• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO"

Copied!
249
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli

Técnica civil de identificação de direito à imagem

Doutorado em Direito

São Paulo

(2)

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli

Técnica civil de identificação de direito à imagem

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito na área de concentração de Direito Civil – efetividade do Direito, sob orientação da Professora Doutora Rosa Maria de Andrade Borriello Nery.

São Paulo

(3)

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli

Técnica civil de identificação de direito à imagem

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito na área de concentração de Direito Civil – efetividade do Direito, sob orientação da Professora Doutora Rosa Maria de Andrade Borriello Nery.

Aprovado em: ____/ de ____________ de 2015.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

(4)

4

RESUMO

Objetivo: O trabalho tem como objetivos (i) demonstrar que nem todas as características dos direitos de personalidade se confirmam de forma efetiva no exercício cotidiano do direito à imagem no momento contemporâneo; (ii) evidenciar que a utilização econômica é uma realidade inexorável que exige a definição de novos contornos do direito à imagem; (iii) propor a identificação dos limites ao direito à imagem enquanto situação jurídica absoluta; (iv) propor a identificação de princípios aplicáveis às relações jurídicas que tenham com objeto à utilização econômica do direito à imagem. Justificativa: O direito à imagem conquistou sua autonomia em relação aos demais direitos de personalidade e no Brasil foi erguido à condição de direito fundamental. O Código Civil tratou no direito à imagem no artigo 20 que é objeto críticas doutrinárias e grandes disputas judiciais, tendo sido desafiado quanto sua constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4815 que tinha como pano de fundo a necessidade de autorização para a produção de biografias estabeleceu racional de ponderação entre os direitos fundamentais de liberdade de expressão e à imagem, reconhecendo a precedência daquela liberdade sobre esse direito. A civilística pode identificar limites aos direito à imagem na produção de conteúdos que materializam a liberdade de expressão sem que se tenha que recorrer às técnicas de solução de conflitos aparentes entre direitos constitucionais. Hipótese: O trabalho traz como hipótese a afirmação de que o direito à imagem, tal qual o direito de autor, é um direito de personalidade que admite a identificação de limites ao seu exercício bem como que se estabeleçam com ele relações jurídicas de caráter econômico, sem que se destrua o núcleo essencial do direito ou se negue sua natureza jurídica. Aspectos teóricos e metodológicos: Desenvolveu-se uma avaliação do direito à imagem de modo a identifica-lo primeiramente como uma situação jurídica ao invés de um direito subjetivo, para em seguida, integrá-lo ao patrimônio da pessoa. Utilizou-se os métodos das regras de evidência, análise e síntese para demonstrar a ausência da aparente unanimidade sobre as características do direito à imagem. A casuística, a jurisprudência e os paradigmas de direito estrangeiro foram elementos adicionais para ilustrar a hipótese. Resultado: Os resultados obtidos foram a identificação dos limites do direito à imagem, os princípios que devem se aplicados às relações jurídicas de que seja objeto, uma proposta de revisão do art. 20 do Código Civil brasileiro e da Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça.

(5)

ABSTRACT

Objective: The study aims to: (i) demonstrate that not all features of personality rights are confirmed effectively in the daily exercise of the right of publicity in the contemporary moment; (ii) evidence that the economic use is an inexorable reality that requires the definition of new contours of the right of publicity; (iii) propose to identify limits to the right of publicity; (iv) to propose the identification of principles applicable to legal relations in the economic use of image rights. Rationale: The right of publicity obtained its autonomy in relation to other personality rights and in Brazil, it was raised to a constitutional fundamental right. The Civil Code treated the right of publicity in Article 20 that is subject to severe critics from the doctrine and cause several disputes in Courts, having been challenged its constitutionality. The Federal Supreme Court in the trial of ADI 4815 that had as its backdrop the need for authorization to produce biographies established rational balance between the fundamental rights of freedom of speech and right of publicity, recognizing the precedence of that freedom of speech on such right. The civil law operation can identify limits to the right of publicity in the production of contents that materialize the freedom of speech without having to seek for solution trough some resolution conflict techniques of constitutional rights. Hypothesis: The work brings as hypothesis that the right of publicity, like author’s rights, is a personality right that allows the

identification of limits to its exercise and to be subject of civil agreements with economic content, without destroying the core of such right or denying its legal nature. Theoretical and methodological aspects: This study develops an evaluation of the rights of publicity in order to initially identify it as a kind of ‘legal status’ rather than subjective rights, to then integrate it into the personal assets of the person. Methods of the rules of evidence, analysis and synthesis were used to demonstrate the absence of apparent unanimity about the characteristics of the publicity rights. The case law, jurisprudence and the paradigms of foreign law were additional elements to illustrate the hypothesis. Result: The result was the identification of the boundaries of image rights, the principles that should be applied to relations that the image is the object, a proposal for a revision of Article 20 of the Brazilian Civil Code and of the Precedent 403 of the Superior Court of Justice.

(6)

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...

1. DIREITOS DE PERSONALIDADE E DIREITOS À IMAGEM...

1.1 Direitos de personalidade da pessoa humana... 1.1.1 Personalidade e direito de personalidade... 1.1.2 Direito da personalidade, natureza jurídica e estrutura... 1.1.3 Direitos de personalidade, direitos subjetivos e situação jurídica... 1.1.4 Direitos de personalidade natos e adquiridos... 1.1.5 Direitos de personalidade e direitos fundamentais... 1.1.6 Direitos de personalidade e o Código Civil brasileiro... 1.1.7 Direito à imagem – Conceito... 1.1.7.1 As teorias sobre o direito à imagem... 1.1.7.1.1 O direito à imagem como bem jurídico integrante do patrimônio da pessoa humana... 1.1.7.1.2 O dano por violação do direito à imagem... 1.1.8 Distinção entre direito à imagem e direito da imagem... 1.1.8.1 Direito à imagem e fotografia... 1.1.8.2 Direito à imagem e audiovisual... 1.1.8.3 Direito de fixação da imagem – Extensão do direito à imagem e consentimento ...

1.2 Direito à imagem e pessoa jurídica...

2. OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E O DIREITO À IMAGEM NO DIREITO ESTRANGEIRO...

2.1 Alemanha... 2.2 Argentina... 2.3 Espanha... 2.4 França... 2.5 Itália... 2.6 Portugal... 2.7 Estados Unidos da América...

9

13

13 13 14 18 22 24 27 32 33

35 37 39 39 43

48 53

57

(7)

2.8 Reino Unido... 2.9 Avaliação do direito estrangeiro...

3. O DIREITO À IMAGEM E UTILIZAÇÃO ECONÔMICA...

3.1 A utilização econômica do direito à imagem sem autorização prévia –

Doutrina, jurisprudência e limites... 3.1.1 Aparente conflito entre o STJ e o STF sobre competência em matéria recursal dos recursos de ponderação de violação de direitos da personalidade...

3.1.2 Imagens utilizadas sem fins comerciais em produção de conteúdos com fins comerciais ou econômicos... 3.1.2.1 A produção de conteúdos documentários ou factuais... 3.1.2.1.1 O julgamento da ADI das biografias no STF... 3.1.2.1.2 Consequências do resultado do julgamento da ADI 4815 para o uso não autorizado da imagem da produção de conteúdos de documentários e factuais –

Limite imanente do direito à imagem e tratamento preferencial da liberdade de expressão e comunicação... 3.1.3 Direito de resposta e a violação ao direito à imagem... 3.1.4 Uso da imagem para conteúdos críticos, humor e paródias... 3.1.5 Imagem da pessoa pública, famosa ou notória e acontecimentos públicos... 3.1.6 Interesse da produção cultural, científica e educativa... 3.1.6.1 Produção cultural... 3.1.6.2 Produção científica... 3.1.6.3 Produção educativa... 3.1.6.4 Limitações ao direito à imagem nos conteúdos culturais, científicos e educacionais (e ficcionais)...

