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MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA. Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar Mariana Sofia Soares Alves M 2021

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MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA

Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar

Mariana Sofia Soares Alves

M

2021

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ARTIGO DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar

Dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Medicina

Submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto

Nome do aluno: Mariana Sofia Soares Alves

Aluna do 6º ano profissionalizante do Mestrado Integrado em Medicina

Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto Endereço: Rua de Jorge Viterbo Ferreira nº228, 4050-313 Porto

Endereço eletrónico: mary_sofia_alves@hotmail.com | up201305057@edu.icbas.up.pt

Orientador: Liliana Correia de Castro

Assistente de Psiquiatria no Hospital de Magalhães Lemos, EPE, Serviço de Internamento B Afiliação: Professora Auxiliar convidada do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto

Endereço: lilianacorreiadecastro@gmail.com

Junho 2021

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Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar

Junho 2021

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i

Agradecimentos

À minha orientadora Drª. Liliana Castro, por ter aceitado orientar a minha dissertação de mestrado e por toda a ajuda e disponibilidade que me prestou ao longo da elaboração da mesma.

Aos meus pais, pois sem eles todo este percurso não teria sido possível.

À minha avó e à Maria, por terem sempre acreditado nas minhas capacidades e me terem dado força para não desistir dos meus objetivos.

Aos meus amigos e restantes familiares por todo o apoio prestado.

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ii

Resumo

Introdução: As perturbações do comportamento alimentar representam um grupo heterogéneo de condições patológicas caracterizadas pela presença de anomalias no padrão alimentar, nomeadamente na quantidade e natureza dos alimentos ingeridos. A sua etiologia pode ser encontrada pelo menos parcialmente em fatores sociais, contudo nem todos os indivíduos sujeitos à mesma exposição ambiental desenvolvem a doença, evidenciando que outros fatores como os genéticos e os baseados na personalidade estejam também evolvidos no seu desenvolvimento.

Objetivos: Esta revisão bibliográfica tem como objetivo sumarizar a evidência científica existente até à data relativamente à relação entre os traços de personalidade e as perturbações do comportamento alimentar. Pretende-se ainda inferir de que forma é que a identificação desses traços pode apresentar um papel relevante na elaboração de programas preventivos e no sucesso das terapêuticas instituídas.

Metodologia: Procedeu-se a uma pesquisa metódica nas bases de dados eletrónicas PubMed e PsycINFO, de artigos científicos publicados nos últimos 20 anos utilizando as seguintes palavras- chave: “Perturbações alimentares”, “anorexia nervosa”, “bulimia nervosa”, “ingestão alimentar compulsiva”, “personalidade”, “traços de personalidade”, “psicoterapia” e “prevenção”.

Desenvolvimento: O perfeccionismo, a urgência negativa, o neuroticismo, a introversão, a sensibilidade à punição e a evicção de danos são traços de personalidade comuns entre indivíduos com perturbações alimentares. Os traços obsessivo-compulsivos predominam em indivíduos com anorexia nervosa enquanto a impulsividade é mais prevalente em indivíduos com bulimia nervosa.

Observa-se ainda uma concordância de traços entre indivíduos com anorexia nervosa do tipo purgativo e indivíduos com bulimia nervosa o que evidencia que os traços de personalidade se podem relacionar de forma mais consistente com sintomas alimentares do que com diagnósticos precisos. Determinados traços como o perfeccionismo, a impulsividade, os traços obsessivo- compulsivos, a busca pela novidade, a autodiretividade e a cooperatividade demonstraram influenciar o prognóstico da doença já que se relacionam com a gravidade das manifestações clínicas ou com a adesão ao tratamento instituído, o que enfatiza a sua importância enquanto foco de novas intervenções terapêuticas. Relativamente ao papel dos traços de personalidade na elaboração de programas preventivos, observou-se que a realização de intervenções focadas no perfeccionismo era eficaz na redução de cognições relacionadas com a doença e na prevenção de sintomas alimentares patológicos.

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iii Conclusão: Os traços de personalidade apresentam um papel preponderante no desenvolvimento, manutenção e prognóstico das perturbações alimentares, assumindo, portanto, grande importância em termos clínicos.

Palavras-chave: Perturbações alimentares, anorexia nervosa, bulimia nervosa, ingestão alimentar compulsiva, personalidade, traços de personalidade, psicoterapia, prevenção.

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iv

Abstract

Introduction: Eating disorders represent a heterogeneous group of pathological conditions characterized by the presence of abnormalities in the eating pattern namely in the quantity and nature of the food eaten. The etiology of such disorders can be found at least in social factors, however not all individuals subject to the same environmental exposure develop the disease, showing that other factors such as genetic and those based on personality are also involved in its development.

Objectives: This bibliographic review aims to summarize the existing scientific evidence regarding the relationship between personality traits and eating disorders. It is also intended to infer how the identification of these traits can play a relevant role in the development of preventive programs and in the success of established therapies.

Methods: A methodical search of the published literature from the last twenty years was conducted on the electronic databases PubMed and PsycINFO using the following keywords: “eating disorders”, “anorexia nervosa”, “bulimia nervosa”, “binge eating”, “personality”, “personality traits”, “psychotherapy” and “prevention”.

Development: Perfectionism, negative urgency, neuroticism, introversion, sensibility to punishment and harm avoidance are common among individuals with eating disorders. The obsessive-compulsive traits predominate in individuals with anorexia nervosa while impulsivity is more prevalent in patients with bulimia nervosa. There is also a concordance of traits between individuals diagnosed with the purging type of anorexia nervosa and individuals with bulimia nervosa which shows that personality traits can relate more consistently with eating symptoms than with accurate diagnosis. Certain traits such perfectionism, impulsivity, obsessive-compulsive traits, novelty seeking, self-directedness and cooperativeness have been shown to influence the prognosis of the disease as they are related to the severity of clinical manifestations or adherence to the instituted treatment which emphasizes its importance as the focus of new therapeutic interventions. Regarding the role of personality traits in the development of preventive programs it was observed that performing interventions focused on perfectionism was effective in reducing cognitions related to the disease and in preventing pathological eating symptoms.

Conclusion: Personality traits play an important role in the development, maintenance, and prognosis of eating disorders, assuming, therefore, great importance in clinical terms.

Keywords: eating disorders, anorexia nervosa, bulimia nervosa, binge eating, personality, personality traits, psychotherapy, prevention.

