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O ALUNO DE ENSINO MÉDIO NÃO PROFISSIONALIZANTE E A POSSIBILIDADE DE ESTÁGIO EM ÓRGÃOS PÚBLICOS OU PRIVADOS

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Luciana Vidal e Silva

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA

DEMOCRACIA

O ALUNO DE ENSINO MÉDIO NÃO

PROFISSIONALIZANTE E A POSSIBILIDADE DE

ESTÁGIO

EM ÓRGÃOS PÚBLICOS OU PRIVADOS

MESTRADO EM DIREITO

Matrícul021100-1

SÃO PAULO

(2)

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em Direito

no núcleo de Direito das Relações

Econômicas

Internacionais

sob

a

orientação da Profa. Doutora Flávia

Cristina Piovesan.

SÃO PAULO

(3)
(4)

Injustice anywhere is a threat to justice

everywhere.

(5)

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA

RESUMO

A importância da pesquisa sobre o tema “A proteção internacional da democracia” está

em alocar o ideal democrático no centro das discussões internacionais, tornando possível

a sua exigência como direito inerente à pessoa humana. Pretende-se com este trabalho,

em sentido amplo, demonstrar as características que aproximam os direitos humanos à

democracia, de modo a inserir esta última no sistema de proteção da pessoa humana. E,

em sentido estrito, pretende-se: decompor a concepção da democracia nos tempos atuais;

definir os direitos humanos e abordar a sua internacionalização; tratar do sistema de

proteção internacional à democracia

;

e, debater acerca dos impasses que

o

assunto traz,

tais quais, a soberania e a não unanimidade no conceito democrático.

(6)

THE INTERNATIONAL PROTECTION OF DEMOCRACY

ABSTRACT

The importance of the research on the subject “The international protection of

democracy” lies on placing the democratic ideal into the center of international

discussions, making possible its demand as an inherent right of human being. It is

intended with this work, in a broad sense, to demonstrate the characteristics that

approximate human rights and democracy in order to insert this latter into the protection

system of human being. And, in a strict sense, it is intended to: decompose the conception

of democracy nowadays; define human rights and approach his internationalization; deal

about the international protection system of democracy; and debate about the difficulties

that the subject brings, such as sovereignty and not having a unanimous concept of

democracy.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 DEMOCRACIA...14

1.1

Fundamentos da Democracia...16

1.1.1

Legalidade e Legitimidade...

20

1.2

A visão democrática internacional de governo...24

2 DIREITOS HUMANOS...31

2.1 A internacionalização dos Direitos Humanos...35

2.2 Democracia e Direitos Humanos...39

3 A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA...51

3.1 Responsabilidade Internacional...54

3.1.1 Responsabilidade internacional por violação aos direitos humanos

...59

3.2 Processo internacional de proteção aos direitos humanos...60

3.3 Soberania, um impasse?...64

3.4 Como democratizar a Democracia...68

CONSIDERAÇÕES FINAIS...74

(8)

INTRODUÇÃO

A democracia, por conta de presumir humanismo social, é buscada pela maioria dos governos contemporâneos; os direitos humanos, pelo exato mesmo motivo, são, igualmente, ambicionados em grande parte dos países. A democracia e os direitos humanos assumem, hoje, relevância de caráter internacional, em que, o país longe destes ideais ficará, certamente, em desvantagem aos demais. Muitas vezes são perseguidos incidentalmente, ou seja, em sua aparência, longe, portanto, de serem fielmente respeitados, o que se traduz numa realidade de desespero e descontento aos nela viventes. Somente desde que a democracia e os direitos humanos se enquadrem em um cenário honroso aos seus princípios, longe de enganações políticas de governo, estar-se-á a frente da evolução dos Estados que aqueles institutos da democracia e dos direitos à pessoa humana trazem consigo.

Assim é que democracia e direitos humanos se entrelaçam, fazendo com que um se apóie no outro, indistintamente e sem ordem de importância, pois que os dois se casam justamente no que os dois têm de essencial para a vida saudável de uma nação. Quando se busca a democracia, está se buscando os direitos humanos, e quando se busca os direitos humanos, estar-se-á a buscar a democracia.

(9)

a consideração aos direitos da pessoa humana, transmudando-se numa relação de governo para com os governados totalmente injusta.

Pouco mais de 60 anos atrás, estava se vivendo a Segunda Grande Guerra, fato que prescinde de narrativas diante do tanto de horror que se sabe ter acontecido. Acontece que, voltando para a atualidade, e fazendo-se uma escala de aprendizagem, vê-se que o mundo não deixou de perpetrar terrores dos mais vergonhosos, assolando de pavor os mais numerosos cidadãos e enchendo de trauma inúmeras vidas que viram seus familiares morrerem sob as mãos protetoras do Estado. Assim é o mundo hoje, ainda incipiente na proteção de seus nacionais, e, especialmente, na proteção do não nacional, salvo algumas exceções. Onde se vê uma democracia estabelecida e já fortificada, se vê um bom aparato de proteção aos direitos humanos, internacionalmente falando; o Estado, entretanto, que é vazio no sentimento democrático, será, também, no respeito aos possíveis métodos de proteção ao ser humano nacional ou internacional.

O sistema de proteção aos direitos humanos é responsável pela cobrança de atenção e sujeição dos Estados à consagração dos direitos; faz com que cada país se sinta mais tendencioso a acatar os direitos humanos, e, ao mesmo tempo, mais alinhado ao restante do mundo. O governo que dotar de respaldo os direitos humanos estará agindo em conformidade com as necessidades da comunidade internacional em promover uma justiça, tanto quanto possível, mais abrangente. A democracia, por sua vez, não dispõe de uma estrutura jurídica de proteção internacional. Embora, hoje, indissociável da noção de forma política ideal de se governar, o democratismo não conta com a possibilidade de ver a sua transgressão sendo averiguada e punida por intermédio de todo um corpo de normas e tribunais internacionais, tal qual ocorre com os direitos humanos.

(10)

Propõe-se, pois, a inserção da democracia sob a asa protetora dos direitos humanos e seu sistema de averiguação a violações. Os direitos humanos protegem o que é individual, econômico, social, cultural, tecnológico, desenvolvido, consumido, saudável e informado. Por que não proteger o que é democrático? Por que não rotular a democracia como um valor assegurador da paz? Por que não alçar o conceito democrático à proteção universal, consolidando-se o que já se entende por justo e correto dentre a maioria dos Estados?

Com a vivência penosa de guerras, destroços, autoritarismos, gritos e revoltas, veio o sentimento de algo maior, mais humano e sólido. Veio a idéia de um governo de todos, ao invés de um só, e, principalmente, a idéia de inclusão e participação no sistema político do Estado, em que cada um pode se manifestar e, através dos instrumentos de eleição, cada um exerce sua vontade; assim é a democracia, abriga individualmente e acata a maioria como se unanimidade benéfica fosse; surge como dogma, e, de tal posição, nunca mais saí. Traz ao discernimento do povo a conseqüência de uma política estritamente legal, em que se cumprem as leis independentemente de seus conteúdos, daquela baseada em sensos de igualdade, justiça, dignidade, vontade popular. Além, denota a importância da legitimidade de um governo, ou seja, a sua aceitação, popularidade, mostrando que o governo é o povo.

