PCHs da Bacia do Alto rio Juruena...90
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 - Termo de Referência da FUNAI...109
Anexo 2 - Informação sobre o uso dos recursos hídricos...115
Anexo 3 - Termo de Referência da AAI...116
Anexo 4 - Oficialização da não incidência das oito PCHs em terras indígenas...134
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAI Avaliação Ambiental Integrada
AER Administração Executiva Regional
AHE Aproveitamento hidrelétrico
AIA Avaliação de Impacto Ambienta
ANA Agência Nacional de Águas
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
ART Artigo
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CCC Conta de Consumo de Combustível
CF Constituição Federal
CGPIMA Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente
CMAM Coordenação de Meio Ambiente
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
DAF Diretoria de Assuntos Fundiários
DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
ELETROBRÁS Centrais Elétricas Brasileiras S/A
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental
FEMA Fundação Estadual do Meio Ambiente
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNDEPAN Fundação de Desenvolvimento do Pantanal/
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
LI Licença de Instalação
LO Licença de Operação
LP Licença Prévia
MJ Ministério da Justiça
MMA Ministério do Meio Ambiente
MP Ministério Público
MT Mato Grosso
MW Megawatt
NAL Núcleo de Apoio Local
PCE Projetos e Consultoria de Engenharia
PCH Pequena Central Hidrelétrica
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PPA Acordo de Compra de Energia (Power Purchase Agreement)
PROINFA Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
RAS Relatório Ambiental Simplificado
SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente
SIN Sistema Interconectado Nacional
SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
TCU Tribunal de Contas da União
TI Terra Indígena
TR Termo de Referência
SUMÁRIO
RESUMO...vi
ABSTRACT...vii
LISTA DE FIGURAS...viii
LISTA DE FOTOGRAFIAS...ix
LISTA DE MAPAS...x
LISTA DE TABELAS...xi
LISTA DE ANEXOS...xii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...xii
INTRODUÇÃO...16
CAPÍTULO 1 – MARCO CONCEITUAL...20
1.1 - Conflito...23
1.2 - Bacia Hidrográfica...27
1.3 - Empreendimento do Setor Hidrelétrico...32
1.4 - Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs...33
CAPÍTULO 2 – DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO...39
2.1 - Situação político-administrativa da região das oito PCHs...39
2.2 - Situação dos grupos indígenas da região das oito PCHs...44
2.2.1 - Territorialidade dos cinco grupos indígenas na região do empreendimento...46
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA...53
CAPÍTULO 4 - IDENTIFICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS...56
4.1 - ANEEL...62
4.2 - SEMA/MT...67
4.3 - FUNAI...69
CAPÍTULO 5 – IDENTIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS LEGAIS DAS OITO PCHS EMPREENDIMENTO COMPLEXO JURUENA...74
5.1 - ANEEL...74
5.2 - SEMA/MT...77
5.2.1 - Responsabilidade dos estudos e exigibilidade de EIA...79
5.2.2 - Renovação das licenças de instalação e AAI...80
5.3 – FUNAI...83
CAPÍTULO 6 – ANÁLISE ENTRE DISPOSITIVOS LEGAIS, PROCEDIMENTOS E CONFLITOS DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO INSTITUCIONAL... ...91
CONCLUSÃO...100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...106
INTRODUÇÃO
Cada vez mais a questão ambiental se insere no cotidiano da população,
assim como nas políticas públicas, tornando-se um assunto de interesse nacional e
mundial. As discussões que cercam a realização de empreendimentos de
significativo impacto na natureza, sejam por interesse e demandas de setores da
sociedade, sejam por resultado de implementação de políticas do setor público,
acabam por integrar diferentes grupos (sociedade, empresários, comunidades
indígenas, entes federados, e órgãos que representam cada setor) e interesses na
gestão dos recursos naturais.
A utilização dos recursos hídricos, sendo um de seus usos a geração de
energia elétrica, passou a ser uma questão vital para o país em virtude do aumento
da demanda por energia e possíveis situações que envolvem outros interesses
(irrigação, transporte, lazer, e outros). Há também a possibilidade de racionamentos,
como o ocorrido em 2001, que se deu em função de que a disponibilidade de
energia, naquele momento, não atendia as necessidades decorrentes do
crescimento do país.
O modelo de geração de energia no Brasil está baseado, principalmente, em
fontes hidráulicas, e a partir dos anos 1990, quando houve uma redução na
construção de novas usinas hidrelétricas, foram estabelecidas novas referências
para o Setor Elétrico Brasileiro, com claros incentivos pelo governo, para a
construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs.
Na década de noventa, e mesmo antes, foram também estabelecidos outros
instrumentos legais, regulamentares e normativos para a proteção dos recursos
ambientais (recursos hídricos inclusive), assim como se desenvolveram
procedimentos mais precisos para os estudos técnicos que visualizam as
conseqüências ambientais de um empreendimento dessa natureza. O Estudo de
Impacto Ambiental/EIA é um desses instrumentos, que incluem os diagnósticos e
prognósticos ambientais e o plano básico para implementação de medidas de
Os órgãos de meio ambiente, responsáveis pela definição das diretrizes que
regem os estudos, condição elementar para a concessão das licenças, são
obrigados por lei a considerar o entendimento de outras entidades e segmentos da
sociedade o que nem sempre se dá sob condições ideais ou adequadas de
conhecimento dos problemas que envolvem empreendimentos de geração
hidrelétrica, gerando conflitos de interesse.
Os estudos exigidos para um empreendimento hidrelétrico servem de cenário
para a relação entre as instituições envolvidas que tratam da análise dos impactos
ambientais e socioeconômicos, tendo em conta as práticas públicas do Setor Elétrico
e sua relação com os diferentes órgãos públicos (ANEEL, SEMA/MT e FUNAI).
Desse modo, a presente dissertação tem como tema o levantamento dos
dispositivos legais e procedimentos em torno de empreendimentos hidrelétricos, que
acabam sendo o centro de conflitos entre instituições públicas: de um lado a que tem
por competência regular e fiscalizar a produção de energia elétrica, e do outro os
órgãos responsáveis por outros grupos da sociedade. Neste caso, a FUNAI
representando as comunidades indígenas; a SEMA/MT representando o Estado de
Mato Grosso e seus recursos naturais e, também, a sociedade nacional; e a ANEEL
responsável pelo recurso hidrelétrico.
Constatou-se o fato da aplicação da legislação ambiental ser passível de
diferentes interpretações pelos vários entes públicos envolvidos, como no caso de
algumas pequenas centrais hidrelétricas do Estado de Mato Grosso. A própria
definição do limite da área impactada é analisado e considerado diferentemente pela
ANEEL, SEMA/MT e FUNAI, no caso específico das oito PCHs do Complexo
Energético Juruena.
Buscou-se neste estudo analisar de que forma os conflitos entre os diferentes
órgãos da administração pública interferem, ou não, no desenvolvimento de
infra-estrutura do país, mesmo que atuando em consonância com o cumprimento das leis
ambientais e em sintonia com a utilização sustentável dos recursos naturais.
