• Nenhum resultado encontrado

PECULATO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DEVERES

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "PECULATO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DEVERES"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação do Porto Processo nº 504/01.8TAPRD.P1 Relator: MELO LIMA

Sessão: 09 Fevereiro 2011

Número: RP20110209504/01.8TAPRD.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

PECULATO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DEVERES

Sumário

Também nos crimes de Peculato não há qualquer motivo para censurar como desproporcionado, o dever de pagamento da quantia apropriada como

condição da suspensão da execução da pena — mesmo que, no momento da imposição do dever, o julgador se aperceba de que o condenado muito

provavelmente não irá pagar o montante em causa, por impossibilidade de o fazer.

Texto Integral

PROCESSO Nº 504.01.8TAPRD RELATOR: MELO LIMA

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I RELATÓRIO

1.Em processo comum e perante Tribunal Colectivo, o Ministério Público acusou:

B… da prática, de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375.º, n.º 1 do CP, com referência ao art. 386.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal (fls. 1507 e ss).

2.O Instituto da Segurança Social, I.P. pessoa colectiva n.º ………,

representada pelo Centro Distrital do Porto, com sede na Rua …, n.º …, Porto,

(2)

requereu a sua constituição como assistente e deduziu contra a arguida pedido de indemnização civil no valor de 103.138,47 €, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação deste pedido, até efectivo e integral pagamento, pelos danos patrimoniais que refere terem sido

provocados pela mesma (fls. 1570 e ss).

3. A final, o Tribunal decidiu

3.1 Julgar a acusação do Ministério Público procedente por provada e, em consequência, pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375.º, n.º 1, do CP, por referência ao art. 386.º, n.º 1, al. b) do CP, condenar a arguida B… na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período na condição de a mesma no prazo de 3 (três) anos a contar do trânsito em julgado da presente decisão entregar, e comprovar nos autos, à Segurança Social a quantia de 75.955,32 € (setenta e cinco mil novecentos e cinquenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).

3.2 Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, e, em consequência, condenar a arguida/demandada a pagar ao demandante a quantia de 75.955,32 € (setenta e cinco mil novecentos e cinquenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação do pedido até integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado.

4. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a B…, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

4.1 A arguida foi condenada pelo crime por que estava pronunciada na pena de quatro anos de prisão suspensa na execução por igual período na condição de no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado da presente decisão pagar à Segurança Social a quantia de € 75.955,32.

4.2 Quanto à sua situação sócio-económica deu-se como prova do que reside sozinha em habitação adjacente à da mãe que adquiriu e cuja amortização se encontra a liquidar junto de instituição bancária, as suas condições materiais de existência são pouco estáveis atenta a fragilidade do vinculo laboral, aufere em média mensalmente € 900.00 e tem como encargos fixos os referentes à manutenção da habitação (amortização, consumo de água e electricidade) que totalizam cerca de € 170,00, para além das despesas em combustíveis e

comunicações móveis.

4.3 Desta quantia, tem a arguida de satisfazer pelo menos as despesas com a sua deslocação para o trabalho e com a sua alimentação.

4.4 Sendo aceite que o salário mínimo nacional corresponde ao valor abaixo do qual não é possível uma subsistência digna, forçoso é concluir que

(3)

auferindo a arguida um rendimento mensal de € 900,00, a sua disponibilidade mensal, satisfeita a sua subsistência em condições de dignidade é de apenas € 425,00 quantia que posta ao serviço do pagamento em causa lhe demandaria pelo menos catorze anos de afectação, o que bem demonstra a impossibilidade de a arguida o fazer em prazo inferior.

4.5 Nos termos do previsto no art. 50° do C.P. a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado,

4.6 Porém, nos termos do que dispõe o art. 51° n°2 do mesmo diploma os deveres impostos não podem em caso algum representar para condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

4.7 Daí que, o Juiz deva averiguar da conveniência e adequação da imposição de tal dever possibilidade de cumprimento desse dever.

4.8 A sentença é totalmente omissa quanto à conveniência e adequação da imposição de tal dever, ao arrepio do disposto no n°4 do art° 50° do Cód.

Penal, não obstante avocar, o que terá forçosamente de se valorar, a própria condição sócio-económica da arguida.