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v

Lista de abreviaturas

AN – Anorexia nervosa

AN-P – Anorexia nervosa do tipo purgativo AN-R – Anorexia nervosa do tipo restritivo BN – Bulimia Nervosa

BED – Binge Eating Disorder (Perturbação de ingestão alimentar compulsiva)

DSM - Diagnostic and statistical manual of mental disorders (Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais)

IMC – Índice de massa corporal

ITC – Inventário de temperamento e carácter PCA – Perturbações do comportamento alimentar

PHDA – Perturbação de hiperatividade e défice de atenção

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vi

Índice

Agradecimentos ... i

Resumo ... ii

Abstract ...iv

Lista de abreviaturas ... v

1. Introdução ... 1

2. Objetivos ... 3

3. Metodologia ... 4

4. Desenvolvimento ... 5

4.1. Perturbações do comportamento alimentar ... 5

4.1.1. Anorexia Nervosa ... 5

4.1.2. Bulimia Nervosa ... 6

4.1.3. Perturbação de ingestão alimentar compulsiva / Binge eating disorder ... 7

4.2. Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar... 8

4.2.1. Perfeccionismo ... 9

4.2.2. Traços obsessivo-compulsivos ... 11

4.2.3. Impulsividade ... 13

4.2.4. Modelo dos cinco fatores de personalidade ... 16

4.2.5. Sensibilidade à recompensa e sensibilidade à punição ... 19

4.2.6. Temperamento ... 19

5. Conclusão ... 22

Referências bibliográficas... 25

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1

1. Introdução

As perturbações do comportamento alimentar representam um grupo heterogéneo de condições patológicas caracterizadas pela presença de anomalias no padrão alimentar, nomeadamente na quantidade e natureza dos alimentos ingeridos. Acarretam graves consequências físicas e psicossociais para os indivíduos, o que as torna num dos mais preocupantes problemas de saúde mental da atualidade. 1

A 5ª edição do manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais (DSM-5)1 referencia como perturbações do comportamento alimentar a anorexia nervosa, a bulimia nervosa, a perturbação de ingestão alimentar compulsiva (binge eating disorder), a pica, a perturbação alimentar restritiva/evitante e a perturbação de ruminação. A anorexia nervosa engloba três características centrais: a restrição persistente da ingestão alimentar, o medo intenso de ganhar peso ou comportamentos persistentes que interferem com o ganho ponderal e a perturbação na autoperceção do peso e da forma corporal. A psicopatologia cardinal da bulimia nervosa envolve a tríade binge eating (ingestão de grande quantidade de alimentos num curto espaço de tempo aliada à sensação de perda de controlo), comportamento compensatório e sobrevalorização da imagem.1 Alguns doentes apresentam características de ambos os grupos simultaneamente e, portanto, não chegam a cumprir critérios de diagnóstico para nenhum deles. Por outro lado, por vezes doentes que cumprem critérios para anorexia nervosa ou bulimia nervosa migram entre características diagnósticas ao longo do tempo, o que evidencia a existência de um mecanismo fisiopatológico partilhado e de fronteiras arbitrárias entre os diagnósticos.2 A perturbação de ingestão alimentar compulsiva, à semelhança do que acontece com a bulimia nervosa, define-se pela presença de binge eating, contudo apresenta como característica distintiva a ausência de comportamentos compensatórios posteriores.1

A nível epidemiológico, as perturbações do comportamento alimentar são mais prevalentes em adolescentes e mulheres jovens e quanto mais precoce é a sua emergência maior é a probabilidade de que se tornem crónicas.3 Estima-se que as taxas de mortalidade em mulheres diagnosticadas com perturbações do comportamento alimentar no geral, e com anorexia nervosa em particular sejam superiores às de qualquer outro distúrbio psicológico, com taxas de suicídio doze vezes superiores às da população em geral, com a mesma idade.4 A etiologia do transtorno pode ser encontrada, pelo menos parcialmente, em fatores sociais.2 As taxas de incidência são muito superiores na sociedade ocidental, especialmente em raparigas adolescentes, porém nem todas as adolescentes ocidentais desenvolvem perturbações alimentares apesar da sua aparente exposição à mesma pressão social. Assim, concluiu-se que outros fatores nomeadamente os

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2 genéticos e os baseados na personalidade estejam também envolvidos no desenvolvimento destas perturbações.5

Nos anos cinquenta, o paciente típico com anorexia nervosa era descrito como sendo rígido, inseguro, sensível e introvertido. Anos mais tarde, após o reconhecimento da bulimia nervosa, os fatores temperamentais também se revelaram proeminentes na explicação da diversidade de sintomas característica desta patologia enfatizando o papel da personalidade no desenvolvimento e manutenção das PCA e incitando uma panóplia de estudos em torno desta temática.6

Os resultados obtidos nas diferentes formas de tratamento mostraram que alguns pacientes reagiam favoravelmente a terapias conservadoras focadas nos hábitos alimentares enquanto outros, com determinados traços de personalidade não obtinham as mesmas respostas favoráveis. Assim, torna-se imperativo monitorizar esses traços de personalidade de forma a permitir a administração de um curso paralelo de tratamento.7 Para além disso, nos programas de prevenção obtêm-se melhores resultados em populações de alto risco, o que realça o interesse em utilizar modelos de risco baseados em variáveis de personalidade.8

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3

2. Objetivos

Esta revisão bibliográfica tem como objetivo reunir a evidência científica existente até à data relativamente à relação entre os traços de personalidade e as perturbações do comportamento alimentar. Pretende-se ainda inferir de que forma é que a identificação desses traços pode apresentar um papel relevante na elaboração de programas preventivos e no sucesso das terapêuticas instituídas.

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3. Metodologia

Para a elaboração desta dissertação de mestrado realizou-se uma pesquisa metódica, nas bases de dados eletrónicas PubMed e PsycINFO, de artigos científicos datados dos últimos 20 anos (2001-2021). Foram utilizadas as palavras-chave “eating disorders” “anorexia nervosa” “bulimia nervosa” “binge eating” “personality” “personality traits”, “psychotherapy” e “prevention”, sendo feita uma seleção inicial baseada na leitura do abstract e na relevância dos objetivos pretendidos.

Foram excluídos artigos que abordassem exclusivamente a relação entre as perturbações do comportamento alimentar e as perturbações de personalidade. Dos artigos selecionados foram ainda revistas as referências bibliográficas de forma a encontrar outros artigos relevantes para o tema que não tinham sido encontrados na pesquisa inicial. Para a fundamentação teórica foi utilizada a 5ª edição do manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais (DSM-5) bem como artigos relevantes na caracterização das escalas ou modelos de personalidade.

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5

4. Desenvolvimento

4.1. Perturbações do comportamento alimentar

As perturbações do comportamento alimentar (PCA) caracterizam-se pela presença de um distúrbio na alimentação ou no comportamento relacionado com a mesma, resultando no consumo ou absorção alterada dos alimentos e no compromisso significativo quer da saúde física quer do funcionamento psicossocial do individuo.1

No manual de diagnóstico e estática das perturbações mentais (DSM-5)1 são descritos critérios de diagnóstico para seis perturbações do comportamento alimentar: a anorexia nervosa, a bulimia nervosa, a perturbação de ingestão alimentar compulsiva (binge eating disorder), a pica, a perturbação alimentar restritiva/evitante e a perturbação de ruminação, contudo, ao longo desta dissertação, serão apenas enfatizadas as três primeiras.

4.1.1. Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa (AN) corresponde a uma PCA caracterizada pelo DSM-51 através dos seguintes critérios:

A. Restrição da ingestão calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo para a idade, género, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Um peso corporal significativamente baixo define-se como um peso inferior ao mínimo normal, ou no caso de crianças e adolescentes, inferior ao minimamente esperado.

B. Medo intenso de ganhar peso ou engordar, ou comportamentos persistentes que interferem no ganho de peso, mesmo estando este significativamente baixo.

C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida dos mesmos na autoavaliação ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.