A hipótese levantada é de que, os Órgãos Públicos (ANEEL, SEMA/MT e
FUNAI) trabalham individualmente para a realização de um empreendimento, sendo
normas do licenciamento ambiental, devido ao ethos1 de cada entidade. A
elaboração de diferentes instrumentos de gestão ambiental para a aprovação de um
empreendimento, definida por cada entidade pública acaba por alongar o processo
legal, devido às análises não integradas realizadas administrativamente.
O objetivo geral do estudo é avaliar a relação entre as instituições envolvidas
no processo que trata da análise dos impactos ambientais e socioeconômicos de
oito PCHs projetadas para serem implementadas na bacia hidrográfica do rio
Juruena (MT), a partir da visão propiciada pelo conjunto de normas ambientais, em
especial do Setor Elétrico, sobre os recursos naturais, as comunidades indígenas
residentes na região de influência, a sociedade nacional e o Estado.
Os objetivos específicos do estudo são:
1. Identificar as normas da ANEEL, SEMA/MT e FUNAI adotadas para
implementação de empreendimento denominado de Pequena Central
Hidrelétrica/PCH;
2. Identificar os procedimentos institucionais de gestão adotados por cada
órgão público definido nesse estudo para a realização do empreendimento
Complexo Juruena;
3. Analisar a relação entre os dispositivos legais e seus
encaminhamentos nas três esferas públicas, com avaliação dos conflitos e
contradições do processo de negociação institucional entre a ANEEL, SEMA/MT e
FUNAI, com proposição de medidas de diminuição de conflitos.
As análises realizadas foram alicerçadas, metodologicamente, em pesquisas
bibliográficas, em relatórios técnicos oficiais, legislação, páginas institucionais e em
trabalhos acadêmicos; e em pesquisas empíricas por meio de relatos com
informantes envolvidos na questão ambiental; e pesquisa documental, legislação e
documentos institucionais e organizacionais. Fez-se a identificação de como estão
sendo realizados os procedimentos necessários para os estudos ambientais de cada
um dos três órgãos alencados.
Esse tema justifica-se pela necessidade de equacionamento da questão
ambiental sobre empreendimentos de infra-estrutura para o país, resultando em um
processo lento muitas vezes decorrente das divergências de aplicação da legislação
pertinente. Se durante o processo houvesse uma estruturação de trabalho entre os
diversos entes públicos no sentido de uma solução que atendesse a todos os
interesses envolvidos, sobretudo os configurados como conflitos sócios ambientais,
o ganho seria de todos.
No Capítulo 1, o marco conceitual apresenta os principais temas desta
dissertação: os conflitos socioambientais, o que são empreendimentos do setor
hidrelétrico, e as pequenas centrais hidrelétricas na bacia hidrográfica do rio
Juruena.
O Capítulo 2 descreve a área de estudo, sua posição político-administrativa
na região do empreendimento e a situação dos grupos indígenas na área do entorno
das PCHs.
O Capítulo 3 apresenta a metodologia utilizada para o desenvolvimento do
trabalho.
O Capítulo 4 trata da identificação da legislação dos três órgãos levantados
neste processo de construção de PCH, a ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI.
O Capítulo 5 aponta os procedimentos institucionais de gestão adotados por
cada um dos três órgãos públicos para a realização do empreendimento na bacia
hidrográfica do rio Juruena.
Já o Capítulo 6 analisa a relação entre os dispositivos legais e os
procedimentos nas três esferas públicas do empreendimento denominado
“Complexo Juruena”, com avaliação dos conflitos do processo institucional entre a
ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI, com proposição de medidas de diminuição de
conflitos interinstitucionais que incidem sobre questões socioambientais. E por fim a
CAPÍTULO 1 – MARCO CONCEITUAL
Diante dos diferentes encaminhamentos, na esfera federal e estadual, sobre a
implantação das oito PCHs, ao longo da bacia hidrográfica do Alto Rio Juruena - MT,
provavelmente o monitoramento e equacionamento das atividades é ineficiente.
Diferenças de procedimentos e de esferas de competência, que acabam por
configurar conflitos de gestão para o assunto em destaque.
Na verdade, a resolução dos diferentes questionamentos dos órgãos
responsáveis pela análise da iniciativa que determina a implementação de
empreendimentos hidrelétricos no Brasil, se deve a própria questão ambiental ser
relevante e exigir, dos órgãos públicos, uma postura conservadora no que se refere
à gestão dos recursos naturais. Por isso, tornam-se necessárias articulações entre
os diversos setores participantes da construção de um empreendimento, para que,
de fato, não se perca de vista os preceitos Constitucionais do Art. 225 sobre a
conservação para um meio ambiente ecologicamente equilibrado:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Ocorre, entretanto que por apresentarem histórias e objetivos institucionais
distintos, a ANEEL, a SEMA/MT e a FUNAI acabam por não estabelecer uma
referência comum em relação aos termos, conceitos e interesses envolvidos,
entrando, naturalmente em conflito.
Nos últimos anos a questão ambiental passou a ser mais bem apreciada nos
projetos de infra-estrutura e outros setores da sociedade. Novos métodos e técnicas
de exploração dos recursos naturais passaram a ser discutidos. Novos investimentos
em tecnologias vêm sendo alcançados, sempre com o objetivo de atender aos
interesses das gerações presentes sem o comprometimento das gerações futuras
Em 2003, passou-se a exigir, no âmbito do licenciamento ambiental de usinas
hidrelétricas, que os estudos de impactos ambientais se reportassem à bacia
hidrográfica, em conformidade com a Resolução CONAMA № 001/86 (MMA, 2006):
No entanto a incorporação das diretrizes gerais dos instrumentos de avaliação
para fins de licenciamento ambiental vem se consolidando de forma diferente nos
diversos organismos envolvidos gerando certa defasagem na interpretação dos
instrumentos de gestão disponíveis.
No Estado de Mato Grosso ainda não se está exigindo estudos integrados e
estratégicos das bacias hidrográficas como instrumento precedente à liberação de
licenças, autorizações e concessões, mas parece ser apenas uma questão de
tempo, pois as dificuldades de entendimento e diálogo entre os grupos de interesse
e organismos gestores está exigindo um esforço mais efetivo. Ocorre que o MP
propôs um estudo de gestão integrado de bacia, sendo que a SEMA/MT condicionou
ao processo de licenciamento um estudo desta natureza, sendo exposto no capitulo
de procedimentos.
O Programa Nacional de PCHs encontra-se em vigor como alternativa não
concorrente com as grandes usinas hidrelétricas/UHEs. O programa de dinamização
de infra-estrutura do BNDES trata as PCHs como alternativas de energia renovável,
recebendo incentivo diferencial para sua implementação, por se tratar, igualmente de
condição impar de utilização da energia em regiões afastadas dos grandes sistemas
de transmissão.