4. FUNDAMENTOS DOS LIMITES DO DIREITO À IMAGEM PARA FINS DA UTILIZAÇÃO ECONÔMICA COM BASE NOS LIMITES DOS DIREITOS DE AUTOR...

4.1 Direitos conexos de artistas e intérpretes como uma evidência inequívoca da intersecção entre o direito de autor e o direito à imagem...

79 81

82

82

82

86 87 98

109 114 120 135 137 137 139 140

141

145

(8)

8

5. UTILIZAÇÃO ECONÔMICA CONSENTIDA – RELAÇÕES JURÍDICAS DE DIREITO DE IMAGEM...

5.1 Direito à imagem e sua utilização econômica negocial... 5.2 Contratos usuais de direito à imagem... 5.2.1 Contratos de imagem nos esportes... 5.2.2 Contratos de imagem na produção de conteúdos informativos, culturais e artísticos...

5.2.3 Questões tributárias e trabalhistas relativas aos rendimentos obtidos com contratos de imagem...

6. O RECONHECIMENTO DE LIMITES DE UTILIZAÇÃO NÃO AUTORIZADA DA IMAGEM...

6.1 Limites do direito à imagem...

7. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS DECORRENTES DO DIREITO À IMAGEM...

7.1 Princípios gerais aplicáveis aos contratos de direito à imagem... 7.2 Princípios específicos aplicáveis aos contratos de direito à imagem...

CONCLUSÃO – TESES...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...

ANEXOS... 163

163 172 172

174

182

185

185

193

193 194

199

215

(9)

INTRODUÇÃO

O direito à imagem, uma espécie do gênero direitos de personalidade, tem importância crescente, ao lado dos direitos à intimidade, à honra e à privacidade, diante do fenômeno que se usou chamar da era sociedade da informação. A era da sociedade da informação vem evoluindo para a chamada era dos conteúdos. A palavra conteúdo – ainda que vazia de força semântica, uma vez que um conteúdo é algo que se presta sempre a preencher um espaço delimitado que o conforma, dependente sempre de algo que o contém – transformou-se na figura central do fenômeno comunicacional. A comunicação é entendida como a rainha, enquanto o conteúdo seria o rei, como disse uma vez Bill Gates.

A comunicação humana evoluiu da comunicação bilateral presencial, de uma pessoa humana emissora para uma receptora, para a comunicação à distância, por meio da infraestrutura de telecomunicações (telégrafo, rádio e telefonia).

As telecomunicações funcionam como dutos de comunicação interpessoal, individual, coletiva ou difusa.

O desenvolvimento de softwares de aplicação para recursos telemáticos, concebidos para processar dados eletrônicos de forma a facilitar as tarefas de utilização pelas pessoas humanas – os chamados aplicativos –, bem como a digitalização permitiram a simplificação das técnicas de criação, fixação, produção de textos, imagens, audiovisuais e música, de modo que tanto no âmbito empresarial para as pessoas jurídicas, quanto na vida das pessoas humanas de forma não empresarialmente organizada a produção de conteúdos criativos foi multiplicada. A distribuição desses conteúdos foi igualmente amplificada.

(10)

10

causa da necessidade da expansão, mas também é uma necessidade para custear a expansão. Esse é um dos paradoxos do mundo moderno. Esse paradoxo é uma das causas da discussão mundial sobre a neutralidade das redes de comunicações, bastante presente nos debates do chamado Marco Civil da Internet, no Brasil, que deu origem à Lei 12.965, de 23.04.2014, que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

Desse modo, as pessoas se tornaram produtoras de conteúdos e comunicadoras, atividade não mais adstrita às empresas de comunicação, estúdios de cinema ou produtores de obras literárias, musicais e audiovisuais. Nesse novo modelo, o conteúdo mais valorizado é o da imagem, quer seja estática (antiga fotografia) ou em movimento (o audiovisual, que é a evolução da cinematografia, que era a fotografia reproduzida em sequência e posta a movimento mecânico).

A nova realidade do fenômeno comunicacional leva a um senso comum coletivo da relativização da importância que o direito à imagem lutou para conquistar, ao adquirir sua autonomia dentre os direitos de personalidade, notadamente em relação aos direitos de privacidade, intimidade e honra. A imagem-retrato, sob certa forma uma vizinha da privacidade e intimidade, e a imagem-atributo, ligada à boa fama e respeitabilidade em paralelo com a honra, merecem ser estudadas à luz desse novo momento social e econômico. Os direitos de personalidade, enquadrados no CC nos artigos 11 a 21, têm relação com as situações jurídicas de personalidade, que têm como objeto as essências, potências e atos próprios da humanidade do ser, no dizer de Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Jr.

As pessoas querem se comunicar, querem se ver, querem se mostrar, num fenômeno social de ordem global que desafia os fundamentos que inspiraram as teorias que ajudaram a construção das sólidas bases dos direitos de personalidade. De um lado as pessoas querem preservar sua privacidade, intimidade, honra e imagem, e de outro, paradoxalmente, quem se expor. Na época em que a radiodifusão era o centro da comunicação de imagens, se dizia que, se um fato não aparecia na televisão, não havia existido. Hoje, se um fato não está retratado nas plataformas das mídias sociais, as pessoas entendem que ele não ocorreu (no sentido de não ser

relevante). E a “prova material” da existência (da relevância) desses fatos na maior parte das vezes não é um texto, mas uma imagem ou vídeo de imagens em movimento.

(11)

O direito à imagem e o direito de autor são de mesma genética, ainda que com a diferença de que o direito à imagem seja inato e o direito de autor seja adquirido após o surgimento da personalidade. Ambos os direitos são direitos essenciais.

O direito à imagem, sendo um direito de personalidade, teria como características ser direito absoluto ou oponível erga omnes, indisponível, inalienável, intransferível, irrenunciável, inexpropriável, impenhorável e imprescritível. Contudo, em atenção à regra da evidência, este trabalho desafiará a presença de algumas dessas características gerais dos direitos de personalidade no direito à imagem, na forma como tradicionalmente são descritas. O fato de que nem todas as características dos direitos de personalidade se mostram verdadeiras no direito à imagem não significa ter de excluir tal direito do seu pertencimento como uma espécie do gênero dos direitos de personalidade.

O direito de autor, que também pode se reconhecer como um direito de personalidade, encontrou soluções para se manter como pertencente a essa categoria de direitos, e, ao mesmo tempo, conseguiu organizar tanto a sua tutela autônoma (a ponto de sua violação ser considerada até mesmo um crime, pelo art. 184 do Código Penal), quanto seu aproveitamento econômico.

O direito de autor admite limites ao seu exercício, nos diversos países signatários da Conversão de Berna.

O direito à imagem não sofreria uma mitigação frente ao modo pelo qual a sociedade contemporânea o reconhece se fossem reconhecidos pela doutrina e jurisprudência e estabelecidos por lei limites para a utilização não autorizada da imagem da pessoa humana para determinadas finalidades que fossem inspiradas igualmente na busca da realização do princípio da dignidade da pessoa humana. Vale lembrar que a violação do direito à imagem-retrato não é uma infração penal. De outro lado, a usurpação do nome ou pseudônimo e a violação da honra, por meio de calúnia, difamação ou injúria, de outra face, estão capitulados como crimes. O Código Penal capitula esses tipos (calúnia, difamação ou injúria) como crimes contra a honra e não contra a imagem-atributo, ainda que se possa ver uma fronteira entre o crime de difamação e algumas das características da imagem-atributo.

(12)

12

imagem, não bastando um julgamento segundo a lei, pois a decisão devidamente fundamentada deve ser proferida de maneira justa.

O que se propõe é uma investigação, indagando desde o papel histórico à função atual do instituto, como ele é interpretado pela jurisprudência e das práticas dos negócios jurídicos relacionados ao direito à imagem no Brasil, para que se encontrem parâmetros objetivos que possam dar maior segurança jurídica ao uso da imagem das pessoas, com e sem autorização, para a realização e produção de conteúdos, inclusive para fins comerciais.