Com base na forma de apresentação da doença é possível distinguir dois subtipos de anorexia nervosa: o subtipo restritivo (AN-R) e o subtipo purgativo (AN-P). No subtipo restritivo, durante os últimos três meses, o individuo não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo (vómitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas) sendo a perda de peso conseguida essencialmente por meio de dieta, jejum e/ou exercício

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6 excessivo. Em contrapartida, no subtipo purgativo o indivíduo esteve envolvido em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa nos últimos três meses.1

O nível de gravidade pode ser inferido através do índice de massa corporal (IMC), sendo a doença classificada como leve para IMC > 17 kg/m2, moderada para IMC 16-16.99 kg/m2, grave para IMC 15-15.99 kg/m2 e extrema para IMC <15 kg/m2. Nas crianças e adolescentes devem ser usados os percentis do IMC correspondentes.1

A semi-inanição característica da anorexia nervosa, bem como os comportamentos purgativos que por vezes se verificam, afetam a maioria dos sistemas orgânicos, podendo impulsionar condições médicas severas ou até mesmo potencialmente fatais. Apesar de grande parte das alterações fisiológicas serem reversíveis com a reposição nutricional, outras como por exemplo a perda da densidade mineral óssea podem não ser completamente reversíveis.1

Ao nível da saúde mental, é comum a presença de comorbilidades como a depressão, a perturbação bipolar, perturbações de ansiedade e perturbação obsessivo-compulsiva, observando- se um risco de suicídio significativo, motivo pelo qual deve ser feita uma avaliação abrangente destes indivíduos de forma a averiguar a presença de ideação suicida e da existência de tentativas prévias.1

4.1.2. Bulimia Nervosa

A bulimia nervosa é definida pelo DSM-51 através dos seguintes critérios:

A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar é caracterizado pelos seguintes aspetos:

a. Ingestão, num determinado período de tempo, de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que aquela que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período sob circunstâncias semelhantes.

b. Sensação de falta de controlo sobre a ingestão durante o episódio.

B. Comportamentos compensatórios inapropriados recorrentes com o intuito de impedir o ganho de peso, como vómitos autoinduzidos, uso indevido de laxantes, diuréticos ou outros fármacos, jejum ou realização de exercício físico em excesso.

C. A compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios inapropriados ocorrem, em média, no mínimo uma vez por semana durante três meses.

D. A autoavaliação é indevidamente influenciada pelo peso e forma corporal.

E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa.

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7 Quando os indivíduos deixam de cumprir algum dos critérios previamente descritos considera- se que estão em remissão parcial da doença, sendo necessário que não seja preenchido nenhum critério por um período de tempo considerável para ser considerada remissão completa. Ao contrário do que se observa na anorexia nervosa, neste caso os indivíduos tendem a apresentar peso dentro dos valores padronizados como normais, podendo por vezes desenvolver excesso de peso.1

O grau de gravidade baseia-se na frequência dos comportamentos compensatórios inapropriados, sendo a doença classificada como leve quando existe uma média de 1 a 3 comportamentos por semana, moderada quando se observa uma média de 4 a 7, grave para uma média de 8 a 13 e extrema quando se observam 14 ou mais comportamentos inapropriados por semana.1

Relativamente às complicações médicas da doença, estas estão diretamente relacionadas com o tipo e frequência dos comportamentos compensatórios, sendo particularmente notórias nos casos de vómito autoinduzido e abuso de laxantes. A complicação mais preocupante é o desenvolvimento de desequilíbrios eletrolíticos, que podem conduzir, em situações extremas a disritmias ou até mesmo à morte.1

4.1.3. Perturbação de ingestão alimentar compulsiva / Binge eating disorder

De acordo com o DSM-51, a perturbação de ingestão alimentar compulsiva / binge eating disorder (BED) caracteriza-se pelos seguintes critérios de diagnóstico:

A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar é caracterizado pelos seguintes aspetos:

a. Ingestão, num determinado período de tempo, de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que aquela que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período sob circunstâncias semelhantes.

b. Sensação de falta de controlo sobre a ingestão durante o episódio.

B. Os episódios de compulsão alimentar estão associados a três ou mais dos seguintes aspetos:

a. Comer mais rapidamente que o normal.

b. Comer até se sentir desconfortavelmente cheio.

c. Comer grandes quantidades de alimentos na ausência de sensação física de fome.

d. Comer sozinho por vergonha do quanto se está a comer.

e. Sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpado em seguida.

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8 C. Sofrimento marcante em virtude da compulsão alimentar.

D. Os episódios de compulsão alimentar ocorrem, em média, uma vez por semana durante três meses.

E. A compulsão alimentar não está associada ao uso recorrente de comportamentos compensatórios inapropriados como na bulimia nervosa e não ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nevosa.

O individuo é considerado em remissão parcial da doença quando os episódios de compulsão alimentar ocorrem com uma frequência inferior a uma vez por semana durante um período de tempo sustentado. Para a remissão completa, é necessário, mais uma vez, que não seja preenchido nenhum dos critérios previamente descritos.1

Relativamente ao grau de gravidade da doença este é inferido tendo em conta a frequência dos episódios de compulsão alimentar. Assim, a doença é classificada como leve quando estes ocorrem 1 a 3 vezes por semana, como moderada quando se observam 4 a 7 vezes por semana, como grave quando ocorre uma média de 8 a 13 episódios por semana e como extrema quando se verificam 14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana.1

A perturbação de ingestão alimentar compulsiva pode ocorrer em indivíduos com peso normal, em indivíduos com excesso de peso e ainda na presença de obesidade, sendo estes dois últimos casos aqueles que mais frequentemente procuram tratamento médico. Apesar disso, esta perturbação difere da obesidade na medida em que a maioria dos indivíduos obesos não se envolve em episódios de compulsão alimentar. Para além disso, de acordo com a literatura, os indivíduos com BED consomem mais calorias, tem maior prejuízo funcional, menor qualidade de vida, maior sofrimento subjetivo e maior frequência de comorbilidades psiquiátricas.1

Este transtorno, associa-se a um conjunto de consequências funcionais como por exemplo dificuldades no desempenho de papeis sociais, insatisfação com a vida, elevada morbilidade, mortalidade e utilização dos cuidados de saúde.1

4.2. Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar

A relação entre as características de personalidade e as perturbações do comportamento alimentar foi analisada por inúmeros estudos tendo em vista duas perspetivas distintas: a perspetiva categórica que se foca na relação entre as perturbações de personalidade e as perturbações alimentares e a perspetiva dimensional que se baseia no contínuo dos traços de personalidade.9 A criação de perfis de personalidade corresponde a uma forma de combinar estas duas abordagens.10

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9 De acordo com o DSM-5, os traços de personalidade correspondem a padrões persistentes de perceção, relacionamento e pensamento sobre o ambiente e sobre si mesmo que são exibidos numa ampla gama de contextos sociais e pessoais. Estes traços apenas traduzem perturbações de personalidade quando são inflexíveis e mal adaptativos, causando prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativo. 1

Tendo em vista os objetivos desta dissertação, foram selecionados diversos trabalhos, realizados em vários pontos do globo, que de acordo com uma perspetiva dimensional, procuravam comparar os traços de personalidade entre indivíduos com perturbações do comportamento alimentar e indivíduos do grupo de controlo, bem como distinguir entre diagnósticos específicos de PCA, nomeadamente anorexia nervosa (subtipo restritivo e purgativo), bulimia nervosa e perturbação de ingestão alimentar compulsiva. Adicionalmente, procurou-se também compreender a implicância dos traços de personalidade na evolução e tratamento das perturbações alimentares.