E talvez por isso interpretou-se erradamente que nestes casos a problemática
ambiental deveria ser mais facilmente equacionada, atraindo-se o setor privado a
assumir os riscos inerentes a este tipo de investimento (FELICIDADE; MARTINS;
LEME, 2006). O incentivo do poder público, em que o Estado modifica sua
compreensão acerca de suas funções econômicas não altera o nível de importância
atribuído pelo Art. 10 da Lei 6.938/81:
O investidor privado, certamente deve contar com algum atrativo econômico,
ou as possibilidades de abastecimento de energia elétrica em regiões ainda não
atendida não se materializarão. Todavia incentivo não confere facilidades e o
entendimento da Lei para o uso de recursos naturais não pode ter peso ou
interpretações diferentes.
Devendo-se considerar, ainda, que mesmo que as PCHs apresentem
vantagens, deve-se considerar que custos e benefícios de um aproveitamento
hidrelétrico dependem das condições específicas de cada aproveitamento e não da
escala do projeto; e que é inadequado classificar as hidrelétricas como renováveis
ou não em função de seu porte (TOLMASQUIM, 2005).
Ocorre que o sistema elétrico brasileiro tem se pautado na produção de
energia a partir dos recursos hídricos, por ser considerada a mais abundante
alternativa brasileira de energia, além de ser segura, tanto economicamente como
ambientalmente, mesmo que o assunto seja considerado, de fato, controverso.
Historicamente o governo brasileiro privilegiou essa forma de produção de energia,
em detrimento de outras formas de produção porque em essência, e independente
de qualquer discussão mais acalorada é a forma mais barata e limpa de gerar
energia em grande escala.
E quando se busca o entendimento das políticas públicas dos diferentes
órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos para a efetivação de
empreendimentos, como pequenas centrais hidrelétricas, constata-se que a
diferenciação das ações governamentais acaba por criar animosidades quanto a sua
implementação. E a produção de energia, acaba por potencializar impacto
(antrópico, uso de recursos naturais, dentre outros) e ações sobre a região.
Observam-se duas questões principais: a ambiental e a socioeconômica.
A problemática na questão ambiental deve ser entendida e analisada dentro
das políticas adotadas no processo de implantação de empreendimentos pela esfera
federal, estadual e grupos sociais. Assim, procurou-se apresentar o referencial legal
da questão energética, ambiental e indígena e como se entrelaçam para a
implementação de PCH, focando nas visões desses diferentes agentes do processo
1.1 Conflito
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001) apresenta
diferentes conceitos para “conflito”, sendo uma linha de entendimento baseada nas
definições de conflito de competência e conflito de direitos. Conflito de competência
1: discordância a respeito de jurisdição contenciosa entre órgãos da administração
governamental e entidades jurídicas; e conflito de direitos jur: concorrência de
direitos antagônicos de dois ou mais indivíduos, que obriga a que nenhum deles
tenha exercício pleno ou exerça gozo exclusivo do direito do qual se arroga titular,
colisão de direitos.
Podemos ainda conceituar conflito pela esfera social, em que a definição seria
uma forma de interação social, em que o conflito garante uma unidade social e
renovação, uma construção do sujeito social. E nesse início do Século XXI, um novo
tipo de conflito tem estado em diferentes esferas sociais e em diversas etapas do
setor público: o conflito sócio ambiental.
O que se observa é que a área ambiental está estruturada em mais de um
setor da administração governamental, na condição de gestora de um conjunto
específico e próprio de políticas. Na verdade o planejamento ambiental deveria se
integrar setorialmente e entre escalas de governo, cujas ações perpassam diferentes
políticas públicas (MORAES, 2005). Tal nível de planejamento ainda não ocorre nos
licenciamentos ambientais atuais, como das oito PCHs da bacia hidrográfica do rio
Juruena.
Conflito socioambiental ocorre quando dois ou mais atores não estão de
acordo com a distribuição de determinados elementos materiais ou simbólicos com
relação ao controle, uso e acesso dos recursos naturais de determinado ambiente.
Para Frota (2001), a definição para conflitos socioambientais são os
resultados produzidos ao meio antrópico devido a uma perturbação nos meios físico
e biótico, decorrentes da implantação de um empreendimento. Já segundo Litlle
(2001), conflitos socioambientais podem ser definidos como disputas entre grupos
sociais derivados dos tipos de relação mantida com o seu meio natural, inserido no
mundo biofísico e seus ciclos naturais; o mundo humano e suas estruturas sociais; e
o relacionamento dinâmico e interdependente entre esses dois mundos.
Os conflitos sociambientais apresentam a seguinte tipologia: 1) os conflitos
em torno do controle sobre os recursos naturais; 2) os conflitos em torno dos
impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural; e 3) os conflitos
em torno do uso dos conhecimentos ambientais (LITLLE, 2001, p.108).
1) Os conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais partem da
iniciativa de grupos sociais definirem que uma matéria-prima encontrada na natureza
é um recurso, e que tem um uso específico. Além da definição dos recursos naturais
como de domínio social, há outra dimensão, a geográfica; isso porque o recurso se
encontra em um lugar específico (LITLLE, 2001, p. 109). No caso do rio Juruena,
este se encontra geograficamente localizado no estado do Mato Grosso, sendo
palco de interesses do estado por estar em seu território; do empreendedor que
definiu o espaço da bacia hidrográfica como local de aproveitamento econômico de
seus recursos; e as comunidades indígenas que têm terras nessa região geográfica,
utilizando os recursos naturais existentes.
Portanto, a geografia do rio Juruena, com suas nascentes na Chapada dos
Parecis e foz no rio Tapajós não apresenta divergência. A questão é sua distribuição
social, onde é preciso decisões políticas para definição de suas utilidades. As
dimensões social e política destes conflitos são expressas por meio das disputas
sobre o acesso aos recursos naturais (LITLLE, 2001, p. 110). No caso das oito PCHs
do rio Juruena, o empreendimento encontra-se fora das terras indígenas, mas o rio
insere-se no território histórico dessas comunidades, entendido como de uso
cotidiano, portanto, sobreposta ao uso requerido pelo empreendedor ao estado.
Assim, os índios querem o rio para seus usos tradicionais, em contraponto ao
empreendedor que solicita acesso a esse recurso natural para produção de energia
elétrica.
Além das dimensões geográfica, social e política, os conflitos socioambientais
contam com uma outra dimensão, a jurídica. Como define Litlle (2001, p. 110), a
dimensão jurídica destes conflitos é expressa por meio das disputas do controle
formal sobre os recursos. Ocorre que cada ator social apresenta seus propósitos e
base em dispositivos legais de seus Órgãos públicos, como da própria legislação
ambiental brasileira.
2) Os conflitos em torno dos impactos gerados pela ação humana e natural,
podem contribuir negativamente para o ambiente, gerando impactos diferentes para
a população da região onde ocorre, e de outra beneficiada. E ainda a possibilidade
de esgotamento dos recursos naturais que geram impactos diferenciados nos
variados grupos sociais (LITLLE, 2001, p. 112).
3) E há os conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais, onde
cada grupo social tem conhecimentos ambientais específicos que utiliza para se
adaptar a seu ambiente e desenvolvimento de sua própria tecnologia (LITLLE 2001,
p. 113). Nesta dissertação trabalhou-se com os conhecimentos ambientais utilizados
pelos atores sociais ANEEL, SEMA/MT e FUNAI, em que suas interpretações dos
procedimentos legais para licenciamento ambiental acabam por gerar conflitos.