O governo constitucional assim o será não porque seu represente ascendeu ao poder através de eleição, aclamado pelo sentimento popular com seus votos, mas pelo fato de observar as suas reais limitações, respeitando suas funções e aceitando fiscalizações e oposição, sem que, por nenhum momento, se deixe levar pelas brechas e interpretações distantes da noção de liberdade, proposta pela democracia. Um governante com tendências autoritárias pode, tanto quanto aquele estadista mais crente na legitimidade e legalidade em sentido amplo, se aproveitar dos institutos democraticamente já consagrados, como ter sido eleito e respeitar a Constituição, sendo que a diferença é que um se aproveita de tais condições para simular uma verdade democrática, o outro, faz da verdade democrática, a condição.

(11)

Problemas, como hoje se vêem, de governantes passando por cima de princípios norteadores de uma boa governança, já tão consagrados e respeitados, não deveriam ser ignorados pela comunidade internacional. Quando o povo não age, qual a próxima alternativa? Qual o plano B? Ou há que se esperar pelo estágio de iminência de guerra mundial para que algumas outras forças se mobilizem? Seria quebra de soberania agir pelo bem de todos? Não estaria havendo, na realidade, uma negligência para com o mundo, deixando nações medrosas com a possibilidade de subtração total da liberdade? Não estaria, a comunidade internacional, madura o suficiente para manter diálogos de paz, acordos, tentativas, o que seja, em prol da não mais existência em vão?

É claro que esses questionamentos nada mais são do que questionamentos. Que a realidade e a pretensão de envolvimento dos países é outra, havendo aproximação quando o interesse está bem mais próximo da realidade política – econômica vivida naquele país e os benefícios, mesmo que a longo prazo, ultrapassem o desperdício. É certo, igualmente, que os desafios são vários, na medida em que, hoje, se fala em Coréia do Norte, China, Irã, entre tantos outros, e a intervenção é mínima, por que, de fato, como lidar com isso? Levando-se em consideração o todo em que vivemos, como fazer parte de uma comunidade e, ao mesmo tempo, se considerar um só país? Objetivamente falando, qual o Estado que vai afundar a sua paz em troca da do outro? E qual Estado atacado não vai alegar soberania, em sua defesa?

Mesmo em assim sendo, a discussão da proteção internacional da democracia se justifica pela importância da paz mundial, da convivência harmônica. Há que se dar um passo a frente e proteger, juridicamente falando, o que é justo, igual e livre, para todos os povos. O tema faz, da democracia, direito fundamental protegido internacionalmente. Concebe-a como passível de cobrança pela comunidade internacional, afastando, assim os arbítrios e havendo respaldo jurídico para tal ativação e penalidades. Servirá, assim, a equiparação da democracia aos direitos humanos e a utilização do seu sistema de proteção internacional como ajuda à força de um povo, que, porventura, falhar.

(12)

Tem-se, então, como objetivo geral, analisar o atual cenário da democracia no mundo, juntando-se o seu conceito ao de direitos humanos, a fim de alocá-la dentro do mesmo sistema de proteção. Os objetivos específicos são: definir democracia e seus fundamentos, em uma visão internacional de governo; abordar os direitos humanos e sua internacionalização; estudar o sistema de proteção aos direitos humanos e enquadrá-lo como um, também, sistema de proteção à democracia; e, contestar os diversos impasses inerentes ao tema aqui proposto, tal qual, soberania e a definição unânime do que seja a democracia.

Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas através de pesquisa bibliográfica, procurando explicar o problema com o uso da literatura já publicada em formas de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita, que envolta o tema em análise. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de aumentar o conhecimento, sem transformação da realidade. Segundo a abordagem, é qualitativa, em que o critério não é numérico, há uma preocupação em aprofundar e abranger as ações e relações humanas, observando os fenômenos socias de maneira intensiva. Quanto aos objetivos, a pesquisa é exploratória, definindo objetivos e buscando maiores informações sobre o tema em questão, e descritiva, buscando explanar fenômenos, descobrir a freqüência que um fato ocorre, sua natureza e suas características, classificando, explicando e interpretando os acontecimentos.

No primeiro capítulo, apresenta-se a noção do ideal democrático nos tempos modernos, seus fundamentos, especialmente quanto à legalidade e legitimidade de governo, e abordando-se a questão da democracia em uma visão internacional de liderança.

O segundo capítulo traz o conceito de direitos humanos, explicitando o fenômeno da sua internacionalização e, ainda, tratando da aproximação da democracia com os direitos da pessoa humana.

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1 DEMOCRACIA

A tradição dos oprimidos nos ensina que o Estado de Exceção em que vivemos é na verdade regra geral.

Walter Benjamin – Filósofo judeu alemão.

Ao contemplar as semelhanças entre os Estados despóticos, percebe-se que eles, dificilmente, mudam. Encontram-se incongruências, claro, visto que não têm como serem inteiramente idênticos; seja na felicidade ou no infortúnio, os traços culturais não permitem um povo ser igual a outro. A forma maléfica de governar, entretanto, parece nascida de uma pessoa só, em que cada autocrata se associa a outro, pois que ressoa com a mesma crueldade em qualquer que seja a civilização. Uma democracia, por outro lado, evolui, se adequa, demonstra interesse pela vida política ativa de uma sociedade e se submete, tão somente, a vontade desse povo. A maneira democrática de governar, portanto, na sua decência, eleva o que a humanidade trouxe de melhor com o passar dos anos, a luta pela igualdade e liberdade, no que a faz ficar em constante transformação, buscando o aprimoramento desse ideal.

(15)

Jean Jacques Rousseau1 deu por certo que, “Se houvesse um povo de deuses, seria governado democraticamente, mas aos homens não convém tão perfeito governo”. Apesar da franqueza incômoda que a súmula de Rousseau oferece, sabido é que a democracia está longe de ser unanimemente vista como governo ideal e aplicada concretamente no mundo moderno, fato também percebido no passado, pelos maiores governantes a época, onde foram geradas ilusões democráticas grosseiras, fazendo surgir tempos obscuros, jamais vistos.

Tal qual a ditadura de Salazar, Pinochet, o Estado Novo de Getúlio Vargas, O Papa Doc e seu terror extremo difundido pelo Haiti, dentre tantos outros que somente há alguns anos assolaram a vida estatal de controle, pânico e autoritarismo, hoje se veem formas de administrar igualmente fadadas ao insucesso, baseadas em um contexto centralizador e simulador, que caminham sob efeitos de direitos nulos e não legítimos, onde, talvez, a sua frente se deparem com um povo embravecido e a fim de retomar seu poder, mas que, igualmente, talvez não, e o povo que acabe por se deparar com a miséria da falta de democracia.

Exemplos não faltam. Os Estados modernos nos surpreendem com seus desígnios e fascínios, mostrando que a vontade do autoritário anda lado a lado com o ideal de democracia, bastando um deslize para que o primeiro sobressaia ao segundo. Tanto quanto haverá homens dispostos a governar construindo, haverá os dispostos a destruir, pois que a mente humana é muitas vezes irrazoável e, certamente, impossível de ser desvendada. O governo democrático, assim, se torna o fim a ser atingido na administração estatal, o bem a ser protegido e, mais importante, o conceito a ser compreendido pelos cidadãos.

A democracia, aqui procurada, é a erguido no século XX, retratada pelas diversas Revoluções e Guerras, sobre as quais se criou uma barreira principiológica, militar, civil e, podendo-se dizer, física, através da criação da ONU, contra as desumanidades que o não respeito à liberdade e à igualdade traz. Inequívoco que a Grécia Antiga já tratava de democracia, inclusive aí está seu embrião, assim como a república de Roma, o que, igualmente, não exclui de conhecimento democrático a Inglaterra do século XVII, com sua Revolução Gloriosa e a Bill of Rights, a França e os Estados Unidos do século XVIII, sua Revolução e seu título de independente, respectivamente, dentre outros países já enraizados na idéia de democracia para uma nação.