4.2.1. Perfeccionismo

O perfecionismo foi definido por Frost e Marten em 1990 como sendo uma tendência para estabelecer padrões de desempenho irrealisticamente elevados associados a autoavaliações excessivamente críticas e a uma preocupação desmedida em cometer erros.11

Este traço pode existir na natureza sobre uma forma adaptativa ou saudável em que o alcance de metas que exijam esforço acrescido se associa a satisfação pessoal e sobre uma forma mal adaptativa ou clínica em que os indivíduos apresentam aspirações extremamente elevadas, sendo excessivamente autocríticos na sua avaliação.12,13

Inicialmente a avaliação do perfeccionismo era feita mediante uma abordagem unidimensional, contudo, no início dos anos 90, com o desenvolvimento da escala multidimensional de perfecionismo de Frost11 as perspetivas multidimensionais começaram a emergir na literatura.

Esta escala avalia vários aspetos distintos do perfeccionismo, nomeadamente os padrões pessoais, a preocupação com os erros, o criticismo parental, as expetativas parentais, as dúvidas acerca das ações e a organização.14,15

De acordo com alguns estudos baseados numa abordagem unidimensional, os indivíduos com perturbações do comportamento alimentar tendem a exibir níveis mais elevados de perfeccionismo comparativamente com os indivíduos que não apresentam este diagnóstico.16,17 Adicionalmente, quando se recorre a uma avaliação multidimensional, observa-se que a preocupação com os erros e as dúvidas acerca das ações correspondem aos aspetos do perfeccionismo mais salientes em pacientes com PCA.18,19

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10 Relativamente à comparação entres os diversos tipos de PCA, não foi identificada uma diferença significativa entre a anorexia e a bulimia nervosa, estando ambas as patologias associadas a níveis elevados de perfeccionismo.15 Apesar de limitados, os estudos efetuados em pacientes com BED demonstraram que mulheres com BED apresentavam níveis de perfecionismo semelhantes a mulheres com BN.15

A natureza transversal da maioria dos estudos possibilita a existência de dúvidas relativamente à direção da relação entre o perfeccionismo e as perturbações do comportamento alimentar, contudo é mais provável que este corresponda a um fator etiológico do que a uma consequência da própria doença.6 A presença de estudos familiares a sugerir uma hereditariedade parcial, bem como a existência de estudos retrospetivos a demonstrar a presença deste traço na infância, corroboram esta possibilidade.6 Em acréscimo, de acordo com um estudo longitudinal ( Bardone-Cone et al, 2017)20 a associação do perfeccionismo com os componentes de relação e aparência da autoestima predispõe para um risco acrescido de desenvolver perturbações alimentares 14 meses mais tarde e de acordo com um estudo experimental (Boone et al, 2015)21a indução de padrões pessoais de perfeccionismo está associada a um aumento das preocupações com o peso corporal e à presença de sintomas bulímicos num subgrupo de participantes com elevada insatisfação corporal. Estes dados sugerem que o perfeccionismo pode interagir com outros fatores de risco para precipitar o desenvolvimento de sintomatologia alimentar patológica.6

Uma vez assumido o papel etiológico do perfeccionismo nas PCA, uma gama de estudos centrou-se em compreender se a consideração deste traço aquando da elaboração de programas preventivos poderia trazer benefícios acrescidos. Um estudo publicado em 2008 (Wilksch et al)8 comparou a eficácia de intervenções focadas no perfeccionismo e na literacia dos media comparativamente com intervenções convencionais na redução do risco de desenvolvimento de perturbações alimentares em adolescentes. Os resultados evidenciaram que as intervenções focadas no perfeccionismo diminuíram significativamente a restrição dietética em participantes com níveis elevados neste traço comparativamente com o programa focado na literacia dos media.

Em acréscimo, as adolescentes que manifestavam preocupações com o peso e a forma corporal e que, portanto, apresentavam risco acrescido de desenvolver PCA demonstraram uma melhoria mais significativa destas variáveis no programa focado no perfecionismo do que nos restantes programas.8 Adicionalmente, um estudo realizado mais recentemente( Shu et al, 2019)22 comprovou a eficácia de terapias cognitivo comportamentais focadas no perfeccionismo e realizadas online de forma não guiada na prevenção de sintomas característicos de PCA em raparigas adolescentes que se autoidentificavam como perfeccionistas, enfatizando que este traço de personalidade deve ser tido em conta na elaboração de programas preventivos.22

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11 Para além do seu papel etiológico, o perfeccionismo aparenta também ter um valor prognóstico, sendo que níveis elevados neste traço parecem estar associados a uma maior severidade dos sintomas alimentares23e a uma duração mais prolongada da doença24. Para além disso, o perfeccionismo foi implicado como um obstáculo na resposta ao tratamento25, motivo pelo qual tem sido foco de novas intervenções terapêuticas.

A terapia cognitivo comportamental utilizada no tratamento da bulimia nervosa sofreu uma adaptação que consistia na adição de módulos opcionais às sessões de tratamento convencionais, nos quais se incluía o perfeccionismo.26 Apesar de alguns estudos não terem em consideração a contribuição especifica do módulo do perfecionismo de forma isolada, observou-se que indivíduos com anorexia nervosa sujeitos a este tipo de intervenção, alcançavam um aumento de peso significativo bem como uma diminuição da sintomatologia patológica ao longo do curso de tratamento.27 Ao avaliar de forma específica o papel das intervenções focadas no perfecionismo, dois estudos28,29demostraram que indivíduos com anorexia nervosa apresentavam uma redução significativa do perfecionismo após o tratamento, particularmente nos padrões pessoais e nas preocupações com os erros, sendo que um deles demonstra ainda um aumento pequeno, mas significativo no peso do pré para o pós tratamento28. Alternativamente Goldstein et al (2014)30 demonstram que a adição de um módulo direcionado ao perfecionismo às terapêuticas cognitivo comportamentais convencionais não as torna mais eficazes na redução dos níveis de perfecionismo e nos sintomas alimentares30. Entre as possíveis justificações para estes resultados salienta-se a possibilidade da terapia cognitivo comportamental por si só já incorporar elementos do perfeccionismo. Por exemplo, os pacientes são incitados a modificar cognições relativas ao ideal de magreza e à imagem corporal e o simples facto de seguir um plano alimentar constitui uma exposição aos padrões standard para a ingestão dietética adequada o que pode mascarar o efeito de tratar especificamente o perfeccionismo. Por outro lado, é de ressalvar que o programa com módulo direcionado para o perfeccionismo incluiu apenas sete sessões, que podem ser insuficientes para alterar os padrões relacionados com o peso e a forma corporal que se encontram altamente enraizados nos pacientes com PCA.30

4.2.2. Traços obsessivo-compulsivos

Os traços obsessivo-compulsivos são característicos das perturbações do comportamento alimentar14 tendo sido identificados numa porção substancial de indivíduos com anorexia nervosa.31 Contudo, estes traços podem limitar-se exclusivamente a preocupações com a alimentação, peso e forma corporal não traduzindo necessariamente a presença de comorbilidades

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12 como o transtorno obsessivo-compulsivo ou a perturbação de personalidade obsessivo- compulsiva.31