A questão para a resolução de conflitos socioambientais deve passar por uma
análise específica de cada situação, visto que os ambientes naturais são diferentes,
como os grupos sociais e suas relações geográficas, sociais, políticas e jurídicas.
Geograficamente é preciso determinar sua escala de alcance e depois analisar sua
rede de relações sociais e naturais (LITLLE, 2001, p. 116), caso desta dissertação
em que a escala observada é regional, localizada no estado do Mato Grosso.
Já as mudanças sociais e políticas são entendidas em um contexto histórico,
como as mudanças na esfera jurídica, com novas leis ambientais e novas condutas
legais. Mas acabaram por não unificar os modelos de encaminhamentos dos
procedimentos ambientais a serem praticados dos Órgãos Públicos, visto que muitas
vezes agências governamentais entram em conflito porque cada uma promove os
diferentes interesses de distintos segmentos da sociedade brasileira (LITLLE 2001,
p. 117). Isso porque cada órgão público interpreta a legislação com base no seu
entendimento próprio.
Apesar das particularidades de cada empreendimento, e dos conflitos
advindos de cada processo, com base nos contextos geográfico, social, político,
histórico e ambiental, três procedimentos podem ser delineados para analisar
qualquer um. O primeiro procedimento é a identificação e análise dos principais
interesses econômicos e ambientais. O segundo procedimento é a identificação e a
análise dos principais agentes naturais envolvidos no conflito, e o terceiro é a análise
sintética e global do conflito específico (LITLLE, 2001. p. 119).
Os atores sociais participantes deste empreendimento são representados
pelas instituições públicas que os defendem, o foco está na esfera governamental e
não nos grupos da sociedade civil. Na verdade, a sociedade civil é um espaço de
relações de poder de fato em que está em contínuo e estreito relacionamento com o
Estado, que é o poder legitimado pelas instituições vigentes e do controle de um
território geopolítico (BERNARDO, 2001, p. 43).
E os conflitos socioambientais podem ser trabalhados, também, pelo conceito
de governança. Porque trata da capacidade governativa, com a garantia de
continuidade e implementação de decisões, e a capacidade de ação do Estado na
execução efetiva de políticas públicas; sãos os instrumentos e procedimentos que
garantem a participação, no processo de tomada de decisões, da pluralidade de
interesses e idéias existentes na sociedade (BERNARDO, 2001, p. 47).
A governança é a decorrência de um processo compartilhado de tomada de
decisão que envolve diferentes instâncias (recursos hídricos, energia elétrica,
comunidades indígenas, meio ambiente, infra-estrutura e economia) e espaços de
intervenção pública (ANEEL, SEMA/MT e FUNAI) e contém as políticas do
governo.Tenta captar a riqueza do processo de construção de nexos entre essas
instâncias e espaços, delimitando a política de governo como parte da
1.2 Bacia Hidrográfica
A Lei Federal № 9.433/1997, conhecida também como Lei das Águas,
apresentou princípios e regras para a fixação de parâmetros ambientais e sociais.
No seu Art 1°, inciso V: a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Assim, o marco territorial de
efetivação para empreendimentos é a bacia hidrográfica.
Trata-se de um espaço ambiental e social preferencial de análise e
planejamento, por comportar-se qual um sistema “multinível”, no qual todas as ações
e práticas políticas, econômicas, culturais e outros, sejam elas locais ou mesmo
externas ao sistema, refletem em sua totalidade espacial. Como ressaltam Barbosa,
Paula e Monte-Mór (1997, p. 258 apud ALVARENGA, 2007):
Uma “bacia” tem considerável mérito enquanto unidade física e econômica de análise. (...) Ações ou políticas externas às “bacias” (políticas de preços, por exemplo) podem ter efeitos importantes dentro de um sistema definido nestas, e uma análise econômica, mesmo que incorpore a questão do bem-estar social, pode captar apenas uma parte das interações relevantes dentro do sistema. O gerenciamento adequado requer, assim, que as bacias sejam consideradas como sistemas ‘multiníveis’ que incluam água, solo e componentes sócio-políticos internos e externos. Dessa forma, uma “bacia” característica seria a sobreposição de sistemas naturais e sociais. O sistema natural estaria definido nas bases aquáticas e terrestres (fauna, flora, recursos aquáticos e minerais). O sistema social determinará como essas bases serão utilizadas. Políticas governamentais enquanto uma extensão da organização social e institucional influenciam padrões locais de utilização dos recursos naturais.
Do ponto de vista da hidrologia, segundo Tucci (apud CALASANS et al, 2003,
p. 588-589 apud ALVARENGA, 2007), a bacia hidrográfica pode ser entendida como
“uma área de captação natural da água da precipitação que faz convergir os
escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório. A bacia hidrográfica
compõe-se, basicamente, de um conjunto de superfícies vertentes e de uma rede de
drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar um leito único no
entrada é o volume de água precipitado e a saída é o volume de água escoado pelo
exutório”.
Por não coincidir com a divisão político-administrativa do País, a implementação da gestão de recursos hídricos por bacia cria um conflito potencial entre os entes que integram o SINGREH. Os chamados órgãos gestores de recursos hídricos devem agora abrir mão de sua autonomia administrativa sobre a gestão dos recursos hídricos em território estadual para compartilhá-la com a nova instância deliberativa representada pelos Comitês de Bacia (ALVARENGA, 2007).
Podemos definir bacia hidrográfica ou bacia imbrífera como um curso d’água
cuja área da superfície do solo é capaz de coletar a água das precipitações
meteorológicas e conduzi-las ao curso d’água. A determinação é feita por cartas
topográficas com curvas de nível e identificação dos espigões, e consideração das
áreas a montante do local onde se analisa o aproveitamento (REIS, 2003).
No Estado de Mato Grosso, os rios possuem características específicas e
ligações com os locais por onde drenam que acabam representando, por si só, uma
unidade hidrográfica, denominada de sub-bacia, caso da sub-bacia do rio Juruena.
Trabalhando com a questão de sustentabilidade, uma sub-bacia constitui-se
em uma unidade menor da bacia hidrográfica, composta por um rio principal, rios e
córregos que a formam, além de lagos, solos, subsolo, atmosfera, fauna, flora e
atividades humanas, cujas relações determinam o seu efetivo uso e interferem na
qualidade e quantidade de água disponível (MORENO; HIGA, 2005).
Adicionalmente, a bacia hidrográfica, além de se apresentar como novo
cenário da gestão ambiental é também palco da gestão de conflitos, relacionados
com os aspectos quantitativos e qualitativos da água (RIO; MOURA, s.d.: 15 apud
ALVARENGA 2007). Nesse contexto, ao lado dos chamados conflitos institucionais,
interagem os conflitos sociais, decorrentes, por um lado, das diferentes pretensões
setoriais quanto ao uso da água e, por outro, da compreensão do meio ambiente
como uma construção social (ALVARENGA, 2007).
