RevPaulPediatr.2016;34(1):1---2
www.rpped.com.br
REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
EDITORIAL
O
desafio
do
uso
off
label
de
medicamentos
Challenges
on
off
label
medicine
use
Marisa
Lima
Carvalho
InstitutoAdolfoLutz,SãoPaulo,SP,Brasil
Recebidoem1desetembrode2015
Apósa SegundaGuerraMundialocorreuo quesecostuma chamardeexplosão farmacológica, quedeu lugar a gran-desavanc¸osnotratamentodeenfermidadesqueanteseram inevitavelmentemortaisouincapacitantes.
Essaexpansãofarmacológicacontribuiuparaa ocorrên-ciadeacidentesgravíssimos,comoaepidemiadefocomelia atribuídaàtalidomida.Desdeentão,apreocupac¸ãocoma seguranc¸adosmedicamentoscontribuiuparao desenvolvi-mentoeaaplicac¸ãodemétodosclínicoseepidemiológicos para avaliar os benefícios e os riscos potenciais de qual-quer tipo de intervenc¸ão terapêutica, seja farmacológica ounão.1
É claro que com a administrac¸ão de um medicamento pretende-seobterumefeito benéfico paraquem o toma. Nãoobstante,é importantequeaspremissas quederivam de análises de evidências científicas não sejam esqueci-das: em primeiro lugar, alguns medicamentos não têm a eficáciapretendidae,emsegundo,independentementede seusefeitosbenéficos,todososmedicamentospodem pro-duzirefeitosnãodesejados.
Quandoummedicamentoélanc¸adonomercado,todoo conhecimentosobreo fármaco baseia-senos estudos pré--comercializac¸ão:duranteodesenvolvimentodamolécula, iniciam-se estudosexperimentais sobre seusefeitos e sua toxicidadeemanimais(estudospré-clínicos)e,casonãose observemefeitostóxicosinaceitáveis,fazem-seosprimeiros ensaiosclínicosemhumanos.Sãoosdenominadosestudos defaseI,IIeIII,parainvestigaraspectosrelacionadoscom afarmacocinética,toxicidadeeeficáciaemsereshumanos.
DOIserefereaoartigo:
http://dx.doi.org/10.1016/j.rppede.2015.12.007
E-mail:marisalima@ial.sp.gov.br
Nos ensaios clínicos vários fatores podem interfe-rir nos resultados, como os critérios de inclusão e exclusão,o tamanhodas amostras e até mesmo critérios ‘‘aparentementeéticos’’,que,emboraplenamente justifi-cadosnasprimeirasfasesdeavaliac¸ãodeumnovofármaco, impedemoestudocientíficoemcertaspopulac¸ões.Durante muitotempo,salvo excec¸ões,ascrianc¸asforamexcluídas dosensaiosclínicos.ApenasnafaseIV(pós-comercializac¸ão) osmedicamentos passama serusadosem crianc¸as,o que podefavorecerquesetornemsujeitosdeumapráticaclínica nãocontrolada.1,2
Essapráticadeindicac¸ãopediátrica semevidências clí-nicas,emcondic¸õesdiversasdasestudadasepreconizadas (indicac¸ões,posologias,formulac¸õesextemporâneas,idade emquefoitestada),sãoconhecidascomousoofflabel,que estácomprovadamenteassociadoaumaumentodosefeitos adversos3-5edeveserdesencorajado.
Neste fascículo da Revista Paulista de Pediatria, Gonc¸alves e Heineck fizeram um estudo descritivo trans-versal, com metodologia simples.6 Neste estudo os
autoresmostraram que, dototal, 232 (31,7%)prescric¸ões eramofflabeleobservaram-seosseguintestipose frequên-cias:offlabeldedose-90(38,8%);deidade-73(31,5%);e defrequênciadeadministrac¸ão -68 (29,3%).O mais pre-ocupante foi o achado de sobredose para medicamentos cujouso nessasituac¸ãopode serfatal, como é o casodo salbutamol.
Aindicac¸ãodeusoofflabeldemedicamentosem pedia-trianoBrasiléumapráticarecorrente.Seráqueessaprática énecessária?Oquesepodefazerparagarantiraseguranc¸a dascrianc¸as?