O interesse da proposição de alguns critérios mínimos da utilização da imagem ainda é reforçado pela ausência de legislação ordinária sobre essas hipóteses de limitações, ainda que se entenda que eventuais conflitos possam ser sempre dirimidos no caso concreto. A concepção de critérios objetivos e eventuais leis que se encarreguem do tema, no futuro, não são necessariamente soluções a priori de conflitos de direitos de personalidade ou de direitos fundamentais, mas um delineamento do exercício do direito à imagem tal e qual ele ocorreu com os direitos de autor.

(13)

1. DIREITOS DE PERSONALIDADE E DIREITOS À IMAGEM

1.1 Direitos de personalidade da pessoa humana

1.1.1 Personalidade e direito de personalidade

A teoria jurídica da personalidade tem origem no Direito Romano, conferida às pessoas humanas dotadas do status libertatis, status civitatis e status familiae1.A personalidade

é um fenômeno de investidura dos sujeitos, é um quid2que faz com que algo seja pessoa3, cuja

teoria não se confunde com a teoria geral dos direitos de personalidade4.

Personalidade jurídica é algo muito próximo da capacidade jurídica, sendo a essência de uma simples qualidade jurídica, não estando constituída naturalmente, no dizer de Adriano de Cupis5, sendo, portanto, um produto do direito positivo. Esse ponto já começa a evidenciar

a distinção entre personalidade e direitos de personalidade.

Direito de personalidade e personalidade são temas, portanto, distintos, inserindo-se o

primeiro na “teoria geral do direito de personalidade” e o segundo na “teoria geral do direito privado”, não podendo ser tratados de forma unitária, em conjunto.

Assim, os direitos de personalidade têm relação com a inerência do ser humano6

dotado de corpo e espírito, e a personalidade é o reconhecimento ou atribuição do ser pelo direito positivo.

1 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. p. 15.

2“Pessoa e sujeito, no plano jurídico, são conceitos equivalentes. Personalidade vem a ser então aptidão para ser

pessoa” (MORAES, Walter. Concepção tomista da pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade.

Revista de Direito Privado, abr.-jun. 2000, vol. 2, p. 189; o artigo é reprodução da publicação original na Revista dos Tribunais, vol. 590, p. 14-24).

3 ANDRADE NERY, Rosa Maria; NERY JR., Nelson. Instituições de direito civil. vol. 1, t. II: Parte Geral. p. 12. 4Idem, p. 6: “Estudar pessoa e personalidade em Teoria Geral do Direito Privado é estudar o sujeito de direito, ou seja, é pesquisar a natureza daquele que realiza os atos, o senhor dos atos, os entes dotados de personalidade jurídica e de poder para atuar no mundo fenomênico do direito: as pessoas naturais e as pessoas jurídicas”. Citando Walter de Moraes, os autores esclarecem que “personalidade é aptidão para ser pessoa, ou – o que é equivalente – aptidão para ser sujeito de direitos e de obrigações na ordem jurídica. Direito de personalidade tem outro sentido. É uma das disciplinas que compõem o direito civil. (...) Os objetos do direito de personalidade estão

na natureza humana, não na pessoa” (p. 8-9).

5 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. p. 13.

6 Para um estudo complementar filosófico do tema sobre a nossa humanidade ver WOLFF, Francis. Nossa humanidade: de Aristóteles às neurociências. Diz Wolff: “A definição do homem (a difícil união de duas

substâncias totalmente heterogêneas) permite um ganho que chamamos de ‘distância epistemológica’: o duplo

distanciamento do sujeito em relação ao objeto e do objeto em relação ao sujeito. Por um lado, como o sujeito da Ciência não é geometrizável, está protegido de toda objetivação possível; por outro lado, o objeto da Ciência –

(14)

14

1.1.2 Direito da personalidade, natureza jurídica e estrutura

A discussão doutrinária das diferentes posições a respeito da natureza jurídica dos direitos de personalidade foi resenhada por Carlos Alberto Bittar7 desde a fase inicial, em que

se negava sua existência como direito subjetivo (na visão de Thon, Unger, Jellinek, Ennecerus, Crome, Oertman, Von Thur, Ravá, Somonceli, Cabral de Moncadae Orgaz), tendo sido superada, resultando no reconhecimento efetivo, baseando-se em De Cupis, Tobeñas, Raymond Lindon, Ravanas, Perlingieri, Limongi França, Milton Fernandes, Orlando Gomes e outros tantos. Os direitos de personalidade são também reconhecidos como direitos essenciais, no dizer de Adriano de Cupis8, ao ensinar que “todos os direitos, na medida em que destinados a dar

conteúdo à personalidade, poderiam chamar-se ‘direitos da personalidade’. No entanto, na linguagem jurídica corrente esta designação é reservada àqueles direitos subjectivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o ‘minimum’ necessário

imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjectivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São os chamados ‘direitos essenciais’ com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade.” De Cupis ainda os classifica como direitos subjetivos, e não como

situação jurídica, onde melhor se enquadram tais direitos essenciais, tema que será tratado mais adiante.

A centralidade na humanidade de cada um é fator distintivo dos direitos de personalidade, como adverte Rosa Maria de Andrade Nery9, uma vez que a ofensa a um desses

que a natureza é, portanto, corpo, nada mais do que corpo, então está certo tratar todos os corpos igualmente” (p.

237).

7 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 34-35. “A tese que prevalece considera que são direitos ínsitos na pessoa, em função da sua própria estrutura física, mental e moral. Daí, são dotados de certas particularidades que lhes conferem posição singular no cenário dos direitos privados, de que avultam desde logo as seguintes, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade, que se antepõem, inclusive como limites à própria ação

do titular”.

8 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade cit., p. 17.

(15)

direitos corresponde à quebra da unidade da natureza humana, que se reúne numa substância composta de espírito e matéria.

A visão tomista de Walter Moraes10, adotada por Rosa Maria de Andrade Nery,

auxiliará não apenas para a compreensão de onde se ligam os direitos de imagem-retrato e imagem-atributo que serão tratados mais adiante, como também para a compreensão da razão de os direitos de personalidade se enquadrarem não como direitos subjetivos, mas sim como situações jurídicas existenciais (ou extrapatrimoniais), conforme desenvolvido a seguir. No mesmo sentido San Tiago Dantas11, que considera que esses direitos são atributos inerentes à

condição humana, e Jorge Miranda12, que os considera posições jurídicas inerentes e

fundamentais ou condições essenciais do seu ser.

Os direitos de personalidade consideram a pessoa tomada em si mesma, na integridade do corpo (a vida, a higidez física, a intimidade) e do espírito (a intelectualidade), mais suas projeções no ambiente social (o segredo, o respeito, a honra).13

Quanto à classificação dos direitos de personalidade, Carlos Alberto Bittar adota, após inúmeros estudos e trabalhos sobre os diversos aspectos dos direitos da personalidade, a

enunciação de que “os direitos da personalidade devem provir da natureza dos bens integrantes,

distribuídos em: a) direitos físicos; b) direitos psíquicos e c) direitos morais,” abonando-se em

Rubens Limongi França. Entende que “nessa classificação toma-se, de início, a pessoa como ser individual, destacando-se seus dotes físicos, ou atributos naturais em sua composição corpórea (ou conformação física). São os elementos extrínsecos da personalidade. Depois, volvendo-se para seu interior, encontram-se os direitos psíquicos, ou atributos da inteligência ou do sentimento. São os elementos intrínsecos ou íntimos da personalidade (que compõem o psiquismo humano). De outro lado, à vista da consideração da pessoa como ser social,

cidadania. Pelo aspecto do direito privado, possibilitam a defesa de dignidade da pessoa humana enquanto sujeito

de direitos e a identificação de objetos que respeitam à sua natureza humana” (ANDRADE NERY, Rosa Maria

de. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. p. 285).