(16)

Nota-se, na verdade, justamente a abertura que tais circunstâncias propiciaram para a entrada oficial e perpétua da democracia no dicionário dos Estados modernos. A democracia é, portanto, conceito antigo, já adotado em civilizações das mais remotas, mas sempre a se adequar ao tempo em que vive. Claro, pois de outra forma não poderia ser, as exigências mundanas forçam qualquer regime de governo a mudar, a democracia suporta o ônus de que as mudanças só venham para o bem, nunca o retrocesso.

Democracia não é governo, é forma de governar, é um ideal. Pode ser adotada no parlamentarismo ou presidencialismo, na república ou na monarquia. Qualquer estrutura de governo comporta a democracia, ela não é formalismo, é substância. A imagem da democracia remonta a uma realidade de igualdade política, soberania popular e governança pela maioria; é oposta à tirania, esta reconhecida como toda privação severa de um direito fundamental.2

1.1 Fundamentos da Democracia

A palavra “princípio” denota a idéia de “mandamento nuclear de um sistema”; “é a disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência”.3 A soberania popular, abrangida na idéia de que todo o poder emana do povo, e a participação direta ou indireta do povo no poder são os dois princípios fundamentais, que dão essência conceitual à democracia.4

A democracia é o governo do povo, diferente de ser o governo para o povo, a característica se desenvolve no sentido de que, justamente, é necessária a participação direta ou indireta de seus cidadãos para que o democratismo seja efetivado. A noção de governo para o povo faz saltar aos olhos outro uso do termo, no qual, qualquer administração satisfaria o ideal democrático, desde que se intitulasse governador para os seus governados. De uma maneira geral, se tratando de democracia ou não, o Estado se faz governar para os que lá estão; o Estado democrático, entretanto, se faz governar pelos que lá estão.

2 Robert A. Dahl. A preface to democratic theory. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2006,

p. 6. Tradução livre.

3 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.

450-451.

(17)

A liberdade e a igualdade são valores que devem nortear todo o arranjo democrático, como impulsos a serem acordados diante de qualquer anseio de democracia. O igual diz respeito à igualdade de distribuição de direitos políticos entre os cidadãos, resguardando, principalmente, o voto e a paridade no valor atribuído a cada um deles; igualdade na possibilidade de participação efetiva nas políticas governamentais, para que não aconteça de somente uma minoria, com mais acesso a certas informações, determinar o futuro através das medidas consideradas, por ela, importantes. E, por liberdade, entende-se não o que é anárquico, mas sim o estar submetido ao Estado por livre escolha. Hans Kelsen aponta:5

Se deve haver sociedade e, mais ainda, Estado, deve haver um regulamento obrigatório das relações dos homens entre si, deve haver um poder. Mas, se devemos ser comandados, queremos sê-lo por nós mesmos. A liberdade natural transforma-se em liberdade social ou política. É politicamente livre aquele que está submetido, sim, mas à vontade própria e não alheia.

[...]

A importância realmente enorme da idéia de liberdade na ideologia política seria inexplicável se ela não proviesse das profundezas da alma humana, de onde provém também o instinto primitivo antiestatal que impele o indivíduo contra a sociedade. No entanto, por uma ilusão quase incompreensível, essa idéia de liberdade acaba por exprimir apenas uma determinada posição do indivíduo na sociedade. Da liberdade da anarquia forma-se a liberdade da democracia.

A questão da maioria é intrigante. Tendo por característica a forma de governar apoiada na vontade majoritária, é importante sublinhar que a maioria, em si, não designa um princípio, mas que, o seu resultado, esse sim, garante a integridade do processo democrático. É através do procedimento de se perquirir a adesão de, pelo menos, metade mais um dos votantes que se salva a soberania junto à participação popular, fazendo com que a técnica da maioria ganhe status de inerente ao governo democrático. Ela se trata, pois, de método que alcança os fundamentos necessários à saúde das democracias.

É de se perguntar, entretanto, se o mecanismo da maioria não é falho, à medida que a minoria arrasada pela maioria poderá sofrer danos, pois que seus anseios são prejudicados diante do consenso majoritário. Haveria, nesse caso, o que Roberth Dahl chama de tirania da maioria?6

5 Hans Kelsen. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 28-29.

6 Robert Alan Dahl. On democracy. New Haven e Londres: Yale University Press, 1998. Para o autor, “Can´t

(18)

É difícil uma lei que não cause estrago que seja a uma pessoa só. Ocorre, geralmente, que cada lei proporciona um descontentamento a algum grupo de pessoas. Daí se infere que, não importa o governo ou como ele governa, sempre recairá algum tipo de dano advindo de determinada norma para um grupo específico. Pode se tratar de democracia, ditadura, teocracia, ou que for, verdade é que toda lei, ato ou política pública haverá de infligir dano em alguém, obviamente, desinteressado no ditame proposto pela regra. O que se deverá ter em mente é não uma lei capaz de contentar a todos, porque essa possibilidade é inviável para qualquer tipo de governo, mas, sim qual lei haverá de prejudicar menos possível, a de um legislador democrata ou um autocrata? A minoria haverá de ser resguardada dentro de um governo democrático? Por definição que sim. Mas essa mesma minoria será conservada dentro de uma maioria despótica?7

A tirania da maioria representa um perigo para qualquer governo, por certo que sim, entretanto, há de se verificar, dentro desses mesmos governos, quais os mais aptos a coordenarem uma saída estável para que, inclusive, os “vencidos” se sintam protegidos e escutados no formato político vigente. Esse processo de inclusão da minoria se torna essencial para a vitalidade da democracia quando se tem em vista que a decisão da maioria nem sempre é a esperada, como foi possível assistir em severos capítulos da nossa história e como ainda se vê hoje nos mais diversos centros de poder mundial. A minoria precisa ter espaço para se manifestar, deve, por conceito do que é democrático, ser respeitada e, nunca, reprimida (daí pode se tirar uma das razões pela qual a imprensa livre é essencial em um Estado democrático de direito, pois que à minoria deverá ser dada ampla possibilidade de manifestação); pode, e deve, estar, igualmente, a frente das negociações e reivindicações do seu povo e não, de forma alguma, deixar se esgotar na maioria.8

Sendo a democracia uma maneira histórica e aclamada de governar, o uso indeterminado da palavra faz soar aos ouvidos desavisados uma realidade de justiça e paz social, enquanto que institutos consagrados tais quais: o sufrágio universal, livre, secreto e

7 Idem. Segundo o autor, “The complications arise because virtually every law or public policy, whether adopted

by a democratic majority, an oligarchic minority, or a benign dictator, is bound to inflict some harm on some persons. Simply put, the issue is not whether a government can design all its laws so that none ever injures the interests of any citizen. No government, not even a democratic government, could uphold such a claim. The issue is whether in the long run a democratic process is likely to do less harm to the fundamental rights and interests of its citizens that any nondemocratic governments”. (p. 47 – 48).

8 Para Amartya Sen, quanto ao impasse maioria versus minoria, tem-se: “The relationship between majority rule

(19)

igualitário, o parlamento, eleições periódicas, processos diretos de participação popular como o referendo e o plebiscito, a proteção da minoria, liberdade de imprensa, livre formação de partidos políticos, a separação e o freamento entre os três poderes, e tantos outros são distorcidos ou simplesmente não observados. Aí é que entra o sentido real do ser a democracia governo do povo, pois que somente havendo a fiscalização, comunicação e exercício pleno dos cidadãos no cenário estatal, é que se estará à frente de um governo democraticamente satisfeito.