Apesar destes traços poderem ser exacerbados pela inanição, parecem persistir após a recuperação da doença, o que indica que tipicamente surgem previamente ao desenvolvimento das PCA e não correspondem a uma consequência das mesmas.31 Um estudo retrospetivo realizado em 2014 (Degortes et al)32 e envolvendo mulheres com anorexia nervosa demonstrou que os traços obsessivo-compulsivos já estavam presentes na infância, o que constitui um argumento a favor do seu papel etiológico nas PCA. Adicionalmente, observou-se uma relação dose-resposta entre o número de traços presentes na infância e a psicopatologia, nomeadamente a distorção da imagem corporal, postulando-se que crianças com mais características obsessivo-compulsivas cresciam mais inseguras, ansiosas e com incapacidade de lidar com os problemas da vida adulta.32

A presença de traços obsessivo-compulsivos em pacientes com anorexia nervosa parece também estar associada a uma maior gravidade da doença33 e a um pior prognóstico31. Por este motivo, numa tentativa de atuar sobre as obsessões e sobre os comportamentos compulsivos presentes nestes indivíduos, começou-se a estudar a eficácia de terapêuticas utilizadas na perturbação obsessivo-compulsiva nomeadamente a terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta.34 Esta terapia facilita a habituação a estímulos previamente evitados e a pensamentos obsessivos, acreditando-se, portanto, que a exposição à comida e a obsessões relacionadas com a mesma, possa ser útil no tratamento da anorexia nervosa.31

Um estudo publicado em 2014 (Steinglasset al)34 demonstrou que indivíduos com AN tratados com terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta aumentaram mais a ingestão de uma refeição pré-tratamento para uma refeição pós-tratamento comparativamente com os indivíduos que receberam tratamento de controlo, salientando o potencial terapêutico deste tipo de intervenções.34

Para além das terapias de exposição focadas na alimentação, foram também desenvolvidas terapias focadas no peso e na forma corporal tal como a terapia de exposição ao espelho, que consiste na exposição dos pacientes a espelhos de corpo inteiro com consequente habituação aos estados emocionais negativos.35 Um estudo realizado em 2002 (Key et al)35 demonstrou reduções na insatisfação corporal e na evicção da imagem corporal em indivíduos com anorexia nervosa sujeitos a este tipo de tratamento.35 Assim, conclui-se que as intervenções terapêuticas de exposição focadas na obsessividade devem ser tidas em consideração aquando da abordagem de pacientes com traços obsessivo-compulsivos.

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13 4.2.3. Impulsividade

A impulsividade corresponde a um conceito multidimensional constituído por diferentes facetas como a urgência negativa (tendência para agir impulsivamente face a emoções negativas intensas), a falta de premeditação (incapacidade de reflexão sobre as consequências dos atos antes de os praticar), a falta de perseverança (incapacidade de manter o foco em tarefas que possam ser mais difíceis ou aborrecidas) e a procura de sensações (tendência para procurar atividades excitantes e abertura para novas experiências independentemente da sua perigosidade).36

De acordo com a literatura os indivíduos com perturbações do comportamento alimentar tendem a apresentar níveis de urgência negativa significativamente mais elevados em comparação com elementos saudáveis dos grupos de controlo.37,38 Os níveis de urgência negativa são mais altos na bulimia nervosa do que na anorexia nervosa e mais altos no subtipo purgativo da anorexia comparativamente com o tipo restritivo.6,15 Um estudo recente (Davis et al, 2020)37 demonstrou que os indivíduos envolvidos em comportamentos purgativos apresentavam níveis de urgência negativa significativamente mais elevados do que indivíduos saudáveis, mas menos elevados do que indivíduos com diagnóstico formal de bulimia nervosa. Uma vez que o diagnóstico de bulimia pressupõe simultaneamente a presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios inapropriados para impedir o ganho ponderal como é o caso dos comportamentos purgativos, pressupõe-se que por si só, os comportamentos compulsivos também apresentem uma correlação positiva com a urgência negativa.37 Um estudo longitudinal (Pearson et al, 2012)39 realizado em pré-adolescentes comprovou isso mesmo ao demonstrar que níveis elevados de urgência negativa prediziam um aumento das expetativas de que a alimentação ajuda no controlo das emoções negativas o que por sua vez prediz o aparecimento de comportamentos compulsivos subsequentes.39 Apesar disso, um estudo levado a cabo por Hoffman et al (2012)40 sugere que na anorexia nervosa, os comportamentos purgativos comparativamente com os compulsivos apresentam uma correlação mais forte com a impulsividade.

Relativamente à faceta da falta de premeditação alguns estudos indicam que indivíduos com bulimia nervosa tendem a apresentar níveis significativamente superiores em comparação com indivíduos saudáveis do grupo de controlo e indivíduos com AN.37,38 Dentro da anorexia nervosa, de acordo com Rosval et al (2006)41 os indivíduos com o subtipo purgativo apresentam níveis mais elevados de falta de premeditação do que os indivíduos com o subtipo restritivo. Um estudo levado a cabo por Peterson et al (2020)42 vem contrariar estes resultados, ao demonstrar que a falta de premeditação não se associa de forma significativa com a presença de sintomas característicos de bulimia nervosa.

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14 Quanto à falta de perseverança, um estudo prospetivo publicado em 2012 (Peterson et al)43 demonstrou que níveis elevados nesta faceta se associavam ao desenvolvimento de ingestão compulsiva oito meses mais tarde e Davis et al (2020)37demonstrou que mulheres com bulimia nervosa comparativamente com o grupo de controlo apresentam maior falta de perseverança.

Adicionalmente, de acordo com Claes et al (2005)44, os indivíduos com bulimia nervosa apresentam níveis de falta de perseverança significativamente mais elevados que os indivíduos com anorexia nervosa do tipo restritivo (AN-R), mas não se diferenciam de forma significativa dos indivíduos com anorexia nervosa do tipo purgativo, levantando a suspeita de que os anoréticos com comportamentos purgativos podem ter mais em comum com os pacientes bulímicos do que com os anoréticos restritivos. À semelhança do que se observou com a faceta anterior, no estudo conduzido por Peterson et al (2020)42 não foi encontrada uma associação entre a falta de perseverança e a presença de sintomas de bulimia nevosa.

No que concerne à procura de sensações, verifica-se mais uma vez inconsistências na literatura, pois apesar de alguns estudos demonstrarem que os indivíduos com bulimia nervosa apresentam níveis mais elevados comparativamente com indivíduos do grupo de controlo15, outros não encontram uma associação significativa entre os dois fatores.37,38 Relativamente à anorexia nervosa, de acordo com vários autores estes indivíduos não só apresentam menor procura de sensações comparativamente com os indivíduos com bulimia nervosa, mas também comparativamente com os elementos saudáveis do grupo controlo.15 Pelo contrário, segundo Lavender et al (2017)45 não existem diferenças significativas nesta faceta entre indivíduos com AN, BN e elementos do grupo de controlo.

Sumarizando, a urgência negativa parece ser a faceta da impulsividade que mais consistentemente se relaciona com as perturbações do comportamento alimentar, particularmente com a bulimia nervosa. O facto de alguns estudos se focarem em sintomas e outros em diagnósticos precisos de perturbações do comportamento alimentar, bem como a utilização de diferentes instrumentos de avaliação podem constituir possíveis explicações para a discrepância de resultados entre as restantes facetas.