A área deste estudo é a sub-bacia hidrográfica do rio Juruena,
especificamente do Alto rio Juruena, onde se localizam as propostas das oito
“Complexo Energético Juruena”. A área para licenciamento foi a definida pelo Estudo
de Inventário Hidrelétrico da Bacia do Rio Juruena: Consórcio Juruena.
Tabela 1 – Bacias Hidrográficas do Estado de Mato Grosso
CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME CÓDIGO NOME
151.0 RIO MAMORÉ 151.1 RIO GUAPORÉ
157.0 RIO ARIPUANÃ 157.0 RIO ARIPUANÃ
158.0 RIO ROOSEVELT 158.0 RIO ROOSEVELT
171.0 171.1 ALTO JURUENA
171.2 RIO DO SANGUE
171.3 COMPLEMENTAR
171.4 MÉDIO JURUENA
171.5 BAIXO JURUENA
174.0 174.1 TELES PIRES ALTO
174.2 TELES PIRES MÉDIO
174.3 TELES PIRES BAIXO
184.0 184.1 RIO XINGU
184.2 RIO RONURO / RIO BATOVI
184.3 COMPLEMENTAR
185.0 MÉDIO XINGU 185.1 COMPLEMENTAR
240.0 ALTO ARAGUAIA 240.0 ALTO ARAGUAIA
24 250.0 MÉDIO ALTO ARAGUAIA 250.0 MÉDIO ALTO ARAGUAIA
A 260.0 260.1 COMPLEMENTAR/CRISTALINO
26 260.2 RIO DAS MORTES
260.3 COMPLEMENTAR/TAPIRAPÉ
270.0 MÉDIO BAIXO ARAGUAIA 270.0 MÉDIO BAIXO ARAGUAIA
660.0 RIO PARAGUAI ALTO 660.0 RIO PARAGUAI ALTO
661.0 RIO CUIABÁ ALTO 661.0 RIO CUIABÁ ALTO
663.0 AFLUENTES RIO CUIABÁ-ME 662.0 AFLUENTES RIO CUIABÁ-ME
664.0 CUIABÁ/PARAGUAI-PANTANAL 663.0 CUIABÁ/PARAGUAI-PANTANAL
FONTE: CNEC, 2000
RIO ARAGUAIA 17 ALTO PARAGUAI RIO XINGU RIO TAPAJÓS RIO JURUENA
RIO TELES PIRES
ALTO XINGU
MÉDIO ARAGUAIA
15 RIO MADEIRA
6 RIO PARANÁ
1 RIO AMAZONAS
2 RIO TOCANTINS
66 18
O rio Juruena (foto 1) é afluente pela margem esquerda do rio Teles Pires,
tributário do rio Tapajós, pertencente à sub-bacia № 17, bacia hidrográfica do rio
Amazonas, (bacia № 1), desenvolvendo-se no sentido Sul-Norte. Com uma área de
drenagem total de cerca de 193.000 km² e extensão de cerca de 970 km, seus
principais cursos d’água são os rios Juína Mirim, Camararé e Juína, pela margem
esquerda, e os rios Arinos, do Sangue e Papagaio, pela margem direita. Tem suas
nascentes na vertente norte da Chapada dos Parecis, no município de Pontes e
Lacerda, a 750 m de altitude, e sua foz no rio Teles Pires, no município de Apiacás,
Foto 1 - Margem do rio Juruena2
Fonte: Foto da JGP (JGP, 2007).
Conforme dados da SEMA/MT, o Alto Rio Juruena tem ainda como tributários
os rios Iquê, Juína, e Vermelho. A área total de 64.309,44 km² compreende, no total
ou em parte, aos municípios de Castanheira, Juara, Juína, Brasnorte, Sapezal,
Comodoro, Campos de Júlio, Conquista do Oeste, Pontes e Lacerda, Aripuanã,
Campo Novo dos Parecis, Nova Lacerda, Vale de São Domingos e Tangará da
Serra. O Baixo Rio Juruena faz a divisa do Estado de Mato Grosso com o Estado do
Amazonas. Neste setor seus principais tributários são os rios São Tomé, Santana, e
Matrinxã. A área total da bacia que drena para o Baixo Juruena está estimada em
29.490,08 Km² e compreende, no total ou em parte, aos municípios de Juara, Nova
Monte Verde, Nova Bandeirante, Juruena, Cotriguaçú e Apiacás.
O rio Juruena apresenta expressivo potencial hidrelétrico, devido às
características que o compõem, como as duas cachoeiras naturais com grande
desnível (Cachoeirão e Juruena), além de ser um rio cujo leito apresenta-se bem
2 Planície de inundação alagadiça na margem do rio Juruena com formações pioneiras fluviais
“encaixado” na topografia da região (toponímia), e, em condições ambientais pouco
afetadas. As águas são limpas, pois o rio não tem outra utilização que não aquela
dada pela natureza. E segundo a ANEEL, as PCHs possibilitam melhor atendimento
às necessidades de pequenos centros urbanos e regiões rurais, devido,
principalmente, no caso de Mato Grosso, a uma vasta e complexa rede hidrográfica
com vazões e outras circunstâncias adequadas a esse tipo de empreendimento.
Fato observado para a implantação de empreendimento como o Complexo
Juruena, segundo a ANEEL, em virtude da vazão regularizada dos rios do Mato
Grosso que nascem no Planalto dos Parecis, os quais possuem muitas quedas e
bom desnível entre a nascente e a foz, facilitando a construção de PCHs, sem a
necessidade de grandes reservatórios (ALMEIDA, 2004).
Figura 1 - Estado de Mato Grosso e hidrografia
Figura 2 - Trecho do rio Juruena e tributários/MT
Fonte: http: //monitoramento.sema.mt.gov.br/website/MTSAT/viewer.htm
1.3 Empreendimento do Setor Hidrelétrico
A energia elétrica de origem hidráulica é uma das mais utilizadas no mundo,
representando cerca de 20% da eletricidade gerada no planeta e sendo a segunda
maior fonte de geração de energia elétrica (TOLMASQUIM, 2005). No caso brasileiro
representa cerca de 90% e é a principal fonte geradora da eletricidade produzida.
A produção de energia elétrica depende de diferentes fatores, como a vazão
de água efetivamente usada para produzir a energia mecânica que acionará o
gerador elétrico. Esta vazão recebe o nome da vazão turbinável (ou turbinada), pois
deverá acionar a turbina que transmitirá energia ao gerador. O valor da vazão
turbinável e suas características ao longo do tempo estarão relacionados com o tipo
de aproveitamento (a fio d´água ou com reservatório), com regularização (se
produção de energia elétrica. Com a produção apenas para a produção de energia
elétrica, toda a vazão poderá ser turbinada. Já em um aproveitamento que
contemple irrigação, navegação e geração de energia elétrica, a vazão turbinável
poderá ser apenas parte da vazão regularizada total (REIS, 2003).