“A mais incisiva e perfeita definição de democracia que a História moderna registra é, a nosso ver, aquela proveniente de Lincoln, o libertador de escravos, ao fazer-lhe o elogio, asseverando: ‘governo do povo, para o povo, pelo povo’, ‘governo que jamais perecerá sobre a face da Terra”.9 Assim é que, aos membros da sociedade cabe apreciar a situação de seu Estado, sendo fato que podem eles mesmos, e, na verdade, somente eles, mudar atitudes repugnantes de governança. É o que relata John Dewey:10

A linha mestra da democracia reside na necessidade de participação de todo ser humano adulto na forma dos valores que regulam a convivência dos homens, a exclusão da participação é uma forma sutil de supressão. Não dá às pessoas a oportunidade de refletir e decidir a respeito do que é bom para elas.

A livre participação política é requisito sine qua non para a realização segura da democracia, além de representar o acesso aos direitos econômicos, culturais e sociais.11 Somente se considera politicamente livre, o indivíduo sujeito a uma ordem jurídica de cuja criação participa.12

A administração pelo povo pode ser exercida direta ou indiretamente, neste último caso através de representantes eleitos periodicamente, o qual é, hoje, a forma de governo preferida pela grande maioria dos países.

Os direitos políticos, econômicos, culturais e sociais devem visar o nivelamento social, é esta a igualdade que se aspira no governo do povo. A consciência dos direitos inerentes ao cidadão e a proteção, por lei, desses direitos dota de segurança o governo atuante, o que transfere legitimidade e legalidade ao poder governamental. Com a vontade livre de vícios e

9 Paulo Bonavides. A Constituição Aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade com ênfase no

federalismo das regiões. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.18.

10 John Dewey apud Vânia Siciliano Aieta. Democracia: estudos em homenagem ao Prof. Siqueira Castro.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 80.

11 Vânia Siciliano Aieta. Democracia: estudos em homenagem ao Prof. Siqueira Castro. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006.

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o esclarecimento quanto às políticas estatais adotadas, o povo se torna seguro quanto ao seu governante, atribui a ele o poder legal e legítimo, advindo, pois, da aprovação popular e do caráter de trabalhar dentro da lei as características mais essenciais a um governo.

1.1.1 Legalidade e Legitimidade

Os princípios democráticos admitem apenas idéias ligadas à liberdade e igualdade, em uma democracia não viciada, ou seja, onde a legalidade e a legitimidade se enraízam amplamente falando, isto é, a lei é ligada à justiça, sempre atrás do bem comum, e a bolha estatal vista a olhos nus pelo cidadão, para gozar de legitimidade real e sustentável.

Entende-se por legalismo a obediência fiel ao conteúdo da lei. Implica a observância rigorosa da norma estatal, estando tanto o particular como o próprio Estado a ela submetido. Toda e qualquer autoridade depende de uma lei, à qual deve estar vinculada e pretende dar execução. Costuma se falar em legalidade quanto ao exercício do poder. Dessa forma, um governo legal será aquele que age segundo as leis de seu país, ao contrário da governança arbitrária que age em conformidade a sua própria vontade.

O conceito de legalidade deve estar vinculado, em sua essência, ao valor democrático, resultando em uma “legalidade democrática”.13 A lei deve primar pelo bem comum, em que somente o atingirá através dos instrumentos da igualdade, liberdade e justiça social. Destarte, a característica legal, quando analisada sem fins valorativos quanto ao texto da lei, configura uma legalidade stricto senso ou formal. Esta fica desvinculada do ideal de justiça, estando a supremacia da lei amparada não no que nela está contido, mas sim na validade do órgão que a edita, sendo necessário perquirir se a entidade representa, de fato, a vontade da maioria popular. Celso Bastos delibera que:14

O juízo de legalidade é, na verdade, técnico-formal. Ele nos diz, tão-somente, se dado comportamento é legal ou ilegal, a partir de uma interpretação, tanto quanto possível, lógica e imune de valores. Trata-se, apenas, de examinar a subsunção de um fato à norma, procedimento este que é levado a efeito aplicando-se preceitos da lógica jurídica. (grifou-se).

Um Estado que se utiliza dessa forma legal estrita não age de todo contrário à doutrina legalista, contudo desvaloriza a legalidade, visto que não a está empregando como deveria, abstraindo-a de seus reais objetivos. “Compreende-se a desvalorização da legalidade na

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medida em que esta se resume à exigência de que o Estado comande pela forma de lei, sem que se importe o conteúdo”.15

Da concepção do estado de legalismo, dimana o princípio da legalidade. Esta regra contrapõe-se a qualquer atribuição de excesso ou arbítrio às autoridades, notavelmente quanto ao Poder Executivo. Tem por fim exaltar a soberania popular, assegurando ao povo a dosagem certa de poder concernente aos seus governantes. Norberto Bobbio define o preceito:16

Com base nesta acepção do termo Legalidade, entende-se por princípio de Legalidade aquele pelo qual todos os organismos do Estado, isto é, todos os organismos que exercem poder público, devem atuar no âmbito das leis, a não ser em casos excepcionais expressamente preestabelecidos, e pelo fato de já estarem preestabelecidos, também perfeitamente legais. O princípio de Legalidade tolera o exercício discricionário do poder, mas exclui o exercício arbitrário, entendendo-se por exercício arbitrário todo ato emitido com base numa análise e num juízo estritamente pessoal da situação.

Dessa forma, o princípio da legalidade é considerado a “essência do bom Governo”,17 e guarnece a igualdade de todos perante a lei, consagrando o ideal isonômico. Garante, sobretudo, a prudência dos atos governamentais, já que a lei pondera não só o poder, mas, principalmente, o procedimento de sua execução, de modo que a autoridade não se afaste do domínio da norma.

O governo das leis é, incontestavelmente, mais bem visto do que a governança humana. O primeiro seria o reino da Justiça, em contra senso com o segundo, classificado como o governo do arbítrio. Esta qualidade de excesso deve ser abolida do Estado pela objetividade da lei, sendo necessária uma reunião de normas estabelecendo poderes, evitando, assim, um conjunto de homens na administração agindo da forma que lhes parecer mais justa. O poder que advém da norma é o chamado poder legal e racional, em que “o cidadão deve obediência ‘ao ordenamento impessoal definido legalmente e aos indivíduos que têm funções de chefia neste ordenamento, em virtude da Legalidade, formal das prescrições e no âmbito das mesmas. (Economia e società, trad. It. Milano 1961, I, p. 210)”.18

15 Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Estado de Direito e Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 60. 16 Norberto Bobbio. Legalidade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

Dicionário de Política. 12. ed. Brasília: Universidade de Brasília / LGE, 2004, v. 2, p. 674.

17 Idem.

18 Norberto Bobbio. Legalidade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

(22)

Acontece que, muitas vezes, mesmo depois de todos os trâmites legais, o cidadão não aceita uma determinada regra, taxando-a de inválida. Independentemente da ilegalidade ou não da norma, o homem comum a entende como inadequada ou inapta para o bem da sociedade, duvida do valor real da lei ou questiona a origem de certo mandamento, passando a agir com descrença em relação à norma imposta. Diz-se que tal comando está carente de legitimidade, ou seja, o povo não o absorveu, discordou de seu preceito, determinando que deva o mesmo ser reformulado ou substituído.