4.9 Desta, a situação sócio-económica da arguida, resulta, porém, que a imposição da referida condição e obrigação de entrega de tal quantia

monetária atenta manifesta e frontalmente contra a limitação prevista no n°2 do art°51° do Cód. Penal, pois que ilegalmente violenta ante o comprovado circunstancialismo económico da arguida, sujeita pela condição em causa a um esforço desumano e praticamente impossível de cumprir que equivale, por isso, a condená-la a cumprir prisão efectiva.

4.10 A primeira finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.

4.11 Esta finalidade não será o melhor cumprida com a imposição à arguida de pagamento da quantia em causa.

4.12. Sobre os factos decorreram já mais de dez anos sem notícia da prática pela arguida de qualquer crime, mostrando-se consequentemente assegurada com a suspensão ela apenas, sem condição, da execução da pena a finalidade dita.

4.13 Por tudo, deve o douto acórdão ser substituído por outro que mantendo a suspensão da execução da pena, isente a arguida da condição em causa.

5. Respondeu o Exmo.Procurador-Adjunto, concluindo do seguinte modo:

5.1 O crime pelo qual a arguida/recorrente foi julgada e condenada é GRAVE e

(4)

reveste-se de FORTE IMPACTO SOCIAL.

5.2 No presente recurso a arguida insurge-se contra a da medida concreta da pena a que foi condenada, nomeadamente, no que à condição a que a

suspensão da execução da referida pena ficou sujeita e/ou ao período daquela suspensão, pretendendo que o acórdão proferido seja substituído por outro que mantendo a suspensão da execução da pena, isente a arguida da condição em causa.

5.3 Porém, ponderando os factores de determinação da suspensão da pena de prisão, plasmados no artigo 50.º do Código Penal, afigura-se-nos que a

condição a que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida ficou sujeita, é justa e adequada, sendo assim consentânea com o princípio da razoabilidade consagrado no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal.

5.4 Operou assim o Tribunal “a quo” acertada subsunção jurídica e aplicação do direito.

5.5 Não tendo sido violados quaisquer disposições legais.

6. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer que remata com a seguinte síntese conclusiva:

● A imposição da dita condição não viola o disposto nos arts. 50 c 51 n° l e 2 do CP.

● Não assiste razão à recorrente na questão posta na motivação de recurso.

● Em conformidade, deve o recurso ser julgado improcedente.

7. Colhidos os vistos, realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação objectiva do recurso

Atentas as conclusões do recurso apenas uma questão cumpre conhecer: deve ser mantida a suspensão da execução da pena, mas ser a arguida isenta da condição imposta? (Supra I 3.1).

2. Conhecendo

2.1 É a seguinte a factualidade provada:

………

………

………

2.2 Conhecendo

(5)

2.2.1 A fundamentar a pretensão formulada a Recorrente invoca:

● Nos termos do que dispõe o art. 51° n°2 do Código Penal os deveres

impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

● Da situação sócio-económica da arguida, resulta, porém, que a imposição da referida condição e obrigação de entrega de tal quantia monetária atenta

manifesta e frontalmente contra a limitação prevista no n°2 do art°51° do Cód.

Penal, pois que ilegalmente violenta ante o comprovado circunstancialismo económico da arguida, sujeita pela condição em causa a um esforço desumano e praticamente impossível de cumprir que equivale, por isso, a condená-la a cumprir prisão efectiva.

Quid iuris?

Reconduz-se, em síntese, à seguinte argumentação a pretensão formulada pela Recorrente de ver eliminada a condicionante da suspensão da execução da pena de prisão: face à situação económica da Recorrente, tornar-se-á impossível cumprir o pagamento da condição de suspensão que lhe foi fixada.

A situação sob apreço configura-se muito similar à questão que tem sido suscitada a propósito da condicionante prevista no artigo 14º do RGIT. [1]

Dispõe-se aqui:

I. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

II. Na falta de pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:

a) Exigir garantias de cumprimento;

b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;

c) Revogar a suspensão da pena de prisão.

Não obstante a clara imposição legal - “é sempre condicionada”- têm sido suscitadas muitas questões similares à que ora se coloca, a partir de uma igual fundamentação atinente à impossibilidade do pagamento.

E aduzem-se a propósito, argumentos com fundamento constitucional.