10“Os bens que em Direito se qualificam como de personalidade são partes integrantes do homem in natura. Com efeito, excluam-se das extensas relações de bens de personalidade (supra, n. 1) os que extravasam limites da individualidade humana, também os simples desdobramentos de componentes fundamentais e algumas extravagâncias do entusiasmo teórico avaliáveis de pronto, e teremos alguns poucos direitos básicos, estes admitidos pela communis opinio doutrinária: o corpo (saúde etc.) e a psique (integridade psíquica), que são substâncias, a vida que é a essência da psique, a obra dita do espírito, que é ato de potência intelectiva, a imagem que é propriedade do corpo (visibilidade), a condição de família, que é a propriedade da potência generativa (congeneratividade), a liberdade e a dignidade, que são propriedades da anima intelectiva, a identidade (verdade pessoal, nome) e a intimidade (incomunicabilidade ontológica), que são propriedades de todo humano – além de

outros cuja qualificação como bens e direitos de personalidade ainda é discutida” (MORAES, Walter. Concepção

tomista da pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade. Revista de Direito Privado, abr.-jun. 2000, vol. 2, p. 187-204).

(16)

16

localizam-se os direitos morais, correspondentes a qualidades da pessoa em razão de valoração na sociedade, em face de projeções e emanações (ou manifestações) em seu contexto. Respeitam, pois, atributos da pessoa em sua conceituação pela coletividade.” 14

Diversos doutrinadores, como Adriano de Cupis, Pontes de Miranda, Orlando Gomes, Francisco Amaral, Rubens Limongi França, Carlos Alberto Bittar e Renan Lotufo, desenvolveram elencos de categorização e classificatórios, mais ou menos detalhados, sobre os direitos de personalidade. Essas enumerações são de certa maneira semelhantes15 e não

guardam interesse relevante para o objeto deste estudo, sendo que muitas vezes sua importância prática é questionável16, com o que se pode concordar.

O direito à imagem, quanto à estrutura, tradicionalmente divide-se em duas teorias: a dualista e a monista. A teoria dualista, com forte influência do modelo norte-americano, separa o aproveitamento econômico do direito à imagem (right of publicity, que é um property right) do direito de personalidade à imagem (right of privacy, que é um personality right). A teoria monista é adotada pela maioria dos países europeus e latino-americanos, inclusive o Brasil, ainda que seja reconhecido o aproveitamento econômico da imagem. Todavia, esse reconhecimento está ligado à regra de que o aproveitamento econômico se subordina ao consentimento, sem a admissão de se tratar de um direito autônomo.17

Há certa semelhança nessa construção dualismo e caráter dual dos direitos de autor, que se consolidou em reconhecer atributos extrapatrimoniais (ou morais, como se optou

14 Idem, p. 115-116.

15 Giorgi Pino faz um levantamento de vários direitos incluídos no direito de personalidade, da doutrina italiana, a partir dos ensinamentos de M. Dogliotti, Le persone fisiche, Trattato di diritto privato, diretto da P. Rescigno, vol. 2, t. I, Torino, Utet, 1992 (1. ed. 1982); P. Perlingieri, Il diritto alla salute quale diritto della personalità, Rassegna di diritto civile, 1982, p. 1035 ss.; M. Bessone, G. Ferrando, Persona fisica (diritto privato), Enciclopedia del diritto, XXXIII, 1983, p. 193-223; G. Tamburrino, Le persone fisiche, Torino, Utet, 1990, p. 77-278; G. Alpa, A. Ansaldo, Le persone fisiche. Artt. 1-10, Milano, Giuffrè, 1996; G. Giacobbe, A. Giuffrida, Le persone. vol. III –

Diritti della personalità, Torino, Utet, 2000; nonché dai capitoli dedicati ai diritti della personalità dei seguenti manuali: F. Gazzoni, Manuale di diritto privato, Napoli, ESI, 1990; M. Bessone (a cura di), Istituzioni di diritto privato, Torino, Giappichelli, 1998, a saber: “Il diritto alla vita e all’integrità fisica, le problematiche giuridiche attinenti a suicidio, eutanasia, aborto, sterilizzazione e fecondazione assistita, il diritto alla salute, la tutela

dell’ambiente, la tutela del consumatore, dell’utente di servizi radiotelevisivi e degli infermi di mente, il diritto

morale di autore, il diritto al nome, allo pseudonimo, all’immagine, ala reputazione, all’identità personale, all’identità sessuale, alla riservatezza, il diritto all’oblio, il diritto allo sfruttamento economico della propria

notorietà, nonché i più svariati diritti di libertà (diritto alla libertà personale, sessuale, religiosa, alla libera manifestazione del pensiero, alla libertà di esplicazione di attività nel campo economico e privato, alla costituzione

e alla partecipazione alle formazioni sociali” (PINO, Giorgi. Materiali per una storia della cultura giuridica 1, p. 238-239).

16A esse entendimento se filia Roxana Cardoso Brasileiro Borges quando sugere: “Talvez tenhamos que superar essa categorização das várias expressões do direito de personalidade para que a dificuldade de identificação e de

denominação não se torne obstáculo para a tutela da dignidade da pessoa humana” (BORGES, Roxana Cardoso

Brasileiro. Dos direitos da personalidade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coord.). Teoria geral do direito civil. p. 246).

(17)

chamar) e atributos patrimoniais18, de forma clara, a ponto de estarem positivados dessa forma,

tais e quais pertencentes a cada um dos lados dessa dualidade19.

Importa anotar que essas construções – monista e dualista – vêm convergindo para o reconhecimento comum de um direito autônomo à imagem que tem por objeto o aproveitamento econômico do direito à imagem por influência não apenas do direito norte-americano, mas também por se curvarem à realidade da crescente utilização da imagem como objeto de aproveitamento econômico. Esses fatos levam a disputas e tais disputas são levadas aos judiciários, que têm o dever de dar soluções às controvérsias que são postas à jurisdição. Em paralelo ao desenvolvimento da jurisprudência, doutrinadores alemães, franceses, espanhóis e italianos, por exemplo, vão encontrando sustentação às resoluções dos problemas com inspiração nas soluções dos sistemas dualistas20.

O que se constata é que, da discussão da natureza jurídica21 e da estrutura dos direitos

à imagem, as disputas entre as teorias monistas e pluralistas, naturalistas ou positivistas, começam a ficar mais para a história dos direitos de personalidade na medida em que esses direitos são encampados como direitos fundamentais, como se verá a seguir, e todos os direitos fundamentais têm como raiz fundante o princípio da dignidade da pessoa humana esculpida no art. 1.º, inciso III, da CF. Esse liame reforça o acolhimento dos direitos de personalidade como direitos essenciais inerentes à humanidade, resolvendo um pouco a celeuma entre monistas,

18 Ver FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Direito de autor Proteção e disposição extrapatrimonial. p. 59: Fração extrapatrimonial de autor e direito geral de personalidade.

19 POLLAUD-DULIAN, Frédéric. Le droit d’auteur. p. 376; CHAVES, Antonio. Direito de autor I Princípios fundamentais. p. 6-7; NEVES, Alessandra Helena. Direito de autor e direito à imagem, à luz da Constituição Federal e do Código Civil. p. 131, (notas 374 e 375 da autora), apoiando-se em José Carlos da Costa Neto, Hélio

Bicudo, Edimir Netto de Araújo, Antonio Chaves e Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli.