Comoobjetivodeprotegerasaúdedascrianc¸ase garan-tir que esses medicamentos sejam usados de forma mais ética,desde2007 aUnião Europeiaeditouumalegislac¸ão paraodesenvolvimentoeaautorizac¸ãodemedicamentos
2 LimaCarvalhoM.
pediátricos.7 Desde então as indústrias farmacêuticas
estão obrigadas a desenvolver seus medicamentos tanto napopulac¸ãoadultacomonapopulac¸ãopediátrica,como objetivo de adaptar os medicamentos às necessidades, à posologia, à formafarmacêutica, à via de administrac¸ão, entreoutros,afimdequesejameficazesesuaseguranc¸a nãoseja alteradapelo risco de superdosagem. Foi criado ainda um Comitê Pediátrico, encarregado de assegurar a avaliac¸ãodosPlanosdeInvestigac¸ãoemPediatria,osPIPs, apresentados pelas indústrias farmacêuticas. O comitê é composto por 12 representantes dos países membros e entresuas func¸ões se destaca a elaborac¸ão de uma lista quecontempleasnecessidadesespecíficasemPediatria.7
Nomesmoanode2007,aOrganizac¸ãoMundialdeSaúde (OMS)publicouaprimeiraListadeMedicamentosEssenciais paraCrianc¸as, que é revisada a cada dois anos,e lanc¸ou aindaacampanhaMakemedicineschildsize,comointuito desensibilizarepromoverumaac¸ãoglobalsobreoproblema dafaltadeformulac¸õespediátricas.8
NosEstadosUnidosdaAméricaoórgão regulador,Food andDrugAdministration(FDA),criouem2012,subordinado aoIND(Investigac¸ãodeNovasDrogas),oSafetyand Innova-tionAct(FDASIA-2012),que implantouoPlano deEstudos Pediátricos. Esse plano é exigido para novas moléculas, nova indicac¸ão, nova formafarmacêutica, nova posologia enovaviadeadministrac¸ão.9,10
No Brasil existem iniciativas isoladas de estabeleci-mentosdesaúde que,ao padronizar medicamentos, criar comissões de farmacologia e outras medidas, conseguem avaliarousodemedicamentosofflabel.NoEstadodeSão Paulo, O Centro de Vigilância Sanitária (CVS), na áreade farmacovigilância,temporbaseasnotificac¸õesdeeventos adversosefazpublicaremDiárioOficialAlertasTerapêuticos em Farmacovigilância. Recentemente o CVS publicou dois Alertas,‘‘Metilfenidato:indicac¸õesterapêuticasereac¸ões adversas’’(julhode2013)e‘‘Riscodeneoplasiapancreática associadoà terapia baseadanasincretinas’’ (fevereirode 2014).Ambostêmcomofocooalertaapósreac¸õesadversas decorrentesdousoofflabeldosmedicamentos.Oprimeiro éamplamenteusadoparacrianc¸as.11,12Noâmbitofederal,a
Resoluc¸ãodaDiretoriaColegiada(RDC)n◦9,de20de feve-reirode2015,quetemporobjetivodefinirprocedimentos erequisitosparaafeituradeensaiosclínicoscom medica-mentos,ressaltaqueosensaiosclínicospós-comercializac¸ão estãosujeitosapenasaNotificac¸ãodeEnsaioClínico.13
Deimediato, parainduzir o empregoético de medica-mentosofflabel,énecessárioqueseuusoexcepcionalseja justificado clinicamente,ainda que sejaacompanhado de esclarecimento e consentimento dos responsáveis.14 Essa
medidapodesertomadapelasunidadesdesaúde.AAgência NacionaldeVigilânciaSanitária(Anvisa),aexemplodoórgão reguladordaUnião Europeia,deveriaestabelecercritérios enormas queinduzamestudoscomparativos emostrema eficáciaeseguranc¸adousodemedicamentosemcrianc¸as. Quando promissoras, as terapias devem ser testadas em ensaiosclínicoscontroladoseasbulasreformuladas.
Financiamento
Oestudonãorecebeufinanciamento.
Conflitos
de
interesse
Aautoradeclaranãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
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10.http://www.fda.gov/RegulatoryInformation/Legislation/ FederalFoodDrugandCosmeticActFDCAct/Significant AmendmentstotheFDCAct/FDASIA/.
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