(6)

Mutatis mutandis, a fundamentação que este Tribunal de recurso tem aduzido em sentido contrário à pretensão sub iudicio, vale também aqui.

Por isso da mesma nos passamos a socorrer.

Com referência à suspensão da execução da pena de prisão, dispõe a Lei Penal Substantiva:

“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. (Artigo 50º nº1 C.Penal)

Conjugando este dispositivo com os princípios relativos à pena, dir-se-á que a pena concreta deverá corresponder a uma intervenção penal inteiramente enformada pelos seguintes princípios politico-criminais: i) princípio da

prevenção geral positiva ou de integração; ii) princípio da culpa; iii) princípio da prevenção especial positiva ou de socialização; iiii) complexivamente, princípio da humanidade.

Sobre a formulação do juízo de conformação prática a respeito da aplicação da suspensão da execução, refere Figueiredo Dias que “ A finalidade político- criminal que a lei visa…é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos – «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo”.

“…decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na

«prevenção da reincidência».

Todavia, não deixa o mesmo autor de alertar no sentido de que mesmo que o Tribunal conclua “… por um prognóstico favorável – à luz, …, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização”, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime”.

E justifica com a razão de que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” – [2]

Destarte.

Para a decisão da questão relativa à suspensão, relevarão, nos termos do citado artigo 50º do Código Penal, os factos atinentes i) à personalidade do

(7)

agente, ii) às condições da sua vida, iii) à sua conduta anterior ao crime, iiii) à sua conduta posterior ao crime, iiiii) às circunstâncias deste.

Em última instância, porém, porque a aplicação desta pena de substituição não é de aplicação automática, ao actuar neste campo magnético em que os interesses a prosseguir, seja da prevenção geral de integração seja da

prevenção especial de socialização, interagem em verdadeira tensão dialéctica, compete ao tribunal respectivamente:

i. Na atenção aos primeiros, na ponderação do grau de ilicitude e gravidade dos factos em causa, definir a exigência mínima, indispensável e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico;

ii. Relativamente aos segundos – num juízo de conformação que leve em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta ante e post-facto, enfim as circunstâncias da prática deste - determinar, dentro dos limites daquela exigência, se é adequada ao propósito de ‘prevenção da reincidência’ a aplicação de uma tal pena de substituição de conteúdo eminentemente pedagógico e reeducativo.

Com uma ressalva que tem directamente a ver com a situação sub specie.

Dizer: “… em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.” [3]

Dizer, ainda: no caso dos crimes contra o Fisco e contra a Segurança Social, entendeu o Legislador [4] fixar um padrão de exigência mínima indispensável e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico, estipulando a

obrigatoriedade do “pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais”.

Igual razão de ser, entende-se, há-de valer para o caso sob apreciação em que o crime cometido foi, exactamente, um crime de peculato, ou dizer em que a Recorrente “em obediência a uma inicial e única resolução criminosa, reverteu para si e apropriou-se de quantias monetárias, originariamente destinadas aos mais variados tipos de carenciados, para posterior benefício seu ou de

terceiro, num total de € 89.013,44, quantias essas que lhe haviam sido

entregues unicamente por ser Técnica Superior de Acção Social, condição de que para o efeito (ab)uso”

A mesma compreensão que se confere àquela condicionante para o crime de abuso de confiança fiscal caberá, s.m.o., para o caso do crime de peculato.

(8)

Se se espalhasse a informação/ideia de que alguém subtrai ao domínio público um valor global de € 85.083,32 [Supra II, 2.1.34] e é condenado numa pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, sem mais, ou dizer sem obrigação de reparação: que sinal era transmitido à comunidade e que efeito preventivo (prevenção geral) poderia alcançar uma tal decisão, que não fosse - ao contrário do pretendido - disseminar-se cada vez mais a ideia de que o crime compensa??!!

Porém, voltando ao punctum prurens: poderá entrar aqui, em eventual conflito jus-axiológico, o dito princípio de humanidade e/ou, como preferirá a

Recorrente, o princípio da proporcionalidade?

Ou dizer: dispondo o artigo 51º/3 do C.Penal, que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo

cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, como proceder quando, no momento da decisão, face às circunstâncias concretas conhecidas pelo Tribunal, se lhe afigura como verificada uma impossibilidade prática de pagamento?