Em uma central hidrelétrica, a água aciona uma turbina hidráulica, um gerador
elétrico para produção de energia elétrica. A turbina hidráulica efetua a
transformação de energia hidráulica em mecânica, sendo o mesmo princípio da roda
d’água que movimentada pela água, faz gira um eixo mecânico (REIS, 2003).
Usinas hidrelétricas possuem um custo de investimento bastante variável em
função do tamanho do reservatório, caso dos custos baseados nas obras civis de
grandes reservatórios (REIS, 2005).
1.4 Pequenas Centrais Hidrelétricas/PCHs
PCHs3 são aproveitamentos que tem potência entre 1 e 30 MW e área
inundada até 3,0 km², delimitada pela cota d’água associada à vazão de cheia com
tempo de recorrência de 100 anos (TOLMASQUIM, 2005).
As principais características das PCHs são: possuir rápida entrada no sistema
de potência e flexibilidade para mudar rapidamente a quantidade de energia
fornecida ao sistema devido às mudanças na demanda (uma característica útil para
aumentar o rendimento e melhorar o desempenho de um sistema elétrico
interligado); apresentar baixos custos de operação e manutenção, como de
produção de energia; e apresentar características mais suaves de inserção
ambiental (REIS, 2003).
Assim, em janeiro de 2000, a ELETROBRÁS lançou as diretrizes para
“Estudos e Projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas”, com as atividades
necessárias para a viabilização dos projetos de pequenas centrais hidrelétricas,
3
desde sua fase de identificação até sua implantação, incluindo também os aspectos
metodológicos (TOLMASQUIM, 2005).
A classificação de PCHs proposta pela ELETROBRÁS são: 1. quanto à
capacidade de regularização; 2. quanto ao sistema de adução; quanto à potência
instalada e quanto à queda de projeto.
Quanto à capacidade de regularização do reservatório podem ser: a fio
d’água; de acumulação, com regularização diária do reservatório; e de acumulação,
com regularização mensal de reservatório (TOLMASQUIM, 2005).
Quanto ao sistema de adução existem dois tipos: adução em baixa pressão
com escoamento livre em canal/alta pressão em conduto forçado; e adução em
baixa pressão por meio de tubulação/alta pressão em conduto forçado. A escolha de
um ou outro tipo dependerá das condições topográficas e geológicas que o local do
aproveitamento apresente, como do estudo econômico comparativo (TOLMASQUIM,
2005).
Quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto, a tabela a seguir
classifica as PCHs. Deve-se considerar, no entanto, os dois parâmetros
conjuntamente, pois isoladamente não permitem uma classificação adequada
(TOLMASQUIM, 2005).
Tabela 2 - PCHs quanto à potência instalada e quanto à queda de projeto
CLASSIFICAÇÃO POTÊNCIA – P QUEDA DE PROJETO - Hd (m)
DAS CENTRAIS (kW) BAIXA MÉDIA ALTA
MICRO P < 100 Hd < 15 15 < Hd < 50 Hd > 50
MINI 100 < P < 1.000 Hd < 20 20 < Hd < 100 Hd > 100
PEQUENAS 1.000 < P < 30.000 Hd < 25 25 < Hd < 130 Hd > 130
Nas oito PCHs4 que serão implantadas no rio Juruena e estudadas nessa
dissertação, o tipo de PCH a ser desenvolvida será a fio d’água, de adução em baixa
pressão por meio de tubulação em conduto forçado e pequena (entre 1 e 30 MW).
Esse tipo de PCH é empregado quando as vazões de estiagem do rio são
iguais ou maiores que a descarga necessária à potência a ser instalada para atender
à demanda máxima prevista. Nesse caso, despreza-se o volume do reservatório
criado pela barragem. O sistema de adução deverá ser projetado para conduzir a
descarga necessária para fornecer a potência que atenda à demanda máxima. O
aproveitamento energético local será parcial e o vertedouro funcionará na quase
totalidade do tempo, extravasando o excesso de água. Uma PCH a fio d’água
dispensa estudos de regularização de vazões, estudos de sazonalidade da carga
elétrica do consumidor, e facilita os estudos e a concepção da tomada d’água
(ELETROBRÁS, 2000).
A usina a fio d’água tem uma capacidade de armazenamento muito pequena
e, em geral, dispõe somente da vazão natural do curso do rio. Podem ter um
pequeno reservatório para represar água durante as horas que não são de pico para
utilizá-la nas horas de pico do mesmo dia (REIS, 2003).
As oito PCHs são:
A PCH Cidezal com potência de 17,1 MW, reservatório de 0,70 km² e 2,7 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 416,50 m, com uma
barragem e 690 m de largura total e 22,25 m de altura máxima, vazão média mensal
de 158,6 3m/s e queda bruta de 11,5 m.
A PCH Parecis com potência de 15,4 MW, reservatório de 2,88 km² e 8,50 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 346 m, com uma
barragem de 400 m de largura total e 15,40 m de altura máxima, vazão média
mensal de 187,5 3m/s e queda bruta de 9 m. O circuito hidráulico de geração,
posicionado na margem leste da calha, consiste de tomada d’água no corpo da
barragem, conectada à casa de força ao pé da barragem por uma câmara
intermediária.
A PCH Rondon com potência de 13,1 MW, com reservatório de 1,68 km2 e 11,5 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 296,50 m, com
uma barragem 420 m de largura total e 18,30 m de altura máxima, vazão média
mensal de 198,7 3m/s e queda bruta de 7 m. O circuito hidráulico de geração,
posicionado na margem oeste da calha, consiste de tomada água no corpo da
barragem, conectada à casa de força como a PCH Parecis.
A PCH Telegráfica com potência de 30 MW, reservatório de 1,07 km² e 5,9 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 289,50 m, com uma
barragem de 335 m de largura total e 17,25 m de altura máxima. A vazão média
mensal será de 04,4 3m/s e a queda bruta de 18,2 m O circuito hidráulico de
geração localiza-se na margem leste do rio e consiste de um canal de derivação com
aproximadamente 1,05 km com seção trapezoidal com 20 m de largura na base. No
extremo de jusante, o canal alimenta uma câmara de carga e condutos forçados que
conduzem a vazão derivada até a casa de força na margem do rio.
A PCH Ilha Comprida esta situada no rio Juruena, divisa dos municípios de Campos de Júlio e Sapezal (MT), terá potência de 18,7 MW, com reservatório de
2,26 km² e 8,7 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 364
m, com uma barragem de 465 m de largura total e 20,90 m de altura máxima, vazão
média mensal de 170,5 3m/s e queda bruta de 12 m. O circuito hidráulico de geração
será posicionado na margem oeste da calha. A casa de força será posicionada ao
pé da barragem.
A PCH Sapezal terá potência de 16,2 MW, com reservatório de 2,90 km2 e 7,2 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 390 m, com
uma barragem de 346 m de largura total e 19,60 m de altura máxima, vazão média
mensal de 165,7 3m/s e queda bruta de 10,5 m. A casa de força será posicionada ao
pé da barragem e na margem leste da calha do rio.