20 VERCELONE. Paulo. Diritti della personalità e “rights of publicity”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1995, p. 1166 e ss.; FESTAS, David de Oliveira. Do conteúdo patrimonial do direito à imagem cit., p. 394, comentando sobre a doutrina alemã as teorias monista e dualista, acrescenta que Peukert (Persönlichkeitsbezogene Immaterialgüterrechte? cit., p. 719 e ss.) é, na substância, próximo da posição de Heitmann. “Admitimos a

aproximação, mas apenas na medida em que Peukert defende o reconhecimento de um grupo especial de direitos de personalidade (designados como Persönlichkeitsverwertungsrechte an Persönlichkeitsmerkmalen), autónomos

do ‘direito geral de personalidade’ que, em seu entender, defende apenas ‘valores pessoais da personalidade’. Só da perspectiva da relação que Peukert estabelece entre o ‘direito geral de personalidade’ e os

Persönlichkeitsverwertuhgsrechte’ se pode qualificar a sua construção como dualista. Na verdade, é o próprio Peukert que (na sequência do entendimento de Götting, Persönlichkeitsrechte als Vermögesrechte, cit., p. 66 e 275 e ss.) defende que os Personlichkeitsverwertungsrechte têm uma dupla natureza: são direitos de personalidade e

direitos patrimoniais”. Ver PEUKERT, Alexander. Persönlichkeitsbezogene Immaterlaigüiterrechte? Zeitschrift für Urheber- und Medienrecht. p. 710-721; GÖTTING, Horst-Peter. Persönlichkeitsrechte als Vermögesrechte. Jus Privatum, 7, 1995.

(18)

18

pluralistas22, positivistas e naturalistas23. Isso, contudo, não impede que seja reconhecida a

utilização econômica do direito à imagem. Também não impede que o titular do direito à imagem transforme a situação jurídica que lhe dá uma posição de vantagem absoluta numa relação jurídica que lhe propicie uma vantagem patrimonial. Esse poder de transformação se realiza por meio da autonomia privada, que autoriza os sujeitos a entrarem em relações jurídicas inclusive com objetos originariamente extrapatrimoniais24.

A conclusão da perda de utilidade das disputas quanto à natureza jurídica é semelhante para o Brasil e para outros países nos quais direitos de personalidade foram trazidos à Constituição como direitos fundamentais. Sob o fundamento do direito de inviolabilidade do homem, é um marcante momento de atenção preventiva a esses direitos (atenção ex ante), onde se confere uma presunção de lesividade a determinadas ações que tangenciam as esferas mais elementares dos direitos de personalidade, como, por exemplo, a discussão bastante atual da proteção de dados pessoais25. Essa atenção preventiva se reflete tanto na jurisprudência quanto

em leis ordinárias que aos poucos vão tratando dos direitos da personalidade.

1.1.3 Direitos de personalidade, direitos subjetivos e situação jurídica

Direitos de personalidade26 são reconhecidos como direitos absolutos27, assim

considerados não aqueles que prevalecem ou têm preferência sobre outros direitos, mas no

22 Sobre as disputas das teorias monistas e pluralistas ver PINO, Giorgi. Materiali per una storia della cultura giuridica 1 cit., p. 255 e ss.

23 Sobre as teorias positivistas e naturalistas, ver BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade cit., p. 37-42. Basicamente, os naturalistas defendem que esses direitos são de humanidade, inerentes à condição humana, e os positivistas, que tais direitos necessitam ser reconhecidos pelo Estado, que lhes dá força jurídica.

24 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. p. 71.

25 PINO, Giorgi. Materiali per una storia della cultura giuridica 1 cit., p. 274.

26 Faça-se o registro de que Walter Moraes critica o nome “direitos de personalidade”, na medida em que a personalidade não deveria se identificar com a natureza em frente à pessoa, ou seja, em oposição à pessoa, posto que algo só é objeto enquanto em confronto com um sujeito. E acrescenta: “Anotada a inadequação do nomen

‘direito de personalidade’, bem como da imagem conceitual daí emergente, à realidade da correspondente relação

(n. 6) importa sem embargo reconhecer que o dito nome é, hoje, expressão geralmente empregada na doutrina e nas leis para designar os direitos que estamos a versar. É uma denominação que a terminologia jurídica assimilou aparentemente como fato consumado. Resta estarmos avisados de que estes direitos não objetivam a personalidade nem bens que a integrem, senão o composto natural do homem a que a personalidade infunde substancialidade

pessoal e determinação na linha da natureza. De sorte que o termo ‘personalidade’ ganha, aqui, acepção analógica,

referindo-se a realidades essencialmente diversas”.

27 “(...) direitos absolutos – têm por sujeitos passivos todos os membros da coletividade, ou seja, pessoa

(19)

sentido de que são oponíveis contra todos –erga omnes–, de modo que quem pratica um fato ofensivo, um fato ilícito, ao direito de que se trata responde pela ofensa28.

O caráter de absoluto pode e deve ser entendido como uma situação jurídica absoluta de vantagem do titular do direito de personalidade, em relação a todos os demais sujeitos, ou seja, uma situação jurídica absoluta (não relacional)29 e, portanto, diversa de uma relação

intersubjetiva. A adoção da solução de problemas jurídico-sociais não é mais possível pela aplicação única do conceito de direito subjetivo, decorrendo daí, em substituição, a necessidade de se adotar o conceito de situação jurídica, o que permite a atribuição de vantagens a um indivíduo em prevalência sobre quaisquer outros em relação a determinado bem, no dizer de Marcelo Benacchio30.

Os direitos chamados absolutos podem ser divididos em direitos do indivíduo como representante e integrante da espécie humana, de um lado, e direitos do indivíduo numa relação necessária com todos os grupos da sociedade.31 Ambas são condições essenciais para a

realização do indivíduo como um ser em sociedade. No primeiro grupo se podem considerar os direitos de personalidade inatos e nos segundo aqueles que dependem de ser instituídos dentro do Estado, tais como a igualdade e os direitos sociais, entre outros.

O caráter absoluto da situação jurídica de vantagem do titular do direito de personalidade não implica na ausência de possibilidade de delimitação desse direito, podendo estar contido no ordenamento32 ou configurado pela jurisprudência.

Os direitos de personalidade se enquadram como situações jurídicas extrapatrimoniais, na lição de Paul Roubier33, que conclui que a doutrina tradicional é bem fundamentada quando

deixa de mencionar direitos subjetivos em torno dos direitos de personalidade34. Nesse sentido

28 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado Parte Especial. t. VII: Direito da personalidade – Direito de família – Direito matrimonial (Existência e validade do casamento). § 727, p. 57. 29 ANDRADE NERY, Rosa Maria de; NERY JR., Nelson. Instituições de direito civil. vol.1, t. I: Teoria geral do direito privado. p. 344.

30 BENACCHIO, Marcelo. Direito subjetivo Situação jurídica Relação jurídica. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coord.). Teoria geral do direito civil. p. 200.

31 HOSTOS, Eugenio M. de. Lecciones de derecho constitucional. p. 148-149. 32 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. 1, p. 34. 33 ROUBIER, Paul. Droits subjectifs et situations juridiques. p. 366.

(20)

20

Pietro Perlingieri35 afirma que a personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor36 (o

valor fundamental do ordenamento), e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante, elástica e mutável exigência de tutela. Tais situações subjetivas, diz ele, não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo37 e não devem

fazer perder de vista a unidade do valor envolvido.

Valor e princípio são conceitos muito próximos. A diferença certamente está somente no caráter deontológico (no campo do dever ser) do segundo e axiológico (no âmbito do bom) do primeiro38. Sendo para o direito relevante o dever ser, esses direitos são princípios que foram

convertidos em direitos fundamentais, num movimento de constitucionalização do direito civil39.

As situações jurídicas extrapatrimoniais também são chamadas de situações jurídicas existenciais40, assim entendidas quando o interesse extraído de sua interpretação é de cunho não

35 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. p. 157. “Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à

existência e no livre exercício da vida de relações”.

36 Sobre o tema valores e princípios ver MÁYNEZ, Eduardo García. El problema de la objetividad de los valores. p. 86 e ss.

37 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 1: Teoria geral do direito civil. p. 119. “A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens”.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil cit., vol. 1, p. 157: “Finalmente uma palavra sobre os

direitos da personalidade. Não constitui esta ‘um direito’ de sorte que seria um erro dizer que o homem tem direito

à personalidade. Dela, porém irradiam-se direitos, sendo certa a afirmação de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações” (baseando-se em Ruggiero e Maroi, Istituzioni, § 35).