Deverá, ainda aqui, o Tribunal condicionar a suspensão ao pagamento de uma quantia que, razoavelmente, acredita que o condenado não irá poder pagar?!

Sem necessidade de outra explicação responde o Acórdão do Tribunal Constitucional Nº432/02 de 22/10 in DR nº302, de 31.12:2002, p.21183:

“… podendo a realização dos fins do Estado – dependente do cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da vantagem

patrimonial nos limites do estabelecimento da pena de multa, não há qualquer motivo para censurar como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões que relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º nº2 do C.Penal [….] não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida.

[…..]

As normas em apreço não se afiguram, portanto desproporcionadas, quando apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, assume o interesse em arrecadar impostos.

(9)

Cabe, …, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer.

Esta impossibilidade, [….], não altera a conclusão a que se chegou.

Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade de suspensão da execução da pena.

Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da

execução da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de cumprimento impossível.

Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de

cumprimento da obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, nada permite supor a existência de um tal

prognóstico: sucede apenas que a lei - bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, irrelevante -, verificadas as condições gerais de suspensão da execução da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em

dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, indiferente.

Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida.

A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever (cfr. artigo 51°, n.° 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação.

Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena.

Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11°, n.° 7, do RJIFNA, bem como do n.° 2 do artigo 14° do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado ...

Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11°, n.° 7, do RJIFNA, e no artigo 14° do RGIT.

(10)

[...].

Esta conclusão, e a fundamentação que a sustenta, além de aplicáveis ao caso que ora nos ocupa, merecem concordância, pelo que, reiterando-a, importa concluir, uma vez mais, pela não inconstitucionalidade do art. 14° do RGIT.

Agora apenas se acrescenta que também não se vislumbra que a norma em apreço possa violar o artigo 13°, n.° 2, da Constituição, na parte em que refere que 'ninguém pode ser prejudicado [...] em razão [...] da sua situação

económica'.

Como resulta do que já se disse, nem a falta de cumprimento da obrigação pecuniária determina, automática e necessariamente, a revogação da

suspensão da execução da pena de prisão, nem, no caso de o tribunal optar por essa revogação, o cumprimento da pena a que o agente fora condenado resulta da falta de condições económica, mas antes do facto por si

culposamente praticado.”

Repetindo: mutatis mutandis o que vale para o crime fiscal vale, com inteira razão de ser para o crime de peculato.

Perante uma justificação tão clara, deduzir qualquer outra lucubração exegético-normativa pecaria por excesso.

Destarte, inexistindo fundamento para não aplicar o condicionamento da suspensão, decidir-se-á no sentido da confirmação da douta decisão recorrida.

III.- DECISÃO.

Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se in integrum a douta sentença recorrida.

Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) Ucs– cfr. art. 513.º, 514.º do Código Processo Penal.

Porto, 9 de Fevereiro de 2011

Joaquim Maria Melo de Sousa Lima Élia Costa de Mendonça São Pedro _____________________

[1] Igual redacção da Lei 15/2001 de 05/Junho, seja com referência à redacção originária, seja com referência às alterações introduzidas até à Lei 64-A/2008 de 31/Dezembro.

[2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Ed. Notícias, 1993, §§519 e 520

[3] Vide: Ac. T. Constitucional nº596/99 de 2/11 in DR II Série, nº 44 de 22.02.2000

[4] Na ideia de que os bens jurídicos de carácter público ou colectivo não

(11)

admitem tão bem a suspensão da pena quanto os bens jurídicos de tipo individual?

Referências

Documentos relacionados

Obedecendo ao cronograma de aulas semanais do calendário letivo escolar da instituição de ensino, para ambas as turmas selecionadas, houve igualmente quatro horas/aula

A disponibilização de recursos digitais em acesso aberto e a forma como os mesmos são acessados devem constituir motivo de reflexão no âmbito da pertinência e do valor

[r]

Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de ativi- dade e a indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de aula. Os

[r]

Lista de preços Novembro 2015 Fitness-Outdoor (IVA 23%).. FITNESS

os atores darão início à missão do projeto: escrever um espetáculo para levar até as aldeias moçambicanas para que a população local possa aprender a usufruir e confiar

Este artigo tem por objetivo a avaliação da vida marinha e terrestre na praia da vila no Município de Imbituba em Santa Catarina, o estudo traz uma avaliação da vida existente