A norma ilegal não é necessariamente ilegítima ou vice-versa. São conceitos distintos e voltados a juízos diferentes. Enquanto um se relaciona com o exercício do poder, o outro se confronta com a aceitação popular. A exigência de um não retira o dever de cumprimento do outro. Do mesmo modo, o alcance de um não implica na garantia de êxito do outro. É o que diz Pierangelo Schiera:19

Com o poder temos a legalidade; com a autoridade alcançamos a legitimidade. Doravante os dois conceitos se unem ou correm paralelos, podendo, porém, o descompasso entre ambos determinar graves rupturas. A intensidade dos desencontros provoca crises, cuja explosão, não raro, compromete ou destrói a estabilidade dos sistemas políticos.

A legitimidade deve limitar a legalidade, principalmente, o legalismo stricto senso, que, por si só, abre caminho para normas das mais absurdas, visto que, para o autoritário, ele não está em desconforme com o ordenamento, pelo contrário, age dentro dele e está seguindo o caráter legal na medida em que a lei foi editada e está sendo cumprida. Ocorre que, como já foi dito, os reais valores estão apagados nessa forma de legalidade, e é aí que se faz mister o papel determinante do povo, que dotará, conforme julgamento próprio, de legitimidade uma regra.

O cidadão deve impor respeito aos ideais de justiça, fazendo com que leis arbitrárias sejam expulsas do ordenamento de seu Estado. Se a lei não atende aos anseios comuns da sociedade deverá ser excluída do conjunto de regras. Contudo, somente será possível o conhecimento de tais anseios se a comunidade se manifestar quanto às normas impostas, se, do contrário, nada for feito, presumir-se-á que a opinião pública não tem do que reclamar.

Muito mais do que seu comportamento, o próprio governante deve ser legitimado pela maioria populacional. Sendo o povo a fonte real do poder, o governo que dele proceder será

19 Pierangelo Schiera et al. Curso de Introdução à Ciência Política: o Estado e formas de Estado e Governo.

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legítimo, dado que estará exprimindo a vontade geral da sociedade. Uma governança ilegítima é o mesmo que um governo de fato, ou seja, imposto por outros meios, que não a aderência popular. Um poder legítimo detém o justo título para assim se determinar. Quanto maior for a união do povo com seu governante, maior o apoio e, conseqüentemente, a obediência pacifica aos mandos e desmandos governamentais. Lucio Levi examina:20

Num primeiro enfoque aproximado, podemos definir Legitimidade como sendo um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos. É por esta razão que todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. A crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado.

Um governo será definido como mais ou menos legítimo de acordo com a consistência do consenso popular. Estando, este, preso a qualquer tipo de coação ou induzimento, dependendo do grau de alcance da manipulação, ter-se-á uma governança fundamentada em bases soltas, inseguras, já que o povo, na realidade, está descrente quanto ao exercício do poder. Se, do contrário, a anuência for genuína, o governo será autenticamente legítimo, visto que não se deu nenhuma forma de “deformação ideológica”.21 Lucio Levi esquadrinha a matéria:22

Com base neste critério, é possível provar que não são iguais todos os tipos de consenso e que será mais legítimo o Estado onde o consenso tem condições de ser manifestado mais livremente, onde, em suma, for bem menor a interferência do poder e da manipulação e, portanto, bem menor o grau de deformação ideológica da realidade social na mente dos indivíduos. O consenso será, pois, mais aparente, e conseqüentemente de pouca consistência real, na medida em que for forçado e tiver um caráter ideológico. [...] Trata-se fundamentalmente de integrar na definição o aspecto de valor, elemento constitutivo do fenômeno. Podendo, pois, afirmar que a Legitimidade do Estado é uma situação nunca plenamente concretizada na história, a não ser como aspiração, e que um Estado será mais ou menos legítimo na medida em que torna real o valor de um consenso livremente manifestado por parte de uma comunidade de homens autônomos e conscientes, isto é, na medida em que consegue se aproximar à idéia-limite da eliminação do poder e da ideologia nas relações sociais.

Outro ponto importante quanto ao governo legítimo é a firmeza do poder. Somente transmitindo segurança e confiança, o governante exercerá com progresso suas funções. Ainda, a massa vai atribuir créditos ao desenvolvimento produzido, gerando o consenso pretendido e necessário à gestão. Quando o governo perde essa força, ocasiona uma crise de autoridade, resultando em um desmoronamento do poder, o que derruba, também, a

20 Lucio Levi. Legimitidade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

Dicionário de Política. 12. ed. Brasília: Universidade de Brasília / LGE, 2004, v. 2, p. 675.

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legitimidade, principalmente, se a queda se deu por conta de o governo não mais conseguir se sustentar frente às mudanças sociais. Pierangelo Schiera desenvolve o assunto:23

Sendo a autoridade na essência poder consentido, terá uma solidez obviamente sujeita à aceitação ou receptividade daqueles que figuram por destinatários de sua atividade. Como já observaram os mais argutos publicistas, a autoridade, a competência e a legitimidade são conceitos extremamente afins.

[...]

Todos se equivalem, na medida em que exprimem o grau de consentimento pelo qual se afere a extensão e a intensidade do poder na qualidade de poder competente ou legitimo. O baixo e fraco consentimento faz débil e frouxa a autoridade, ou seja, lhe reduz a legitimidade. Ocorre exatamente o contrário quando se elevam os níveis de aquiescência ao exercício do poder.

A evolução da sociedade obriga os detentores do exercício do poder a reverem a ordem legal, para que a legitimidade se mantenha intacta ou, pelo menos, suficiente. Uma crise profunda, certamente, gerará uma perda de consenso, sendo necessário que o governante esteja firme de seus atributos, para que possa assegurar a tranqüilidade e o retorno à normalidade. Entretanto, dificilmente um desequilíbrio, causado pela descrença popular no regime político vigorante, terá por solução o próprio regime, mesmo que revisto e aprimorado em todos os seus aspectos.

Em momentos conturbados, nos quais as idéias das massas se desapegam da estrutura política em que vivem, todos, ou a grande maioria, passam a exercer suas atividades políticas, ou seja, se tornam politicamente ativos, por estarem cientes de que o caminho a ser seguido depende deles, do povo, estando, dessa forma, todos diretamente envolvidos.24 Esse fenômeno de movimentação política das massas, que Levi chama de “manifestação histórica da Legitimidade”25 é que irá abrir as portas para uma mudança das ideologias. É improvável que o poder vigente continue em sua função de domínio. O que geralmente ocorre é a entrada de um novo regime, com novas idéias de democracia.

1.2 A visão democrática internacional de governo

Tudo o que remete a vida política do país é bastantemente estudado pelos intelectuais de áreas em geral. O sistema democrata, fundado há séculos, se faz surgir particularmente em cada Estado e vai se aprimorando distintamente, acordado com os anseios de cada nação e

23 Pierangelo Schiera et al. Curso de Introdução à Ciência Política: o Estado e formas de Estado e Governo.

Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p. 62.

24 Lucio Levi. Legimitidade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

Dicionário de Política. 12. ed. Brasília: Universidade de Brasília / LGE, 2004, v. 2.

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seguindo as adequações culturais – sociais, o que faz trazer à tona as mais diversas interpretações acerca da visão de governança saudável.