38 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 153.

39 Renan Lotufo fez extensa análise do fenômeno semelhante de constitucionalização da civilística em outras jurisdições, como na Alemanha, França, Itália, constando igualmente sobre o CC: “O Código não podia mais ser

considerado como o único centro de informações da vida civil. Muitos dos nossos manuais e muitos professores de Direito Civil continuaram ensinando a matéria, como se nosso Código continuasse a ser o mais importante, pois dentro de nosso corpo legislativo não bastara o advento da Constituição, pois essa não revogara o Código Civil. Sem perceberem as mudanças de concepção sociopolítica, permaneceram como se as normas desse Código sobrepairassem sobre a Constituição, numa visão totalmente incongruente com a própria teoria geral do direito. Com o advento da nossa Constituição de 1988, ocorreu um choque de perplexidade na doutrina e na jurisprudência, por passar a mesma a disciplinar diretamente matérias que até então eram de exclusivo tratamento pela lei ordinária, muito particularmente por tratar de matéria, até então, objeto de regulação exclusiva do Código Civil. (...) Com muita dificuldade muitos passaram a aceitar e a não discordar desta mudança de enfoque do Direito Civil. (...) O Código Civil, como já dissemos repetidas vezes, não é mais o centro. A Constituição passou a ser o foco da informação. Mas nunca podemos deixar de lado que o Código também tem uma função participativa, intermédia entre a Constituição e os microssistemas. Essa atual tendência do direito em criar microssistemas não pode deixar de lado regras gerais, que nem sempre são reguladas por estas leis especiais, e que muitas vezes se amparam nos Códigos para regular situações específicas” (LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a

Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). O novo Código Civil e a Constituição. p. 24-25. Sobre o tema ver também: NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. p. 438. (Conclusão 26); TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 5-7.

40“Mais do que isso, afirma-se no âmbito da constitucionalização do direito civil verdadeira proeminência, a priori, das situações jurídicas extrapatrimoniais (ou existenciais) em comparação com as situações patrimoniais,

(21)

econômico. Portanto, os direitos da personalidade se encaixam melhor nessa conceituação41.

Todavia, da mesma forma que se acalmou a disputa sobre a natureza jurídica do direito de autor, classificando-o como um direito privado sui generis, fora da inserção histórica no direito civil, é possível dizer, caso haja preferência e visando uma conciliação, que o direito de personalidade pode ser considerado um direito subjetivo sui generis, como aludem Keyser42 e Elimar

Szaniawski43. Não é, contudo, a nossa posição que prefere o conceito de situação jurídica.

Os direitos de personalidade enfeixam uma situação jurídica absoluta, existencial e extrapatrimonial, que demanda que todos os terceiros a observem (no campo do poder, dever, faculdade44 e ônus). Esse é o significado do caráter absoluto que lhe é conferido. A situação

jurídica extrapatrimonial45 que concede ao indivíduo uma posição de vantagem pode ser

voluntariamente alterada em determinados casos, o que virá a transformá-la numa relação jurídica46. Quando admitida a utilização econômica de alguns dos atributos de determinados

Nelson. Situações jurídicas dúplices: controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Diálogos sobre direito civil. vol. 3, p. 5. 41 BENACCHIO, Marcelo. Direito subjetivo Situação jurídica Relação jurídica cit., p. 205. “Observe-se que o fato da possibilidade da aplicação de uma pena privada pecuniária, como ocorre no caso de dano moral, não retira a natureza não patrimonial referida em virtude de a soma em moeda não guardar relação intrínseca com o direito

de personalidade lesado”.

42 KAYZER, Pierre. Les droits de la personnalité. p. 455.

43 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela cit., p. 49-50.

44Rubens Limongi França dizia que direitos de personalidade “são faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos

aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos” (FRANÇA, Rubens

Limongi. Manual de direito civil. vol. 1, p. 403).

45 Rose Melo Venceslau Meirelles parece divergir dessa possibilidade de classificação a priori, pois entende que

“nem sempre será possível afirmar que uma relação jurídica é existência ou patrimonial, pois não é raro que ambos

os interesses estejam nela envolvidos. As situações jurídicas podem refletir interesses existências e patrimoniais ao mesmo tempo. E isto não porque a relação patrimonial é funcionalizada à promoção de valores existenciais, como ocorre em todos os institutos jurídicos, mas sim porque é composta de situações existenciais e situações

patrimoniais” (MEIRELLES, Rose Melo Venceslau. Autonomia privada e dignidade humana. p. 47-48). Todavia, a posição tomada neste trabalho diverge dessa conclusão, no sentido de que situações jurídicas patrimoniais relativas aos direitos de personalidade – dada a extrapatrimonialidade inerente – somente se convertem em patrimoniais por meio de relações jurídicas, o que dependerá sempre da atuação positiva do titular, por meio do consentimento ou da concessão da utilização econômica de determinada atribuição de um direito de personalidade. 46 Nesse sentido ver decisão do STJ, que define como patrimonial a indenização por violação de contrato de

imagem: (a) “4. Por isso, aquele que teve sua imagem utilizada, com fins comerciais, por prazo superior ao regularmente contratado, faz jus tanto à indenização pelos danos morais quanto à reparação material pelos lucros cessantes suportados, devendo corresponder estes últimos aos valores que proporcionalmente receberia caso a autora do ilícito tivesse promovido a regular renovação do pacto, ainda que com significativa redução do objeto

deste” (REsp 1323586/PB, 2012/0100481-0, 3.ª Turma, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.03.2015,

DJe 11.03.2015; (b) “1. Ação de indenização por danos morais movida por conhecido piloto automobilístico em face da veiculação de publicidade utilizando o apelido do autor, amplamente conhecido pelo público em geral, em um contexto que claramente o identificava (criança, em um carro de brinquedo, com um macacão na mesma cor que o piloto demandante usava em sua equipe de Fórmula 1). 2. Jurisprudência firme desta Corte no sentido de que os danos extrapatrimoniais por violação ao direito de imagem decorrem diretamente do seu próprio uso indevido, sendo prescindível a comprovação da existência de outros prejuízos por se tratar de modalidade de dano in re ipsa. 3. Aplicável ao caso o Enunciado 278, da IV Jornada de Direito Civil, que, analisando o disposto no art. 18 do Código Civil, concluiu: ‘A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a

determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a

(22)

22

direitos de personalidade, a situação jurídica original (extrapatrimonial, no sentido de não econômica) se alterará para uma situação jurídica patrimonial (no sentido de econômica), num fenômeno assemelhado a uma operação jurídica, posto que seu interesse será passível de valoração econômica. Nesse momento adentrar-se-á numa situação relacional com o outro sujeito, estabelecendo-se obrigações e direitos47.

1.1.4 Direitos de personalidade natos e adquiridos

Neste trabalho se pretende também desenvolver um paralelo entre direito à imagem (um dos direitos de personalidade inato) e direitos de autor (um direito de personalidade adquirido), para fins de viabilizar alguns critérios de utilização da imagem, consentida ou não, na realização ou produção de conteúdos48. Para esse fim é relevante que se compreenda que há

direitos de personalidade que não são inatos e são adquiridos após o surgimento da personalidade, pelo sujeito. Um exemplo deles, como mencionado, é o direito moral de autor49.