A PCH Segredo terá potência de 21,0 MW, com reservatório de 2,24 km2 e 7,6 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 379,50 m, com
uma barragem de 580 m de largura total e 24,20 m de altura máxima, vazão média
mensal de 167,7 3m/s e queda bruta de 15,5 m. O projeto viabiliza um canal de
aproximadamente 6 m a jusante. Esse canal terá cerca de 950 m de comprimento
em seção trapezoidal com 16 m de largura na base.
A PCH Divisa5está localizada no rio Formiga, a uma distância de 94,9 km de sua foz no rio Juína, formador do rio Juruena, por sua margem direita, no município
de Campos de Júlio (MT).Terá potência de 9,5 MW, com reservatório de 0,26 km² e
2,1 km de extensão. A usina deve operar em nível d’água normal de 364 m, com
uma barragem de 465 m de largura total e 20,90 m de altura máxima, vazão média
mensal de 34,2 3m/s e queda bruta de 37 m. O circuito hidráulico de geração será
posicionado na margem oeste da calha. A casa de força será posicionada ao pé da
barragem.
A seguir, o posicionamento das PCHs ao longo do rio Juruena conforme
figura 3:
5 PCH Divisa está localizada em um tributário do rio Juruena, e não no curso do rio como as outras sete. Mas foi
Figura 3 - PCHs no rio Juruena, terras indígenas e municípios
CAPÍTULO 2 – DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
2.1 Situação político-administrativa da região das oito PCHs
O trecho do Alto Juruena, com potencial para a construção de vários
aproveitamentos hidrelétricos, está na região da chapada dos Parecis e faz a divisa
entre os municípios de Sapezal e Campos de Júlio. Assim, os oito aproveitamentos
hidrelétricos localizam-se integralmente nestes municípios (JGP, 2007). Mas
próximos aos municípios de Campo Novo dos Parecis, Brasnorte, Tangará da Serra,
Diamantino e Juína, e o porquê também, da descrição desses municípios,
importantes para integração da região.
Figura 4 – Hidrografia, rodovia e terras indígenas no Estado de Mato Grosso
A região geográfica de influência do Alto Juruena tem mostrado uma grande
vocação agroindustrial, com uma produção agrícola importante, especialmente de
grãos. Há pouco mais de dez anos a soja difundiu-se velozmente, na chapada dos
Parecis, com uma área plantada de mais de 500 mil hectares, nos municípios e
cidades pioneiras de Sapezal, Juina, Campos Novos e Tangará da Serra, e com
uma produtividade média de 3.000 ton/ha, significativamente maior que as das
regiões sudeste e sul do país (JGP, 2007).
Além da soja, são destaques econômicos da região a produção de arroz, a
indústria de madeira e a criação de gado. Esta é uma das regiões de rápido
crescimento no país, principalmente por causa das atividades de exportação
baseadas na agroindústria, o que impacta diretamente o mercado de energia elétrica
regional, para o qual é previsto um crescimento superior a media do Mato Grosso
(JGP, 2007).
A base econômica dos municípios nesta região está representada pela
agricultura mecanizada, do plantio de soja, algodão, milho, arroz e milheto, onde
ocorrem os solos do tipo Latossolos Vermelho-Escuro e Vermelho-Amarelo
distróficos, de textura argilosa à média, localizados nos patamares mais elevados
dos interflúvios fluviais entre os rios Formiga, Juruena e Sapezal. Em Sapezal, o
escoamento da produção de grãos é feito de Itacoatiara, no estado do Amazonas,
por meio de hidrovia, utilizando-se o rio Madeira. No caso de indústrias, são aquelas
vinculadas as produções de grãos na região, como as de beneficiamento de arroz,
de sementes e de algodão (PCE, 2002).
A região do município de Sapezal foi utilizada por viajantes e aventureiros desde o século XVIII, mas apenas ocupada e desenvolvida a partir da abertura da
fronteira agrícola mato-grossense. O núcleo urbano de Sapezal se formou com as
famílias de agricultores que se instalaram na década de 70 nas fazendas adquiridas
em diversas regiões do município. Os agricultores foram colonos sulistas, a maioria
oriunda do norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste do
Paraná, que, embora tenham vindo para a região na época da política
governamental de colonização dos anos denominados pelos historiadores de "Febre
de Colonização", entre 1970 e 1980 não foram instalados pelas instituições
A zona urbana começou a ser povoada com a abertura da estrada MT-235
(Estrada Nova Fronteira) e do Loteamento da Cidezal Agrícola, de propriedade de
André Antônio Maggi, em meados de 1987. Com a construção do primeiro armazém
graneleiro de Sapezal: "Amaggi Armazéns Gerais", a família Ghedin foi a primeira a
se instalar na área urbana de Sapezal em 1987, Estas iniciativas do empresário
André Antônio Maggi geraram neste mesmo ano, os primeiros sinais de vida do
comércio de Sapezal e estimulou a vinda de famílias para povoar o município. (PCE,
2002).
A Lei № 6.534, de 19 de setembro de 1994, criou o município. O município de
Sapezal conta com uma população total de 7.889 habitantes, população urbana de
5.506 e população rural de 2383 habitantes, sendo a população flutuante de 1.500
habitantes. A população economicamente ativa é de 6.500 trabalhadores (PCE,
2002).
A organização da colonização e povoamento da região de Campos de Júlio
deu-se por ocasião da abertura da “fronteira agrícola mato-grossense”, ocorrida a
partir da década de setenta, no sentido sul/norte/oeste. A Lei Estadual № 5.000, de
13 de maio de 1986, criou o distrito de Campos de Júlio, com território no município
de Comodoro. Após oito anos no estágio de distrito, o povoado de Campos de Júlio
reuniu condições de reivindicar a emancipação política e administrativa,
conquistando-a no dia 28 de novembro de 1994, através da Lei Estadual № 6.561/94
(PCE, 2002).
A colonização de Juína começou a partir de 1978, quando inúmeras famílias, especialmente do centro-sul do país, migraram para a região. Em 23 de janeiro de
1976, ocorreu uma reunião no distrito de Fontanilhas, às margens do Juruena, tendo
como palco o hotel Fontanilhas. Em 10 de junho de 1979, foi criado o distrito de
Juína, com território jurisdicionado ao município de Aripuanã. Juína passou a
município em 09 de maio de 1982, com área de quase 30 mil quilômetros
quadrados, desmembrado do município de Aripuanã (PCE, 2002).
O Município de Campo Novo do Parecis foi criado por desmembramento do
Município de Diamantino. Do povo Paresi, toma o nome do município. Também do
Parecis, também denominada Chapada dos Parecis. A lei nº 5.315, de 04 de julho
de 1988, criou o município (PCE, 2002).
Do estado do Paraná vieram os primeiros trabalhadores de Brasnorte. A
maioria dos migrantes procedia de cidades e zonas rurais que foram inundadas
pelas águas do rio Paraná, por ocasião do fechamento das comportas da Usina de
Itaipu, que alagou áreas de terras. A região de Brasnorte sempre pertenceu ao
município de Diamantino. A Lei nº 4.239, de 4 de novembro de 1980, criou o distrito
de Brasnorte e a Lei nº 5.047, de 05 de Setembro de 1986 criou o município (PCE,
2002).