Estadistas tirânicos fazem muitas vezes parecer que a democracia pode ser fragmentada para que, unindo-se alguns pedaços, haja a satisfação dos fatores para fundamentar o Estado democrático. Sendo que, o pensamento deve ser inverso, a democracia é indivisível em seus preceitos, e, a partir do momento que se dissolve em fragmentos, ter-se-á, com a junção, o crescimento de elementos pregadores do autoritarismo. A democracia exige o conjunto de requisitos mínimos, dentro de um contexto de justiça social, ligado diretamente a leis que visem o bem comum. De nada adianta, como ocorreu na Alemanha de Hitler, uma lei expedida pelo órgão competente, mas estabelecendo a proibição do casamento de cidadãos alemães com judeus, e, ainda, com uma imprensa censurada que nada pode criticar. É o dizer de Santo Agostinho, “Uma lei injusta não é uma lei”.

Não pode haver democracia pela metade. Diferentemente da idéia de particularidades culturais, onde em determinado Estado um método de política governamental diverge do de outro, como, exemplificando, e voltando ao país alemão, sabido é que o plebiscito e o referendo são proibidos naquela nação, mas não que o Estado esteja fugindo das suas obrigações e, por conta disso, se torne devedor de democratismo, mas porque ficou marcado na sua história o mau uso de tais instrumentos, o quê, na verdade, torna evidente a preocupação nacional para com o bem comum, por isso somente a aparência, visto que a efetivação do direito de participação popular na Alemanha é satisfatória, apenas se dando através de outros métodos participativos. Assim é que, diferente se falar em burladores do processo democrático, falseando princípios e excluindo direitos, daqueles que, por razões históricas, sociais ou culturais preferem determinado procedimento a outro, mas, sem deixar de proteger todos os consagrados direitos individuais resguardadores da democracia.

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indivíduo é compelido a seguir o que quer que seja pareça certo e não consegue distinguir a realidade maléfica a sua frente do como deveria ser.

O dever ser da democracia é outro ponto polêmico, visto que ela, por si só, já gera conturbações. Alvoroços, estes, concebidos devido ao transtorno que provoca o instituto do democratismo para os levianos. “A substância da democracia não pode ser abandonada sem a manutenção do símbolo. É bem conhecida a afirmação sarcástica: se o fascismo fosse implantado nos Estados Unidos, seria chamado democracia”.26

O que seria, afinal, democracia? De onde vem sua força e até que ponto o povo há de sustentá-la? A democracia é o encontro da paz do indivíduo com o seu governo, a sua força advém do tanto que já foi lutado e ainda se luta pela dignidade da pessoa humana, e o povo deve sustentá-la até onde for sua vontade própria de ser livre e igual.

A democracia é o não Discurso da servidão voluntária27 de La Boétie e o dizer de Antígona,28 na peça de autoria de Sófocles, que, ao se deparar com a decisão arbitrária do rei Creonte de proibir o sepultamento do seu irmão, o afrontou e desobedeceu a sua ordem, reclamando contra os excessos do poder do soberano, o enfrentando com as seguintes palavras:

Não foi, com certeza, Zeus que as proclamou, nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis não escritas, perenes dos deuses, [visto que és mortal.

Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença divina. Sei que vou morrer.

[...]

Defrontar-me com a morte não me é tormento. Tormento seria, [se deixasse insepulto o morto que procede do ventre de minha mãe. Tuas ameaças não me atormentam. Se agora te pareço louca, pode ser que seja louca aos olhos de um louco.

A apresentação do livro indaga acerca do conteúdo da peça, “Onde convocar forças para derrubar o tirano quando cidadãos respeitáveis calam?”. Continua, “O homem é terrível no

26 Hans Kelsen. A democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 140.

27 La Boétie escreveu entre 1546 e 1548 o Discurso da servidão voluntária. Dizia ele que “são os próprios povos

que se deixam manietar”; “é o povo que se sujeita, e se degola”. Ao se deixar “abastardar” e “bestificar”, ele é desnaturado: portanto, ele não é o que tem de ser. Continua afirmando que o tirano é tudo e tudo pode porque é sustentado pela passividade de todos, mas se o povo o abandonasse, perderia todo o poder, e, na mesma hora, não seria mais nada. Um povo oprimido politicamente só continua sendo-o se o quiser. Não é ninguém que faz e desfaz o governante, senão o povo. Se este sofre repressões e nada faz, de modo algum age, é porque aceita sofrer tais pressões. O poder, pois, para Boétie, está baseado em fundações populares; o povo faz ou desfaz sua servidão ou liberdade à medida que faz ou desfaz o tirano.

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crime e na virtude, em altos pensamentos e atitudes intempestivas, na opressão e na luta pela liberdade. Antígona morre? Morre! Morre como poucos. Morre para dignificar todos os que em todas as épocas atacam a injustiça”. Antígona é, pois, a democracia, e a sua força vem do sentimento latente de igualdade e liberdade.

Há que verificar-se a correspondência da democracia com os seus valores. A democracia vai deixar de ser democracia caso haja contaminação de seus elementos. Não há como falar-se em mitigação do democratismo, um ideal deverá somente puxar o outro, qual seja, a liberdade segue a igualdade, e vice versa, o que resulta numa justiça social comum e geração de princípios somente com esta finalidade. Exemplificando, como usar o processo eleitoral sem vícios como norteador da democracia em um Estado onde não há imprensa livre, os poderes se misturam, a propagando é forte e ardil e a maioria está amortiçada com os desmandos do governante e os terrores de sua polícia? Esse caso não se trata de democracia, e, assim seguindo, nunca se tratará. Por mais que o procedimento eleitoral seja um dos pilares da democracia, e dos mais importantes, ele, por si só, não gera democratismo.29 É, pois, ilógico contrapor o conceito de democracia com governos que não a asseguram, o alcance da democracia será tão mais largo tanto quantos forem os Estados que a adotem no seu sentido real, não manipulador. O democratismo se torna regime desejável desde que cumpra seus objetivos, senão, sequer estamos a falar de democracia.

O Estado deve escolher se comprometer com a democracia, e, a partir de então, haverá, somente, de olhar pra frente, nunca retroceder. Visando a vontade do povo, a democracia tem que pronunciar o seu efetivo significado, baseada nos seus sentimentos consolidados do justo, do liberto e do igual, ou estar-se-á a frente de uma farsa. Tal discussão gerada quando do cometimento da democracia aos seus ideais traz reflexão acerca da real abrangência democrática no mundo e se, de fato, é a democracia a melhor solução de regime de governo.

29 Sobre o papel do processo eleitoral na democracia, diz Amartya Sen, no seu livro “The idea of justice”, p. 326

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Robert Dahl aponta dez benefícios que fazem da democracia uma forma de governar mais querida do que qualquer alternativa. São:30

1. Democracia ajuda a prevenir o governo de autocratas cruéis e viciosos. 2. Democracia garante aos seus cidadãos uma série de direitos fundamentais que sistemas não democráticos não garantem e nem podem garantir.

3. Democracia assegura aos seus cidadãos um maior alcance de liberdade pessoal do que qualquer alternativa viável.31

4. Democracia ajuda as pessoas a protegerem seus próprios interesses fundamentais.

5. Só um governo democrático pode proporcionar uma oportunidade máxima para as pessoas exercerem a liberdade de auto determinação – isto é, viver sob as leis de própria escolha.

6. Só um governo democrático pode proporcionar uma oportunidade máxima de exercer a responsabilidade moral.

7. Democracia promove mais plenamente o desenvolvimento humano do que qualquer alternativa viável.32

8. Só um governo democrático pode promover um grau relativamente alto de igualdade política.

9. As democracias representativas modernas não travam guerras entre si. 10. Países com governos democráticos tendem a ser mais prósperos economicamente do que países com governos não democráticos.