A impulsividade parece também estar implicada no prognóstico das PCA com estudos a demonstrar uma associação entre níveis elevados neste traço e a presença de prognósticos desfavoráveis quer na bulimia nervosa46 quer na anorexia nervosa47. Curiosamente, um estudo prospetivo publicado em 2013 (Zerwas et al)48 demonstrou que a impulsividade estava positivamente associada com a recuperação da doença em indivíduos com anorexia nervosa, apesar desta associação decrescer com o aumento da duração da doença.48 De acordo com os autores, estes dados contraditórios podem ser justificados por diferentes métodos de avaliação, pois Fichter et al (2006)47que considerou a impulsividade como fator de prognóstico desfavorável

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15 na AN, avaliou comportamentos autoagressivos, furto de artigos não alimentares e promiscuidade, ao passo que neste estudo a impulsividade foi aferida através da escala de impulsividade de Barratt que avalia a impulsividade motora, cognitiva e não planeada48. A impulsividade aferida através da escala de Barratt pode estar associada à recuperação da doença em indivíduos com AN porque ameniza a rigidez e intratabilidade frequentemente associados a esta doença e pode encorajar a experienciar comportamentos alimentares saudáveis, ao passo que a avaliação feita por Fichter et al (2006)47 pode corresponder a um índice mais apropriado de comportamentos relacionados com a procura de sensações.48

Face ao papel da impulsividade no prognóstico das PCA, faz sentido considerar o seu potencial contributo para o tratamento destas patologias. A terapia comportamental dialética corresponde a uma intervenção terapêutica útil no controlo de comportamentos impulsivos que tem sido utilizada de forma efetiva na bulimia nervosa e na perturbação de ingestão alimentar compulsiva.31 Adicionalmente, um estudo recente realizado em pacientes com BED, desenvolveu uma terapia cognitivo comportamental de grupo focada especificamente em comportamentos alimentares impulsivos que obteve resultados promissores já que se associou a uma redução significativa na ingestão compulsiva, na patologia alimentar e nos sintomas depressivos ao fim de um período de follow-up de 3 meses.49

Vários estudos reportam uma associação entre a perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) e as perturbações do comportamento alimentar.50–52 Neste sentido, um estudo recente (Quilty et al, 2019)53 procurou avaliar a eficácia do metilfenidato, um fármaco utilizado no tratamento da PHDA no tratamento da BED, observando-se que este era igualmente eficaz à terapia cognitivo comportamental, uma forma de tratamento bem estabelecida da BED, na redução de episódios de compulsão alimentar, na redução do IMC e na melhoria da qualidade de vida dos doentes, observando-se inclusivamente uma maior redução no IMC em indivíduos tratados com metilfenidato. Em acréscimo, também se procurou avaliar o papel da impulsividade no prognóstico destes doentes, contudo, ao contrário do que os autores tinham especulado (urgência negativa associada a prognósticos desfavoráveis e persistência associada a prognósticos favoráveis) ambas as facetas se associaram a uma evolução positiva. Uma possível justificação para este resultado inclui o facto dos pacientes com níveis elevados de urgência negativa se encontrarem sob níveis de stress superiores e por isso talvez mais motivados para aderir ao tratamento. Este estudo providenciou um suporte preliminar para o benefício do metilfenidato no tratamento da BED e para a utilidade prognóstica da impulsividade neste contexto, contudo , seria pertinente uma investigação futura mais ampla em volto desta temática.53

Por último, convém salientar que apesar dos indivíduos com bulimia nervosa geralmente apresentarem níveis de impulsividade mais elevados comparativamente com os indivíduos com

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16 anorexia nervosa, a contextualização da bulimia nervosa como um distúrbio de impulsividade pode ser inapropriada. Apesar da impulsividade e da compulsividade serem frequentemente contextualizadas como pontos opostos de um espetro, Engel et al (2005)54 demonstrou que estas características podem coexistir na bulimia nervosa, estando na origem de quatro grupos distintos:

baixa impulsividade-baixa compulsividade, baixa impulsividade-alta compulsividade, alta impulsividade-baixa compulsividade e alta impulsividade-alta compulsividade. O grupo de indivíduos com baixos níveis de ambas as características, apresenta a personalidade menos patológica, exibindo menor patologia alimentar ao passo que o grupo onde se observa uma confluência de altos níveis de impulsividade e compulsividade está associado a manifestações mais graves da doença.54

4.2.4. Modelo dos cinco fatores de personalidade

O modelo dos cinco fatores de personalidade55corresponde a uma representação da estrutura da personalidade altamente validada e amplamente utilizada na prática clínica. Neste modelo, a personalidade é descrita através de cinco dimensões globais ou fatores que por sua vez compreendem diversas facetas representativas de características específicas do fator correspondente : neuroticismo (facetas de ansiedade, hostilidade, depressão, autoconsciência, impulsividade e vulnerabilidade), extroversão (facetas de acolhimento, gregariedade, assertividade, atividade, procura de excitação e emoções positivas), conscienciosidade (facetas de competência, ordem, obediência, luta pela aquisição, autodisciplina e deliberação), abertura à experiência (facetas de fantasia, estética, sentimentos, ações, ideias e valores) e amabilidade (facetas de confiança, retidão, altruísmo, complacência, modéstia e sensibilidade).55

De acordo com a literatura, os indivíduos com anorexia nervosa e bulimia nervosa apresentam consistentemente níveis mais elevados de neuroticismo e níveis mais baixos de extroversão comparativamente com indivíduos saudáveis do grupo de controlo, o que se traduz em dificuldades na regulação emocional e na presença de problemas interpessoais .56–58 Embora os indivíduos com BED sejam menos estudados, estes também parecem apresentar níveis de neuroticismo significativamente mais elevados que os elementos de controlo.15

Quanto ao domínio da conscienciosidade, alguns estudos demonstram que de uma forma geral, os doentes com PCA (anorexia e bulimia nervosa) comparativamente com indivíduos saudáveis, apresentam níveis inferiores neste domínio.56,57Adicionalmente, de acordo com Tasca et al (2009)58 mulheres saudáveis e com anorexia nervosa apresentam níveis mais elevados de

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17 conscienciosidade que mulheres com bulimia nervosa, sendo que a conscienciosidade é mais elevada no subtipo restritivo da anorexia nervosa do que no subtipo purgativo. 58

Um estudo longitudinal (Allen et al, 2020)59 realizado com adolescentes australianas evidenciou que raparigas com baixos níveis de conscienciosidade aos 12 anos e diminuição da conscienciosidade e aumento do neuroticismo entre os 12 e os 14 anos apresentavam um risco aumentando de desenvolver síndrome parcial de bulimia nervosa aos 14 anos. Para a inclusão nesta síndrome era necessário que as adolescentes cumprissem dois dos três seguintes critérios de diagnóstico: (1) reportarem que o peso corporal apresentava um papel muito relevante no modo como se sentiam acerca de si próprias; (2) reportarem perda de controlo na ingestão alimentar ou ingestão excessiva pelo menos uma vez por semana nos últimos 3 meses e (3) reportar pelo menos um dos seguintes comportamentos nos últimos 3 meses: (a) indução do vómito para controlo do peso pelo menos uma vez por semana, (b) consumo de fármacos para controlo de peso pelo menos uma vez por semana, (c) passar o dia sem comer para controlo do peso em quatro ou mais dias da semana ou (d) exercitar para controlar o peso seis ou sete dias por semana durante duas ou mais horas.59

No que concerne à abertura à experiência, Podar et al (2007)56 demonstrou uma associação entre baixos níveis neste domínio e a presença de distúrbios alimentares, mas Tasca et al (2009)58 e mais tarde Garrido et al (2018)57não encontraram uma associação significativa entre os dois fatores.