A aquisição de um direito de personalidade não inato deve ser entendida como um fenômeno natural de constituição de direito por meio de uma operação jurídica50. Essa aquisição

47 “No direito privado e, especificamente, no direito das obrigações, as situações jurídicas ativas e passivas experimentadas pelo sujeito, em regra, são relacionais e, por isso, o termo relação jurídica tende a ser empregado nessa disciplina com mais frequência e acerto. Por relação jurídica, em especial, e por situação jurídica, em geral, pode-se entender a realização do direito concretizado, pela ação interpretativa do juiz, ou, numa visão hoje considerada ultrapassada, pode-se entender a subsunção do fato à norma para que o Direito seja ministrado”

(ANDRADE NERY, Rosa Maria de; NERY JR., Nelson. Instituições de direito civil cit., vol. 1, t. II, p. 352). 48 Conjunto de informações transmitidas pelos textos e imagens, em qualquer veículo editorial (impresso, eletrônico, multimídia etc.). Essa expressão tem sido bastante utilizada na edição de sites de internet, por oposição à ênfase tecnológica e ao desenvolvimento técnico da linguagem, que caracterizaram os primeiros tempos desse tipo de mídia, na definição de Gustavo Barbosa e Carlos Alberto Rabaça (BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de comunicação. p. 182-183).

49“Os direitos da personalidade, pelo seu caráter de essencialidade, são na maioria das vezes inatos, no sentido em que presentemente se pode empregar esta expressão, mas não se reduzem ao âmbito destes. Os direitos inatos são todos eles direitos da personalidade, mas pode verificar-se a hipótese de direitos que não têm por base o simples pressuposto da personalidade, e que, todavia, uma vez revelados, adquirem carácter de essencialidade. Pense-se, por exemplo, no direito moral de autor. A essencialidade apresenta-se em tal espécie de direitos, como atenuada, pois que o fim de assegurar um valor concreto à personalidade não chega a exibir necessariamente e só por si a sua existência, mas simplesmente a continuação desta, uma vez que eles são revelados pela eventual existência de uma figura que acresce ao pressuposto da personalidade” (DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade cit., p. 17).

50Rosa Maria de Andrade Nery comenta: “Quando De Cupis identifica o direito moral de autor como hipótese de direito com caráter de essencialidade própria dos direitos da personalidade, mas nascido em momento posterior ao início da personalidade, está admitindo para essa espécie, ao menos, de direitos da personalidade – como é o caso, repita-se, do direito do autor –, a ocorrência de um fenômeno natural de constituição de direito, adquirido por alguém que, em virtude de uma operação jurídica (Realakt), se torna titular dele. Isso nos leva a concluir, com o professor italiano, que todos os direitos inatos são direitos da personalidade e alguns direitos da personalidade são não inatos, e, mais ainda, que há direitos da personalidade constituídos por operação jurídica, ou seja, simples atos jurídicos (ou atos jurídicos stricto sensu), sujeitos à teoria geral dos negócios jurídicos” (ANDRADE NERY, Rosa

(23)

por operação jurídica não desnatura os direitos adquiridos51, como direitos de personalidade,

porque há neles sempre o pressuposto da personalidade natural, de que, no caso dos direitos de autor, a obra, a criação ou o conteúdo são prolongamentos ou reflexos da humanidade, notadamente do espírito (de onde advém a intelectualidade).

Interessante anotar que se pode defender que o direito moral de autor pode ser interpretado como inato, se se admitir a sua manifestação em sentido negativo, ou seja, o direito de não criar, que se assemelharia ao direito de inédito (de não divulgar uma obra criada) ou de arrependimento, como observa Carlos Alberto Bittar52.

Sob essa concepção, o direito de personalidade moral de autor ficaria no campo da potência criativa da intelectualidade, do espírito. Todavia, como o direito de autor somente protege a obra exteriorizada e não protege as ideias internalizadas53, ouso divergir e manter

posicionamento ao lado da doutrina de Adriano de Cupis, Rosa Maria de Andrade Nery e outros, que aceitam que direitos da personalidade podem ser natos ou adquiridos por operação jurídica.

Acrescente-se, por derradeiro, no debate proposto por Bittar, que o direito de autor tutela necessariamente criações do espírito, e pressupõe uma obra (a criação), posto que não haverá direito de autor sem obra, como adverte Ascensão54. O ato de criação da obra que é o

objeto de tutela é o da exteriorização da potência residente no interior da intelectualidade do sujeito autor. O ato de criação pode e deve ser identificado como o fenômeno natural de constituição de direito por meio da operação jurídica a que refere Rosa Maria de Andrade Nery. Esse fenômeno explica por que até mesmo a pessoa humana não dotada de capacidade civil, mas dotada de personalidade, consegue adquirir, de forma originária, direitos autorais morais com o ato de criação de obras ou conteúdos. E esse fenômeno também explica por que um animal irracional, por exemplo, um macaco ou um cavalo55, podem pintar uma tela com tinta a

óleo, criando uma obra plástica, que, todavia, não terá autoria, não terá autor, não terá direito

51 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade cit., p. 38. O autor discorda da divisão de direitos em essenciais, derivados ou adquiridos, porque todos são ínsitos ao homem, e à ciência jurídica caberia estruturá-los na medida em que evoluem os conceitos, exatamente como se vem apontando nesse campo, em que a jurisprudência e a doutrina vêm desempenhando papel relevante (p. 40).

52 Idem, p. 40.

53 LDA: “Art. 8.º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I – as ideias,

procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; (...)”.

54 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e direitos conexos. p. 57.

(24)

24

de personalidade, posto que faltam ao criador da obra plástica (o cavalo, o macaco) a necessária humanidade e a personalidade jurídica.

1.1.5 Direitos de personalidade e direitos fundamentais

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à imagem foi erigido ao status de direito fundamental e autônomo de outros direitos essenciais, no caso, a vida privada, a intimidade e a honra56.

Direitos fundamentais e normas de direitos fundamentais são dois lados da mesma moeda, como lembra Alexy57. Normas de direitos fundamentais são aquelas regras

constitucionais58 que carregam no seu enunciado uma disposição de direitos fundamentais, sob

os aspectos estruturais, materiais e formais e materiais ou formais59. Os direitos fundamentais,

previstos na Constituição Federal no Título II, têm como núcleo essencial os princípios fundamentais do Título I. Um princípio fundamental é o mandamento nuclear de um sistema, ou seja, como normas, preceitos, que tutela situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecendo, por um lado, às pessoas ou às entidades a faculdade de realizar interesses por ato próprio (positivos) ou demandando a abstenção de outrem (negativo), quando se pensa em direitos absolutos, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entes ao dever de submissão às exigências de realização de uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.60

56Luiz Alberto David Araújo, analisando a previsão constitucional do direito à imagem, assevera que, “se não pretendesse dar autonomia à imagem, não a colocaria ao lado de outros bens, bastando assegurar a proteção. Ao garantir a imagem e honra, pretendeu, o constituinte, significar que são bens distintos, independentes. O mesmo se pode dizer da intimidade e da vida privada. A imagem, portanto, deve ter disciplina própria, ao lado da intimidade, da honra e da vida privada. Qualquer posicionamento, a partir do novo texto constitucional, que pretenda negar autonomia à imagem, deve ser rejeitado. Por força do novo ordenamento, a partir do novo texto constitucional, pode-se afirmar, com tranquilidade, que a imagem é bem distintamente protegido, merecendo

regulamentação própria e autônoma”. E acrescenta: “O texto constitucional, no entanto, não se limitou a dar

autonomia ao bem imagem retrato, assim considerado tradicionalmente como imagem-retrato. Tratou de disciplinar outra imagem, como já dito anteriormente, a imagem-atributo. Não podemos pretender enquadrar a atributo em nenhum dos outros bens, já que, pelo sistema constitucional brasileiro, o bem imagem-atributo recebeu tutela distinta e separada de qualquer outro. Portanto, para a realidade constitucional brasileira, o bem imagem recebe dupla proteção inovadora: como imagem-retrato, sendo colocado ao lado da honra, vida privada e intimidade, e como imagem-atributo, sendo lançado junto ao direito de resposta, como um dos bens

feridos pelos meios de comunicação” (ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. p. 74-75).

57 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais cit., p. 50.