A democracia tem seus defeitos, claro, assim como qualquer forma de governar. E, igualmente, muitas vezes ela se vê distanciada dos seus ideais devido às várias interpretações a que se vê compelida nos diversos Estados que a adotam. Entretanto, o que aqui se busca, é demonstrar de que maneira a democracia se destaca e resguarda os principais valores a que hoje o mundo se atém. A democracia foge da inexpressão, do sedentarismo, foge do fraco e abraça a luta pelos direitos, a fala e o Estado saudável. Nesse meio é que não se está aqui propondo a não recaída da democracia às inúmeras falhas que rodeiam seu conceito, sabe-se que a busca pelo ideal é de difícil acesso e são poucos os países que se doam a percorrer esse caminho. O essencial é, justamente, vislumbrar, no fim de tudo, a tão desejada democracia, sabendo que o trajeto é só o trajeto. Todos os regimes de governos têm defeitos, há de escolher-se, entretanto, o menos mal.

Quem garante a democracia? Como fiscalizar o seu ludíbrio? A doutrina de Daron Acemoglu explica que instituições políticas saudáveis garantem a partilha do poder, em que o dirigente que não está agradando à sociedade é substituído por outro, sem ruptura do

30 Robert Alan Dahl. On democracy. New Haven e Londres:Yale University Press, 1998, p. 60. Tradução livre. 31 Idem. Em complemento ao item 3, diz o autor: “A belief in the desirability of democracy does not exist in

isolation from other beliefs” (p. 50 – 51). E, dessa vez, citando Péricles, quando da democracia ateniense, “The freedom we enjoy in our government extends also to our ordinary life” (p. 51).

32 Idem. Falando sobre o desenvolvimento de sentimentos louváveis tais quais honestidade, justiça, coragem e

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sistema.33 Ao mencionar acerca da possibilidade de troca do dirigente que não agrada à sociedade, sem a quebra do sistema, Acemoglu aglomera em uma só frase a dedicação que o cidadão deve ter para com o exercício das atividades estatais, a firmeza e maturidade que o Estado, por si, deve demonstrar diante de instabilidades políticas, através de leis que alcancem e assegurem as mudanças, sempre que desejadas pelo povo, com a manutenção do paz social, e a credibilidade que deve gozar o governante, a fim de se livrar da falta de legitimidade e, portanto, diante de toda funcionalidade normal do complexo jurídico – político do país, ser posto para fora.

A democracia, como já mencionado acima, se afigura como um dever ser. E deste dever ser surgem inúmeras indagações, as quais, uma vez expostas, devem ser rebatidas e solucionadas para que haja uma provável inserção do correto conceito democrático dentro da vida estatal dos mais diversos países. Hoje, se torna difícil encontrar qualquer idéia de governabilidade que seja unanimemente e pacificamente aceita na consciência dos Estados, não existe tal situação definida como um democratismo igual para todos.

É de se fazer pensar a indagação se seria a democracia a melhor maneira de se governar um Estado. Como se percebe dando uma volta ao mundo, são vários os países que ainda estão na zona dos não democráticos, em estado de regime complicado de ser alterado, e, facilmente, não querido pelos líderes. O que faz a visão de democracia ser melhor para o mundo hoje? Robert Dahl34 enumera pelo menos 10 razões para que a democracia seja vista, universalmente, como sistema de governo ideal: evita a tirania; direitos fundamentais; liberdade geral; auto determinação, no sentido de proteção aos próprios interesses fundamentais; autonomia moral, isto é, ter a possibilidade de escolha nas leis a serem obedecidas; desenvolvimento humano; proteção de interesses pessoais essenciais; igualdade política; busca pela paz; e, prosperidade.

Destes, a igualdade política e a liberdade podem proporcionar a busca e a consecução de todos os outros, daí a observação de que esses dois valores acabam por nortear toda a vida útil de uma democracia. Os direitos fundamentais se tratam de conquistas, conquistas, estas, que tendem somente a expandir e abarcar cada vez mais direitos, tudo em nome da tão sonhada paz universal. Os direitos da pessoa humana estão enraizados à democracia, esta protege e dissemina tudo o quanto já alcançado, se fazendo, assim, não só um método de governar, mas

33 Daron Acemoglu e James A. Robinson. Economic origins of dictatorship and democracy. New York:

Cambridge University Press, 2006.

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uma rede de proteção aos direitos; atua lado a lado com os Direitos Humanos,35 inclusive confundindo-se com eles. Os direitos fundamentais fortalecem a democracia, assim como a democracia personifica os direitos. “Se e quando vários cidadãos falharem em entender que a democracia requer certos direitos fundamentais ou falharem em apoiar as instituições política, administrativa e judicial que protegem esses direitos, então a democracia deles está em perigo”.36

Nada nos impede, portanto, de tentar enquadrar a democracia em um padrão com requisitos mínimos a serem observados e fazer disso algo universalmente protegido, sob as asas dos direitos humanos. Quando se fala de requisitos mínimos, há que entender-se a adequação da realidade universal na qual vivemos ao que cada cultura procura, na visão de se aprimorar frente aos direitos do homem. Deverá se grifar, claro, a igualdade e liberdade, mas respaldadas por inúmeros direitos paralelos, igualmente consagrados, que não deixarão de ser perseguidos, mesmo tendo em vista o cenário divergente de cada país que se estuda.

Para isso, a sociedade deve exigir e os países hão de contemplar essa realidade diversa e, certamente, mais evoluída. As indagações são muitas e o desafio maior ainda. Chega o tempo em que uma revolução da sociedade é, ao mesmo tempo, distante, mas bem vista pelos demais viventes. O que fazer quando a democracia é exigida pela sociedade, mas, dessa vez, a sociedade internacional? Será uma questão de direitos humanos, que poderá intervir pela boa existência alheia?

Diante de tudo, deve a visão democrata prevalecer, ser exigida e respeitada. A democracia é bem maior, é o caminho capaz de dar ao povo o que é do povo, o poder. Mas e se esse ideal se quebra e outro regime se instaura? Aí, o mundo todo está em perigo e, portanto, o mundo inteiro há de responder.

35 Dar-se-á a noção de Direitos Humanos no próximo capítulo.

36 Robert Alan Dahl. On democracy. New Haven e Londres: Yale University Press, 1998.

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2 DIREITOS HUMANOS

É melhor sofrer o mal do que fazer o mal. Sócrates.

Sobre os direitos humanos há que se falar, a título de fundamentação, que o direito é dos povos e não dos Estados. A ordem internacional justifica os direitos da pessoa humana, porque com eles se insurgirá contra as desigualdades e trabalhará na concretização da sociedade justa. “Pode-se dizer que a força da afirmação acerca da existência dos direitos humanos recai no reconhecimento de algumas importantes liberdades, as quais, diante das suas reivindicações, deverão ser respeitadas e correspondidas na aceitação das obrigações pela sociedade, de uma maneira ou de outra, a fim de suportar e promover essas liberdades”.37

Há uma distinção, por mais que meramente acadêmica ou de importância comprometida, tendo em vista a internacionalização dos valores humanos, entre os direitos fundamentais e os da pessoa humana. Ao primeiro se soma o valor cultura, ou seja, o bem protegido nem sempre é de reconhecimento universal, tratando-se de modos de existência específicos, e, por isso, amplamente protegido pelo ente estatal. Os direitos fundamentais estão sob a tutela constitucional de cada país, o que não acontece com os humanos que muitas vezes estão apenas sob a proteção das organizações internacionais e, assim, nunca acima da vontade soberana do Estado.