Com base nos resultados obtidos nestes quatro domínios, Podar et al (2007) caracteriza os pacientes com PCA como sendo neuróticos, introvertidos, pouco conscientes e fechados à experiência, concluindo ainda que é expectável que indivíduos sem aptidão para o controlo das reações emocionais (neuroticismo) , que não aprenderam a lidar com os seus desejos (baixa conscienciosidade ), que são mais tímidos ( baixa extroversão) e que tendem a ser convencionais no seu comportamento (baixa abertura à experiência) sejam mais propensos ao desenvolvimento de perturbações alimentares.56

No estudo da relação entre a amabilidade e as PCA verificaram-se mais uma vez algumas incongruências, pois segundo Garrido et al (2018)57 os indivíduos com AN e BN apresentam níveis inferiores comparativamente com o grupo controlo, mas Podar et al (2007)56 não conseguiu encontrar uma associação significativa entre este domínio e a presença de PCA. Já Tasca et al (2009)58 mostrou que mulheres saudáveis e com AN-R apresentam níveis de amabilidade superiores comparativamente com mulheres com AN-P e mulheres com BN.58

Um estudo publicado em 2015 (Levallius et al)60 procurou explorar as diferenças entre indivíduos com PCA que não a AN e os elementos do grupo controlo ao nível das facetas do modelo dos cinco fatores de personalidade, observando que os pacientes com PCA diferiam

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18 significativamente dos controlos em várias facetas diretamente relacionadas com o bem-estar emocional. Tipicamente, os pacientes com PCA apresentavam uma elevada tendência para experienciar afetividade negativa, vulnerabilidade e instabilidade emocional (facetas do neuroticismo) e uma baixa tendência para viver emoções positivas e procurar a companhia dos outros (facetas da extroversão). Adicionalmente, apresentavam dificuldades em confiar noutras pessoas, modéstia elevada (facetas da amabilidade), tendência para duvidar da sua capacidade em lidar com os desafios da vida e para procrastinar (facetas da conscienciosidade) e pouca abertura para explorar novas ideias e ações (facetas da abertura à experiência).60

Outro estudo publicado mais recentemente (Calland et al, 2020)61 propôs-se a identificar que domínios e facetas da personalidade se encontravam associados a comportamentos alimentares patológicos (exercício excessivo, jejum e comportamentos purgativos), numa amostra constituída por homens e mulheres. Os resultados evidenciaram que o envolvimento num maior número de comportamentos alimentares patológicos se associava a níveis elevados de neuroticismo e abertura à experiência e níveis reduzidos de amabilidade em ambos os sexos. A presença de níveis elevados de extroversão associou-se ao envolvimento em exercício físico excessivo tanto em homens como em mulheres e à presença de comportamentos purgativos apenas em homens. A associação entre níveis elevados de abertura à experiência e de extroversão e a presença de patologia alimentar em mulheres, é inconsistente com a literatura, o que, de acordo com os autores, pode ser devido ao facto de os dados deste estudo refletirem apenas comportamentos auto-reportados e não ter sido feito nenhum seguimento de forma a inferir se as participantes chegaram a desenvolver alguma PCA. Ao nível das facetas, a impulsividade foi aquela que mais se associou com a presença de comportamentos alimentares patológicos, o que reflete a incapacidade destes indivíduos em controlar desejos e impulsos e o potencial para se envolverem numa variedade de atos prejudiciais. Por fim, os resultados deste estudo demostraram que a associação entre os vários domínios e facetas da personalidade e a patologia alimentar era modulada pelo género, o que pode ter um papel relevante na identificação de elementos com risco acrescido de desenvolver PCA.61

No que diz respeito ao papel dos cinco fatores da personalidade no tratamento das PCA, um estudo publicado em 2016 (Levallius et al)62 demonstrou que os pacientes recuperados da doença apresentavam níveis de extroversão, particularmente na faceta da assertividade, significativamente mais elevados no início do tratamento do que os indivíduos não recuperados, o que alerta para o valor deste traço enquanto preditor da recuperação dos pacientes e da sua resposta ao tratamento.62

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19 4.2.5. Sensibilidade à recompensa e sensibilidade à punição

Uma porção crescente da literatura tem vindo a utilizar a teoria de sensibilização do reforço na distinção entre as várias perturbações do comportamento alimentar. Esta teoria defende que o comportamento humano é motivado por dois sistemas distintos: o sistema de inibição comportamental, responsável pela evicção de comportamentos ou situações que poderiam levar a consequências adversas e o sistema de ativação comportamental que motiva a abordar situações suscetíveis de resultar em recompensas.63

Os traços de sensibilidade à recompensa e sensibilidade à punição derivam desta teoria e de acordo com a literatura, os indivíduos com PCA apresentam níveis de sensibilidade à punição mais elevados do que os elementos do grupo de controlo. No que diz respeito à sensibilidade à recompensa, observa-se que indivíduos com AN-R apresentam níveis reduzidos neste traço, ao passo que indivíduos com AN-P e bulimia nervosa demonstram níveis elevados. Estes resultados sugerem que a confluência da elevada sensibilidade à punição com a baixa sensibilidade à recompensa pode tornar a restrição alimentar mais fácil para os indivíduos com AN-R comparativamente com os pacientes com AN-P e bulimia nervosa.63

Um estudo publicado em 2010 (Claes et al)64 demonstrou que indivíduos com sintomas restritivos apresentam níveis mais elevados no sistema de inibição comportamental do que os indivíduos com sintomas compulsivos-purgativos.64

Turner et al (2014)65 incluiu os pacientes com PCA em três grupos tendo em conta os níveis no sistema de inibição comportamental, os níveis no sistema de ativação comportamental e os níveis no controlo ( traduzido pela capacidade para regular os comportamentos e pela reatividade emocional): o grupo hipercontrolado/ inibido, o grupo com défice de controlo/ desregulado e o grupo resiliente. Observou-se que os pacientes pertencentes ao grupo desregulado apresentavam sintomas mais severos de bulimia nervosa comparativamente com os outros grupos, ao passo que os indivíduos alocados no grupo resiliente exibiam menor psicopatologia. 65

4.2.6. Temperamento

As características temperamentais foram reconhecidas como um fator relevante no desenvolvimento e manutenção das PCA, sendo o inventário de temperamento e carácter (ITC) amplamente utilizado no seu estudo.63 Este inventário contempla quatro dimensões do temperamento (evicção de danos, busca pela novidade, persistência e dependência da recompensa), que correspondem a respostas emocionais moderadamente hereditárias e estáveis ao longo da vida, bem como três dimensões de carácter (autodiretividade, cooperatividade e

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20 autotranscendência) que consistem em autoconceitos e diferenças individuais em valores e objetivos que se desenvolvem através da experiência.66