O povoamento da região do município de Tangará da Serra se deu a partir
do loteamento das glebas Santa Fé, Esmeralda e Justino. Em 1960, Joaquim Oléas
e Wanderley Martinez fundaram a empresa Sociedade Imobiliária Tupã para
Agricultura Ltda - SITA. O objetivo era a implantação de um pólo agrícola, face à
fertilidade do solo e clima propício da região.
A região de cabeceiras do rio Juruena, com relação ao uso está protegida
pelas Terras Indígenas Paresi e Utiariti. O entorno das cabeceiras e do curso do rio
não protegidas pelas terras indígenas estão ocupadas por atividades agrícolas e
secundariamente pela pecuária, principalmente de corte, cria e recria. Atualmente,
os agricultores e pecuaristas da região estão utilizando técnicas de manejo do solo,
tais como: plantio direto, terraceamentos, plantio em curvas de nível e rotação de
culturas (PCE, 2002).
Quanto ao suprimento de energia elétrica para estes municípios, inicialmente
foi feito através de geradores termelétricos, constituindo vários novos sistemas
isolados. Progressivamente, alguns deles passaram a ser supridos com a energia
elétrica produzida em PCHs e, mais recentemente, foram sendo interligados ao
Sistema Nacional (JGP, 2007).
O caso do município de Sapezal, criado em 1994, é atípico nesse contexto.
Inicialmente o município foi atendido pela PCH Santa Lúcia I. A partir de 1999,
passou a ser atendido também pela Usina Térmica de Sapezal, com capacidade
instalada de 9,9 MW, composta por sete geradores a diesel que queimavam uma
média de 8.000 m3 de óleo diesel por ano. Com a construção da PCH Santa Lúcia II,
geração termelétrica, reduzindo custos e a emissão de gases de efeito estufa (JGP,
2007).
Com o exemplo de Sapezal, muitos outros municípios da região passaram a
ser atendidos por PCHs. Numa etapa seguinte à progressiva substituição das
termelétricas por PCHs, a região está sendo progressivamente interligada ao SIN –
Sistema Interligado Nacional. A área é atendida pela CEMAT, através do Sistema
Comodoro. Segundo dados da CEMAT, de janeiro de 2005 a agosto de 2006 foram
registrados os seguintes valores de demanda máxima nas subestações do sistema
interligado (JGP, 2007): SE Campo Novo: 11,75 MW em março de 2005; SE
Brasnorte: 2,16 MW em agosto de 2006; SE Tangará da Serra: 22,37 MW em junho
de 2006; SE Juina: 9,38 MW em junho de 2006; e SE Sapezal + SE Campos de
Júlio: 13,88 MW em março de 2005.
Figura 5 - Trecho do rio Juruena, municípios, malha viária e terras indígenas
2.2 Situação dos grupos indígenas da região das oito PCHs
A área do Alto e Médio Rio Juruena é historicamente ocupada por diferentes
grupos indígenas. Analisando a área que será direta e indiretamente afetada pela
construção das oito PCHs, projetadas para o rio Juruena, são cinco grupos com
organização, línguas, troncos e famílias lingüísticas distintas. Ao sul, em uma
extensa faixa que segue em direção a Rondônia, estão os Nambikwara que fazem
parte de uma família lingüística com três línguas e com variações dialetais internas.
Das cabeceiras do Juruena, seguindo a norte pelo rio Buriti até a foz no rio
Papagaio, uma ampla faixa de terra a leste, habitada pelos Paresi, que falam o Paresi, tronco lingüístico Aruak (MAPPA, 2007).
A faixa de terra ao norte do território Paresi, tendo como limite oeste o Rio
Papagaio e seguindo para leste, era ocupada pelos Menky (Manoki/Irantxe).
Descendo o rio Juruena em direção ao norte, o território dos Rikbaktsa, que se estendia nas duas margens do rio até próximo à atual divisa do estado do
Amazonas, e que falam uma língua específica dentro do tronco lingüístico Macro-jê.
E ao norte da área dos Nambikwara, estão os Enawenê-Nawê, de tronco Aruak, e
tal como os Paresi, mas com uma língua própria (MAPPA, 2007).
As descrições mostram que há entre os grupos um território próprio com
estratégias distintas de sobrevivência que os diferenciam, e isto ocorre por ser esta
uma região com área de cerrado, de floresta amazônica e outras de transição de um
para outro bioma. É, portanto, possível identificar grupos que ocupam mais
definidamente o Cerrado, caso dos Paresi e alguns subgrupos dialetais Nambikwara;
e ao norte os Rikbaktsa que ocupam a área de várzea e floresta. Cada um
desenvolvendo técnicas próprias nas roças, caça e coleta. A localização territorial
dessas etnias na região da bacia hidrográfica do rio Juruena está representada na
Figura 6 - Grupos Indígenas na região do Alto Rio Jurena
Na região desses cinco grupos indígenas, são onze terras indígenas definidas
pela FUNAI: TI Nambikwara, TI Tirecatinga, TI Pirineus de Souza, TI Paresi, TI
Juininha, TI Uirapuru, TI Utiariti, TI Erikbaktsa, TI Japuíra, TI Enawenê-Nawê e TI
Menku conforme Tabela 3:
Tabela 3 – Caracterização das Terras Indígenas na região das oito PCHs
Terra Indígena Área (ha) Situação Jurídica Sociedade Iindígena (07/2006)Índios Administração Funai
Enawenê-Nawê* 742.088,7 Regularizada Enawenê-Nawê 490 Juina
Juininha 70.537,5 Regularizada Paresi 90 Tangará da Serra
Paresi 563.586,5 Regularizada Paresi 913 Tangará da Serra
Uirapuru 21.680,0 Identificada Paresi 23 Tangará da Serra
Utiariti 412.304,2 Regularizada Paresi 318 Tangará da Serra
Nambikwara 1.011.961,0 Regularizada Nambikwara 388 Vilhena (RO)
Pirineus de Souza* 28.212,0 Regularizada Nambikwara 372 Vilhena (RO)
Tirecatinga 130.575,2 Regularizada Nambikwara 177 Tangará da Serra
Menku* 47.094,9 Regularizada Menky 105 Tangará da Serra
Erikbaktsa 79.934,8 Regularizada Erikbaktsa 729 Juina
Japuira 152.509,9 Regularizada Erikbaktsa 301 Juina
TOTAL 3.260.484,7 - - 3.906
Fonte FUNAI, 2006 / MAPPA, 2007.
2.2.1 Territorialidade dos cinco grupos indígenas envolvidos na região do empreendimento6:
Nambikwara
Os Nambikwara, do grupo lingüístico Nambikwara, também conhecidos como
Cabixis tinham grande território localizado entre o noroeste do Mato Grosso e o sul
de Rondônia. Hoje os Nambikwara estão na região do vale do Guaporé e em parte
da Chapada dos Parecis, onde as TIs Nambikwara, Pirineus de Souza e Tirecatinga
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