58 Tomando-se como fundamentais os direitos reconhecidos e ordenados pelo legislador, que, reconhecidos pelo Estado, passam do direito natural para o plano positivo, no caso, reconhecidos pelo constituinte (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 67).

59 Idem, p. 66.

(25)

O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF) é a gênese principal do Título II, onde estão os direitos fundamentais, dentre os quais os direitos de personalidade, onde se insere o direito de imagem.

Direitos fundamentais da pessoa humana são designados por diversas expressões, tais como direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais e direitos fundamentais do homem61, e são assim

entendidos quando as situações jurídicas objetivas e subjetivas são definidas no direito positivo em favor da dignidade, da igualdade e da liberdade da pessoa humana, assumindo o caráter concreto de normas positivas constitucionais. Normas de direitos fundamentais têm aplicação imediata62.

Direitos fundamentais não são sinônimos de direitos humanos, pois direitos fundamentais são essencialmente direitos humanos, mas têm como característica sua positivação em textos constitucionais, sendo que os direitos humanos são consagrados em tratados e convenções internacionais63.

O constituinte conscientizou-se da importância do direito à imagem e dotou-o de proteção legal, independentemente da ofensa ou não de outro direito da personalidade. Antes da promulgação da referida Carta Constitucional, a proteção dava-se de forma implícita, no âmbito dos direitos personalíssimos.

O direito à imagem-retrato se pode entender como previsto no inciso X do art. 5.º da CF e o direito à imagem-atributo tem proteção no mesmo art. 5.º, inciso V, que garante ao prejudicado o direito de resposta. O direito de resposta será tratado em capítulo específico mais adiante.

No que toca ao escopo deste trabalho, direitos de personalidade serão tomados como direitos fundamentais na medida em que positivados como tais no corpo constitucional. Direitos fundamentais correspondem à positivação e à incorporação de direitos considerados naturais e inalienáveis dos indivíduos nas constituições e que têm como consequência a inserção dos direitos do ser humano numa garantia de indisponibilidade pelo legislador ordinário.64

61 Idem, p. 161.

62 Idem, p. 161, 164-165.

(26)

26

Direitos fundamentais também podem ser reconhecidos como a categoria jurídico-constitucional relativa aos direitos básicos da pessoa humana como cidadãos, inspirados por diversos documentos, tratados e acordos internacionais relativos aos direitos humanos65. Os

direitos humanos pairam acima das constituições, num plano superior, encontrando suas origens no direito natural66. Direitos fundamentais reproduzem direitos humanos, positivando-os.

Direitos de personalidade têm a mesma raiz, a “humanidade da pessoa humana”, e igualmente

são positivados recebendo a necessária roupagem constitucional. São três conceitos que não podem ser tomados um pelo outro.

A classificação dos direitos de personalidade na teoria geral dos direitos de personalidade e ao mesmo tempo sua inserção no direito constitucional como direitos fundamentais não devem ser vistas como uma cisão de competências jurídicas entre o público e o privado, debate certamente superado. Ao mesmo tempo, essas competências se tocam inexoravelmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, que ilumina o sistema jurídico como um todo num processo integrativo.

A Constituição Federal de 1988 organizou, em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, com uma divisão em cinco capítulos: Dos direitos e deveres individuais e coletivos, Dos direitos sociais, Da nacionalidade, Dos direitos políticos, Dos partidos políticos, do art. 5.º ao art. 17. Dentre os Direitos Fundamentais, Capítulo I, que trata dos Direitos e deveres individuais coletivos, positivou os direitos de personalidade no art. 5.º, inciso X, e deu garantias de direito de resposta e indenização ao dano moral e à imagem no art. 5.º, inciso V.

Vale relembrar67 que, além da proteção positiva, como direitos em si mesmos (CF, art.

5.º, X), os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem estão protegidos também de forma negativa pela Constituição Federal de 1988. Esta, no seu art. 220, § 1.º, determina que nenhuma lei conterá dispositivo que possa embaraçar a plena liberdade de informação

65“Dessa forma, as expressões direitos fundamentais e direitos humanos referem-se ao mesmo objeto: o status ou posições fundamentais garantidas juridicamente. Porém, a despeito dessa similitude, é importante assinalar que, ultimamente, vem-se dando preferência ao uso da locução direitos fundamentais para aludir-se à dimensão constitucional destes direitos (os direitos subjetivos assegurados em uma Constituição) e reservando-se o emprego da expressão direitos humanos para referir-se à dimensão internacional destes direitos (os direitos subjetivos

proclamados em declarações e tratados internacionais” (FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. Teoria e proteção constitucional. p. 26-27).

66 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade cit., p. 57.

Referências

Documentos relacionados

Esse evento tem a coordenação geral de Amanda Eloina Scherer; coordenação executiva de Simone de Mello de Oliveira; equipe de curadoria composta pelos professores Elcio

A cultura material e o consumo são contextualizados com o design, e são demonstradas estratégias de sustentabilidade no ciclo de vida nos produtos de moda.. Por fim, são

Bacharel pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com especialização em Direito Tributário também pela Pontifícia Universidade Católica de

Considerando a importância do conceito de invariante adiabático para a formação dos estudantes de graduação em Física e o fato de que o “ invariante adiabático é

prazo de validade desta Ata de Registro de Preços, o MUNICÍPIO de Ipê não será obrigado a aquisição, exclusivamente por seu intermédio, os materiais referidos na Cláusula

Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; Secretário-Geral da Comissão de Direito Notarial e

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP6. Efetivação do direito

qualificação dos fornecedores de materiais / serviços e do processo de compras); 4.7 Produto fornecido pelo Cliente (Trata da metodologia para assegurar a conformidade dos

Por meio dos resultados apresentados na Tabela 5, percebe-se que na sua predominância, as empresas analisadas nesta pesquisa obtiveram maior incidência na mudança de política, das 113

do diário de bordo da aeronave PT-DZR que Felipe Nogueira de Feitas Código ANAC 125373, portador de licença de Piloto privado de Avião, ministrou instrução prática de voo

Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e em Direito Processual Civil pela Universidade Paulista (Unip).. Especialista em Direito

Doutor, Mestre e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.. MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getulio Vargas

Igualmente presentes as Entidades Tutelares (Segurança Social e IEFP), Parceiros, Autarcas dos concelhos do Cartaxo e de Santarém, o representante da União Distrital das

correto. 01) Quando dois corpos quaisquer são submetidos à eletrização por atrito, eles adquirem cargas elétricas de sinais opostos, que são produzidas durante a fricção das

Bacharel pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com especialização em Direito Tributário também pela Pontifícia Universidade Católica de

William Santos Ferreira Gabriel Augusto Fernandes dos Santos 00123091 MF3 Direito Processual Civil II. Paulo de Barros Carvalho Gabriel Maciel Queiroga 00134940 MC5 Direito

Deve possuir mecanismos para notificação configuráveis de acompanhamento de acordo de níveis de serviços, por exemplo, elementos gráficos que permitam a visualização rápida

Conclui-se que a Ds c IHO não necessariamente restringe o crescimento radicular ou rendimento de culturas sob plantio direto; a carga de 1600 kPa no teste de compressão uniaxial é

colaboração e onde o/a Guia de Viagem e os/as viajantes são ambos viajantes/aprendentes - procura dar pistas de reflexão e desafiar a um novo olhar e uma nova forma de (con)vivermos e

Assim, esta pesquisa em andamento pretende verificar as influências da Educação Musical Especial no desenvolvimento vocal da criança com autismo e tem como

• Para cada uma das danças novas (por novas entenda-se que não façam parte dos regulamentos do ENART) repassar: origem e locais das pesquisas, características básicas da dança

Destarte, esse trabalho mostrará que não alcan- çando a indenização, um valor que reflita o caráter pe- dagógico que dela se exige, de modo a desestimular a reincidência

Gráfico 15. Proporção de casos de hepatite B segundo provável fonte ou mecanismo de infecção e ano de notificação.. Taxa de detecção de casos de hepatite B em gestantes