De acordo com vários estudos, em geral, os indivíduos com PCA apresentam níveis de evicção de danos superiores a elementos do grupo de controlo, evidenciando uma preocupação extrema, medo da incerteza e inibição comportamental no sentido de evitar a possibilidade de punições.6,14,67,68Adicionalmente, segundo uma meta-análise publicada em 2015 (Atiye et al)67, dentro das perturbações do comportamento alimentar, os indivíduos com AN são aqueles que apresentam níveis mais elevados nesta dimensão do temperamento, demostrando que correspondem aos pacientes mais medrosos e preocupados.67 No que toca às diferenças entre géneros Núñez-Navarro et al (2012)69 demonstrou que os homens apresentavam níveis de evicção de danos significativamente mais baixos que as mulheres, o que, de acordo com os autores, pode ser devido a um verdadeiro viés de género, a um erro de amostragem ou a características inerentes aos itens dos questionários, que podem ser mais salientes para participantes do sexo feminino do que para participantes do sexo masculino.69 Várias investigações sugeriram a presença de uma correlação positiva moderada entre a evicção de danos e o neuroticismo e uma correlação negativa entre a evicção de danos e a extroversão, o que salienta não só a sobreposição entre o neuroticismo e a evicção de danos, como também a presença de timidez e introversão em indivíduos com níveis elevados neste domínio.67

A busca pela novidade é significativamente superior na bulimia nervosa.67Em contrapartida, os pacientes com AN-R tendem a apresentar níveis mais baixos do que os elementos controlo neste domínio, o que enfatiza a sua tendência para evitar o risco e a sua relutância na inclusão em novas atividades.14,67 Krug et al (2009)70 sugere ainda que níveis elevados de busca pela novidade em indivíduos com anorexia nervosa podem predizer uma conversão futura em bulimia nervosa e que esta dimensão do temperamento se associa ao uso de substâncias em indivíduos com PCA.70

Ao nível do domínio da persistência, de acordo com uma metanálise publicada em 2015 (Atiye et al, 2015)67 os indivíduos com PCA, à exceção daqueles com diagnóstico de BED apresentam níveis mais elevados do que os elementos controlo saudáveis. Em adição, os pacientes com AN-R apresentam níveis significativamente superiores comparativamente com os indivíduos com outras PCA, sendo que a elevada persistência se associa com o perfecionismo, a rigidez e a obsessividade.14,67

A dependência da recompensa não parece apresentar uma correlação positiva com as PCA.16,67

Em relação às dimensões do carácter, a literatura sugere que indivíduos com PCA apresentam níveis de autodiretividade significativamente mais baixos do que elementos do grupo de controlo71–73 e que os comportamentos purgativos e compulsivos se associam de forma

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21 independente a baixos níveis de autodiretividade15,72, sendo que, indivíduos que se envolvem neste tipo de comportamentos apresentam menor autodiretividade que os elementos com AN-R.15 No que toca às dimensões da autotranscendência e cooperatividade, grande parte dos estudos realizados não demonstrou uma associação significativa com as PCA67, contudo Núñez-Navarro et al (2012)69 sugere que os homens com perturbações do comportamento alimentar apresentam níveis mais baixos de cooperatividade em comparação com as mulheres.

O tratamento das PCA parece estar associado a reduções nos níveis de evicção de danos, e autotranscendência e aumento nos níveis de autodiretividade, o que sugere que as terapias cognitivo comportamentais sejam direcionadas para quebrar os comportamentos de evicção, assumir a responsabilidade sobre os próprios atos e promover atitudes positivas em relação à mudança74,75. Apesar disso, os pacientes com PCA mantém níveis de evicção de danos74,76,77 e persistência76,77 superiores aos elementos saudáveis do grupo controlo e níveis de autodiretividade74,77 inferiores evidenciando que estes traços podem corresponder a um fator de vulnerabilidade para o desenvolvimento de PCA.

As dimensões do temperamento também apresentam um papel relevante na adesão ao tratamento das PCA com dois estudos a reportar um associação entre níveis elevados de busca pela novidade78,79 e o abandono precoce do tratamento instituído, o que pode ser justificado pelo facto destes indivíduos tomarem decisões de forma impulsiva e apresentarem uma tendência para evitar a frustração e o cumprimento das normas e regras instituídas. Um desses estudos (Gómez del Barrio et al, 2019)78 demonstrou ainda que indivíduos com baixos níveis de dependência da recompensa também apresentavam um abandono terapêutico prematuro, o que pode estar relacionado com o facto de níveis reduzidos neste traço se associarem a indiferença, independência e insensibilidade a pressões sociais, características que podem dificultar a adesão dos pacientes a tratamentos que impliquem um certo grau de envolvimento com os outros e que exijam o comparecimento em compromissos e o desempenho de determinadas tarefas.78 Por último, relativamente às dimensões do carácter, o abandono prematuro do tratamento parece estar associado a níveis reduzidos de autodiretividade80–82 e de cooperatividade80,81,83

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5. Conclusão

Esta dissertação tinha como principal objetivo estabelecer a relação existente entre os traços de personalidade e as perturbações do comportamento alimentar, observando-se que traços como o perfeccionismo, a urgência negativa, o neuroticismo, a introversão, a sensibilidade à punição e a evicção de danos são comuns entre indivíduos com perturbações alimentares.

As diferenças de personalidade entre indivíduos com diferentes diagnósticos de perturbações do comportamento alimentar também emergiram, sendo notória uma predominância de traços obsessivo-compulsivos em indivíduos com anorexia nervosa e a existência de níveis significativamente superiores de impulsividade em pacientes com bulimia nervosa. A evidência sugere ainda que os traços de personalidade se podem associar de forma mais consistente com sintomas alimentares específicos do que com diagnósticos de perturbações do comportamento alimentar. Por exemplo, ao nível da falta de perseverança, uma faceta da impulsividade, constatou-se que os indivíduos com bulimia nervosa apresentavam níveis significativamente mais elevados do que os indivíduos com anorexia nervosa do tipo restritivo, mas não diferiam de forma significativa dos indivíduos com anorexia nervosa do tipo purgativo, evidenciando que os anoréticos que se envolvem em comportamentos purgativos podem ter mais em comum com os pacientes bulímicos do que com os anoréticos restritivos.

Com a progressão da investigação nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais claro que as dimensões da personalidade podem ter um papel preponderante na explicação de várias áreas de importância clínica, nomeadamente a abordagem, expressão sintomática e tratamento das perturbações do comportamento alimentar.

A criação de novas abordagens terapêuticas que tenham em conta os traços de personalidade presentes nos indivíduos com perturbações do comportamento alimentar parece ter um papel promissor no prognóstico destes doentes. Por exemplo, um paciente com níveis elevados de perfeccionismo pode beneficiar de um tratamento com a versão adaptada da teoria cognitivo- comportamental, já que esta inclui um módulo que se foca especificamente no perfeccionismo. Por outro lado, em pacientes com PCA que apresentem níveis elevados de impulsividade pode ser mais eficiente a utilização da terapia comportamental dialética de forma a capacitar estes indivíduos a tolerar o stress e a regular as suas emoções.

A investigação da personalidade nas perturbações do comportamento alimentar também pode fornecer outras informações clinicamente relevantes nomeadamente a probabilidade de migração entre diferentes diagnósticos, o envolvimento em comportamentos de risco e a severidade da doença. Por exemplo, a presença de níveis elevados de busca pela novidade, uma

Referências

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