O termo “direitos humanos” reflete o mínimo necessário para o exercício de vida digna, estendido a qualquer indivíduo, sendo esta a conotação do uso de “humanos”, isto é, de todos, para todos. Verifica-se, por certo, uma repetição desnecessária nesta nomenclatura, já que somente a condição humana permite a titularidade de direitos. Entrementes, passa longe de ser dúbia a essencialidade de tal junção de palavras; ao se dizer direitos humanos certamente que

37 Amartya Sen. The Idea of justice. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2009, p. 357.

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se põe a claro, diante da notável redundância, a visão de que esse direito é geral, é digno de todos, basta ser humano. Fabio Konder Comparato explica:38

O pleonasmo da expressão direitos humanos, ou direitos do homem39, é assim

justificado, porque se trata de exigências de comportamento fundadas essencialmente na participação de todos os indivíduos do gênero humano, sem atenção às diferenças concretas de ordem individual ou social, inerentes a cada homem.

Ainda dissertando acerca da definição dos direitos humanos, repassa-se, aqui, o conceito de Peres Luño, que assim os considera:40

O conjunto de faculdade e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

Historicamente falando, costuma se classificar a evolução dos direitos humanos em de 1ª, 2ª e 3ª geração. Paulo Bonavides41 propõe a troca dos vocábulos geração por dimensão, visto que a idéia pensada pelo primeiro supõe um entendimento retilíneo e sempre progressivo dos direitos humanos, fato este que não se observou, pois que a afirmação destes valores é moderada por idas e vindas, avanços e repulsas, o que torna irrazoável reproduzir o histórico dos valores humanos conquistados em um seguimento linear. Além disso, a idéia doutrinária de geração, que associou cada fase a um dos componentes da Revolução Francesa, faz supor um desaparecimento ou progressão entre os ideais conquistados, sendo que nunca se deixou de falar, sucessiva e cumulativamente, em liberdade, igualdade e solidariedade ao se tratar de direitos humanos.

Ademais, ao ser reconhecido novo direito, não há, de forma alguma, como se falar em ultrapasse dos já conquistados, devendo haver, certamente, a atualização dos antigos para com os novos. O direito de propriedade, por exemplo, com o advento da nova forma de respeito ao meio ambiente, deve se adequar a estas exigências, e não, jamais, se deixar ficar obsoleto, como que servindo apenas de preparação a outro direito ainda por vir; uma geração não

38 Fábio Konder Comparato. Fundamentos dos direitos humanos. Revista Consulex, vol. 48, dez 2000, p. 52—

61.

39 A expressão “direitos do homem” retrata a origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do

indivíduo, no momento histórico de sua afirmação frente ao Estado autocrático europeu no seio das chamadas revoluções liberais. Há quem questione o caráter sexista da expressão, que pretere os direitos da mulher. (André de Carvalho Ramos. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005). Aqui, usar-se-á, indistintamente, o termo, considerando-o sinônimo dos direitos humanos.

40 Antonio Peres Luño apud André de Carvalho Ramos. Teoria geral dos direitos humanos na ordem

internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 19.

41 Paulo Bonavides. A constituição aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade, com ênfase no

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sucede a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação.42 Nesse contexto é que o termo “dimensão”, certamente, se torna mais adequado, pois a conclusão é que a partir da admissão de um novo valor, devem os anteriores ser mais bem aclarados e, então, assumirem uma nova dimensão no seu alcance e realização.

Na 1ª dimensão, os direitos vencidos foram os individuais, fala-se em liberdade, com os direitos civis e políticos, tendo como marco as revoluções liberais do século XVIII na Europa e nos Estados Unidos. No dizer de André de Carvalho Ramos:43

Saliente-se que o papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo (abstenção em violar os direitos humanos, ou seja, as famosas prestações negativas), quanto ativo, pois há de se exigir ações do Estado para garantia de segurança pública, administração da justiça, entre outras.

Na 2ª fase, resguardam-se os direitos econômicos, sociais e culturais, é a era da igualdade, implicando, justamente, na concretização das liberdades asseguradas pela primeira camada de direitos, devendo ser estendida a todos e, principalmente, aos mais miseráveis. Exige-se a prestação positiva do Estado para fazer valer os direitos sociais, dos quais os indivíduos são titulares. Nesta 2ª dimensão, os direitos vieram como resultados das lutas sociais na Europa e Américas, com a Constituição mexicana de 1917 (regulando o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (estabelecendo os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais) e o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho. André Ramos traz nova contribuição ao estudo:44

A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo, embora necessário para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para realizar aquilo que CELSO LAFER denominou “direito de participar do bem-estar social”

Por fim, tem-se a 3ª dimensão respaldada sob o ânimo da solidariedade e tendo a comunidade como titular dos direitos; protegem-se os valores da paz, desenvolvimento, meio ambiente, qualidade de vida, liberdade de informação, interesse dos consumidores, dentre outros.

42 Flávia Piovesan. Temas de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

43 André de Carvalho Ramos. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005, p. 83 – 84.

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Importante, também, aduzir que a inserção dos direitos humanos nessa contagem de dimensões não deixa de lado o valor atribuído à dignidade da pessoa humana antes disso. Desde que o mundo é o mundo, se tem preocupação com o valor humano, mesmo que em pequenas proporções, comparado ao atual. Vê-se a abolição da escravatura, a perquirição da idéia de justo pelos gregos, a Declaração de Direitos da Inglaterra de 1689, a Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776 (este, inclusive, o primeiro documento a impor os princípios democráticos, na história política moderna), a proteção das minorias com as guerras e já os primeiros convênios em Genebra visando a proteção dos enfermos e feridos e, até, a própria antecessora da ONU, Sociedade das Nações, idealizada no ano de 1919, pós Primeira Guerra Mundial. Ramos contribui:45

Desde a Antiguidade, discute-se a existência de direitos fundamentais pertencentes a todos os seres humanos. Antes mesmo de se pensar em sua positivação, os filósofos gregos já examinavam o problema dentro da esfera do Direito Natural. Sófocles, em sua peça Antígona, expõe a crença na existência de um direito imutável e superior às normas escritas pelo homem. Alexandre de Moraes ensina que “O Código de Hamurabi (1690 a.C) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”. (grifos originais).

Ainda sobre as gerações dos direitos humanos, e a errônea idéia de transformação progressiva de uma fase em detrimento da outra, essencial é destacar outro possível mau entendimento da separação, do qual alguns governos, de instintos duvidosos, podem tirar proveito. Todos os direitos são essenciais para a vida humana digna, há que se falar somente na integralidade do conjunto, e não em sua quebra, pois que justamente essa quebra faz com que alguns governos se sintam aptos a promover um determinado direito, que melhor satisfaça a doutrina da sua governança, e esquecer, propositalmente, dos outros. Não se faz justiça implementando os direitos econômicos, por exemplo, para somente diminuir o âmbito de aplicação dos civis e políticos. A unidade dos direitos humanos é o estímulo para a administração saudável e o contentamento da sociedade, qualquer fissura ou sobreposição de um valor a outro é ilusão, mesmo que jurídica, de que o sistema está funcionando. Antônio Cançado Trindade comenta:46

A visão fragmentada dos direitos humanos interessa sobretudo aos regimes autoritários, ao autoritarismo sem bandeiras, seja no plano políticos, seja no plano econômico-social; tal visão tem servido aos interesses dos responsáveis pelos abusos

45 André de Carvalho Ramos. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Renovar: Rio de

Janeiro, 2005, p. 81.

46 Antônio Augusto Cançado Trindade. Direitos humanos e meio ambiente: paralelos dos sistemas de

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